Apelação Cível Nº 5002356-98.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ELENICE ROPELATO ESPINDOLA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença, publicada em 11/11/2023, que acolheu parcialmente os pedidos autorais, nos seguintes termos (ev.
):Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos deduzidos por ELENICE ROPELATO ESPINDOLA para o fim de RECONHECER as condições especiais de trabalho no período de 07/10/1991 a 05/03/1997, determinando seja este convertido pelo multiplicador 1,20, totalizando o acréscimo de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 29 (vinte e nove) dias no cálculo de tempo de contribuição da autora.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 2/3 (dois terços) das custas processuais, bem como ao pagamento de honorários em favor do procurador da parte adversa, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), o que faço com espeque no art. 85, § 2º c/c § 3º, do CPC, em razão do tempo, lugar, complexidade do feito e tempo/trabalho necessário para o deslinde do feito, lembrando que eventual execução das verbas sucumbenciais deverá obervar o contido no art. 98, § 3º, do CPC, já que parte autora peticionou albergada pelas benesses da justiça gratuita.
Do mesmo modo, condeno ao INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da autora, os quais fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), o que faço com base no art. 85, § 2º c/c § 8º, do CPC, em razão do tempo, lugar, complexidade do feito e tempo/trabalho necessário para o deslinde do feito.
A Fazenda Pública e as respectivas autarquias e fundações são isentas das custas processuais, consoante art. 7º, I, da Lei Estadual n. 17.654/2018.
Não há remessa necessária, pois o valor da condenação ou o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa 1.000 (mil) salários mínimos, incidindo ao caso o art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, conforme jurisprudência pacificada do Eg. TRF da 4ª Região.
Havendo recurso de apelação, dê-se vista a parte adversa para contrarrazões, e na sequência remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, que houve cerceamento de defesa pela não realização de perícia médica com especialista e perícia social para fins de aferição do grau de sua deficiência. Requer, assim, a anulação da sentença para seja reaberta a instrução e, sucessivamente, reconhecido o grau leve da deficiência (ev.
).Contrarrazões no ev.
.Foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Da preliminar de cerceamento de defesa
Diante da previsão contida no art. 370 do CPC ("Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito"), tenho que houve julgamento prematuro da controvérsia.
O benefício em questão, devido à pessoa com deficiência, é previsto no art. 201, § 1º, da Constituição Federal. Sua regulamentação infraconstitucional veio com a Lei Complementar nº 142/2013, que assim dispõe:
Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
Art. 4º A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Art. 5º O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
Art. 6º A contagem de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência será objeto de comprovação, exclusivamente, na forma desta Lei Complementar.
§ 1º A existência de deficiência anterior à data da vigência desta Lei Complementar deverá ser certificada, inclusive quanto ao seu grau, por ocasião da primeira avaliação, sendo obrigatória a fixação da data provável do início da deficiência.
§ 2º A comprovação de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência em período anterior à entrada em vigor desta Lei Complementar não será admitida por meio de prova exclusivamente testemunhal.
Art. 7º Se o segurado, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3o serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3º desta Lei Complementar.
Referida lei complementar estabeleceu, ainda, que regulamento do Poder Executivo definiria deficiência grave, moderada e leve (art. 3º, parágrafo único), bem como que a avaliação da deficiência deveria ser médica e funcional (art. 4º).
O Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 8.145/2013, regulamentou a mencionada lei complementar e estabeleceu que a perícia deveria ser realizada nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União (art. 70-D do Decreto 3.048/99). Esse ato conjunto foi editado por meio da Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 01/2014, a qual aprovou o instrumento destinado à avaliação do segurado da Previdência Social e à identificação dos graus de deficiência.
Assim, estabeleceu-se que o grau de deficiência deveria ser atestado por perícia do INSS, mediante avaliação funcional realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA (art. 2º, § 1º).
De acordo com a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 01/2014, o critério para a classificação da deficiência em grave, moderada e leve é:
(i) deficiência grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739;
(ii) deficiência moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354;
(iii) deficiência leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
(iv) pontuação insuficiente para concessão do benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Assim, se na soma da pontuação dos laudos da perícia médica e do serviço social o segurado obtiver pontuação menor ou igual a 7.584, terá direito ao benefício com tempo de contribuição reduzido. Caso contrário, não será possível aplicar a Lei Complementar 142/2013.
Não é demais dizer que a Instrução Normativa INSS/PRES nº 128/2022, em seu art. 305, § 3º, estabelece que "A comprovação da deficiência somente se dará depois de finalizadas as avaliações médica e do serviço social, sendo seu grau definido pela somatória das duas avaliações e sua temporalidade subsidiada pela data do impedimento e alterações fixadas pela perícia médica".
Tais ponderações são relevantes ao se considerar que a deficiência é avaliada de acordo com a interação da pessoa com uma ou mais barreiras, e a respectiva obstrução de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência). O § 1º do mencionado dispositivo ainda estipula que avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. Ora, é exatamente essa a situação envolvida na participação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, exigindo-se uma avaliação biopsicossocial (art. 4º da LC nº 142/2013).
Não desconheço a alteração promovida pelo Decreto nº 14.410/2020 no art. 70-D do Decreto nº 3.048/99. Não obstante, entendo que a avaliação promovida na forma estabelecida pela Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 01/2014 é, até o momento, a que se revela mais adequada para fins previdenciários, ainda que guarde críticas fundamentadas da doutrina especializada.
Em caso semelhante, esta Corte já ponderou que "(...) existe a necessidade de se realizar avaliação social da parte, não sendo suficiente sua simples avaliação médica, em especial quando questionada justamente a avaliação da deficiência realizada exclusivamente pelo perito médico. A perícia médica, ainda, não pode se limitar a indicar se há deficiência ou não, devendo se utilizar dos parâmetros do IFbrA para, atribuindo pontos aos diversos âmbitos de avaliação da deficiência. Não é o caso de julgar o pedido improcedente, mantendo-se a avaliação da Administração, mas de buscar-se a complementação da prova indispensável ao julgamento da demanda" (TRF4, AC 5003704-02.2021.4.04.7129, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 16/12/2022).
Mais recentemente, inclusive, concluiu-se que "Ausente, todavia, a avaliação social, não há como examinar e aferir os requisitos necessários à concessão da aposentadoria requerida, o que configura o cerceamento de defesa alegado no recurso" (TRF4, AC 5057190-32.2020.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 15/03/2023).
Em igual sentido, no âmbito desta 9ª Turma: TRF4, AC 5005952-27.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/05/2023.
Assim sendo, a complementação da avaliação médica e a realização da avaliação social possuem o condão de melhor esclarecer acerca do quadro da parte autora, subsidiando uma futura decisão judicial mais justa e próxima à verdade real.
Não é demais dizer que a perícia médica em casos como tais implica em forte influência no convencimento do julgador, de forma que a busca pela verdade real, mais próxima da vivência do segurado, justifica o pleito de realização pericial com médico especialista na área da patologia que acomete o segurado, propiciando uma análise mais justa, coerente e com menor probabilidade de equívoco.
Feitas tais considerações, entendo que deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução com a realização de perícia médica (com especialista em oftalmologia) e social pelo critério de pontuação referido ao norte, para avaliar, exaustivamente, a existência e o grau de deficiência da parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por acolher a preliminar de cerceamento de defesa para anular a sentença, determinando a reabertura da instrução probatória para complementação da perícia médica e realização de perícia social.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004575014v15 e do código CRC 55f67a6a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002356-98.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ELENICE ROPELATO ESPINDOLA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
1. A Constituição Federal prevê a aposentadoria aos segurados do Regime Geral da Previdência Social com deficiência, mediante adoção de requisitos e critérios diferenciados, consoante seu art. 201, § 1º, regulado no plano infraconstitucional pela Lei Complementar nº 142/2003.
2. Nos termos da legislação de regência, a deficiência é analisada mediante avaliação médica e social, resultados cuja soma observa, ao fim, a aplicação do modelo Fuzzy.
3. Na espécie, a sentença vai anulada para que seja produzida prova pericial médica (com especialista na área da enfermidade que acomete o segurado) e social, pelo critério de pontuação, conforme previsto na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 01/2014.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, acolher a preliminar de cerceamento de defesa para anular a sentença, determinando a reabertura da instrução probatória para complementação da perícia médica e realização de perícia social, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de agosto de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004575015v4 e do código CRC a257f1b7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/08/2024 A 08/08/2024
Apelação Cível Nº 5002356-98.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: ELENICE ROPELATO ESPINDOLA
ADVOGADO(A): JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO(A): PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO(A): SALESIO BUSS (OAB SC015033)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/08/2024, às 00:00, a 08/08/2024, às 16:00, na sequência 166, disponibilizada no DE de 23/07/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ACOLHER A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA PARA COMPLEMENTAÇÃO DA PERÍCIA MÉDICA E REALIZAÇÃO DE PERÍCIA SOCIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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