APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043656-84.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARLI APARECIDA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDINEO PEDRO DE MELLO |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. Não se conhece da remessa necessária quando for possível concluir, com segurança, que a condenação ou o proveito econômico da ação não atinge o patamar de mil salários mínimos previsto no art. 496, §3º, I, do NCPC.
2. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
3. Considerando o julgamento do REsp nº 1.352.721/SP pelo STJ, em regime de Recurso Repetitivo, a ausência de conteúdo probatório eficaz a comprovar a qualidade de segurado especial deve ensejar a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso do INSS, reconhecendo a atividade rural exercida pela requerente no período de 21/12/1996 a 31/12/2002 e julgando extinta a ação quanto ao período posterior nos termos do art. 485, IV, do CPC/2015, bem como, de ofício, determinar o imediato cumprimento do acórdão no tocante à averbação do período reconhecido, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2017.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8742703v7 e, se solicitado, do código CRC F3A2A92F. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 27/01/2017 12:44 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043656-84.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARLI APARECIDA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDINEO PEDRO DE MELLO |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença publicada na vigência do CPC/15, em que o magistrado a quo julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural à parte autora, a contar da data do requerimento administrativo (04/05/2015), em razão do exercício do labor rural como boia-fria, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, a partir da data do requerimento na esfera administrativa, atualizadas e acrescidas de juros moratórios, bem como dos honorários advocatícios e das custas processuais.
Em suas razões de apelação a Autarquia Previdenciária sustentou, em síntese, a ausência de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mesmo que de forma descontínua. Em sendo mantida a condenação, defendeu a alteração dos índices adotados para o cômputo do montante devido.
Processados, e também em função de remessa oficial, subiram os autos a esta Corte.
É o sucinto relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Da remessa necessária
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário, a teor da Súmula nº 490: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
Contudo, inviável invocar o preceito da referida súmula, quando o valor do proveito econômico outorgado em sentença à parte autora da demanda é mensurável por simples cálculo aritmético.
O art. 496, §3º, I, do Código de Processo Civil/2015, dispensa a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos para a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
Denota-se da nova disposição legal sobre o tema reexame necessário, que houve uma restrição na aplicabilidade do instituto.
Visando avaliar a repercussão causada pela majoração para 1.000 salários mínimos do limite para a dispensa da remessa necessária, determinei à DICAJ prestasse informações.
Nas informações apresentadas, a Divisão de Cálculos Judiciais referiu que, para que uma condenação previdenciária atingisse o valor de 1.000 salários mínimos, necessário seria que a RMI fosse fixada no valor teto dos benefícios previdenciários, bem como abrangesse um período de 10 (dez) anos entre a DIB e a prolação da sentença.
No caso concreto, é possível concluir com segurança absoluta que o limite de 1.000 salários mínimos não seria alcançado pelo montante da condenação, que compreende desde 04/05/2015 até a data da sentença, 22/06/2016.
Assim, tenho por não conhecer da remessa necessária.
Por fim, na hipótese de impugnação específica sobre o ponto, fica a parte inconformada desde já autorizada a instruir o respectivo recurso contra a presente decisão com memória de cálculo do montante que entender devido, o qual será considerado apenas para a análise do cabimento ou não da remessa necessária.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a aposentadoria por idade rural: a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (artigo 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91); b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício.
Quando implementadas essas condições, aperfeiçoa-se o direito à aposentação, sendo então observado o período equivalente ao da carência na forma do art. 142 da Lei nº 8.213/91 (ou cinco anos, se momento anterior a 31/08/94, data de publicação da MP nº 598, que modificou o artigo 143 da Lei de Benefícios), considerando-se da data da idade mínima, ou, se então não aperfeiçoado o direito, quando isto ocorrer em momento posterior, especialmente na data do requerimento administrativo, tudo em homenagem ao princípio do direito adquirido, resguardado no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91.
O benefício de aposentadoria por idade rural será, em todo caso, devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STJ, REsp nº 544.327-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, unânime, DJ de 17-11-2003; STJ, REsp. nº 338.435-SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, unânime, DJ de 28-10-2002; STJ, REsp nº 225.719-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, unânime, DJ de 29-05-2000).
Do trabalho rural como segurado especial
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Da idade para reconhecimento do labor rural
A idade mínima a ser considerada, no caso de segurado especial, em princípio, dependeria da data da prestação da atividade, conforme a legislação então vigente (nesse sentido: EREsp 329.269/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221). Não obstante, cumpre destacar que a limitação constitucional ao trabalho de menor é norma protetiva da infância, não podendo conduzir ao resultado de que, uma vez verificada a prestação laboral, a incidência do preceito legal/constitucional resulte em sua nova espoliação (desta feita, dos direitos decorrentes do exercício do trabalho).
Assim, é de ser admitida a prestação laboral, como regra, a partir dos 12 anos, pois, já com menos responsabilidade escolar e com inegável maior potência física, os menores passam efetivamente a contribuir na força de trabalho do núcleo familiar, motivo pelo qual tanto a doutrina quanto a jurisprudência aceitam esta idade como termo inicial para o cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial (nesse sentido: TRF4, EIAC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, julgado na sessão de 12-03-2003; STF, AI n.º 529694/RS, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, decisão publicada no DJU de 11-03-05).
Do enquadramento do trabalhador "boia-fria" no regime da Previdência Social
Inicialmente, destaco que o fato de o trabalhador rural qualificar-se como "boia-fria" (ou volante, ou diarista) não nos induz a concluir que o mesmo esteja inserido em uma específica e determinada relação de trabalho, a apontar para uma determinada forma de vinculação à Previdência Social, e que, portanto, o classifique automaticamente em uma das espécies de segurado elencadas nos incisos do artigo 11 da Lei 8.213/91.
Com efeito, sob a denominação genérica de "boia-fria" - expressão que não foi cunhada no universo jurídico e que tem sido objeto de estudo de diversos ramos das ciências sociais e humanas - encontram-se trabalhadores rurais que exercem sua atividade sob diversas formas, seja como empregados, como trabalhadores eventuais, ou como empreiteiros. (OLIVEIRA, Oris. Criança e Adolescente: O Trabalho da Criança e do Adolescente no Setor Rural. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm. Previdência Rural e Inclusão Social. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90).
Certo é que os "boias-frias" constituem, em regra, a camada mais pobre dentre os trabalhadores rurais. Diversamente dos segurados especiais, eles não têm acesso a terra, trabalhando para terceiros, vendendo sua força de trabalho para a execução de etapas isoladas do ciclo de produção agrícola. Contudo, diferentemente dos empregados rurais, suas relações de trabalho não se revestem de qualquer formalização, ficando à margem, no mais das vezes, dos institutos protetivos dirigidos ao trabalho assalariado.
Assim, considerando a complexidade e diversidade das relações de trabalho e de formas de organização da produção em que estão imersos, num universo em que a informalidade e a ausência de documentação são a regra (e não por culpa dos trabalhadores, diga-se de passagem), o seu efetivo e seguro enquadramento no rol de segurados da Previdência Social demandaria extensa e profunda dilação probatória, incompatível com a necessidade de efetivação dos direitos sociais mais básicos das parcelas mais pobres da população, e mesmo com as parcas condições econômicas do trabalhador para fazer frente a processo tão complexo.
Esses fatores estão subjacentes ao entendimento dominante nesta Corte, segundo a qual o trabalhador rural volante/diarista/bóia-fria é equiparado ao segurado especial quanto aos requisitos necessários para a obtenção dos benefícios previdenciários, focando-se então a questão na prova do exercício da atividade rural no respectivo período de carência. Nesse sentido: REOAC 0000600-28.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/04/2012; AC 0020938-57.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 15/03/2012; APELREEX 0017078-48.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogério Favreto, D.E. 16/02/2012).
Do caso concreto
Tendo a parte autora implementado o requisito etário em 01/05/2015 e requerido o benefício em 04/05/2015, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores aos respectivos marcos indicados.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora com João Florentino da Silva ocorrido em 17/07/1976 em que ele é qualificado como lavrador (E1 - OUT5);
b) certidão de nascimento do filho do casal, Rogério Florentino da Silva, ocorrido em 29/08/1982, em que o pai é qualificado como lavrador (E1 - OUT6);
c) declaração do INCRA emitida em 17/04/1997 de que a autora é ocupante do imóvel rural Lote 312, com área aproximada de 14 hectares, em Itaquiraí/MS (E1 - OUT7);
d) aditivo de retificação e ratificação a nota de crédito rural 99/20314-6 em que a autora figura como financiada, qualificada como agricultora residente no assentamento Sul Bonito, lote 312, zona rural no município de Itaquiraí/MS, firmado em 15/08/2002 (E1 - OUT7 - p.2-3);
e) contrato de colonização firmado pela autora como parceleira, qualificada como agricultora, relativamente ao lote 312 do assentamento Sul Bonito em Itaquiraí/MS, firmado em 31/12/1996 (E1 - OUT8);
f) declaração anual do produtor rural relativa ao ano-base 1996 em nome da autora (E1 - OUT10), ano-base 1998 (E1 - OUT11);
g) recibo de entrega da declaração de ITR em nome da autora relativamente ao ano de 1999 (E1 - OUT13), ao ano de 2005 (E1 - OUT29);
h) nota fiscal de venda de produto rural emitida em nome da autora em 15/05/2000 (E1 - OUT17), em 16/10/2001 (E1 - OUT20), em 29/04/2002 (E1 - OUT22);
i) declaração de área cultivada safra de algodão 2000/2001 (E1 - OUT19);
j) contrato de parceria agrícola firmado pela autora como parceira outorgante de Arnaldo Simões de Freitas, cedendo sete vacas leiteiras a este no período de 11/07/2005 a 11/07/2006 (E1 - OUT28), declarando a requerente residir em Naviraí-MS, Rua Canela, 363.
A fim de complementar a prova documental, oportunizou-se a produção de prova oral, momento em que a parte autora relatou que "começou a trabalhar com 10 anos de idade. Que trabalhava como boia-fria, que era levada por "gatos". Que trabalhou na Fazenda Paranavaí, dentre outras. Que era levada pelo "gato" Munhoz. Que é casada. Que seu marido também trabalha na roça. Que teve três filhos. Que seus filhos também trabalharam na roça. Que atualmente está trabalhando na roça. Que vai diariamente trabalhar na roça. Que nunca realizou atividade urbana. Que não trabalhou para o Município de Vinhema. Que atualmente reside em Guaruacá. Que reside nesta cidade desde o ano de 2000. Que antes disto residia em Itaquiraí. Que lá trabalhava em sítio da reforma agrária. Que lá trabalhou de 1996 a 2000. Que não adquiriu propriedade em Guaruaçá. Que aqui trabalha em lavoura de mandioca. Que o ônibus que leva os trabalhadores sai às cinco horas da manhã. Que só trabalha na carpa da mandioca. Que trabalhou na Fazenda Aimoré também. Que não trabalham no sábado e domingo".
MARIA ALBERTINA DOS SANTOS DE OLIVEIRA, quando inquirido, respondeu que "trabalhou na roça com a autora. Que a conheceu há 15 anos. Que trabalhavam com "gatos", sendo um deles conhecido como Munhoz. Que a autora carpia. Que a autora é casada. Que toda a família da autora trabalha na roça. Que ela trabalha até os dias atuais. Que a última vez que trabalharam juntas foi semana passada, quando carpiram mandioca levadas por Munhoz. Que foram de ônibus conduzido por ele, de cor verde e amarela. Que também são conduzidas por outros "gatos", como Cidodorme, Moacir Faxina, dentre outros. Que começou a trabalhar com a autora no ano de 2014. Que já a conhecia de vista antes disto. Que antes trabalhou com a autora por cerca de duas semanas. Que não sabe se a autora possui propriedade rural em Mato Grosso do Sul. Que conhece a autora antes de 2000. Que ela residia em Guaraçá na época".
MARINA PEREIRA VIEIRA, a seu turno, afirmou que "conhece a autora desde o ano de 2000. Que no ano de 2000 ela já morava em Guaraçá. Que trabalharam juntas. Que eram levadas pelos "gatos" Munhoz. Que trabalhavam na Fazenda Aimoré, na Boa Vista. Que a autora nunca exerceu outra atividade. Que ela é casada e tem filhos. Que todos trabalham na roça. Que a autora realizada a atividade de 'carpa'. Que já faz um bom tempo que trabalham juntas. Que a última vez foi há um mês, quando carpiram mandioca. Que antes de 2000 não sabe onde a autora residia. Que não sabe se a autora teve propriedade em Mato Grosso do Sul. Que trabalham por diária. Que recebem R$ 50 por dia. Que a cor do ônibus de Munhoz é amarela e verde, e a de Cidodorme é vermelha. Que a autora nunca teve trabalho na cidade, só na roça. Que há trabalho praticamente o ano inteiro. Que a depoente nunca trabalhou na cidade. Que na roça trabalham na mandioca, já trabalharam na laranja. Que o pagamento é feito aos sábados, na casa do "gato". Que carpem, tiram rama da mandioca, dentre outras atividades. Que não há distinção entre as atividades dos homens e das mulheres. Que não há utilização de maquinário para o trabalho".
Pois bem, em sua inicial, a autora narrou que sempre trabalhou na agricultura em regime de economia familiar, inicialmente com seus pais e, posteriormente, com seu marido no imóvel em que adquiriram.
Contudo, em audiência, a requerente afirmou que a partir do ano de 2000 mudou-se para a cidade de Guaruaçá, no Paraná, local em que passou a exercer a atividade rural como boia-fria, o que foi confirmado pelas testemunhas por ela arroladas, as quais somente passaram a conhecê-la a partir daquele ano e afirmam terem por diversas vezes trabalhado com ela nessas condições.
Todavia, a prova oral encontra-se em colisão frontal à prova documental acima listada.
Com efeito, é possível identificar que a partir de 1996 a autora passou a ocupar lote rural de terras decorrente da reforma agrária, o qual foi a ela cedido pelo INCRA (documento listado no item "e"). O labor rural naquela propriedade foi exercido até o ano de 2002, do que faz prova a nota fiscal de venda de produção rural emitida em nome da requerente em 29/04/2002 (E1 - OUT22) e o aditivo de retificação e ratificação a nota de crédito rural firmado em 15/08/2002 relativamente ao imóvel proveniente do assentamento rural, localizado no município de Itaquiraí, Estado do Mato Grosso do Sul (E1 - OUT7 - p.2-3).
Ainda que se admitisse certa imprecisão quanto às datas, o que é comum em face do transcurso do tempo e da dificuldade inerente relativa à memorização precisa dos fatos, observo que em 11/07/2005 a autora, declarando residir na cidade de Naviraí, também localizada no Estado do Mato Grosso do Sul, firmou contrato de parceria como outorgante, cedendo a utilização de sete vacas leiteiras (E1 - OUT28).
A ratificar a colisão entre o conteúdo da prova oral e a prova documental, destaco ainda o fato de o cônjuge da autora ter mantido vínculo com cooperativa localizada na cidade Ivinhema - MS no período de 11/06/2007 a 11/07/2007 (E38 - OUT4) e também ter sido a agência do INSS daquela cidade a responsável pela concessão a ele do benefício de aposentadoria por invalidez em 21/10/2010 (E38 - OUT5).
Diante de tais elementos, entendo que ao recurso do INSS deve ser dado parcial provimento para a reforma do julgado.
Reconheço, contudo, o período de atividade rural em regime de economia familiar entre 21/12/1996 e 31/12/2002, o que corresponde à assinatura do contrato de colonização firmado pela autora com o INCRA e ao último ano em que comprovada a realização de atividade rural.
A limitação do período reconhecido também se deve ao fato de que entre 10/1991 e 01/1995 consta registro de vínculo estatutário entre a autora e o Município de Ivinhema - MS (E38 - OUT2 - p.15-17).
No que tange ao período posterior, como já referido, a prova testemunhal é inservível ao propósito da requerente, pois destoa do conjunto probatório, sendo vedada, ainda, a comprovação da atividade rural exclusivamente através de prova testemunhal.
Além disto, o contrato de parceria firmado pela autora como outorgante não se presta a ser utilizado como prova material da atividade rural, pois seu objeto diz respeito à cessão de vacas leiteiras a terceiro agricultor sem que a autora, na oportunidade, tenha se qualificado como agricultora, o que indica afastamento da atividade rural.
Neste contexto, uma vez que não suporte material apto a amparar um juízo de certeza acerca do abandono ou do exercício, pela autora, de atividade rural no período posterior ao ano de 2002, tendo em conta o julgamento do REsp nº 1.352.721, em regime de Recurso Repetitivo, passo a adotar a posição do Superior Tribunal de Justiça, que determina a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, conforme ementa que colaciono:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16-12-2015)
Assim, merece parcial provimento o recurso do INSS para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, reconhecendo o exercício de labor rural como segurado especial apenas no período de 21/12/1996 a 31/12/2002, e, quanto ao período posterior, julgar extinta a ação sem resolução do mérito, forte no art. 485, IV, do CPC/2015.
Fica prejudicada a análise do direito da parte autora no que tange à concessão do benefício de aposentadoria previsto no art. 48, §3º da Lei n. 8.213/91, em razão da não satisfação do requisito etário pela requerente.
Das Custas Processuais e dos Honorários Advocatícios
Sendo hipótese de sucumbência recíproca, os honorários advocatícios dos patronos de cada parte devem ser fixados em R$ 880,00 (art. 85 e §§ do CPC/2015), vedada a compensação, nos termos do § 14 do referido artigo. Em relação à parte autora, entretanto, por litigar sob o pálio da Gratuidade de Justiça, deve ser observada a suspensão da exigibilidade do pagamento de tal verba.
Quanto às custas processuais, que devem ser suportadas por ambas as partes na proporção de metade, resta suspensa sua exigibilidade no tocante à parte autora, em virtude da concessão da prefalada benesse.
Já o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo Código de Processo Civil, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à averbação do período reconhecido. Prazo: 45 dias.
Faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso do INSS, reconhecendo a atividade rural exercida pela requerente no período de 21/12/1996 a 31/12/2002 e julgando extinta a ação quanto ao período posterior nos termos do art. 485, IV, do CPC/2015, bem como, de ofício, determinar o imediato cumprimento do acórdão no tocante à averbação do período reconhecido.
É o voto.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043656-84.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00022261920158160167
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARLI APARECIDA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDINEO PEDRO DE MELLO |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/01/2017, na seqüência 800, disponibilizada no DE de 10/01/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, RECONHECENDO A ATIVIDADE RURAL EXERCIDA PELA REQUERENTE NO PERÍODO DE 21/12/1996 A 31/12/2002 E JULGANDO EXTINTA A AÇÃO QUANTO AO PERÍODO POSTERIOR NOS TERMOS DO ART. 485, IV, DO CPC/2015, BEM COMO, DE OFÍCIO, DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À AVERBAÇÃO DO PERÍODO RECONHECIDO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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