Apelação Cível Nº 5000290-37.2022.4.04.7007/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIO FERREIRA DE ALMEIDA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por MARIO FERREIRA DE ALMEIDA em face do INSS, requerendo a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com efeitos financeiros a partir de 08/02/2018 (NB 42/179.151.726-6), mediante o reconhecimento do tempo de serviço especial de 01/11/1989 a 15/07/1991, de 01/12/1993 a 02/01/1995, de 01/12/1995 a 18/10/2004 e de 01/04/2005 a 10/11/2016 (ev. 1, doc.1).
Instruído o feito, foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor (ev. 14):
[...] III - DISPOSITIVO
Ante o exposto julgo:
1) Extinto o processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da atividade especial nos períodos de 01/12/1995 a 18/10/2004 e 01/04/2005 a 10/11/2016, por carência de ação, nos termos do art. 485, VI, do CPC;
2) Procedente em parte o pedido, dando por resolvido o mérito da causa (art. 487, I, do CPC). Como consequência, condeno o INSS a:
a) averbar, como tempo de serviço especial, o tempo de contribuição correspondente aos períodos de 01/11/1989 a 15/07/1991 e 01/12/1993 a 02/01/1995;
b) revisar e pagar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição;
(...)
c) pagar as parcelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal.
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários, entre 4/2006 e 12/2021, será calculada conforme a variação do INPC, observando-se a aplicação do IPCA-E sobre as parcelas vencidas de benefícios assistenciais (Temas 810 do STF e 905 do STJ). Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29/6/2009. A partir de 30/6/2009, até 12/2021, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança, observado o disposto na Lei n. 12.703/2012. A partir de dezembro de 2021, nos termos do art. 3º da EC 113/2021, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Fixo os honorários advocatícios calculados sobre o valor atualizado da causa aplicando-se o percentual mínimo de 10% (dez por cento), observados os §§3º e 5º do artigo 85 do CPC. A atualização deverá ser feita pelo IPCA-e. Em relação ao réu, a partir de dezembro de 2021, aplica-se o art. 3º da EC 113/2021.
Considerando a sucumbência recíproca, aplicando à hipótese o artigo 86 do CPC, distribuindo-se igualmente, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada parte (art. 86 do CPC), os honorários advocatícios, sendo vedada sua compensação, nos termos do artigo 85, §14, Código de Processo Civil. [...]
A parte autora apela (ev. 20).
Alega a existência de interesse de agir quanto aos períodos de 01/12/1995 a 18/10/2004 e de 01/04/2005 a 10/11/2016, devendo a sentença ser anulada no ponto, com realização de perícia técnica laboral. Afirma que, quando do requerimento administrativo de concessão de benefício, a autarquia previdenciária inadimpliu ao dever de orientar o segurado ao não emitir carta de exigências; que o segurado laborou como motorista de caminhões em empresa varejista de bebidas, recorrentemente exposto à penosidade, o que permitiria ao servidor do INSS ao menos cogitar a possibilidade de enquadramento de atividades especiais.
Pede, assim, a anulação da sentença e a reabertura da instrução, possibilitando-se a produção de prova técnica.
Com contrarrazões (ev. 23), vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
INTERESSE DE AGIR
Revisão. Prévio requerimento administrativo.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso sujeito ao regime de repercussão geral, fixou a seguinte tese sobre a exigência de prévio requerimento administrativo de concessão ou revisão de benefício previdenciário como condição para o acesso ao Judiciário - Tema nº 350:
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado;
III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão;
IV – Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir;
V – Em todos os casos acima – itens (a), (b) e (c) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014) grifei.
Compulsando os autos, verifica-se que a parte autora, quando do pedido de aposentadoria, juntou CTPS contendo informação do exercício da função de motorista de caminhão nos respectivos vínculos empregatícios (ev. 1, doc. 10, fls. 23/24).
Conforme se extrai do precedente do STF, se, nos casos de revisão que envolve matéria de fato (no caso, tempo especial cuja análise do caso concreto, em viés ainda não submetido à Autarquia, e não impugnado em contestação, cuja atividade, em princípio, não se enquadraria em categoria profissional nos termos Decretos 53.831/64 e 83.080/79), deve ocorrer a postulação administrativa antes do ajuizamento da demanda. O mesmo entendimento deve ser aplicado no requerimento de aposentadoria na via administrativa.
Nessa linha, colaciono precedentes análogos deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PENSÃO POR MORTE. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. RECONHECIMENTO. AUSENCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. (...) 3. Caso que demanda a apreciação de fato novo, consistente na inclusão de novos salários de contribuições reconhecidos em acordo homologado na esfera trabalhista após a DER. 4. Não tendo ocorrido contestação de mérito, não está caracterizada a pretensão resistida, tampouco trata-se de hipótese em que o entendimento da Autarquia é notoriamente contrário à pretensão do interessado. Logo, ausente o interesse de agir, devendo o processo, ajuizado após a conclusão do julgamento do Tema STF 350, ser extinto sem exame do mérito. (...) (TRF4, AC 5001699-07.2015.4.04.7003, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Juiz Federal MARCELO MALUCELLI, 05/02/2020) .
PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. AVERBAÇÃO DE TEMPO. 1. No que tange à necessidade de prévio requerimento administrativo, a questão foi definida da seguinte forma pelo Supremo Tribunal Federal: (a) para os pedidos de concessão de benefício, não se exige o prévio requerimento quando a postura do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação do segurado; (b) para os pedidos de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício, somente se exige o prévio requerimento para matéria de fato não levada ao conhecimento da Administração (RE 631.240/MG, Relator Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014). 2. Assim, enquanto que para os pedidos de concessão, o prévio requerimento é regra geral, para os pedidos de revisão, restabelecimento e manutenção, a anterior provocação do INSS é exceção. 3. Justifica-se o prévio requerimento administrativo se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração, o que inclui a averbação de tempo especial. (TRF4, AC 5007149-56.2019.4.04.7110, SEXTA TURMA, Relator Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, 24/10/2019)
No caso dos autos, a parte autora defende a existência de interesse de agir na espécie, pois, quando do requerimento administrativo de concessão do benefício, juntou os documentos que permitiriam ao INSS compreender a especialidade da atividade que desempenhou na função de motorista de caminhão (CTPS).
De fato, tal indicação da natureza da atividade sugere a necessidade de esclarecimento das reais condições de trabalho, em razão da possível sujeição a agentes nocivos, já que, para a atividade em tela (motorista de caminhão), havia o enquadramento por categoria profissional.
Cabia ao INSS, portanto, instruir o segurado quanto à possibilidade de sujeição a agentes nocivos e decorrente necessidade de instrução do processo administrativo para essa verificação. Não tendo se desincumbido dessa obrigação, evidencia-se o interesse de agir.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. TEMPO RURAL. PROVA. INTERESSE DE AGIR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVERES DE INFORMAÇÃO E ORIENTAÇÃO AO SEGURADO. (...) O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG (Tema 350) em sede de repercussão geral, firmou entendimento no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, ressaltando ser prescindível o exaurimento daquela esfera. Havendo documentos no processo administrativo indicando uma possível condição de segurado especial, mas concluindo o INSS por reconhecer apenas os vínculos formais sem orientar o segurado quanto ao direito ao reconhecimento de período rural e à apresentação de outros elementos materiais, evidencia-se o descumprimento, por parte da autarquia, dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva (dever de informação e orientação do segurado). (...) (TRF4, AC 5000574-38.2020.4.04.7032, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, 03/06/2022)
Dessa forma, dou provimento à apelação para afastar a falta de interesse de agir quanto aos períodos de 01/12/1995 a 18/10/2004 e de 01/04/2005 a 10/11/2016, anulando-se parcialmente a sentença e determinando-se o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito.
Destaco que não houve a instrução adequada do processo, de modo que não é possível o imediato julgamento do mérito postulado no recurso.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO
Conforme fundamentação supra, restou comprovado o interesse de agir quanto aos períodos de 01/12/1995 a 18/10/2004 e de 01/04/2005 a 10/11/2016, decidindo-se pela anulação da sentença no ponto em questão.
Em princípio, a solução seria de anular a sentença em sua integralidade e determinar o retorno dos autos à origem para a produção das provas cabíveis. No caso, contudo, o juízo a quo julgou parte dos pedidos procedentes, deferindo, inclusive, a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao autor (NB 42/179.151.726-6). Dessa forma, eventual anulação total da sentença seria prejudicial ao requerente, que teve sua apelação provida, à medida que retornariam para análise e julgamento em primeiro grau todos os pontos já analisados e que não padecem de vício.
Assim, a medida que se mostra mais razoável e adequada aos princípios da economia processual e da duração razoável do processo é o julgamento parcial do mérito.
Com o advento do novo Código Processual, restou afastado o dogma da unicidade da sentença, de forma que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo, nos termos do disposto no art. 356, o qual entendo oportuno transcrever:
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.
§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.
§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.
§ 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.
§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.
§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.
À primeira leitura, o texto legal parece restringir a técnica do julgamento parcial do mérito ao juiz de primeiro grau; todavia, consoante interpretação sistemática do Código Processual, e tendo em vista os poderes implícitos do Tribunal como instância revisora, é possível o julgamento parcial do mérito pelo Tribunal, com base na teoria da causa madura (art. 1.013, §3º, do CPC). Segundo essa teoria, não é imprescindível o retorno dos autos à primeira instância para que seja proferida nova sentença, em se tratando de causa em condições de imediato julgamento.
Ademais, a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, devendo a declaração de nulidade se limitar à parte efetivamente viciada, não atingindo aquelas que sejam desta independentes (art. 281 do CPC/2015, segunda parte). Nas palavras de Daniel Amorim (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, pp. 481/482):
No que tange à segunda parte do dispositivo legal, ou seja, ao confinamento da nulidade a apenas parte do ato em que se verificou a nulidade, trata-se de norma a ser aplicada aos atos complexos, na tentativa de preservação do quanto possível do ato. Havendo uma unidade meramente formal do ato, é possível que apenas um dos capítulos do ato seja defeituoso, e, não havendo relação entre tal capítulo considerado viciado com outros tidos como sadios, a anulação deve se limitar ao primeiro (utile per inutile non vitiatur). A regra, entretanto, somente será aplicável se as decisões contiverem capítulos independentes entre si e autônomos.
Justamente em razão de depender do caso concreto os limites do efeito expansivo da decretação de nulidade, o art. 282, caput, do NCPC obriga o juiz a declarar, quando pronuncia a nulidade de um ato, quais atos serão atingidos por ela. A exigência se mostra lógica, pois somente assim as partes descobrirão de que forma a nulidade declarada atingiu outros atos além daquele viciado.
Nessa linha de interpretação, o STJ, no recente julgamento do REsp 1.845.542-PR (Informativo de Jurisprudência nº 696) decidiu pela possibilidade da aplicação do disposto no art. 356 do CPC pelos Tribunais, desde que se esteja diante de uma das hipóteses previstas no aludido artigo: haja cumulação de pedidos e sejam eles autônomos e independentes, ou - tendo sido deduzido um único pedido -, esse seja decomponível. Destaca-se a ementa do julgado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. (...) JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO PELOS TRIBUNAIS. POSSIBILIDADE. (...)
2. O propósito recursal é dizer sobre a) a possibilidade de o Tribunal, no julgamento de recurso de apelação, valer-se da norma inserta no art. 356 do CPC/2015, b) a causa do evento danoso e a comprovação dos danos materiais, c) o cabimento da revisão da indenização por danos extrapatrimoniais, d) o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o valor da indenização, e) a possibilidade de a Corte local determinar a complementação das provas, f) a ocorrência de sucumbência recíproca e g) a viabilidade de condenar o vencido ao pagamento de honorários advocatícios quando da prolação de decisão parcial do mérito.
3. O art. 356 do CPC/2015 prevê, de forma clara, as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito. Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (art. 356, § 3º, do CPC/2015).
4. No entanto, o julgador apenas poderá valer-se dessa técnica, caso haja cumulação de pedidos e estes sejam autônomos e independentes ou, tendo sido deduzido um único pedido, esse seja decomponível. Além disso, é imprescindível que se esteja diante de uma das situações descritas no art. 356 do CPC/2015. Presentes tais requisitos, não há óbice para que os tribunais apliquem a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. Tal possibilidade encontra alicerce na teoria da causa madura, no fato de que a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, no confinamento da nulidade (art. 281 do CPC/2015, segunda parte) e em princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual. (...)
(REsp 1.845.542-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/05/2021.)
No mesmo sentido, destaca-se precedente da Turma Suplementar do Paraná:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. FUNDADAS DÚVIDAS QUANTO À POSSÍVEL EXPOSIÇÃO A AGENTE NOCIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DE PARTE DA SENTENÇA. JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO: CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA: TEMAS 810/STF E 905/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O juízo a quo, na condução e direção do processo, compete dizer, mesmo de ofício, quais as provas que entende necessárias ao deslinde da questão, bem como indeferir as que julgar desnecessárias ou inúteis à apreciação do caso.
2. O Tribunal Federal da 4ª Região tem manifestado entendimento - na apreciação da alegação de cerceamento à realização de perícia técnica - na circunstância de ter havido, nesses casos submetidos a exame, fundadas dúvidas acerca da efetiva exposição a agente nocivo, inobstante as informações contidas em formulários e laudos técnicos.
3. Havendo indicação e motivação suficiente de que a parte, no labor, estivera exposta a agente nocivo, consideradas as atividades exercidas no período, é justificada a produção de prova técnica pericial, evidenciando-se, pois, cerceamento de defesa, circunstância a ensejar a anulação da sentença e reabertura da instrução processual.
4. Configurado o cerceamento, provido o recurso para que, com reconhecimento da anulação de parte da sentença, seja produzida a prova pericial.
5. Possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito pelo Tribunal, diante de apelação, nos termos do art. 356 do CPC, c/c com o art. 1.013, §3º, do CPC (teoria da causa madura).
6. O julgamento antecipado do mérito, no caso, é solução que melhor atende aos princípios da duração razoável do processo, da eficiência e da economia processual. Ademais, a nulidade é ultima ratio, devendo ser preservados os atos não viciados (art. 281 do CPC).
7. Preenchidos os requisitos fixados pelo STJ no julgamento do REsp 1.845.542-PR para aplicação do julgamento antecipado parcial: estar diante de uma das hipóteses previstas no art. 356 do CPC, haver cumulação de pedidos e forem eles autônomos e independentes, ou - tendo sido deduzido um único pedido -, esse for decomponível.
8. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
9. Tem direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição o segurado que, mediante a soma do tempo judicialmente reconhecido com o tempo computado na via administrativa, possuir tempo suficiente e implementar os demais requisitos para a concessão do benefício.
10. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905).
11. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
12. O julgamento parcial do mérito não impede a concessão da tutela específica. Primeiro, porque a cisão do julgamento objetiva viabilizar a prestação, desde logo, de parte da tutela jurisdicional em condições de julgamento. Segundo, porque, na hipótese de eventual reconhecimento da especialidade da atividade do autor (parte do pedido pendente de produção de provas e julgamento - cuja sentença no ponto fora parcialmente anulada), o benefício de aposentadoria comum concedido poderá ser revisado, com eventual adequação do tempo total de contribuição.
13. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC.
(APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005713-28.2019.4.04.9999/PR, julgado na sessão virtual de 03 a 10/08/2021, unânime. juntado aos autos em 13/08/2021)
Na hipótese dos autos, o autor cumulou diversos pedidos, a saber: o reconhecimento de diversos períodos de atividade especial e a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (ev. 01, doc. 1).
O juízo a quo reconheceu o labor em condições especiais de 01/11/1989 a 15/07/1991 e de 01/12/1993 a 02/01/1995; bem como determinou a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora (ev. 14). O INSS não apelou.
Percebe-se, portanto, que os pedidos são autônomos entre si. Destaca-se, ainda, que a prova ulteriormente produzida, acerca do trabalho especial das atividades de motorista de caminhão, não influenciará nas conclusões sobre as outras questões já reconhecidas, tampouco na determinação da revisão da aposentadoria (mas apenas quanto à eventual adequação do tempo total de contribuição).
Diante do exposto, uma vez reconhecida a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, e considerando que houve a determinação da revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, passo, à análise da concessão da tutela específica.
TUTELA ESPECÍFICA
Com base no artigo 497 do CPC e na jurisprudência consolidada da Terceira Seção desta Corte (QO-AC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper), determino o cumprimento imediato deste julgado.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício concedido ou revisado judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Requisite a Secretaria da 10ª Turma, à CEAB-DJ, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
DADOS PARA CUMPRIMENTO: ( ) CONCESSÃO ( ) RESTABELECIMENTO ( X) REVISÃO | |
NB: | 42/179.151.726-6 |
ESPÉCIE: | Aposentadoria por tempo de contribuição |
DIB: | 08/02/2018 |
DIP: | o primeiro dia do mês do processamento |
DCB: | não se aplica |
RMI: | a apurar |
Informações adicionais: |
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
Apelação provida para afastar a falta de interesse de agir quanto aos períodos de 01/12/1995 a 18/10/2004 e de 01/04/2005 a 10/11/2016, anular parcialmente a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito quanto a tais períodos.
De ofício, determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício da parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular parcialmente a sentença e determinar a reabertura da instrução processual e por determinar a implantação do benefício, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003791922v6 e do código CRC 6deeb5c6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 5/4/2023, às 17:7:12
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Apelação Cível Nº 5000290-37.2022.4.04.7007/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIO FERREIRA DE ALMEIDA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADES ESPECIAIS. HIPÓTESES DE POSSÍVEL SUJEIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. ANULAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. No que tange à necessidade de prévio requerimento administrativo, a questão foi definida da seguinte forma pelo Supremo Tribunal Federal: (a) para os pedidos de concessão de benefício, não se exige o prévio requerimento quando a postura do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação do segurado; (b) para os pedidos de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício, somente se exige o prévio requerimento para matéria de fato não levada ao conhecimento da Administração (RE 631.240/MG, Relator Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014).
2. Havendo no processo administrativo informação indicativa de possível especialidade do trabalho realizado pelo segurado, mas concluindo o INSS por computar apenas como tempo comum, sem orientar o segurado quanto ao eventual direito ao reconhecimento da atividade especial mediante a apresentação de outros elementos de prova, evidencia-se o descumprimento, por parte da Autarquia, dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva (dever de informação e orientação do segurado).
3. Afastada a falta de interesse de agir, anula-se parcialmente a sentença e determina-se o retorno dos autos à origem para o seu regular processamento.
4. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular parcialmente a sentença e determinar a reabertura da instrução processual e por determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003791923v4 e do código CRC 50626bbf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 5/4/2023, às 17:7:12
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/03/2023 A 04/04/2023
Apelação Cível Nº 5000290-37.2022.4.04.7007/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: MARIO FERREIRA DE ALMEIDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): YOSHIAKI YAMAMOTO KIYAMA (OAB RS120348)
ADVOGADO(A): RENAN NASCIMENTO DE OLIVEIRA (OAB RS080622)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/03/2023, às 00:00, a 04/04/2023, às 16:00, na sequência 228, disponibilizada no DE de 17/03/2023.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR PARCIALMENTE A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E POR DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2023 04:00:58.