Apelação Cível Nº 5000632-72.2019.4.04.7130/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: ILDA MARIA DOS SANTOS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão desta 11ª Turma assim ementado (
):PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCONTINUIDADE.
1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
2. Não comprovado o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, descabe a concessão de aposentadoria rural por idade.
Os declaratórios, apresentados pela parte autora, apontam que o julgado foi omisso ao deixar de examinar a possibilidade de aposentadoria por idade híbrida, eis que existem contribuições urbanas (
).É o relatório.
VOTO
Recebo o recurso de embargos de declaração, visto que adequado e tempestivo.
Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; b) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; c) corrigir erro material (CPC, art. 1.022, incisos I a III). Em hipóteses excepcionais, admite a jurisprudência emprestar-lhes efeitos infringentes.
Princípio da Fungibilidade
Inviável a concessão de aposentadoria por idade rural, passo a examinar a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Destaco que é pacífica a jurisprudência no sentido de não configurar decisão extra petita deferir benefício diverso do pedido pretendido, tendo em vista o princípio da fungibilidade das ações previdenciárias.
O entendimento das Turmas Previdenciárias deste Tribunal é no sentido de que como o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do benefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, insculpido nos artigos 141 e 492, ambos do Código de Processo Civil.
Da aposentadoria por idade na forma híbrida
Com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).
Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.
Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015).
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício.
O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da Lei n.º 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.
Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)
(STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015).
Saliente-se ainda, que a questão da impossibilidade de computar período de labor rural remoto, ou seja, anterior em muitos anos à data do requerimento administrativo, sem o devido recolhimento de contribuições previdenciárias, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida foi submetida ao rito dos recursos repetitivos no STJ, objeto do Tema 1007:
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Assim, em face do decidido pelo STJ no tema 1007, é possível computar o período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, para fins da carência para obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Desnecessário que no momento do requisito etário ou do requerimento administrativo a pessoa estivesse desenvolvendo atividade rural, sendo suficiente a totalização dos períodos rurais e urbanos, nos termos do referido precedente, e que tenha sido implementada a idade.
Do atendimento dos requisitos para a concessão do benefício
A autora, nascida em 28/05/1961, requereu o benefício na via administrativa em 01/07/2016, quando tinha 55 (cinquenta e cinco anos de idade). Para fins de implementação do requisito etário para a concessão da aposentadoria híbrida, devem ser observadas as regras da EC 103/19, que gradualmente, ampliou a idade mínima necessária. No caso, deve ser reafirmada a DER para 28/11/2022, quando a autora completou 61,5 anos de idade.
Outrossim, verifico que já houve reconhecimento administrativo do período rural de 08/07/1978 a 31/12/1994. Na sentença, mantida pelo voto condutor, reconheceu-se a atividade rural da autora, em regime de economia familiar, do período de 15/09/2011 a 01/07/2016.
Por sua vez, do resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição (
, fl.88), verifica-se que há trabalho urbano entre 01/07/2006 a 31/05/2010.QUADRO CONTRIBUTIVO
Data de Nascimento | 28/05/1961 |
---|---|
Sexo | Feminino |
DER | 01/07/2016 |
Reafirmação da DER | 28/11/2022 |
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | rural (AVERB. JUD.) (Rural - segurado especial) | 08/07/1978 | 31/12/1994 | 1.00 | 16 anos, 5 meses e 23 dias | 198 |
2 | rural (JUD.) (Rural - segurado especial) | 15/09/2011 | 01/07/2016 | 1.00 | 4 anos, 9 meses e 17 dias | 59 |
3 | urbano (ADM.) | 01/07/2006 | 31/05/2010 | 1.00 | 3 anos, 11 meses e 0 dias | 47 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade |
Até a DER (01/07/2016) | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 55 anos, 1 meses e 3 dias |
Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019) | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 58 anos, 5 meses e 15 dias |
Até 31/12/2019 | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 58 anos, 7 meses e 2 dias |
Até 31/12/2020 | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 59 anos, 7 meses e 2 dias |
Até 31/12/2021 | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 60 anos, 7 meses e 2 dias |
Até Lei nº 14.331/2022 (04/05/2022) | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 60 anos, 11 meses e 6 dias |
Até a reafirmação da DER (28/11/2022) | 25 anos, 2 meses e 10 dias | 304 | 61 anos, 6 meses e 0 dias |
- Aposentadoria por idade
Análise do direito feita em conformidade com o Tema Repetitivo nº 1007 do STJ: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento da idade ou do requerimento administrativo.
Em 01/07/2016 (DER), a segurada não tem direito adquirido à aposentadoria por idade híbrida do art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, porque não cumpre a idade mínima de 60 anos (faltavam 5 anos).
Em 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da EC 103/2019), a segurada não tem direito adquirido à aposentadoria por idade híbrida do art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, porque não cumpre a idade mínima de 60 anos (faltavam 2 anos).
Em 31/12/2019, a segurada não tem direito à aposentadoria híbrida conforme art. 18 da EC 103/19, art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 e art. 317, §2º, da IN 128/2022, porque não cumpre a idade mínima exigida (60 anos, cf. art. 317, §1º, da IN 128/2022).
Em 31/12/2020, a segurada não tem direito à aposentadoria híbrida conforme art. 18 da EC 103/19, art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 e art. 317, §2º, da IN 128/2022, porque não cumpre a idade mínima exigida (60.5 anos, cf. art. 317, §1º, da IN 128/2022).
Em 31/12/2021, a segurada não tem direito à aposentadoria híbrida conforme art. 18 da EC 103/19, art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 e art. 317, §2º, da IN 128/2022, porque não cumpre a idade mínima exigida (61 anos, cf. art. 317, §1º, da IN 128/2022).
Em 04/05/2022 (Lei nº 14.331/2022), a segurada não tem direito à aposentadoria híbrida conforme art. 18 da EC 103/19, art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 e art. 317, §2º, da IN 128/2022, porque não cumpre a idade mínima exigida (61.5 anos, cf. art. 317, §1º, da IN 128/2022).
Em 28/11/2022 (reafirmação da DER), a segurada tem direito à aposentadoria híbrida conforme art. 18 das regras de transição da EC 103/19, art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 e art. 317, §2º, da IN 128/2022, porque cumpre o tempo mínimo de contribuição (15 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e a idade mínima (61.5 anos, cf. art. 317, §1º da IN 128/2022). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 26, §§ 2º e 5º da mesma Emenda Constitucional.
PORTANTO, acolho os presentes embargos, com efeitos infringentes, para conceder-se aposentadoria por idade “híbrida” com DER reafirmada para 28/11/2022.
Por conseguinte, readequo os honorários para que o INSS seja condenado em 10% sobre o valor da condenação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por acolher parcialmente os embargos de declaração, com efeitos infringente.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004567178v16 e do código CRC 0f6a1f9c.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 15/7/2024, às 15:1:22
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Apelação Cível Nº 5000632-72.2019.4.04.7130/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: ILDA MARIA DOS SANTOS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. princípio da fungibilidade.
Cabíveis os declaratórios para fins de sanar omissão referente à concessão de aposentadoria examinada sob a égide do princípio da fungibilidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, acolher parcialmente os embargos de declaração, com efeitos infringente, com ressalva do entendimento do Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 16 de julho de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004567179v5 e do código CRC da4f5d81.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 16/07/2024
Apelação Cível Nº 5000632-72.2019.4.04.7130/RS
INCIDENTE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: ILDA MARIA DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO SEBEN (OAB RS036458)
ADVOGADO(A): MÁRCIO DA ROSA (OAB RS064306)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 16/07/2024, na sequência 96, disponibilizada no DE de 05/07/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ACOLHER PARCIALMENTE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, COM EFEITOS INFRINGENTE, COM RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 111 (Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS) - Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS.
Acompanho a Relatora; porém, com ressalva de fundamentação atinente aos honorários sucumbenciais, pois entendo que tendo a pretensão à reafirmação da DER surgido em momento posterior ao ajuizamento da demanda, em relação a qual o INSS não ofereceu oposição, não há lide que justifique a imposição daquele encargo ao INSS, seja em obséquio ao princípio da causalidade ou da interpretação do STJ acerca do Tema 995.
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2024 04:01:00.