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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. PARALISAÇÃO PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE DA ESTRUT...

Data da publicação: 02/03/2023, 07:01:32

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. PARALISAÇÃO PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DO JUDICIÁRIO. NÃO-CONSUMAÇÃO. 1. Assentou a jurisprudência no sentido de que, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, não é necessária a intimação do exequente para dar andamento ao processo. 2. Se o feito ficou paralisado por mais de cinco anos sem que tenha havido desídia ou inércia injustificada do titular do crédito, não há falar em consumação da prescrição intercorrente. (TRF4, AC 5030340-96.2019.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 22/02/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5030340-96.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: OLGA POTRICH FAVRETTO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença que reconheceu a prescrição intercorrente da pretensão executória, extinguindo a execução com base no art. 924, V, do CPC; condenada a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios no valor de R$ 800,00, suspensa a exigibilidade pela gratuidade judiciária.

A apelante alega refere que no despacho de fl. 106, o MM. Juízo a quo determinou que os autos aguardassem em cartório o julgamento do recurso especial interposto pelo INSS, sendo certificado em 18/11/2011 (fl. 109) que não havia vindo aos autos informações daquele julgamento, o que se repetiu em 08/11/2017, e somente veio aos autos a informação em 04/09/2018, sendo publicada intimação para manifestação sobre o prosseguimento da execução. Sustenta que não houve inércia da sua parte, somente tendo movimentação processual após a juntada de decisões no recusos especial. Alega que deveria ter sido intimada pessoalmente para prosseguir a execução, não sendo possível o decurso do lustro prescricional somente a partir da intimação do advogado por nota de expediente.

Com contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Como é cediço, o instituto da prescrição tem por fundamento a segurança jurídica sobre as relações jurídicas, fulminando a pretensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor.

Leciona PONTES DE MIRANDA sobre os fundamentos sociais da limitação temporal de direitos e pretensões (Tratado de Direito Privado, Parte Geral vol. 6, Bookseller, 1ª ed., 2000, p. 135):

"No Código Civil brasileiro e na ciência jurídica, escoimada de teorias generalizantes, prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações. A proteção, que se contém nas regras jurídicas sobre a prescrição, corresponde à experiência humana de ser pouco provável a existência de direitos, ou ainda existirem direitos, que longo por tempo não foram invocados. Não é esse, porém, o seu fundamento. Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionalidade. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada momento da civilização determina."

Tal objetivo de pacificação social é incompatível com o prolongamento indefinido de pretensões executórias ao longo do tempo.

A prescrição intercorrente é meio de concretização das mesmas finalidades inspiradoras da prescrição tradicional, tendo origem e natureza jurídica idênticas, distinguindo-se tão-somente pelo momento de sua incidência. Logo, não basta ao titular do direito subjetivo a dedução de sua pretensão em juízo dentro do prazo prescricional, sendo exigido que busque  a  sua efetiva satisfação promovendo todas as medidas necessárias à conclusão do processo.

O Código Civil contém previsão taxativa das hipóteses de interrupção da prescrição, entre as quais figura o despacho positivo do juiz, ainda que incompetente (art. 202, I, do CC/2002), ao lado das demais causas extrajudiciais interruptivas. Acrescentou ainda o legislador que, uma vez interrompida a prescrição, o prazo prescricional é retomado por inteiro "da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo para interrompê-la" (parágrafo único do art. 202 do CC/2002).

In casu, a apelante reputa indispensável a sua intimação pessoal para que o prazo prescricional trancorresse.

A Súmula 150/STF era fundamento para a declaração da prescrição intercorrente no curso de uma execução frustrada, ressalvando apenas a necessidade de requerimento do devedor, pois a prescrição não podia ser declarada de ofício. No Superior Tribunal de Justiça vigorou o entendimento de que era imprescindível, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, a intimação da parte para dar andamento ao feito, que diz respeito à extinção do processo por abandono da causa pelo prazo de 30 dias, conforme previsto no art. 267, III, do CPC/73, hipótese que não depende da ocorrência de prescrição. Consequência indesejável de tal entendimento é a possibilidade de pretensões executórias subsistirem indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada, o que  atenta contra o objetivo principal do sistema jurídico, que é a pacificação dos conflitos de interesse.

Por isso o próprio Superior Tribunal de Justiça modificou a percepção sobre o tema, orientando-se na trilha de que a prescrição intercorrente consuma-se automaticamente, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, sendo a intimação necessária tão-somente para opor algum fato impeditivo ao decreto da prescrição, prestigiando-se o contraditório, não sendo mais cogente a intimação para dar andamento ao feito, nos termos da seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. CABIMENTO. TERMO INICIAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO CREDOR EXEQUENTE. OITIVA DO CREDOR. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO DESRESPEITADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 947 do CPC/2015 são as seguintes: 1.1 Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002. 1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980). 1.3 O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual). 1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição. 2. No caso concreto, a despeito de transcorrido mais de uma década após o arquivamento administrativo do processo, não houve a intimação da recorrente a assegurar o exercício oportuno do contraditório. 3. Recurso especial provido. (REsp 1604412/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2018, DJe 22/08/2018"

Por esclarecedor, merece transcrição o seguinte excerto do voto condutor:

"Sublinha-se ainda que tal conclusão guarda perfeita simetria com a disciplina amplamente reconhecida no que tange às demais causas interruptivas. Assim, não é suficiente ao credor a realização do protesto cambial, por exemplo, para se alçar o título protestado ao restrito e excepcional espaço de direitos imprescritíveis. Ao contrário, embora restabelecido o prazo integral em razão da interrupção da prescrição, o título prescreverá normalmente. Não se olvida, entretanto, que, em se tratando de processo judicial, cujo trâmite é acentuadamente longo – apesar do esforço por assegurar uma duração razoável –, não seria legítimo se impor ao credor o ônus dessa demora. Todavia, se, por um lado, deve-se salvaguardar o interesse do credor que promove a ação e dá andamento regular ao processo, no quanto lhe cabe, por outro, também não se pode abandonar o devedor, mantendo sobre ele a ameaça constante de um processo paralisado ad eternum.

Além disso, o Código de Processo Civil atual, no intuito de estancar qualquer debate, passou a prever expressamente a incidência da prescrição intercorrente tal qual já se havia estabelecido para as execuções fazendárias. Diante desse contexto, o que parece mais relevante no debate atual acerca da incidência da prescrição, de fato, é a ponderação trazida pela Quarta Turma do STJ que assinala uma eventual surpresa para as partes.

Nesse sentido, a Quarta Turma assim se pronunciou recentemente (sem destaques no original):

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. ATO PROCESSUAL ANTERIOR AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO PARA INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

1. A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.

2. No tocante ao início da contagem desse prazo na execução, vigente o Código de Processo Civil de 1973, ambas as Turmas da Seção de Direito Privado sedimentaram a jurisprudência de que só seria possível o reconhecimento da prescrição intercorrente se, antes, o exequente fosse devidamente intimado para conferir andamento ao feito.

3. O Novo Código de Processo Civil previu regramento específico com relação à prescrição intercorrente, estabelecendo que haverá a suspensão da execução "quando o executado não possuir bens penhoráveis" (art. 921, III), sendo que, passado um ano desta, haverá o início (automático) do prazo prescricional, independentemente de intimação, podendo o magistrado decretar de ofício a prescrição, desde que, antes, ouça as partes envolvidas. A sua ocorrência incorrerá na extinção da execução (art. 924, V).

4. O novel estatuto trouxe, ainda, no "livro complementar" (arts. 1.045-1.072), disposições finais e transitórias a reger questões de direito intertemporal, com o fito de preservar, em determinadas situações, a disciplina normativa já existente, prevendo, com relação à prescrição intercorrente, regra transitória própria: "considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V [prescrição intercorrente], inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código" (art. 1.056).

5. A modificação de entendimento com relação à prescrição intercorrente acabaria por, além de surpreender a parte, trazer-lhe evidente prejuízo, por transgredir a regra transitória do NCPC e as situações já consolidadas, fragilizando a segurança jurídica, tendo em vista que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica do STJ, estaria ciente da necessidade de sua intimação pessoal, para fins de início do prazo prescricional.

6. Assim, seja em razão da segurança jurídica, seja pelo fato de o novo estatuto processual estabelecer dispositivo específico regendo a matéria, é que, em interpretação lógico-sistemática, tem-se que o atual regramento sobre prescrição intercorrente deve incidir apenas para as execuções ajuizadas após a entrada em vigor do CPC/2015 e, nos feitos em curso, a partir da suspensão da execução, com base no art. 921.

7. Na hipótese, como o deferimento da suspensão da execução ocorreu sob a égide do CPC/1973 (ago/1998), há incidência do entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que não tem curso o prazo de prescrição intercorrente enquanto a execução estiver suspensa com base na ausência de bens penhoráveis (art. 791, III), exigindo-se, para o seu início, a intimação do exequente para dar andamento ao feito.

8. Recurso especial provido. (REsp n. 1.620.919/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 14/12/2016)

Contudo, com as mais honrosas vênias, não creio ser a segurança jurídica óbice razoável para engessar a jurisprudência do STJ.

Aliás, não foram raras as vezes que esta Corte Superior teve a humildade de reconhecer o desacerto de entendimentos construídos e reiterados. Nesse sentido, a título ilustrativo lembro a curta vigência do enunciado n. 263 da Súmula de Jurisprudência do STJ, que, editada em 8/5/2002, foi cancelada no dia 27/8/2003. Do mesmo modo, em 2011, no julgamento do Recurso Especial n. 1.023.053/RS, de relatoria da Min. Maria Isabel Gallotti, julgado também nesta Segunda Seção, acordou-se, num giro de 180 graus na jurisprudência até aquele momento prevalecente, reconhecer que o auxílio cesta-alimentação, como programa de alimentação do trabalhador, não integrava o cálculo de complementação de aposentadoria privada.

Nesse turno, não se ignora que o Código Civil de 2002, além de positivar a eticidade e as condutas laterais de boa-fé objetiva, fortaleceu o princípio da não surpresa, passando-se a exigir de forma mais veemente a coerência nos comportamentos das partes. Esses valores, extraídos de uma visão humanista, que deslocou o centro do direito civil do patrimônio para o ser humano, também se espraiou para a conduta "endoprocessual", conforme as diretrizes adotadas pelo atual Código de Processo Civil. Assim, os deveres de retidão e cooperação são impostos à comunidade jurídica como consequência da tutela da confiança também nos atos processuais praticados.

Por essa via, de fato, a legítima expectativa das partes deve ser protegida. Fica, contudo, o questionamento acerca de qual expectativa é mais legítima. Afinal, o credor quedou-se inerte por mais de uma década, o que certamente dá ensejo à aplicação da "supressio", a qual já foi reconhecida por esta Corte Superior, ainda que sobre premissas fáticas distintas.

...

A alteração de entendimento jurisprudencial propugnada pela Terceira Turma do STJ não promove a aplicação do novo Código de Processo Civil a situações pretéritas. Definitivamente, não. O CPC/1973 sequer regulou a prescrição intercorrente e, como consectário lógico de sua imprevisão, em momento algum dispôs que o início do prazo da prescrição intercorrente estaria condicionado à intimação da parte exequente. Tratava-se de uma interpretação analógica, atrelada ao instituto do abandono da causa, que, conforme demonstrado, em nada tangencia a prescrição, a evidenciar a inadequação do entendimento então adotado. Desse modo, não se pode afirmar que o NCPC modificou o tratamento a ser dado à matéria, ao expressamente preceituar – aliás, em absoluta consonância com o instituto – a desnecessidade de intimação do exequente, para efeito de início do prazo da prescrição intercorrente.

Tampouco se afigura adequado concluir que o CPC/2015, ao assim dispor, inovou, propriamente, sobre a questão. Na verdade, o novo Código de Processo Civil normatizou a prescrição intercorrente, a ela conferindo exatamente o mesmo tratamento então ofertado pela Lei de Execução Fiscal. Anteriormente à vigência do CPC/2015, diante da existência de uma lacuna na lei para regular uma situação absolutamente similar a outra que, por sua vez, encontra-se devidamente disciplinada por lei, absolutamente recomendável, se não de rigor, a aplicação analógica, como forma primeira de integração do direito.

Logo, a interpretação conferida à prescrição intercorrente que ora se propõe observa detidamente a natureza do instituto, considerado, ainda, o correlato tratamento das leis substantiva e adjetiva à época vigentes (Código Civil, Código de Processo Civil de 1973 e Lei de Execuções Fiscais).

A existência de regra de transição não infirma tal conclusão - antes a confirma -, devendo-se, naturalmente, bem explicitar a sua hipótese de incidência, coerente com a compreensão até aqui externada.

Dispõe o art. 1.056 do NCPC: “Considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código”.

Conforme anotado, exaurido o ato judicial de suspensão do processo executivo, que se dá com o esgotamento do período em que o processo ficou suspenso (por no máximo um ano), o prazo prescricional da pretensão executiva volta a correr por inteiro, automaticamente.

Apesar da impropriedade do termo “inclusive” constante do dispositivo legal em comento, certo é que a regra de transição somente poderia ter incidência nas execuções em curso; nunca naquelas em que o prazo prescricional intercorrente, nos termos ora propugnados, já tenha se consumado, ou mesmo se iniciado, já que não se afiguraria adequado simplesmente renovar o prazo prescricional intercorrente sem qualquer razão legal que justifique.

Por conseguinte, a regra de transição tem aplicação, exclusivamente, aos processos executivos em tramitação, que se encontrem suspensos, por ausência de bens penhoráveis, por ocasião da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Assim, encontrando-se suspenso o processo executivo, o prazo da prescrição intercorrente começa a fluir um ano contado da entrada em vigor do NCPC, em interpretação conjunta dos arts. 1.056 e §§ 1º e 4º, do art. 921 do mesmo diploma legal.

Efetivamente, não faz nenhum sentido aplicar a regra de transição aos casos em que o prazo prescricional intercorrente já se encontra integralmente consumado, conferindo-se, inadvertidamente, novo prazo ao exequente inerte.

Do contrário, permitir-se-á que a pretensão executiva seja exercida por mais de dez, quinze ou mais anos, em absoluto descompasso com o propósito de estabilização das relações jurídicas e, por conseguinte, de pacificação social, bem como do próprio enunciado n. 150 da súmula do STF, segundo o qual a pretensão executiva prescreve no mesmo prazo da pretensão da reparação.

Sob essa perspectiva, sem olvidar a relevância dos entendimentos jurisprudenciais, como fonte do direito, notadamente robustecida pelo CPC/2015, tem-se que a mudança de entendimento jurisprudencial, salutar ao aprimoramento da prestação jurisdicional, não abala a segurança jurídica, especialmente em matéria de prescrição. Não é razoável supor que a pessoa que detenha uma pretensão não a exerça imediatamente ou dentro de um prazo razoável que a lei repute adequado, sugestionada ou pré-condicionada a alguma orientação jurisprudencial. Ao contrário, é o comportamento inerte agregado a um prazo indefinido (ou demasiadamente dilatado), por imprópria interpretação para o exercício da pretensão em juízo, que gera intranquilidade social, passível de mera constatação.

Justamente por concretizar a irretroatividade das normas processuais, não se pode conferir ao referido dispositivo interpretação que viole a segurança jurídica, os atos jurídicos perfeitos e o direito adquirido. Nesse diapasão, vê-se a impossibilidade de se utilizar a interpretação literal de sua redação para o fim de repristinar o curso prescricional já integralmente consumido.

Em razão da novidade do tema, traz-se a lição valorosa de Guilherme Rizzo do Amaral (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.083-1.084):

'Uma interpretação apressada do art. 1.056 poderia levar à conclusão equivocada de que os prazos de prescrição intercorrente nas execuções em curso antes na vigência do CPC de 1973 seriam reiniciados quando da entrada em vigor do CPC atual. Isto porque, ao fazer referência ao art. 924, V, que trata da extinção do processo de execução pela ocorrência da prescrição intercorrente, considera o termo inicial desta última a "data de vigência deste Código". Evidentemente, contudo, ocorrendo o termo inicial da prescrição antes da entrada em vigor do atual CPC, na forma prevista na legislação anterior, não se deve reiniciar o prazo prescricional. O que o art. 1.056 em verdade prevê é que o novo termo previsto no art. 921, § 4º, do CPC atual, que não havia no CPC revogado, não pode ter sua aplicação retroativa, respeitando-se aqui a irretroatividade da lei processual e o ato processual consumado.'

Nessa linha de raciocínio, deve-se concluir que, para os prazos prescricionais já transcorridos ou iniciados na vigência do Código de Processo Civil de 1973, ainda que se aplique imediatamente o Código de Processo Civil de 2015, não serão eles reiniciados, tampouco reabertosdevendo sua contagem observar a legislação então vigente, com as interpretações conferidas por esta Corte Superior.

Essa conclusão, afinal, não afasta a incidência do referido dispositivo que, contudo, tem incidência apenas para aqueles processos que se encontravam suspensos na data da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Para esses casos, o prazo ânuo da suspensão do processo será contado não do despacho de arquivamento, mas da entrada em vigor do novel diploma processual."

Os seguintes julgados refletem a novel orientação jurisprudencial:

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO DA PARTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO. DESNECESSIDADE. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO IAC NO RESP N.1.604.412/SC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. Com efeito, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, é desnecessária a prévia intimação do exequente para dar andamento ao feito. Precedentes.
2. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1857445/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 25/06/2020)

"PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. SÚMULA 284/STF. INFRINGÊNCIA AO ART. 473 DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. AGRAVO INTERNO DOS PARTICULARES A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A parte recorrente não demonstrou em que consiste a ofensa ao art. 535 do CPC/1973, tendo se limitado a alegar de forma genérica a existência de supostas omissões no aresto recorrido, sem a indicação específica dos pontos sobre os quais o julgador deveria ter se manifestado, inviabilizando a compreensão da controvérsia quanto ao ponto. Inafastável, portanto, a aplicação do óbice previsto na Súmula 284/STF.
2. Outrossim, quanto à violação do art. 473 do CPC/1973, o Tribunal de origem não se posicionou sobre os temas nele constantes. Incide, na hipótese, a Súmula 211/STJ.
3. Ainda que afastados os óbices acima expostos, esta Corte possui orientação que não ampara a pretensão recursal, no sentido de que ocorre a prescrição intercorrente quando o exequente permanecer inerte por prazo superior ao da prescrição do direito material vindicado, sendo desnecessária a sua intimação pessoal prévia para dar andamento ao feito, bastando que seja respeitado o princípio do contraditório (EDcl no REsp. 1.816.373/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 12.5.2020).
4. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento.
(AgInt nos EDcl no AREsp 846.006/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 01/10/2020)

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. SUPOSTA PRETERIÇÃO. DESCABIMENTO DA ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO. DESNECESSIDADE. COMUNICAÇÃO DO DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. CABIMENTO. EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO.
1. A análise da relevância de dispositivos da Constituição Federal, ditos omitidos, para o julgamento da causa demandaria o exame das questões constitucionais a eles pertinentes, o que não é admitido em recurso especial. Precedentes.
2. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia (Súmula 284/STF)." 3. A Segunda Seção do STJ, no exame do Incidente de Assunção de Competência no Recurso Especial n. 1.604.412/SC, julgado em 27/6/2018, estabeleceu que, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, não é necessária a intimação do exequente para dar andamento ao processo. Cabe a comunicação, todavia, para que, antes do reconhecimento do decurso do prazo legal, o credor apresente causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva.
4. Em sentido semelhante, a Primeira Seção, em 12/9/2018, no julgamento do REsp 1.340.553/RS, afetado ao rito dos recursos repetitivos, definiu que, "findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão, inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato".
5. Assim, tanto na execução comum quanto na execução fiscal, o reconhecimento da prescrição intercorrente não depende de prévia intimação do exequente para dar andamento ao feito. Contudo, antes de fazê-lo, deve o magistrado comunicar a parte a esse respeito, para, em observância do contraditório, trazer ao seu exame a ocorrência de eventual impedimento, suspensão ou interrupção do prazo prescricional.
6. Na hipótese destes autos, não se tem execução fiscal, mas execução contra a Fazenda Pública. O Tribunal a quo, reformando a sentença, afastou a prescrição com o argumento de que "a parte credora não fora intimada pessoalmente para dar continuidade ao feito sob pena de arquivamento".
7. Superado, no curso da ação, o prazo aplicado para o exercício da pretensão executiva, deve o juiz reconhecer de ofício a prescrição, mas não sem antes ouvir o exequente, para a apresentação de algum óbice que possa impedir essa decretação.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido com determinação de devolução dos autos à origem.
(REsp 1848551/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)"

Em suma, com base em tais premissas, é dispensável que o processo de
execução tivesse permanecido suspenso por um determinado tempo, para que a prescrição intercorrente passasse a fluir.

No caso em epígrafe,  o MM. Juízo a quo determinou que se aguardasse o julgamento do recurso especial (evento 3 - DESPADEC24). O Recurso Especial nº 1.179.628/RS interposto pelo INSS foi provido no sentido de ser reduzida a multa a que fora condenado; o respectivo acórdão transitou em julgado no dia 20/08/2013. Todavia, somente em 10/09/2018 ocorreu a movimentação "recebidos os autos juntar documentos"; e em 22/10/2018, por meio de nota de expediente, é que foi dada "Vista à parte embargada/exequente, dos documentos acostados aos autos e para que diga sobre o prosseguimento do feito."

Ora, num tal contexto, embora fosse possível a consulta do Diário da Justiça Eletrônico/STJ em 11/06/2013, não pode ser imputada nenhuma desídia ou inércia injustificada à exequente, pois a atitude mais consentância era aguardar a juntada dos documentos e o impulso oficial, o que somente ocorreu mais de 10 anos depois, demora da exclusiva responsabilidade da estrutura administrativa do Poder Judicário.

Logo, merece acolhida a pretensão recursal, afastando-se a prescrição intercorrente, devendo prosseguir a execução.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003708980v12 e do código CRC 3a6b9c85.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 22/2/2023, às 19:33:10

 


 

5030340-96.2019.4.04.9999
40003708980.V12


Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:31.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5030340-96.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: OLGA POTRICH FAVRETTO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

previdenciário. processual civil. execução. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. intimação pessoal. desnecessidade. paralisação processual. responsabilidade da estrutura administrativa do judiciário. não-consumação.

1. Assentou a jurisprudência no sentido de que, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, não é necessária a intimação do exequente para dar andamento ao processo.

2. Se o feito ficou paralisado por mais de cinco anos sem que tenha havido desídia ou inércia injustificada do titular do crédito, não há falar em consumação da prescrição intercorrente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de fevereiro de 2023.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003708981v3 e do código CRC 74b4f8f0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 22/2/2023, às 19:33:11

 


 

5030340-96.2019.4.04.9999
40003708981 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:31.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/02/2023 A 17/02/2023

Apelação Cível Nº 5030340-96.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PRESIDENTE: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: OLGA POTRICH FAVRETTO

ADVOGADO(A): ISAC CIPRIANO PASQUALOTTO (OAB RS038872)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:31.

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