
Apelação Cível Nº 5005308-76.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: Paulo Henrique Pfeifer (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso inominado interposto em face de sentença, publicada em 06/02/2023, que extinguiu o feito sem resolução do mérito quanto ao intervalo de 02/12/1978 a 27/09/1985 e julgou improcedentes os demais pedidos formulados pelo autor, nos seguintes termos (ev.
):Ante o exposto,
a) preliminarmente, declaro a ausência de interesse processual da parte autora no tocante ao pedido de reconhecimento de período rural entre 02/12/1978 a 27/09/1985, extinguindo o processo sem exame de mérito nesse ponto, com base no art. 485, VI, do CPC;
b) no mérito, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, § 4º, III, e § 6º, do CPC).
Isenção legal de custas (art. 4º da Lei nº 9.289/1996).
Sentença não sujeita ao reexame necessário (STJ. Recurso Especial nº 1.735.097/RS, Relator Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/10/19).
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Na hipótese de interposição de recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Em suas razões recursais, a parte autora discorre sobre diversos pontos, como possibilidade de reconhecimento do labor rural em regime de economia familiar antes dos 12 anos de idade; reafirmação da DER; reabertura do processo administrativo; indevida extinção do processo pro ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo; princípio da cooperação processual; justiça gratuita; ofensa ao contraditório e ampla defesa nos processos administrativos; ausência de fundamentação da decisão, ao argumento de que o único fundamento da negativa dos pedidos fora a ausência de interesse processual; nulidade da sentença por ser extra petita; e tutela de evidência (ev.
).Contrarrazões no ev.
.Foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.
Era o que cabia relatar.
VOTO
1. Do juízo de admissibilidade recursal. Fungibilidade recursal. Precedentes
No caso dos autos, a parte impetrante interpôs "recurso inominado" contra sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito quanto ao intervalo de 02/12/1978 a 27/09/1985 e julgou improcedentes os demais pedidos formulados pelo autor.
Ocorre que, a teor do que estabelece o art. 1.009 do CPC, o recurso cabível, na hipótese, seria a apelação cível, já que o processo não tramitou pelo rito dos juizados especiais federais.
Assim, em sede de juízo de admissbilidade, cabe averiguar acerca da aplicação ou não do princípio da fungibilidade recursal, amplamente aceito na doutrina e jurisprudência pátrias, dele se extraindo que a parte recorrente não poderá ser prejudicada pela interposição de um recurso por outro, desde que não se trate de hipótese de erro grosseiro ou má-fé e que seja respeitado o prazo do recurso adequado.
No presente caso, o recurso respeitou o prazo da apelação, não havendo, também, qualquer razão para que seja deduzida eventual má-fé por parte da apelante.
No mais, também não me parece se tratar de erro grosseiro. Creio que houve apenas um equívoco material quando da redação da peça recursal, tanto que o recorrente faz menção aos dispositivos do Codex processual que tratam da apelação. Ademais, ambos os recursos são destinados à impugnação de sentenças.
Em caso semelhante, esta Turma conheceu do recurso interposto: TRF4, AC 5016664-22.2022.4.04.7204, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 22/02/2023. No mesmo sentido: TRF4, AC 5017244-10.2021.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 06/12/2023.
Recebo, assim, o recurso inominado como se apelação fosse, aplicando o princípio da fungibilidade recursal.
2. Da gratuidade da justiça
Nos termos do art. 98 do CPC, "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Ademais, o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso (art. 99 do CPC).
Além disso, presume-se verdadeira a declaração de hipossuficiência formulada por pessoa natural, na forma do art. 99, § 3º, do CPC.
No bojo do IRDR 25 desta Corte, fixou-se a seguinte tese jurídica: "A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo prescindível, nessa hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual" (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 07/01/2022).
No caso, não vislumbro, a priori, motivos para indeferir o pleito, notadamente ao se considerar que os documentos juntados com o apelo indicam que o segurado atualmente recebe remuneração mensal inferior ao teto do RGPS (ev.
, p. 176-177). Ademais, acostou atestado médico de sua esposa, estampando um quadro clínico de hemiparesia; disartia e anartria; e sequelas de traumatismo cranioencefálico; de forma a demonstrar a maior dispensabilidade financeira por parte do autor no que tange ao auxílio familiar.Dessa forma, defiro o pedido de gratuidade da justiça.
3. Da correta interpretação do pedido. Análise a partir do conjunto da postulação e do princípio da boa-fé
Inicialmente, destaco que o recurso de apelação é, em grande parte, confuso e desconexo dos fundamentos invocados pelo magistrado sentenciante, o que, em tese, poderia levar ao não conhecimento do apelo.
Não obstante, a partir da análise do conjunto da postulação (pedido inicial e mantido no apelo) e invocado o princípio da boa-fé, previsto no art. 322, § 2º, do CPC ("A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé"), parece-me possível delimitar a controvérsia da seguinte forma:
a) a parte busca o reconhecimento do exercício de labor rural em regime de economia familiar entre os seus 7 e 12 anos de idade (01/08/1974 e 01/12/1978);
b) a partir do cômputo do referido período, seja reconhecido o seu direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral por pontos na DER de 11/11/2019, considerando que o autor desistiu do recebimento da aposentadoria concedida na DER de 18/07/2018; e
c) subsidiariamente, ainda que não não computado o período de labopr rural mencionado anteriormente, seja reconhecido o seu direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral por pontos na DER de 11/11/2019 ou mediante reafirmação da DER para a data de implmento dos requisitos.
Em relação ao intervalo de 02/12/1978 a 27/09/1985, ponderou-se na sentença que já fora objeto de reconhecimento e cômputo administrativo, pelo que o feito, nesse ponto, fora extinto sem resolução do mérito por ausência de interesse de agir.
Ocorre que tal discussão não fora retomada no recurso interposto, presumindo-se que não fora objeto do apelo.
4. Da preliminar de cerceamento de defesa
O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.
À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LB, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
No caso, quanto ao período em discussão, o juízo a quo deixou de reconhecer o exercício do labor rural sob o seguinte fundamento:
(...)
Na autodeclaração anexada ao processo administrativo, o autor informa que exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01/08/1974 a 30/09/1985, como componente do grupo familiar formado pelos pais e 6 irmãos; que plantavam nas terras do genitor, localizadas em Campo Erê-SC, cultivando milho, feijão, batatinha, mandioca, criavam aves e porcos e produziam leite e derivados destinados aos consumo e comercialização do excedente.
Em suas declarações, o autor declarou que o pai mudou-se do Rio Grande do Sul para Santa Catarina em 1974; que o genitor adquiriu propriedades em Campo Erê-SC, nas localidades de Saltinho e Campo do Bugio; que em Saltinho morava com os pais e mais 5 irmãos; que os produtos básicos de consumo cultivados eram consumidos pela família; que criavam porcos e vacas e para alimentar os animais plantavam milho, abóbora e mandioca; que comercializavam banha, salame; que era tratava os animais com água e comida; que o pai se aposentou como trabalhador rural; que a mãe faleceu nova, aos 56 anos de idade, quando já moravam na propriedade de Campo Erê (evento 35, VIDEO1).
A testemunha e a informante, compromissadas, confirmaram a alegação da parte autora (evento 35, VIDEO2 e evento 34, VIDEO1-VIDEO3).
Os depoimentos foram seguros e coerentes, merecendo credibilidade, pois em consonância com os documentos apresentados.
No entanto, em que pese a prova colhida, para o período anterior ao implemento dos 12 anos de idade, este juízo não olvida da posição jurisprudencial do TRF da 4ª Região, no sentido de que é possível o reconhecimento da qualidade de segurado especial rural mesmo antes da idade mínima fixada constitucionalmente como limite para o exercício de atividades rurais (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, VICE-PRESIDÊNCIA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 11/09/2018).
Contudo, apesar de encontrar suporte na jurisprudência pátria, entendo que o cômputo do período anterior aos 12 anos de idade como tempo de serviço pressupõe a demonstração cabal de que que esse labor era indispensável à sua subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar.
No caso dos autos, entendo que as peculiaridades afastam o precedente colacionado.
O documento escolar apresentado informa que o autor cursou ensino fundamental entre 1973 e 1981. Não há registros de frequência e conclusão de ensino médio, no entanto, extrai-se da CTPS que o autor foi contratado pelo Banco Bamerindus do Brasil, como auxiliar III, em 01/10/1985, logo após a emissão do documento (evento 26, PROCADM2, fls. 7-8) .
Nesse contexto, entendo que o trabalho de uma criança de 7 a 12 anos, cuja força de trabalho é pequena, não poderia de fato ser considerada indispensável ao sustento do grupo familiar ainda mais quando boa parte da jornada diária estava dedicada aos estudos ou às brincadeiras inerentes a sua idade. Além disso, a autora e as testemunhas apontaram que os pais e demais irmãos também trabalhavam nas atividades rurais, sendo certo que, considerado a sua idade e capacidade produtiva, eram eles os responsáveis pelo trabalho indispensável ao sustento familiar.
Assim, agiu com acerto a autarquia quando do reconhecimento do período rural somente a partir dos 12 anos de idade até a data de emissão da CTPS do autor.
(...)
Porém, conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018). Na mesma linha recentes julgados do STJ (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020).
Ademais, esta Corte, no julgamento do IRDR nº 17, firmou entendimento no sentido de que "Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.".
Não é demais dizer que, recentemente, esta Corte aplicou o entendimento para os casos em que o segurado apresenta autodeclaração do exercício de atividades rurais, cuja discussão envolve o labor anterior aos 12 anos de idade. Ante a relevância, trago à baila a ementa do referido julgado (grifos meus):
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4 5003943-19.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 28/07/2023)
Realmente, a Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial.
Tenho, assim, que o feito foi julgado prematuramente, haja vista a não realização de audiência de instrução para oitiva da parte autora e de testemunhas, o que pode corroborar, ou não, as alegações autorais; permitindo uma análise mais completa e aprofundada dos fatos, notadamente a contribuição do autor para o regime de economia familiar. Assim, tão somente após a oitiva de testemunhas, com a coleta de mais informações acerca da experiência campesina da parte autora é que o julgador estará apto a apreciar o mérito da controvérsia.
Por ser oportuno, destaco a previsão do art. 370 do Código de Processo Civil, no sentido de que "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito".
Conforme lições de Humberto Theodoro Jr., "Os poderes do juiz, no domínio da prova, permanecem reconhecidos e reforçados no direito positivo, capacitando-o a realizar de ofício a instrução processual. Munido de tais poderes instrutórios, estará ele sempre credenciado a atuar de modo coerente e compatível com os ideais constitucionais, relacionados com a garantia de acesso efetivo à justiça e, particularmente, com a meta de promover a justa composição dos litígios" (grifos meus) (Código de Processo Civil Anotado. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1602, versão digital).
In casu, a parte autora trouxe, em princípio, início de prova material do exercício do labor rural em regime de economia familiar, conforme identificado pelo juízo a quo, veja-se:
(...)
* em nome próprio: declaração de atividade rural, em regime de economia familiar, referente ao período de 06/08/1968 a 30/09/1985 (evento 1, INICI1, fls. 54-55), ficha de registro de matrícula/ficha cumulativa em estabelecimento de ensino localizado em Saltinho, Campo Erê-SC, entre 1973 e 1981 (evento 1, INIC1, fls. 63-70),
* em nome do genitor (Helmuth Afonso Pfeifer): certidões de registro de imóvel rural, localizados em Campo Erê-SC, adquiridos em 30/12/1961 e 16/04/1974, qualificado "agricultor" (evento 1, INIC1, fls. 56-59), ficha de admissão junto ao STR de Campo Erê-SC, em 06/08/1968 (evento 1, INIC1, fls. 60-61).
(...)
Com efeito, o entendimento adotado pelo juízo cerceou o direito da parte autora em relação à produção da prova testemunhal, a qual se revela essencial para o deslinde da controvérsia.
Este Tribunal já decidiu no sentido de que a essencialidade da oitiva de testemunhas justifica a anulação da sentença para a realização do ato, veja-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar. 2. Anulação da sentença com retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução e oitiva de testemunhas. (TRF4, AC 5025939-20.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/05/2021)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença a fim de propiciar a reabertura da instrução processual. Precedentes da Corte. (TRF4, AC 5014062-16.2021.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 05/05/2022)
É de se considerar, ainda, em situações como a da espécie, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser concedida a oportunidade de produzir as provas pretendidas, que eventualmente tenham o condão de esclarecer sobre a realidade do labor.
Nessa senda, a meu sentir, o melhor caminho processual a ser adotado neste momento é a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução probatória em relação ao período de 01/08/1974 e 01/12/1978, possibilitando-se à parte autora a produção de prova testemunhal.
Por fim, reputo prejudicado o julgamento do mérito do recurso.
Por ser oportuno, não me parece possível valoração os "testemunhos" apresentados unilateralmente pela parte autora (ev.
-3), ainda que em decorrência de determinação judicial. Com efeito, o processo SEI 0001675-95.2020.4.04.8003, citado no pronunciamento do ev. , não autoriza a apresentação dessa modalidade probatória (prova testemunhal gravada unilateralmente e sem a possibilidade de participação da parte contrária), a qual, evidentemente, está desconexa dos princípios da ampla defesa e do contraditório.Não é demais dizer que tal modalidade probatória resta distante do julgador, descaraterizando toda a dinâmica envolvendo a produção e valoração da prova testemunhal. Destaco, inclusive, que as gravações foram juntadas antes mesmo da primeira participação do INSS nos autos e que um dos depoentes é irmã do autor.
Em caso análogo, esta Turma já ponderou que "Descabe a produção unilateral de depoimentos como substituto da prova necessária, sob pena de mácula ao princípio do contraditório e da ampla defesa, que abrange a possibilidade de efetiva participação das partes na produção da prova" (TRF4, AC 5006811-45.2020.4.04.7208, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 14/12/2022).
5. Conclusão
Sentença anulada, por cerceamento de defesa, quanto ao(s) período(s) de 01/08/1974 e 01/12/1978, ante a existência de início de prova material do labor rural sem que tenha havido a realização de audiência de instrução, com produção de prova testemunhal, para melhor elucidar acerca da experiência rurícula do segurado.
6. Dispositivo
Ante o exposto, voto por (i) conhecer do recurso inominado como se apelação fosse; (ii) deferir ao recorrente os benefícios da gratuidade da justiça; (iii) de ofício, reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa e anular a sentença, devolvendo-se os autos à origem a fim de que seja reaberta a fase instrutória e proferida nova decisão.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004323678v12 e do código CRC 3bb1322c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5005308-76.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: Paulo Henrique Pfeifer (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. FUNGIBILIDADE RECURSAL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. LABOR RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. GRAVAÇÃO UNILATERAL DE DEPOIMENTOS. IMPRESTABILIDADE.
1. Da fungibilidade recursal se extrai que a parte recorrente não poderá ser prejudicada pela interposição de um recurso por outro, desde que não se trate de hipótese de erro grosseiro ou má-fé e que seja respeitado o prazo do recurso adequado.
2. Conforme entendimento firmado neste Tribunal, no âmbito do IRDR 25: "A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo prescindível, nessa hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual" (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 07/01/2022).
3. Na espécie, os documentos acostados aos autos indicam que rendimentos mensais da parte autora encontram-se abaixo do teto dos benefícios do RGPS, prevalecendo, assim, a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência apresentada (art. 99, § 3º, do CPC).
4. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.
5. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LB, o tempo de serviço rural pode ser comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
6. Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018).
7. A Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial.
8. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença com a consequente reabertura da instrução processual para que se melhor esclareça sobre a realidade rurícula vivenciada pelo segurado. Precedentes.
9. Descabe a produção unilateral de depoimentos como substituto da prova necessária, sob pena de mácula ao princípio do contraditório e da ampla defesa, que abrange a possibilidade de efetiva participação das partes na produção da prova. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, (i) conhecer do recurso inominado como se apelação fosse; (ii) deferir ao recorrente os benefícios da gratuidade da justiça; (iii) de ofício, reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa e anular a sentença, devolvendo-se os autos à origem a fim de que seja reaberta a fase instrutória e proferida nova decisão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004323679v6 e do código CRC 293dd440.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 22/2/2024, às 18:11:34
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024
Apelação Cível Nº 5005308-76.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
APELANTE: Paulo Henrique Pfeifer (AUTOR)
ADVOGADO(A): Paulo Henrique Pfeifer (OAB SC027829)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 211, disponibilizada no DE de 31/01/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, (I) CONHECER DO RECURSO INOMINADO COMO SE APELAÇÃO FOSSE; (II) DEFERIR AO RECORRENTE OS BENEFÍCIOS DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA; (III) DE OFÍCIO, RECONHECER A OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ANULAR A SENTENÇA, DEVOLVENDO-SE OS AUTOS À ORIGEM A FIM DE QUE SEJA REABERTA A FASE INSTRUTÓRIA E PROFERIDA NOVA DECISÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:24.