Apelação Cível Nº 5008306-93.2020.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0301970-45.2018.8.24.0047/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: EDER ADADA
ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
ADVOGADO: MARY CLEIDE UHLMANN (OAB SC004848)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única de Papanduva, que extinguiu, de ofício e sem resolução de mérito, a ação proposta em face do INSS anteriormente a 01/01/2020, por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo, qual seja, a competência do juízo.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta, em síntese, que:
a) não se está diante de competência federal delegada, uma vez que se cuida de ação visando à concessão de auxílio-acidente decorrente de acidente de trabalho e
b) ainda que assim não se entenda, a sentença recorrida contraria a decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 170.051/RS.
Pede a reforma da decisão recorrida, com a reabertura da instrução processual em primeiro grau.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
VOTO
A sentença recorrida extinguiu, sem resolução de mérito, a ação proposta pela parte autora/apelante em face do INSS, por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo, qual seja, a competência do juízo.
Em apertada síntese, os fundamentos da sentença recorrida podem ser assim resumidos:
a) a Emenda Constitucional nº 103/2019 desconstitucionalizou a competência federal delegada nas demandas previdenciárias;
b) a Lei nº 13.876/2019, ao regulamentar o artigo 109, § 3º, da Constituição Federal, em sua nova redação, alterou os critérios para a definição da competência federal delegada;
c) de acordo com esses novos critérios, a Comarca de Papanduva tornou-se absolutamente incompetente para julgar demandas previdenciárias, consoante, inclusive, a Portaria nº 1.351/2019 deste Tribunal;
d) em se tratando de modificação do estado de direito que alterou a competência absoluta, não se aplica o princípio da perpetuatio jurisdictionis;
e) reconhecida a incompetência absoluta do juízo estadual e considerando os termos da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 170.051, não há outra solução senão a extinção da ação sem resolução de mérito, pela ausência de pressuposto processual, qual seja, a competência do juízo.
Outrossim, a sentença recorrida deliberou expressamente no sentido de ignorar o artigo 4º da Resolução CJF nº 603/2019 (que dispõe que as ações ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020 deverão permanecer na Justiça Estadual), porque:
a) o Conselho da Justiça Federal é órgão meramente administrativo, não tendo atribuição para dirimir questão eminentemente jurisdicional (a competência);
b) não há hierarquia entre o Conselho da Justiça Federal e o Poder Judiciário Estadual e
c) não se admite que ato normativo infralegal contrarie expressa disposição de lei federal, no caso, o artigo 43, parte final, do Código de Processo Civil.
Pois bem.
A sentença recorrida parte da premissa de que a causa possui natureza previdenciária e, por isso, a competência para o seu processamento e julgamento teria passado a ser exclusivamente da Justiça Federal, considerando a superveniência das alterações promovidas pela EC nº 103/2019 e pela Lei nº 13.876/2019.
Ocorre que, na presente demanda, a parte autora busca a concessão de auxílio-acidente, desde a cessação administrativa, em 20-01-2018, do benefício anterior de auxílio-doença decorrente de acidente de trabalho, NB nº 91/620294714 (evento 1, DEC5, p. 5).
A propósito, cumpre transcrever o seguinte trecho da petição inicial:
O autor nasceu na data de 06.05.1979, conta atualmente com 39 anos de idade, exerce a atividade de soldador e tem interesse em auferir auxílio-acidente.
Ocorre que em 19.09.2017 o autor sofreu acidente de trabalho, conforme comprova CAT em anexo. Em razão do ocorrido, sofreu lesão no tendão extensor do 2 e 3 quirodáctilos esquerdo.
Como sequelas definitivas, o autor ficou com limitações para movimentação da mão e punho, o que reduz sua capacidade laborativa para os seus serviços habituais (serviços braçais).
Em 05.10.2017 o autor requereu administrativamente o benefício de auxílio-doença NB° 620.294.714-8, sendo que este foi deferido até o dia 20.01.2018, momento em que a autarquia requerida deveria determinar a implantação do auxílio-acidente, contudo, não o fez.
Dessa forma, vem a parte autora socorrer-se a tutela jurisdicional do Estado a fim de que seja deferido o benefício de auxílio-acidente desde a cessão do auxílio-doença em 20.01.2018.
Saliente-se que a petição inicial da ação veio acompanhada, inclusive, da Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT, relativamente ao acidente sofrido em 19-9-2017 (evento 1, DEC7).
Vê-se, portanto, que a causa de pedir da ação (redução permanente da capacidade laborativa) está relacionada a um acidente de trabalho.
Ocorre que as ações acidentárias relativas à concessão, ao restabelecimento e/ou à revisão dos respectivos benefícios não são de competência da Justiça Federal, conforme teor do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Nesse sentido é, também, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode ver das ementas a seguir colacionadas:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DAS DEMANDAS QUE VERSEM SOBRE CONCESSÃO E REVISÃO DE BENEFÍCIO DECORRENTE DE ACIDENTE LABORAL. SÚMULAS 15/STJ E 501/STF. COMPETÊNCIA FIXADA DE ACORDO COM O PEDIDO EXPRESSO NA PETIÇÃO INICIAL. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Justiça Estadual é competente para processar e julgar ação relativa a acidente de trabalho, estando abrangida nesse contexto tanto a lide que tem por objeto a concessão de benefício decorrente de acidente de trabalho, como também as relações daí decorrentes (restabelecimento, reajuste, cumulação), uma vez que o art. 109, I da CF não fez qualquer ressalva a este respeito. Súmulas 15/STJ e 501/STF. 2. O teor da petição inicial é elemento essencial ao deslinde do conflito, uma vez que a definição de competência decorre da verificação da causa de pedir e do pedido apresentados na inicial. 3. Agravo Regimental do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a que se nega provimento. (AgRg no CC 141.868/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 02/02/2017)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULAS 501/STF E 15/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Parquet requer a reconsideração da decisão proferida em conflito negativo de competência, para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal. 2. A decisão ora agravada asseverou que o conflito negativo de competência foi instaurado em autos de ação revisional de renda mensal inicial de aposentadoria por invalidez decorrente de acidente do trabalho, apoiada na petição inicial, fixando a competência da Justiça estadual. 3. O agravante sustenta que a causa de pedir remota não é oriunda de acidente do trabalho. Por isso a natureza previdenciária do benefício atrairia a competência da Justiça Federal. 4. Todavia, a decisão merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Isto porque a interpretação a ser dada à expressão causas decorrentes de acidente do trabalho é ampla, deve compreender: (1) as causas de acidente do trabalho referidas no art. 109, I, da Constituição, (2) a Súmula 15/STJ ("Compete à justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho"), (3) a Súmula 501/STF ("Compete à justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a união, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista"), e, também, os pedidos de revisão delas decorrentes. 5. Da releitura do processo, depreende-se que a causa de pedir está contida em acidente do trabalho. Por isso a decisão deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no CC 135.327/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2014, DJe 02/10/2014)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SÚMULAS 15/STJ E 501/STF. CAUSA DE PEDIR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Nos termos da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, é competência da Justiça Estadual processar e julgar ação relativa a acidente de trabalho, estando abrangida nesse contexto tanto a lide que tem por objeto a concessão de benefício decorrente de acidente de trabalho como também as relações daí decorrentes (restabelecimento, reajuste, cumulação), uma vez que o art. 109, I, da Constituição Federal não fez nenhuma ressalva a este respeito. 2. Nas demandas que objetivam a concessão de benefício em decorrência de acidente de trabalho, a competência será determinada com base no pedido e causa de pedir. Precedentes do STJ. 3. No caso dos autos, conforme se extrai da Petição Inicial, o pedido da presente ação é a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria, tendo como causa de pedir o acidente de trabalho. Logo, a competência para processar e julgar a presente demanda é da Justiça estadual. 4. Recurso Especial provido. (REsp n. 1648552/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/03/2017, DJe de 18/04/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 638.483/PA-RG, Relator o Ministro Cezar Peluso, reconheceu a repercussão geral da matéria nele em debate, a qual guarda identidade com a ora em análise, bem como o reafirmou a jurisprudência da Corte no sentido de que compete à Justiça comum estadual julgar as causas propostas contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) referentes a benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho. 2. Agravo regimental não provido. (ARE n. 792280 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 03/11/2015, DJe de 14/12/2015)
Ocorre, outrossim, que a competência para o processamento e julgamento de causas dessa natureza não sofreu qualquer alteração pela Emenda Constituição nº 103/2019.
Consequentemente, a sentença parte de premissa equivocada, não havendo se cogitar de competência federal delegada no caso concreto mas, sim, de competência própria da Justiça Estadual.
Disso resulta que este Tribunal não detém competência para o julgamento desta apelação, sendo o caso de remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Ante o exposto, voto por declinar a competência para o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001918990v7 e do código CRC c5b6815e.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008306-93.2020.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0301970-45.2018.8.24.0047/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: EDER ADADA
ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
ADVOGADO: MARY CLEIDE UHLMANN (OAB SC004848)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. juízo estadual. declinação de competência. EC Nº 103/2019. premissa equivocada. benefício decorrente de acidente do trabalho. incompetência deste tribunal para o julgamento do recurso.
1. A sentença recorrida parte da premissa de que a ação, ajuizada perante a Justiça Estadual, possui natureza previdenciária e, por isso, a competência para o seu processamento e julgamento teria passado a ser exclusivamente da Justiça Federal, considerando a superveniência das alterações promovidas pela EC nº 103/2019 e pela Lei nº 13.876/2019.
2. Contudo, trata-se de demanda em que a parte autora busca a concessão de auxílio-acidente, desde a cessação administrativa de benefício anterior de auxílio-doença decorrente de acidente de trabalho.
3. As ações acidentárias relativas à concessão, ao restabelecimento e/ou à revisão dos respectivos benefícios não são de competência da Justiça Federal, conforme teor do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal de 1988.
4. Disso resulta que este Tribunal não detém competência para o julgamento desta apelação, sendo o caso de remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, declinar a competência para o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001918991v3 e do código CRC 1354ccf0.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020
Apelação Cível Nº 5008306-93.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: EDER ADADA
ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
ADVOGADO: MARY CLEIDE UHLMANN (OAB SC004848)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 1530, disponibilizada no DE de 03/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DECLINAR A COMPETÊNCIA PARA O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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