| D.E. Publicado em 15/12/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013882-65.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | HILDO ALCEU DA SILVA PEREIRA |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO CITRA PETITA - NULIDADE. FEITO PRONTO PARA JULGAMENTO - ART. 1.013, § 3º, III, CPC 2015. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. RUÍDO. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO DOS DECRETOS REGULAMENTADORES. EPI. REQUISITOS ATENDIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. Constatada a omissão da sentença com relação ao exame de um dos pedidos formulados, caracteriza-se julgamento citra petita que, por inobservância dos limites da demanda, é considerado nulo. Prejudicados os apelos interpostos pelas partes.
2. Nos termos do art. 1.013, § 3º, inciso III, do CPC 2015, estando o feito pronto para julgamento, pode o Tribunal, constatar a omissão com relação ao exame de um dos pedidos formulados, adentrar o mérito, julgando-o desde logo.
3. Tendo havido indeferimento do benefício, sem que o INSS, no exercício da tutela administrativa, tivesse orientado o segurado quanto aos seus direitos previdenciários, há verdadeira lesão, em tese, a direito, ainda que por omissão, configurando o interesse à busca da tutela jurisdicional.
4. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
5. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal. No caso em tela, entretanto, restou descaracterizado o regime de economia familiar.
6. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal.
7. Até 28.4.1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 6.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
8. O uso de EPIs (equipamentos de proteção), por si só, não basta para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado. Seria necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
9. Para atividades exercidas até a data da publicação da MP 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador.
10. Considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05.3.1997; superior a 90 dB entre 06.3.1997 a 18.11.2003 e superior a 85 dB a partir de 19.11.2003 (REsp 1.398.260). Persiste a condição especial do labor, mesmo com a redução do ruído aos limites de tolerância pelo uso de EPI.
11. As listas de agentes nocivos constantes dos Decretos regulamentadores são meramente exemplificativas. A comprovada exposição do segurado a agente nocivo à saúde ou à integridade física não previsto em regulamento não impede o reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida. Súmula 198 do extinto TFR.
12. Não satisfeitos os requisitos legais, o segurado não tem direito à concessão da aposentadoria especial. Entretanto, implementados os requisitos de tempo de contribuição e carência, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição desde a data da entrada do requerimento administrativo (DER) - art. 49, caput e inciso II, combinado ao art. 54, ambos da Lei nº 8.213/1991 e alterações).
13. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado
14. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
15. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/1988.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença prolatada, prejudicados os apelos interpostos; e, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, julgar parcialmente procedente o pedido para conceder à parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8648738v2 e, se solicitado, do código CRC F93E4775. | |
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| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 16:28 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013882-65.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | HILDO ALCEU DA SILVA PEREIRA |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que julgou procedente o pedido, para conceder à parte autora aposentadoria especial a partir da data do requerimento administrativo, mediante o cômputo de tempo de serviço considerado especial, em dispositivo transcrito a seguir:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por HILDO ALCEU DA SILVA PEREIRA, já qualificado, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, também identificado, para, com fundamento legal no que estabelece o artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, RECONHECER como especial os períodos de labor do demandante correspondentes à 12/03/1980 a 08/07/1980, 27/01/1981 a 26/02/1981, 27/02/1981 a 22/04/1982, 29/07/1982 a 10/02/1984, 17/10/1986 a 26/07/1987, 21/08/1987 a 01/05/1992, 02/05/1992 a 26/05/1994, 19/10/1994 a 23/02/1997, 01/05/1998 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011 (data do pedido administrativo, fl. 16), DETERMINANDO à autarquia que proceda à sua averbação junto aos registros do demandante e, via de consequência, CONCEDER ao autor o benefício da aposentadoria especial, com direito a perceber o valor do benefício que lhe é devido na forma da lei vigente à época do implemento das condições pelo autor, qual seja, Lei 9.876/99, a contar da data do pedido administrativo (fl. 16). As parcelas vencidas serão corrigidas a contar da data da concessão do benefício e acrescidas de juros moratórios, a partir da citação, em percentual correspondente aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
CONDENO, outrossim, a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono do autor, que vão fixados em 05% sobre o valor da condenação (parcelas vencidas), excluídas as parcelas vincendas, consoante preconizado pela Súmula nº 111 do STJ.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, a teor do disposto no artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil.
Nas suas razões recursais, o INSS sustenta o afastamento da especialidade reconhecida pela sentença, argumentando que: a) nas empresas Duratex S.A e Móveis Castro Ltda. a exposição ao ruído foi elidida pelo uso de EPIs; b) a poeira a que o autor estava exposto nas empresas Duratex S/A e Cooperativa Agrícola Mista do Taquari Ltda. não enseja a natureza especial da atividade; e c) na empresa Olsen e Cia a exposição ao agente nocivo se dava de forma intermitente. Discorre acerca da comprovação da natureza especial da atividade e da eficácia dos equipamentos de proteção individual.
Apresentadas as contrarrazões, a parte autora, no mesmo prazo, interpôs recurso de apelação na forma adesiva. Nas razões de sua inconformidade, postula pela aplicação do INPC como índice de correção monetária e incidência de juros de mora de 1% ao mês; bem como pela majoração dos honorários advocatícios para 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Intimado, o INSS manifestou não ter interesse na apresentação de contrarrazões.
Subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (a saber: metas do CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Do julgamento citra petita
A parte autora ajuizou a presente ação objetivando o reconhecimento do período de 31/10/1975 a 28/02/1980 como tempo de atividade rural exercida em regime de economia familiar, bem como o cômputo de tempo de serviço considerado especiais (períodos de 28/02/1980 a 31/10/1975, de 12/03/1980 a 08/07/1980, de 27/01/1981 a 22/04/1982, de 29/07/1982 a 10/02/1984, de 01/11/1984 a 29/09/1986, de 30/09/1986 a 07/10/1986, de 17/10/1986 a 26/07/1987, de 21/08/1987 a 01/05/1992, de 02/05/1992 a 28/05/1994, de 19/10/1994 a 23/12/1997, de 01/05/1998 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011), com a consequente concessão de aposentadoria especial desde a DER (04/02/2011) ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão dos períodos reconhecidamente especiais em tempo comum.
A sentença, após analisar e reconhecer a natureza especial das atividades desempenhadas nos períodos de 12/03/1980 a 08/07/1980, de 27/01/1981 a 22/04/1982, de 29/07/1982 a 10/02/1984, de 01/11/1984 a 29/09/1986, de 17/10/1986 a 26/07/1987, de 21/08/1987 a 01/05/1992, de 02/05/1992 a 28/05/1994, de 19/10/1994 a 23/12/1997, de 01/05/1998 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011, julgou procedente o pedido para conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial desde a DER.
Entretanto, foi simplesmente desconsiderado pela sentença o pedido de reconhecimento do exercício de atividade rural em regime de economia familiar e de sua natureza especial, além do reconhecimento da especialidade do período de 30/09/1986 a 07/10/1986. Da mesma forma, a preliminar de ausência de interesse de agir arguida pelo INSS somente foi apreciada com relação aos períodos especiais, não o tendo com relação ao tempo rural.
Constatada a omissão da sentença com relação ao exame de pedidos formulados na inicial e de argumentos defensivos utilizados em contestação, caracteriza-se julgamento citra petita que, por inobservância dos limites da demanda, é considerado nulo.
Com efeito, na vigência do CPC de 1973, ao anular a sentença, deveria esta Corte determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que outra fosse prolatada. Entretanto, o CPC de 2015, em seu art. 1.013, § 3º, inciso III permite que o Tribunal aprecie desde logo a questão, desde que esteja o processo em condições de imediato julgamento:
"Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação." [grifou-se]
Nesse passo, é de ser declarada, de ofício, a nulidade da sentença proferida por ser citra petita, prejudicados os apelos interpostos pelas partes. E estando o feito pronto para imediato julgamento, passa-se à análise do mérito, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015.
Da ausência de interesse de agir
Alega a autarquia previdenciária, em preliminar de contestação, a falta de interesse de agir da parte autora com relação ao pedido de reconhecimento e averbação do período de tempo de serviço rural e de parte dos períodos de tempo especial (de 01/11/1984 a 29/09/1986 e de 30/09/1986 a 07/10/1986) por não terem sido objeto de requerimento administrativo.
Em face da grande complexidade dos mecanismos de proteção e respectiva legislação, os segurados não se encontram em situação de tomar decisões de forma informada e responsável, tendo em conta as possíveis consequências.
É preciso recordar, nesse sentido, que o processo administrativo previdenciário não se desenvolve em uma dimensão onde o segurando litiga contra a Administração, deduzindo pretensão, alegando todos os fatos de seu interesse etc. Antes, deve ser compreendido como uma relação de cooperação, um concerto em que Administração deve, em diálogo com o segurado, conhecer a sua realidade, esclarecer-lhe seus direitos e outorgar-lhe a devida proteção social, isto é, a mais eficaz proteção social a que faz jus.
Note-se que a assimetria informacional entre os beneficiários da seguridade social e os agentes administrativos é de modo geral tão flagrante que a indiferença ou omissão na coleta de informações que podem ser relevantes para efeitos de benefícios parecem atentar contra os princípios constitucionais da moralidade, publicidade e eficiência (CF/88, art. 37).
A Administração Previdenciária guarda o dever fundamental de prestar as informações necessárias para que o cidadão possa gozar da proteção social a que faz jus. Há também um dever fundamental de conceder a devida proteção social (ou o benefício mais vantajoso).
É justificável que, em face da presumida hipossuficiência dos segurados da previdência social e da notória dificuldade imposta ao leigo para o conhecimento de seus direitos previdenciários, a Administração deve prestar-lhe o serviço social, esclarecendo "junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem de sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade" (Lei 8.213/91, art. 88).
De outra parte, é bem conhecido o Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social: "A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido".
Na espécie dos autos, a autarquia alega inexistir interesse de agir por ter o segurado deixado de alegar ou apresentar documentos indicativos do tempo rural e de parte do tempo especial na esfera administrativa. O fato, porém, é que houve indeferimento do benefício e no exercício da tutela administrativa o INSS não orientou o segurado quanto aos direitos previdenciários, negligenciando a imposição normativa.
A partir do que acima se sustentou é possível concluir que toda vez que a Administração Previdenciária deixa de orientar o segurado acerca de seus direitos e não avança para conhecer sua realidade, acarretando com tal proceder a ilusão do direito à devida proteção social (indeferindo benefício ou concedendo benefício menos vantajoso), ela, ainda que de modo implícito, opera, por omissão, verdadeira lesão, em tese, a direito. E justamente esta lesão abre espaço para a tutela jurisdicional.
Parece-me, ademais, um rigor excessivo e contrário à lógica própria do direito previdenciário a exigência de que, por ocasião do requerimento administrativo, o segurado alegue toda matéria de fato que, em tese, possa lhe servir à outorga do benefício previdenciário. Por conseguinte, considero caracterizado o interesse de agir na ação de concessão mesmo quando a causa de pedir se relacione a fato não analisado formal e expressamente na via administrativa.
Outrossim, cumpre destacar que a autarquia contestou o mérito dos pedidos, o que demonstra a resistência da entidade previdenciária à pretensão esposada na inicial.
Destarte, deve ser afastada a preliminar arguida pelo INSS, estando configurado o interesse de agir da parte autora.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário").
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
Pretende o autor, nascido em 31/10/1963, o reconhecimento e averbação do período de 31/10/1975 a 28/02/1980 como tempo de serviço rural laborado em regime de economia familiar.
Para tanto, foram apresentados os seguintes documentos:
- certidão do INCRA dando conta de imóvel rural cadastrado em nome do pai do autor nos anos de 1972 a 1992, sem informação acerca da existência de assalariados (fl. 46);
- certidão do Cartório do Registro Geral de Imóveis e Registro Especial da Comarca de Taquari, acerca do registro, em 09/07/1963, de escritura pública de compra e venda de área de terras de cultura em que o pai do autor, qualificado como agricultor, figura como adquirente (fl. 105);
- escritura pública do imóvel acima referido, datada de 09/07/1963, na qual o pai do autor é qualificado como agricultor (fls. 106/108);
- autorização para movimentação de conta vinculada do FGTS em nome do pai do autor, qualificando-o como empregado da Cooperativa Agrícola Mista de Taquari Ltda. no período de 23/03/1975 a 17/09/1989 (fl. 112);
- notas de crédito rural em nome do pai do autor, datadas de 11/03/1965 e 07/06/1967 (fls. 113/115 e 121/123);
- comprovantes de pagamento do ITR em nome do pai do autor, referentes aos exercícios de 1975, 1981, 1982, 1987 e 1989 (fls. 116, 117/119);
- certidão de casamento dos pais do autor, celebrado em 09/03/1964, em que o genitor é qualificado como agricultor (fl. 117);
- certificado de cadastro de imóvel rural junto ao INCRA em nome da mãe do autor, datado de 1998/1999 (fl. 120);
- certidão do INCRA dando conta de imóvel rural cadastrado em nome do pai do autor nos anos de 1966 a 1999, sem informação acerca da existência de assalariados (fl. 124);
- formulário de declaração para cadastro de imóvel rural em nome do pai do autor, datado de 11/11/1972 (fl. 125);
- atestado expedido pela Escola Estadual de Ensino Fundamental Antônio Porfírio de Menezes Costa, situada na zona rural do Município de Taquari, no sentido de ter o autor cursado da 1ª a 4ª série naquele estabelecimento entre os anos de 1975 a 1978 (fl. 127);
- certidão de nascimento do autor, assento lavrado em 08/11/1963, em que o genitor é qualificado como agricultor (fl. 128);
Muito embora os documentos juntados constituam, em tese, início de prova material do alegado labor rural, entendo não ser possível o reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período postulado, uma vez que a prova oral colhida na audiência de instrução não se mostra idônea para tanto.
Com efeito, as testemunhas (mídia da fl. 219) afirmam que o autor trabalhava na agricultura com a família, plantando arroz, feijão, milho e mandioca em terras de propriedade do pai. Afirmam, ainda, que a família não possuía outra fonte de renda, o que não guarda coerência com os documentos juntados aos autos, em especial o de fl. 112, que revela a condição de empregado do pai do autor no período de 23/03/1975 a 17/09/1989 - que abrange todo o intervalo postulado.
Ademais, confirmadas, conforme documento anexo, as informações do documento da fl. 112, no sentido de que entre 23/03/1975 a 17/09/1989 o pai do autor exerceu atividade laborativa urbana junto à Cooperativa Agrícola Mista de Taquari Ltda., resta descaracterizado o regime de mútua dependência de eventual atividade rural exercida pelos demais membros do grupo familiar.
Conclusão: Não restou comprovado o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período postulado pelo autor.
Da Atividade Especial
Considerações gerais
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR n. 3320/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003) e por esta Corte: (EINF n. 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. de 18-11-2009; APELREEX n. 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30-03-2010; APELREEX n. 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17-03-2010; APELREEX n. 2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25-01-2010).
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n. 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, de 14-10-1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29-04-1995 (ou 14-10-1996) e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 06-03-1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei n. 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28-04-1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05-03-1997, e os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99 a partir de 06-03-1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
Até 05/03/1997 | 1. Anexo do Decreto nº 53.831/64; 2. Anexo I do Decreto nº 83.080/79; | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB. |
De 06/03/1997 a 06/05/1999 | Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 | Superior a 90 dB. |
De 07/05/1999 a 18/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original | Superior a 90 dB. |
A partir de 19/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 | Superior a 85 dB. |
Quanto ao período anterior a 05/03/97, já foi pacificado, em sede da Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19/02/2003, p. 485) e também do INSS na esfera administrativa (Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 até 05/03/97, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.
Considerando que o último critério de enquadramento da atividade especial (Decreto nº 4.882, de 18/11/2003) veio a beneficiar os segurados expostos a ruídos no ambiente de trabalho, uma vez que passou a considerar deletéria à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis; e, não mais, aqueles superiores a 90 decibéis como fazia a legislação anterior, bem como o caráter social do direito previdenciário, a 3ª Seção desta Corte entendia cabível a aplicação do jus superveniens, considerando-se especial a atividade quando sujeita a ruídos superiores a 85 decibéis desde 06-03-1997, data da vigência do Decreto nº 2.172/97.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso repetitivo REsp nº 1.398.260, sedimentou o entendimento de que não é possível atribuir retroatividade à norma sem expressa previsão legal, conforme se vê do acórdão a seguir transcrito da 1ª Seção:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. EXPOSIÇÃO AO AGENTE FÍSICO RUÍDO. APLICAÇÃO RETROATIVA DO DECRETO N.º 4.882/2003. IMPOSSIBILIDADE.
1. O acórdão rescindendo foi prolatado em consonância com a jurisprudência desta Corte, que está firmada no sentido de não se poder atribuir força retroativa à norma, sem que haja expressa previsão legal. Assim, a contagem do tempo de serviço prestado sob condições especiais deve ocorrer de acordo com a legislação vigente à época em que efetivamente executado o trabalho, em observância ao princípio tempus regit actum.
2. Na vigência do Decreto n. 2.172/1997, o nível de ruído considerado prejudicial à saúde do obreiro era superior a 90 decibeis, não merecendo amparo a tese autoral de que, por ser mais benéfico ao segurado, teria aplicação retroativa o posterior Decreto n. 4.882/2003, que reduziu aquele nível para 85 decibeis.
3. A matéria, inclusive, já foi submetida ao crivo da Primeira Seção que, na assentada do dia 14/5/2014, ao julgar o REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, sob o rito do art. 543-C do CPC, chancelou o entendimento já sedimentado nesta Corte, no sentido da irretroatividade do Decreto n. 4.882/2003.
4. Pedido rescisório julgado improcedente.
(AR 5.186/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 04/06/2014)
Portanto, considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05.3.1997, superior a 90 dB entre 06.3.1997 a 18.11.2003 e superior a 85 dB a partir de 19.11.2003.
Equipamentos de Proteção - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. A própria autarquia já adotou esse entendimento na Instrução Normativa 45/2010 (art. 238, § 6º).
Em período posterior a dezembro de 1998, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência de EPIs é admissível desde que haja laudo técnico afirmando, inequivocamente, que a sua utilização pelo trabalhador reduziu efetivamente os efeitos nocivos do agente agressivo a níveis toleráveis, ou os neutralizou (STJ, REsp 720.082/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 10/04/2006, p. 279; TRF4, EINF 2001.72.06.002406-8, Terceira Seção, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 08/01/2010).
Oportuno mencionar que restou reconhecida pelo e. STF a existência de repercussão geral atinente ao fornecimento de equipamento de proteção individual (Tema 555). No julgamento do ARE 664.335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, publ. no DJ do dia 12/02/2015), a Corte Suprema fixou duas teses: 1) "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; e 2) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Ademais, para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado é necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
Caso concreto
Não tendo sido reconhecido o tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período de 31/10/1975 a 28/02/1980, resta prejudicada a análise do pedido de declaração de sua natureza especial.
Na hipótese vertente, os períodos controversos de atividade laboral exercidos em condições especiais estão assim detalhados:
Períodos: | 12/03/1980 a 08/07/1980 27/01/1981 a 22/04/1982 |
Empresa: | Cooperativa Agrícola Mista de Taquari Ltda. |
Função/Atividades: | Servente |
Setor: | Armazenagem/Secagem |
Agentes nocivos: | Poeiras orgânicas Fosfeto de alumínio (inseticida) |
Enquadramento legal: | Anexo do Decreto nº 53.831/64; Anexo I do Decreto nº 83.080/79; Súmula 198 do extinto TFR |
Provas: | DSS-8030 (fls. 47/49 e 50/53) Laudo pericial (fls. 186/192) |
Conclusão: | RECONHECIDA A ESPECIALIDADE De acordo com os formulários e com a perícia técnica, o autor estava exposto a poeiras orgânicas e ao agente químico fosfeto de alumínio, proveniente do inseticida gastoxin, aplicado pelo autor nos cereais. Ainda que as poeiras orgânicas (partículas de origem vegetal) com as quais o autor mantinha contato não estivessem relacionadas nos Anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79; estando comprovado através da perícia técnica o seu caráter prejudicial à saúde, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade também em razão de tal agente, nos termos da Súmula 198 do extinto TFR. Representantes da empresa afirmaram ao perito que não eram utilizados EPIs na época em que o autor prestou seus serviços. De qualquer modo, é irrelevante a utilização e/ou eficácia de EPIs para a caracterização da especialidade do labor prestado até 02/12/1998. Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie e reconhecido na sentença. |
Períodos: | 29/07/1982 a 10/02/1984 17/10/1986 a 26/07/1987 21/08/1987 a 01/05/1992 02/05/1992 a 28/05/1994 |
Empresa: | Satipel Industrial S/A - atual Duratex S/A |
Função/Atividades: | Ajudante Industrial I (de 29/07/1982 a 31/07/1983, de 17/10/1986 a 26/07/1987 e de 21/08/1987 a 31/08/1988) Inspetor de qualidade (de 01/08/1983 a 10/02/1984) Operador de Serra Divisora I (de 01/09/1988 a 31/08/1989) Operador de Produção II (de 01/09/1989 a 01/05/1992 e de 02/05/1992 a 28/05/1994) |
Agentes nocivos: | Ruído Pó de madeira |
Enquadramento legal: | Código 1.1.6 do Anexo do Decreto nº 53.831/64; Código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 Súmula 198 do TFR |
Provas: | PPPs (fls. 65/68, 57/58, 61/64 e 69/72) Laudo pericial (fls. 186/192) |
Conclusão: | RECONHECIDA A ESPECIALIDADE Conforme as provas constantes dos autos, o autor esteve exposto a ruído de 90 dB e pó de madeira. De acordo com o perito, a técnica de segurança do trabalho que acompanhou as atividades periciais afirmou "que as condições do ruído da na época da prestação do serviço eram, na melhor das hipóteses, similares ao nível levantado em 1996 [90 dB], senão ainda mais severas". Ainda que o pó de madeira, ao qual o autor estava exposto, não estivesse relacionado nos Anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79; é possível o reconhecimento da especialidade da atividade também em razão de tal agente, nos termos da Súmula 198 do extinto TFR. Nesse ponto, destaca-se que o pó de madeira consta do Grupo 1 da LINACH (Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos), que relaciona os agentes comprovadamente cancerígenos para humanos. E, apenas para exemplificar, destaca-se que o Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS de 23/07/2015 prevê que a exposição a tais agentes deve se dar de forma qualitativa e que EPIs, mesmo se considerados eficazes, não elidem a especialidade decorrente de tal exposição. De qualquer modo, destaca-se novamente a irrelevância da utilização/eficácia dos EPIs para a caracterização da especialidade do labor prestado até 02/12/1998. Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie e reconhecido na sentença. |
Período: | 01/11/1984 a 29/09/1986 |
Empresa: | Olsen & Cia Ltda. |
Função/Atividades: | Serviços Gerais |
Agentes nocivos: | Frio |
Enquadramento legal: | Código 1.1.2 do Anexo do Decreto nº 53.831/64; |
Provas: | CTPS (fl. 26) Laudo pericial (fls. 186/192) |
Conclusão: | RECONHECIDA A ESPECIALIDADE O laudo pericial, elaborado com base na entrevista feita com os sócios da empresa empregadora, do ramo de distribuição de bebidas e armazém, concluiu que o autor estava exposto ao agente nocivo frio, pois "entrava de 2 a 3 vezes por dia na câmara fria com permanência em torno de 1 minuto, quando carregava e acomodava barras de gelo no interior da câmara e retirava as barras quando vendidas", sem a utilização de EPIs. Importante destacar que o requisito da habitualidade e permanência da exposição somente passou a ser exigido com relação a atividades posteriores a 28/04/1995, com a alteração da redação do § 3º, do art. 57, da Lei 8.213/91 pela Lei 9.032/95. De qualquer forma, a habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas, como no caso em tela, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. Quanto aos EPIs, destaca-se novamente a irrelevância de sua utilização para a caracterização da especialidade do labor prestado até 02/12/1998. Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie e reconhecido na sentença. |
Período: | 30/09/1986 a 07/10/1986 |
Empresa: | Makouros do Brasil Ltda. |
Função/Atividades: | Serviços gerais |
Agentes nocivos: | N/A Enquadramento profissional |
Enquadramento legal: | Código 2.5.7 do Anexo II do Decreto nº 83.080/79; |
Provas: | CTPS (fl. 27) |
Conclusão: | RECONHECIDA A ESPECIALIDADE De acordo com a anotação constante da CTPS, o autor exercia atividades de serviços gerais em empresa de beneficiamento de couro, enquadrando-se, portanto, como atividade especial pelo critério da categoria profissional. Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie. |
Períodos: | 19/10/1994 a 23/12/1997 01/05/1998 a 05/06/2009 01/02/2010 a 04/02/2011 |
Empresa: | Móveis Castro |
Função/Atividades: | Ajudante Industrial (de 19/10/1994 a 23/12/1997) Operador de empilhadeira (de 01/05/1998 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011) |
Agentes nocivos: | Ruído |
Enquadramento legal: | Código 1.1.6 do Anexo do Decreto nº 53.831/64; Código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79; Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97; Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original; Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 |
Provas: | PPP (fls. 54/56) Laudo pericial (fls. 186/192) LTCAT (fl. 193) |
Conclusão: | RECONHECIDA EM PARTE A ESPECIALIDADE Os elementos constantes dos autos revelam que no desempenho das atividades de ajudante industrial (de 19/10/1994 a 23/12/1997) o autor esteve exposto a ruído de 88,3 dB; e que nos demais períodos (de 01/05/1998 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011) o ruído ambiental era de 86,5 dB. Assim, considerando o limite de tolerância de 90 dB, estabelecido entre 06/03/1997 e 18/11/2003, é possível enquadrar como especial tão somente o labor prestado nos períodos de 19/10/1994 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011. Quanto aos EPIs, destaca-se novamente a irrelevância de sua utilização para a caracterização da especialidade do labor prestado até 02/12/1998. Para o período posterior, não basta a mera indicação, no formulário da empresa, da eficácia dos equipamentos fornecidos. É necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho; prova que não foi produzida nos autos. De qualquer forma, no que tange ao agente físico ruído, não é possível descaracterizar a especialidade em razão de EPIs. Isso porque, conforme tese fixada pelo STF no julgamento do ARE 664.335, "hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria", uma vez que "a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas". Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos de 19/10/1994 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011, conforme a legislação aplicável à espécie. |
Assim, de acordo com o especificado nos quadros acima, reconhece-se a natureza especial das atividades exercidas pelo autor nos períodos de 12/03/1980 a 08/07/1980, de 27/01/1981 a 22/04/1982, de 29/07/1982 a 10/02/1984, de 01/11/1984 a 29/09/1986, de 30/09/1986 a 07/10/1986, de 17/10/1986 a 26/07/1987, de 21/08/1987 a 01/05/1992, de 02/05/1992 a 28/05/1994, de 19/10/1994 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011, conforme a legislação aplicável à espécie.
Da Aposentadoria Especial
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.
Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.
Do direito à aposentadoria especial no caso concreto
No presente caso, considerando o tempo especial reconhecido judicialmente, relativo aos períodos de 12/03/1980 a 08/07/1980, de 27/01/1981 a 22/04/1982, de 29/07/1982 a 10/02/1984, de 01/11/1984 a 29/09/1986, de 30/09/1986 a 07/10/1986, de 17/10/1986 a 26/07/1987, de 21/08/1987 a 01/05/1992, de 02/05/1992 a 28/05/1994, de 19/10/1994 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011, constata-se que o autor (beneficiário) computa um total de 21 anos, 6 meses e 8 dias de labor em condições insalutíferas até a DER (04/02/2011).
Não satisfeito, portanto, o requisito de tempo de serviço, a parte autora não tem direito ao benefício de aposentadoria especial. Dessa forma, passa-se à análise do pedido subsidiário formulado na inicial, relativo à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante conversão do tempo considerado especial em tempo comum.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Acerca da conversão do tempo especial em comum, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1151363, em 23-03-2011, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28-5-1998, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91.
2. Precedentes do STF e do STJ.
Assim, considerando que o parágrafo 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei nº 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15-12-1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1.º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28-05-1998.
O fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1151363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Assim, implementados os requisitos para aposentadoria na vigência da Lei nº 8.213/91 o fator de conversão deverá ser 1,4 (homem - 25 anos de especial para 35 anos de comum) ou 1,2 (mulher - 25 anos de especial para 30 de comum).
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza o seguinte tempo de contribuição até a DER, em 04/02/2011:
a) reconhecido na via administrativa: 27 anos, 9 meses e 9 dias
b) reconhecido judicialmente, especial: 8 anos, 7 meses e 10 dias
Tempo total até a DER: 36 anos, 4 meses e 19 dias
A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição restou cumprida conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91 (180 contribuições mensais).
Por conseguinte, assegura-se à parte autora o direito à aposentadoria, devendo ser implantada, se for o caso, a RMI mais favorável, de acordo com o que for apurado oportunamente em liquidação de sentença, esclarecendo-se que não se trata de decisão condicional, visto que o comando é único, qual seja, determinar que o INSS conceda o benefício ao segurado com o cálculo que lhe for mais vantajoso, conforme os critérios que estão claramente definidos, a contar da data do requerimento administrativo (04/02/2011).
Correção Monetária e Juros de mora
Segundo o art. 491 do NCPC, "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso". Todavia, as recentes controvérsias acerca dos índices de correção monetária e juros de mora devidos pela Fazenda Pública, atualmente previstos na Lei n.º 11.960/2009, originadas após o julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária dos precatórios) pelo Supremo Tribunal Federal têm inviabilizado a aplicação do dispositivo. Isso porque ainda pende de julgamento o Recurso Extraordinário n.º 870.947 (tema 810), no qual a Suprema Corte irá decidir sobre a constitucionalidade dos índices também em relação aos momentos anteriores à expedição dos precatórios.
Nesse contexto, a controvérsia jurisprudencial a respeito do tema, de natureza acessória, tem impedido o trânsito em julgado das ações previdenciárias, considerando os recursos interpostos pelas partes aos Tribunais Superiores, fadados ao sobrestamento até que haja solução definitiva. Diante disso, as Turmas integrantes das 2ª e 3ª Seções desta Corte passaram a diferir para a fase de cumprimento do julgado a definição dos índices aplicáveis, os quais devem seguir a legislação vigente ao tempo de cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública. Tal sistemática já foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS n.º 14.741/DF, relator Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 15/10/2014. Assim, a conclusão da fase de conhecimento do litígio não deve ser obstada por discussão que envolve tema acessório, de aplicação pertinente justamente à execução do julgado, mormente quando existente significativa controvérsia judicial sobre a questão, pendente de solução pela Suprema Corte.
Sendo assim, fica diferida para a fase de cumprimento do julgado a estipulação dos índices de juros e correção monetária legalmente estabelecidos para cada período.
Dos honorários advocatícios
Entendo que o ônus sucumbencial deve ser suportado integralmente pelo INSS, uma vez que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido.
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS em percentual a ser apurado em sede de liquidação de sentença, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 85 do NCPC.
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Da implantação do benefício
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Conclusão
Caracterizado julgamento citra petita, a sentença foi anulada, de ofício, prejudicados os apelos interpostos pelas partes. Estando o feito pronto para julgamento, foi enfrentado o mérito, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, e julgado parcialmente procedente o pedido, para:
a) afastar a preliminar da ausência de interesse de agir arguida pelo INSS;
b) reconhecer a especialidade das atividades desempenhadas nos períodos de 12/03/1980 a 08/07/1980, de 27/01/1981 a 22/04/1982, de 29/07/1982 a 10/02/1984, de 01/11/1984 a 29/09/1986, de 30/09/1986 a 07/10/1986, de 17/10/1986 a 26/07/1987, de 21/08/1987 a 01/05/1992, de 02/05/1992 a 28/05/1994, de 19/10/1994 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/06/2009 e de 01/02/2010 a 04/02/2011, determinando sua conversão em tempo comum pelo fator 1,4;
c) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (04/02/2011), determinada a sua imediata implantação.
O INSS foi condenado a arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, em percentual a ser apurado em liquidação de sentença; estando isento do pagamento das custas processuais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por anular, de ofício, a sentença prolatada, prejudicados os apelos interpostos; e, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, julgar parcialmente procedente o pedido para conceder à parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição, determinando a imediata implantação do benefício.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8648737v6 e, se solicitado, do código CRC C53847A6. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013882-65.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00024721320118210071
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | HILDO ALCEU DA SILVA PEREIRA |
ADVOGADO | : | Tiago Brandão Pôrto |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 1033, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA PROLATADA, PREJUDICADOS OS APELOS INTERPOSTOS; E, NOS TERMOS DO ART. 1.013, § 3º, III, DO CPC DE 2015, JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONCEDER À PARTE AUTORA A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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