| D.E. Publicado em 14/12/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005494-13.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MELANIA PANCIERA |
ADVOGADO | : | Mario Jose Machado e Silva |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO CITRA PETITA. NULIDADE. FEITO PRONTO PARA JULGAMENTO. ART. 1.013, § 3º, III, CPC 2015. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. Constatada a omissão da sentença com relação ao exame de um dos pedidos formulados, caracteriza-se julgamento citra petita que, por inobservância dos limites da demanda, é considerado nulo. Prejudicados o apelo e a remessa oficial.
2. Nos termos do art. 1.013, § 3º, inciso III, do CPC 2015, estando o feito pronto para julgamento, pode o Tribunal, ao constatar a omissão com relação ao exame de um dos pedidos formulados, adentrar o mérito, julgando-o desde logo.
3. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
4. A partir de novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento das contribuições facultativas (Súmula 272 do STJ).
5. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
6. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, tempo mínimo de contribuição e carência, remanesce o direito da parte autora à averbação do período ora reconhecido, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, prejudicados o apelo do INSS e a remessa oficial; e, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, julgar extinto o feito, sem exame de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento de atividade rural no período de 31/03/1974 a 31/12/1975 e julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o tempo de serviço rural no período de 01/01/1976 a 31/10/1991, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8621113v2 e, se solicitado, do código CRC 8D393F05. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 15:35 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005494-13.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MELANIA PANCIERA |
ADVOGADO | : | Mario Jose Machado e Silva |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado em ação previdenciária objetivando o reconhecimento da atividade rural no período de 1974 a 1993 e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com reflexos financeiros a contar da DER, em 18/02/2011.
O dispositivo do ato judicial favorável à parte autora foi lavrado nos seguintes termos:
"DISPOSITIVO:
Pelo exposto, julgo PROCEDENTE o pedido da autora para o fim de reconhecer e condenar o INSS a averbar como tempo de serviço rural o período de 1975 a 1990, recalculando-se a renda mensal do benefício, com aplicação do percentual respectivo, cujo valor deverá ser atualizado monetariamente pelo IGP-DI, desde a data do vencimento de cada uma das parcelas, inclusive daquelas anteriores ao ajuizamento da ação, (Súmulas 43 e 148 do STJ), e com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (Súmula 204 do STJ), e, por consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Ante a sucumbência, condeno o INSS ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 111 do STJ.
Sentença não sujeita ao reexame necessário."
Em suas razões de apelação, o INSS sustenta que: a) os documentos juntados pela autora não comprovam o exercício de atividade rural no período reconhecido em sentença, não bastando apenas a prova testemunhal; b) ainda que contabilizado o período reconhecido em sentença como tempo de contribuição, a soma deste ao tempo de serviço/contribuição já reconhecido pela autarquia, de 10 anos, 5 meses e 19 dias, não totaliza tempo suficiente à concessão da aposentadoria postulada. Em pedido sucessivo, pleiteia a reforma da sentença quanto aos consectários legais, aplicando-se a Lei 11.960/09.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (Metas CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
Como o caso dos autos não se insere nas causas de dispensa do reexame, conheço da remessa oficial.
Do julgamento citra petita
A parte autora ajuizou a presente ação buscando o reconhecimento de tempo de serviço rural e a concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença, após analisar e reconhecer o exercício de atividade rural em parte do período postulado, julgou procedente o pedido "para o fim de reconhecer e condenar o INSS a averbar como tempo de serviço rural o período de 1975 a 1990, recalculando-se a renda mensal do benefício, com aplicação do percentual respectivo, cujo valor deverá ser atualizado monetariamente pelo IGPD-I, desde a data do vencimento de cada uma das parcelas (...)" (fl. 142).
Embora do relatório da sentença constem os pedidos formulados na inicial, da leitura da fundamentação percebe-se a ausência de qualquer análise dos requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sequer o cálculo do tempo de contribuição alcançado pela parte autora, sendo desconsiderado, pois, o pedido principal de aposentadoria formulado pela parte autora na exordial.
Outrossim, embora não analisado o pedido de aposentadoria, o dispositivo da sentença incorre em evidente erro material, determinando o "recálculo da renda mensal do benefício, com aplicação do percentual respectivo", como se tratasse de ação revisional, quando, na realidade, a parte autora não recebe qualquer benefício do INSS.
De qualquer forma, constatada a omissão da sentença com relação ao exame de um dos pedidos formulados, caracteriza-se julgamento citra petita que, por inobservância dos limites da demanda, é considerado nulo.
Com efeito, na vigência do CPC de 1973, ao anular a sentença, deveria esta Corte determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que outra fosse prolatada. Entretanto, o CPC de 2015, em seu art. 1.013, § 3º, inciso III, permite que o Tribunal aprecie desde logo a questão, desde que esteja o processo em condições de imediato julgamento:
"Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação." [grifou-se]
Nesse passo, é de ser declarada, de ofício, a nulidade da sentença proferida por se tratar de julgamento citra petita, prejudicado o apelo interposto pelo INSS. E estando o feito pronto para imediato julgamento, passa-se à análise do mérito, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015.
Da carência de ação
Inicialmente, consigno que a Administração já reconheceu e computou o labor rural exercido no período de 31/03/1974 a 31/12/1975, como se verifica do Resumo de Documentos Para Cálculo de Tempo de Contribuição de fl. 64.
Deve ser, pois, extinto o feito sem exame do mérito, com fulcro no art. 267, inciso VII, do CPC/1973 e art. 485, inciso VI, do CPC/2015, com relação ao cômputo do tempo de serviço no período mencionado.
Da controvérsia dos autos
Resta controvertido o período de 01/01/1976 a 30/06/1993 (primeiro vínculo em CTPS em 01/07/1993, fl. 93), em que o autor alega ter exercido atividade rural em regime de economia familiar.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do REsp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
A partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Tal entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- certidão de crisma realizada em 1990, na Paróquia Imaculada Auxiliadora de Porto Barreiro/PR, em que a autora foi madrinha (fl. 23);
- declaração de rendimentos para a Receita Federal em nome do pai da autora, Francisco Panciera, constando ocupação "agricultor", dos exercícios/anos-base de 1971/70, 1973/72, 1974/73 (fls. 26/30);
- certidão do Registro de Imóveis da Comarca de Laranjeiras do Sul/PR sobre formal de partilha extraído de inventário dos bens deixados pelo falecimento da mãe da autora, inventariante o pai, homologado por sentença em 13/12/1973, cabendo ao viúvo uma área de terras rurais na Fazenda Laranjeiras (fl. 32);
Do depoimento pessoal da autora (CD, fl. 146), colhe-se que hoje mora em Laranjeiras do Sul, mas em sua infância e juventude, até por volta dos 30 anos, morou em Porto Santana, Passo da Erva, onde plantava arroz, feijão, milho e trigo, criava porcos e galinhas, em companhia dos 12 irmãos e dos pais, em área de cerca de 10 alqueires.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais.
A testemunha Domingas Scariot Vieira afirma conhecer a autora desde a infância, quando morava no Passo da Erva, em Porto Santana, onde reside a depoente até hoje. Sustenta que eram todos lavradores, os pais e os 12 filhos, plantando arroz, feijão, milho, batata, mandioca, em área de 10 alqueires, e que a autora permaneceu nesse local até por volta dos 30 anos.
Já a testemunha Maria Scariot Pazini narra conhecer a autora de quando residia em Passo da Erva, Porto Santa, onde a família, com 12 filhos, laborava na roça, plantando milho, feijão, manualmente, com junta de bois. Afirma que a autora deixou a roça com cerca de trinta, trinta e poucos anos de idade.
Destaca-se que não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, necessitando ser corroborada por prova testemunhal. Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) tem a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a necessária prova testemunhal.
Em razão disso, entendo que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
Desse modo, entendo que é possível reconhecer o efetivo exercício da atividade rural em regime de economia familiar desde 01/01/1976, já que a prova material contém indicação segura de que a família da autora sempre laborou na agricultura, o que foi, como se viu, confirmado de modo coerente e preciso pelas testemunhas.
Raciocínio idêntico pode ser utilizado quanto ao termo final da atividade rural. Todavia, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias não é possível o aproveitamento do tempo de serviço rural posterior a 31/10/1991 para fins de aposentadoria por tempo de contribuição.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material e que a prova testemunhal é precisa quanto ao exercício da atividade rural no período postulado.
Conclusão: reconhecido o exercício de atividade rural pela parte autora no período de 01/01/1976 a 31/10/1991, o que perfaz 15 anos, 10 meses e 1 dia.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza o seguinte tempo de contribuição :
a) em 16-12-98 (advento da EC nº 20/98), a parte autora somava apenas 17 anos, 7 meses e 2 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus, portanto, à concessão de aposentadoria por tempo de serviço;
b) em 28-11-1999 (advento da Lei nº 9.876/99), a parte autora contava com 37 anos de idade e somava 14 anos, 7 meses e 14 dias de tempo de contribuição, já descontado o pedágio, não atingindo o tempo mínimo necessário, razão por que não faz jus à aposentadoria, razão por que não faz jus à concessão da aposentadoria;
c) na DER (18/02/2011), a parte somava 23 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais nem à aposentadoria proporcional por tempo de serviço por não atingir o tempo necessário com a inclusão do pedágio.
RECONHECIDO NA FASE ADMINISTRATIVA | Anos | Meses | Dias | |||
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | 1 | 9 | 1 | ||
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | 1 | 9 | 1 | ||
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 18/02/2011 | 10 | 5 | 19 | ||
RECONHECIDO NA FASE JUDICIAL | ||||||
Obs. | Data Inicial | Data Final | Mult. | Anos | Meses | Dias |
Sem período Parte inferior do formulário | 01/01/1976 | 31/10/1991 | 1,0 | 15 | 10 | 1 |
Subtotal | 15 | 10 | 1 | |||
SOMATÓRIO (FASE ADM. + FASE JUDICIAL) | Modalidade: | Coef.: | Anos | Meses | Dias | |
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | Tempo Insuficiente | - | 17 | 7 | 2 |
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | Tempo insuficiente | - | 17 | 7 | 2 |
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 18/02/2011 | Não cumpriu pedágio | - | 26 | 3 | 20 |
Pedágio a ser cumprido (Art. 9º EC 20/98): | 2 | 11 | 17 | |||
Data de Nascimento: | 31/03/1962 | |||||
Idade na DPL: | 37 anos | |||||
Idade na DER: | 48 anos |
Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação do período ora reconhecido, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Dos ônus sucumbenciais
Reconheço a sucumbência recíproca, razão pela qual condeno cada uma das partes no pagamento de metade das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, arbitrados em R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), considerando que a fixação em 10% sobre o valor dado à causa resultaria em montante irrisório. Fica, no entanto, vedada a compensação da verba honorária (artigos 85, §4º, IV, e §14, e 86 do CPC/2015).
Deverá, ainda, ser observada a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência com relação à parte autora, por ser beneficiária da gratuidade de justiça (art. 12 da Lei 1060/50).
Conclusão
Caracterizado julgamento citra petita, a sentença foi anulada, de ofício; prejudicados o apelo interposto pelo INSS e a remessa oficial. Estando o feito pronto para julgamento, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, foi julgado extinto, sem exame de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento de atividade rural no período de 31/03/1974 a 31/12/1975 e julgado parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o tempo de serviço rural no período de 01/01/1976 a 31/10/1991 para fins de averbação junto ao INSS e futura aposentadoria.
Sucumbência recíproca reconhecida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por anular, de ofício, a sentença, prejudicados o apelo do INSS e a remessa oficial; e, nos termos do art. 1.013, § 3º, III, do CPC de 2015, julgar extinto o feito, sem exame de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento de atividade rural no período de 31/03/1974 a 31/12/1975 e julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o tempo de serviço rural no período de 01/01/1976 a 31/10/1991.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005494-13.2013.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 6112
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MELANIA PANCIERA |
ADVOGADO | : | Mario Jose Machado e Silva |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 994, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA, PREJUDICADOS O APELO DO INSS E A REMESSA OFICIAL; E, NOS TERMOS DO ART. 1.013, § 3º, III, DO CPC DE 2015, JULGAR EXTINTO O FEITO, SEM EXAME DE MÉRITO, QUANTO AO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO DE 31/03/1974 A 31/12/1975 E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, PARA RECONHECER O TEMPO DE SERVIÇO RURAL NO PERÍODO DE 01/01/1976 A 31/10/1991.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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