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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LABOR RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. TRF4. 5006918-21.2022...

Data da publicação: 12/12/2024, 18:22:18

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LABOR RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ. 2. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LB, o tempo de serviço rural pode ser comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 3. Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018). 4. A Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial. 5. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença com a consequente reabertura da instrução processual para que se melhor esclareça sobre a realidade rurícula vivenciada pelo segurado. Precedentes. (TRF4, AC 5006918-21.2022.4.04.7208, 9ª Turma, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, julgado em 10/09/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5006918-21.2022.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença, publicada em 27/02/2023, que acolheu parcialmente os pedidos autorais, nos seguintes termos (ev. 33.1):

Ante o exposto, acolho em parte os pedidos da parte autora, extinguindo o feito com apreciação do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS a averbar e computar os meses de 08 a 11/1987 para todos os fins previdenciários, exceto carência, bem como computar os períodos especiais já reconhecidos no processo nº 5001466-21.2017.4.04.7203, nos termos da fundamentação.

Benefício da gratuidade da justiça já deferido ao autor (evento 8).

Condeno a parte autora, majoritariamente sucumbente, ao pagamento de honorários em favor do réu que fixo em 10% do valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade, entretanto, em face do deferimento da AJG (evento 8). Atente-se para a Súmula 111 do STJ.

Sentença não sujeita à remessa necessária (artigo 496, § 3º, I do CPC), haja vista que, utilizando como parâmetro o valor atribuído à causa, o proveito econômico obtido pelo autor certamente não será superior a 1.000 (mil) salários mínimos.

Intimem-se as partes da sentença proferida nos presentes autos para, querendo, recorrerem.

Apresentada apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões e remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região independentemente do juízo de admissibilidade (artigo 1.010 do CPC).

Registrada e publicada eletronicamente.

Embargos de declaração acolhidos tão somente para agregar fundamentos à sentença em 14/03/2023 (ev. 42.1).

Em suas razões recursais, a parte autora busca a reforma da sentença para que seja reconhecido o exercício de labor rural em regime de economia familiar no intervalo de 20/06/1970 a 31/12/1973 (a partir dos 7 anos de idade). Argumenta que contribuiu para o regime de economia familiar dos seus avós e que, apesar de ter ido morar com eles para facilitar o acesso à escola, desempenhou atividade campesina, meio de subsistência dos avós, conforme teria sido demonstrado no processo nº 5001665-53.2011.4.04.7203, referente à sua irmã (ev. 47.1).

Contrarrazões no ev. 51.1.

Foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.

Era o que cabia relatar.

VOTO

Da preliminar de cerceamento de defesa

O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.

À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LB, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.

No caso, quanto ao período em discussão, o juízo a quo deixou de reconhecer o exercício do labor rural sob o seguinte fundamento:

(...)

Não está claro que o labor do autor era indispensável à subsistência do grupo familiar, pois o autor afirma ter ido residir com os avós para frequentar escola, isso é, estudar. Além disso, os pais exerciam atividade urbana, com comércio próprio, sendo altamente provável que contribuíssem com a manutenção dos filhos.

Outro ponto a se considerar é que o período buscado pelo autor é anterior aos 12 anos de idade (nascido em 20/06/1963 - ev.1, cnh3).

Não ignoro que há recente precedente do STJ admitindo a possibilidade de reconhecimento de tempo rural anterior aos 12 anos de idade:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.

1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise juducial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.

2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância.

3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.

4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância.

5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.

6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969).

7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.

8. Agravo Interno do Segurado provido.

(STJ, AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª Turma, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020). (destaquei)

Inicialmente, cumpre extrair duas premissas fundamentais do precitado precedente. A primeira é o aspecto excepcional da possibilidade de reconhecimento de labor rural antes dos 12 anos. A segunda diz respeito ao caráter não vinculante da decisão, uma vez que não proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos.

As premissas acima delineadas evidenciam que o excepcional reconhecimento do tempo rural demandará a produção de prova robusta e contundente.

É verdadeiro que os filhos acompanhavam os pais nas lides rurais. Mas isso ocorria não somente porque os filhos precisavam trabalhar no pesado desde cedo, como se tem sustentado genericamente em juízo, mas sim em razão de o pai e a mãe terem que sair de casa para realizar o cultivo da plantação, o cuidado dos animais e manutenção da própria propriedade, e não poderem deixar os filhos pequenos sozinhos em casa.

Nesse sentido, o reconhecimento rural antecedente aos 12 (doze) anos, reitero, exige prova robusta e convincente. Seriam casos como o do menor que foi obrigado a trabalhar com o pai como boia-fria, ou mesmo da criança que manteve vinculo de emprego rural sem registro, com exigência do cumprimento de atividades específicas em jornada de trabalho delimitada. Para os casos de agricultura em regime de economia familiar, as circunstâncias da composição familiar (número de filhos, quantidade de filhos do sexo masculino e feminino), aliada à comprovação de participação ativa nas atividades, poderiam ensejar o preenchimento da excepcionalidade. Enfim, seriam situações que, em meu sentir, se amoldariam à excepcionalidade exigida pela jurisprudência do STJ.

No que tange ao tempo rural para fins de previdência, é preciso lembrar que a própria Constituição Federal de 1988 já estabeleceu um redutor de idade (5 anos) para as aposentadorias dos trabalhadores rurais, presumindo o início precoce do exercício de tais atividades.

Por sua vez, em relação ao fator idade como risco a ser coberto pela Seguridade Social, evidencia-se que a busca da redução da idade de início do labor rural de forma genérica e como regra, como tem sido apresentadas as pretensões, seria uma forma de tangenciar a regra constitucional e antecipar as aposentadorias por tempo de contribuição. Não são poucos os casos de segurados com pouco mais de 50 anos que buscam em juízo o reconhecimento do labor rural da infância como forma de antecipar a aposentação, em manifesta contrariedade aos princípios da seguridade social, em especial a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Sem mencionar a ausência de contribuições, em oposição à equidade do custeio e caráter contributivo da previdência social.

Assim, cabe anotar que uma coisa é o próprio Constituinte amparar os trabalhadores rurais com redução na aposentadoria por idade; outra completamente diferente é buscar a redução da idade de início das lides rurais para completar antecipadamente o tempo mínimo de contribuição para aposentação, sem efetivas contribuições.

Entretanto, no caso dos autos, não há prova de participação ativa do autor na atividade rural antes dos 12 anos de idade, a ensejar a excepcionalidade do seu reconhecimento.

(...)

Porém, conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018). Na mesma linha, destaco recente julgado do STJ: AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020.

Ademais, esta Corte, no julgamento do IRDR nº 17, firmou entendimento no sentido de que "Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.".

Não é demais dizer que, recentemente, esta Corte aplicou o entendimento para os casos em que o segurado apresenta autodeclaração do exercício de atividades rurais, cuja discussão envolve o labor anterior aos 12 anos de idade. Ante a relevância, trago à baila a ementa do referido julgado (grifos meus):

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4 5003943-19.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 28/07/2023)

Realmente, a Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial.

Tenho, assim, que o feito foi julgado prematuramente, haja vista a não realização de audiência de instrução para oitiva da parte autora e de testemunhas, o que pode corroborar, ou não, as alegações autorais; permitindo uma análise mais completa e aprofundada dos fatos, notadamente a contribuição do autor para o regime de economia familiar. Assim, tão somente após a oitiva de testemunhas, com a coleta de mais informações acerca da experiência campesina da parte autora é que o julgador estará apto a apreciar o mérito da controvérsia.

Por ser oportuno, destaco a previsão do art. 370 do Código de Processo Civil, no sentido de que "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito".

Conforme lições de Humberto Theodoro Jr., "Os poderes do juiz, no domínio da prova, permanecem reconhecidos e reforçados no direito positivo, capacitando-o a realizar de ofício a instrução processual. Munido de tais poderes instrutórios, estará ele sempre credenciado a atuar de modo coerente e compatível com os ideais constitucionais, relacionados com a garantia de acesso efetivo à justiça e, particularmente, com a meta de promover a justa composição dos litígios" (grifos meus) (Código de Processo Civil Anotado. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1602, versão digital).

In casu, a parte autora trouxe, em princípio, início de prova material do exercício do labor rural em regime de economia familiar, conforme destacado na sentença. Veja-se:

(...)

Dentre os documentos anexados aos autos, destaco:

- certidão de casamento do avós maternos do autor, em 1939, ele agricultor (ev.1, procadm4, p. 14);

- certidão imobiliária de compra de imóvel rural pelo avô do autor, em 1949, no Distrito de Arroio Trinta, Videira/SC (ev.1, procadm4, p. 15 e 21);

- ficha de filiação do avô do autor ao sindicato rural de Salto Veloso/Sc, em 04/1972 (ev.1, procadm4, p. 16);

- certidão do Incra de imóvel rural registrado em nome do avô do autor entre 1965 e 1977, em Salto Veloso/SC, com 49,8ha (ev.1, procadm4, p. 17);

- histórico escolar do autor e declaração da escola, indicando frequência entre 1971 e 1973 e afirmando não haver registro dos avós maternos do autor (ev.1, procadm4, p. 24 e procadm7, p. 24).

(...)

Com efeito, o entendimento adotado pelo juízo cerceou o direito da parte autora em relação à produção da prova testemunhal, a qual se revela essencial para o deslinde da controvérsia.

Este Tribunal já decidiu no sentido de que a essencialidade da oitiva de testemunhas justifica a anulação da sentença para a realização do ato, veja-se:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar. 2. Anulação da sentença com retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução e oitiva de testemunhas. (TRF4, AC 5025939-20.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/05/2021)

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença a fim de propiciar a reabertura da instrução processual. Precedentes da Corte. (TRF4, AC 5014062-16.2021.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 05/05/2022)

É de se considerar, ainda, em situações como a da espécie, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser concedida a oportunidade de produzir as provas pretendidas, que eventualmente tenham o condão de esclarecer sobre a realidade do labor.

Nessa senda, a meu sentir, o melhor caminho processual a ser adotado neste momento é a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução probatória em relação ao período de 20/06/1970 a 31/12/1973, possibilitando-se à parte autora a produção de prova testemunhal.

Por ser oportuno, destaco que no processo nº 5001665-53.2011.4.04.7203, referente à irmã do autor, reconheceu-se o exercício de labor rural em regime de economia familiar no período em que ela morou com os avós. Porém, a testemunha Rosemir (processo 5001665-53.2011.4.04.7203/SC, evento 17, ÁUDIO4) relatou que conheceu a irmão do autor apenas aos 15 anos de idade, quando ela se casou e saiu da casa dos avós; enquanto que a testemunha Pedro (processo 5001665-53.2011.4.04.7203/SC, evento 17, ÁUDIO3) não foi capaz de esclarecer, com firmeza, acerca da presença concomitante do autor e da irmã na propriedade dos avós e, por consequência, não haveria como emprestar seu depoimento para o fim de elucidar acerca das atividades desenvolvidas pelo autor junto aos avós.

Nada obstante, a situação pode ser melhor esclarecida após a produção da prova oral, inclusive no que tange à eventual participação dos pais na manutenção do autor.

Por fim, reputo prejudicado o julgamento do mérito do recurso.

Conclusão

Sentença anulada, por cerceamento de defesa, quanto ao(s) período(s) de 20/06/1970 a 31/12/1973, ante a existência de início de prova material do labor rural sem que tenha havido a realização de audiência de instrução, com produção de prova testemunhal, para melhor elucidar acerca da experiência rurícula do segurado.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por, ex officio, anular a sentença, por cerceamento de defesa, e determinar o retorno dos autos à origem para que seja reaberta a instrução processual.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004653294v6 e do código CRC 77dd1c9c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 12/9/2024, às 9:12:0


5006918-21.2022.4.04.7208
40004653294.V6


Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 15:22:18.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5006918-21.2022.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LABOR RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.

1. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.

2. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LB, o tempo de serviço rural pode ser comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.

3. Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018).

4. A Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial.

5. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença com a consequente reabertura da instrução processual para que se melhor esclareça sobre a realidade rurícula vivenciada pelo segurado. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, ex officio, anular a sentença, por cerceamento de defesa, e determinar o retorno dos autos à origem para que seja reaberta a instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de setembro de 2024.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004653295v3 e do código CRC df763ac6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 12/9/2024, às 9:12:0


5006918-21.2022.4.04.7208
40004653295 .V3


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/09/2024 A 10/09/2024

Apelação Cível Nº 5006918-21.2022.4.04.7208/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/09/2024, às 00:00, a 10/09/2024, às 16:00, na sequência 228, disponibilizada no DE de 23/08/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, EX OFFICIO, ANULAR A SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA, E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA QUE SEJA REABERTA A INSTRUÇÃO PROCESSUAL.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Juíza Federal JACQUELINE MICHELS BILHALVA

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



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