APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001506-93.2014.404.7207/SC
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE NATAL ANDRADE |
ADVOGADO | : | MELISSA BARRETO OLIVEIRA FRANCALACCI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 201, § 2º DA CF-88.
1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
2. Consoante orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte, não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de abril de 2015.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7411187v2 e, se solicitado, do código CRC BA85F40A. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001506-93.2014.404.7207/SC
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
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APELADO | : | JOSE NATAL ANDRADE |
ADVOGADO | : | MELISSA BARRETO OLIVEIRA FRANCALACCI |
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RELATÓRIO
JOSÉ NATAL ANDRADE impetrou mandado de segurança contra ato do Chefe da Agência do INSS em Imbituba-SC, com os seguintes pedidos (evento 1/1):
a) seja expedida, liminarmente, ordem ao Impetrado no sentido de cessar as cobranças realizadas na folha do pagamento do benefício nº 148.608.181-6, cobrar ou descontar qualquer valor a título de cobrança de valores recebidos pela impetrante referente ao benefício de nº 1357638652;
...
e) finalmente, que seja concedida definitivamente a ordem impetrada, para o fim de ser declarada a inexigibilidade do crédito que está sendo cobrado pelo INSS, face o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, o recebimento dos valores de boa-fé e a sua irrepetibilidade, proibindo o desconto dos valores recebidos do benefício de aposentadoria de nº 148.608.181-6, bem como que seja restituído todo e qualquer desconto na folha de pagamento do impetrante a contar da data da impetração do presente processo, DEVENDO O INSS LHE DEVOLVER TODOS OS VALORES EVENTUALMENTE JÁ DESCONTADOS A CONTAR DA DATA DA IMPETRAÇÃO, ACRESCIDOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
...
A liminar foi deferida por ocasião do julgamento do agravo de instrumento 5005449-11.2014.404.0000/SC nesta Corte.
Sobreveio sentença, cujo dispositivo possui este teor (evento 48):
Ante o exposto, torno definitiva a medida liminar deferida e CONCEDO A SEGURANÇA (art. 269, inc. I, do CPC) para determinar o cancelamento do desconto de 30% efetuado sobre a aposentadoria por idade NB 41/148.608.181-6 em razão dos valores recebidos na aposentadoria por idade NB 41/135.763.865-2, e condenar o INSS a restituir ao impetrante os valores descontados a partir do ajuizamento desta demanda (28/02/2014).
Sem honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/09).
Custas na forma da lei.
Comunique-se a autoridade coatora.
Cientifique-se o Ministério Público Federal.
Espécie sujeita ao reexame necessário (§1º do art. 14 da Lei nº 12.016/09).
...
Irresignado, o INSS interpôs recurso de apelação, requerendo (evento 58):
... seja a sentença reformada para o fim de admitir o prosseguimento da cobrança dos valores indevidamente recebidos pela parte-autora, ainda que de boa-fé.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso e do reexame necessário (evento 5 nesta instância).
É o relatório.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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VOTO
A fim de evitar tautologia, perfilho-me à sentença prolatada pelo Juiz Federal Rafael Martins Costa Moreira, adotando os seus fundamentos como razões de voto (evento 48):
Decadência
Não merece prosperar a prefacial suscitada pelo INSS em suas informações, uma vez que a consignação de débito na aposentadoria por idade NB 41/148.608.181-6 teve início na competência de 12/2013 (evento 03, HISCRE2, p. 2), ao passo que o ajuizamento da ação ocorreu em 28/02/2014, não tendo decorrido o lapso de 120 dias no interregno.
Ilegitimidade passiva da autoridade coatora apontada
A autarquia alega que o gerente da APS de Tubarão não praticou o ato que culminou na constituição regular do débito, defendendo a sua ilegitimidade passiva para a causa.
Contudo, a preliminar resta prejudicada, tendo em vista que declinação de competência a esta Subseção Judiciária de Laguna/SC.
Inadequação da via eleita e ausência de ato abusivo ou ilegal
Melhor sorte não assiste à parte impetrada em relação às preliminares invocadas.
Nesse sentido, a alegada inadequação da via eleita não merece prosperar diante da jurisprudência do TRF da 4ª Região, segundo a qual não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo (AMS n.º 2005.71.04.002599-0/RS). Em sendo assim, como o caso dos autos trata de benefício de valor mínimo, desnecessária a dilação probatória para a comprovação da alegada boa-fé no recebimento dos valores recebidos irregularmente.
No tocante à ausência de ato abusivo ou ilegal por regularidade do débito, a preliminar se confunde com o próprio mérito da causa, e juntamente com ele será apreciada.
Mérito
No mérito, a medida liminar deve ser confirmada em sede de sentença.
A questão já foi devidamente analisada por ocasião da concessão da liminar na decisão monocrática proferida nos autos do Agravo de Instrumento n. 5005449-11.2014.404.0000 (evento 16), que foi mantida pela 5ª Turma do TRF da 4ª Região (evento 41), cujos fundamentos adoto como razões de decidir, a fim de evitar tautologia:
' Sobre a controvérsia posta nos presentes autos, registro que a Lei nº 8.213/1991, na hipótese de descontos de valores indevidamente pagos, incidentes sobre a renda mensal do benefício, estabelece o seguinte:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Por sua vez, o Regulamento da Previdência - Decreto nº 3.048/1999 reza que:
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
No presente caso, o impetrante obteve aposentadoria por idade rural (NB 135.763.865-2) com DIB em 11/10/2007, porém, em razão de suposto equívoco da autarquia no reconhecimento da condição de segurado especial (pescador), pela existência de vínculos urbanos em concomitância (evento 1/CARNE_INSS2 do processo originário), o benefício restou posteriormente cancelado, gerando um complemento negativo a ser descontado em parcelas mensais de 30% da aposentadoria por idade urbana concedida ao segurado (NB 148.608.181-6).
Ao que tudo indica, a hipótese em exame trata de pagamento a maior decorrente de erro da autarquia previdenciária ao conceder a aposentadoria por idade rural ao impetrante, não havendo qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte do segurado, que apresentou sua documentação para análise do INSS. Ainda que a percepção do amparo rural tenha sido indevida, seu pagamento provavelmente resultou de equívoco administrativo, para o qual o beneficiário não concorreu.
Em situações como a presente, registro que a esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
Vejamos:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. REVISÃO ADMINISTRATIVA. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA. DESCONTO MENSAL NO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DA VERBA.
1. No período anterior à Lei 9.784/99 não existia prazo decadencial para a revisão dos atos administrativos, embora seja razoável examinar a possibilidade de revisão à luz do princípio da segurança jurídica.
2. Para a Autarquia rever seus próprios atos, deve seguir o procedimento administrativo de revisão da concessão dos benefícios previdenciários, regulado pelo artigo 69 da Lei 8.212/91. Observada tal sistemática legal assecuratória do devido processo legal, mediante o contraditório e a ampla defesa, mostra-se intocável o ato revisional.
3. Havendo percepção de valores de boa-fé, padece de sedimento a pretensão da Autarquia que visa à não repetição das quantias pagas, já que a regra do artigo 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade.
(AC n°2008.71.99.004091-7/RS, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, 6ª Turma, D.E. 10/11/2008)
AGRAVO REGIMENTAL. DEVOLUÇÃO DE DIFERENÇAS RELATIVAS A PRESTAÇÃO ALIMENTAR. DESCABIDA.
1. O caráter eminentemente alimentar dos benefícios previdenciários faz com que tais benefícios, quando recebidos a maior em boa-fé, não sejam passíveis de devolução.
2. Agravo de instrumento provido.
(AI nº 2008.04.00.036811-7/RS, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Turma Suplementar, D.E. 08/01/2009)
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO.
Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos.
(AC nº 2007.72.16.000693-5/SC, Rel. Des. Federal Celso Kipper, 5ª Turma, D.E. 14/10/2008)
No mesmo sentido vem se manifestando o Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode observar do seguinte precedente:
'AGRAVO REGIMENTAL. DEVOLUÇÃO DE DIFERENÇAS RELATIVAS A PRESTAÇÃO ALIMENTAR. DESCABIDA.
O caráter eminentemente alimentar dos benefícios previdenciários faz com que tais benefícios, quando recebidos a maior em boa-fé, não sejam passíveis de devolução.
Agravo regimental a que se nega provimento'.
(AgRg no Resp nº 705.249/SC, Rel. Ministro Paulo Medina, DJ de 20/02/2006)
Assim, havendo relevância na tese aventada pelo agravante, e sendo inquestionável o receio de dano, entendo recomendável a manutenção dos pagamentos até decisão final, suspendendo-se qualquer desconto decorrente da revisão administrativa.
Não bastasse isso, saliente-se que, no caso, também não se mostra possível a incidência de descontos sobre a renda mensal do benefício regularmente concedido ao segurado, uma vez que possui valor mínimo.
Com efeito, por força do disposto no artigo 201, § 2º, da Constituição Federal, que estabelece que 'nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo', o desconto efetuado pelo INSS, no caso de pagamento indevido de benefício previdenciário, não pode reduzir os proventos a valor inferior ao do salário mínimo, a fim de garantir ao segurado ou pensionista remuneração mensal que permita a manutenção de suas necessidades e de sua família, em respeito à dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o entendimento deste Egrégio Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. ART. 115, II, DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. ART. 201, § 2º DA CF/88.
1. A teor do disposto no art. 115, II, da Lei 8.213/91, o INSS pode descontar da renda mensal do benefício os pagamentos efetuados além do devido, respeitando, quando o débito for originário de erro da Previdência Social, o limite de 30% do valor do benefício em manutenção, conforme os termos do art. 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
2. Ainda que respeitado o limite previsto em lei, os descontos que reduzam os proventos do segurado à quantia inferior ao salário mínimo ferem a garantia constitucional de remuneração mínima e atentam contra o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.
3. De acordo com a orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.
(AMS n.º 2005.71.04.002599-0/RS, de minha relatoria, DJU de 28.6.2006)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. LEI Nº 8.213/91. ART. 115, II. DESCONTOS. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. CF, ART. 201, § 5º. FIXAÇÃO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CPC, ART. 461, § 3º E 4º.
1. Não é possível o desconto dos valores indevidamente pagos ao segurado (Lei nº 8.213/91, art. 115, II), credor de benefício de valor mínimo, em face do art. 201, § 5º, da Constituição. Ante o conflito entre dois valores consagrados pela ordem jurídica, prevalece aquele mais caro aos fundamentos do Estado: a dignidade da pessoa humana.
2. Não há razão para fixação de astreinte contra a Administração Pública porque milita em favor dela a presunção de que cumprirá a decisão judicial, somente cabendo a aplicação de multa em caso de recalcitrância no descumprimento.
(AI n. 2000.04.01.021879-8/RS, rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, relator para o acórdão Des.Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU de 20.9.2000)
No mesmo sentido os julgados: AC 200071010030832, 5ª Turma, julgado em 06-06-2002, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz e AG 200304010504292, 6ª Turma, julgado em 11-02-2004, Rel. Des. Fed. Nylson Paim de Abreu.
Ainda, vale transcrever o que o Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon oportunamente observou no julgamento da AC nº 1999.04.01.005654-0, DJ de 18-07-01, verbis:
Perdurando o desconto dos valores indevidamente pagos à impetrante, estará sendo vilipendiado o princípio do valor mínimo e reduzida a supremacia da norma constitucional. Não se cuida de inconstitucionalidade da norma prevista no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, mas de aparente antinomia, que deve ser solucionada pela prevalência das regras e princípios constitucionais sobre as normas inferiores. Ante o conflito entre dois valores consagrados pela ordem jurídica, prevalece aquele mais caro aos fundamentos do Estado: a dignidade da pessoa humana. É certo que repugna à consciência jurídica de qualquer cidadão o enriquecimento sem causa, porém não se pode negar a esse mesmo cidadão as condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela administração. Destarte, deve ser restabelecido o pagamento do benefício da autora no valor de um salário mínimo, ficando vedada a realização de qualquer desconto que o reduza à importância inferior ao piso mínimo constitucional.'
Reitero que a jurisprudência do TRF da 4ª Região e do STJ orienta-se no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares, e eventual fraude ou má-fé deve ser comprovada em processo judicial próprio, com a observância do contraditório e da ampla defesa (TRF4, AC 2004.72.07.004444-2, DJ 07.12.2007; STJ, AGARESP 201101841532, DJE 02/04/2012).
Portanto, diante da ilegalidade do ato da autoridade coatora, e não sobrevindo aos autos fato novo modificativo que pudesse alterar o entendimento adotado em sede de liminar, a procedência é medida que se impõe.
No tocante ao pedido de devolução dos valores indevidamente descontados, somente é possível o deferimento do pleito em relação aos descontos efetuados a partir da data de ajuizamento do presente writ (28/02/2014), uma vez que o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança. Nesse sentido é a Súmula nº. 271 do STF, in verbis:
'Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.'
A propósito:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REDUÇÃO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. O mandado de segurança não comporta efeitos patrimoniais pretéritos, nos termos das Súmulas 269 e 271 do STF. Sendo assim, deve o INSS pagar ao impetrante apenas as prestações vencidas desde a data da impetração do mandamus. (APELREEX 5002586-87.2012.404.7102, Quinta Turma do TRF4.ªR., Rel.ª Juíza MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, D.E. 21/02/2013). (grifei)
Em conclusão, existente na hipótese direito líquido e certo a ser amparado em sede de mandado de segurança, é o caso de concessão da ordem, para determinar ao impetrado que se abstenha definitivamente de proceder à consignação de débito na aposentadoria por idade do impetrante (NB 41/148.608.181-6) em razão dos valores recebidos na aposentadoria por idade NB 41/135.763.865-2. Por conseguinte, deverá a autoridade coatora restituir ao impetrante os valores descontados a partir da data de ajuizamento do presente mandamus (28/02/2014), ressalvada a via ordinária para a repetição das parcelas anteriores ao ajuizamento.
Registre-se, a fim de prevenir oposição de embargos de declaração, que não se está a afirmar a inconstitucionalidade do artigo 115 da Lei 8.213/91, mas somente a reputar incabível a restituição dos valores recebidos de boa-fé, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99 à luz do texto constitucional. Vale dizer, a hipótese é de interpretação da norma infraconstitucional à luz da Carta Maior.
Quando muito, poder-se-ia cogitar de interpretação conforme a Constituição, a propósito da qual já entendeu o Supremo Tribunal Federal que não se confunde com a declaração de inconstitucionalidade da norma a que se refere o art. 97 da Constituição. A propósito:
"I. Controle incidente de inconstitucionalidade: reserva de plenário (CF, art. 97). "Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art. 97 da Constituição.." (cf. RE 184.093, Moreira Alves, DJ 05.09.97). II. Citação por edital e revelia: suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, por tempo indeterminado - C.Pr.Penal, art. 366, com a redação da L. 9.271/96.
1. Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042, 19.12.06, Pertence, a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do C.Pr.Penal.
2. A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade.
3. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses.
4. Não cabe, nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em abstrato, pois, "do contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria uma causa de interrupção, e não de suspensão." 5. RE provido, para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição." (STF, 1ª Turma, RE 460971/RS, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julg. 13/02/2007, DJU, 30/03/2007, p. 76)
"Caderneta de poupança. Direito adquirido. Interpretação do artigo 17 da Medida Provisória nº 32/89 convertida na Lei 7.730/89. Redução do percentual da inflação aplicável ao caso. - Inexistência de ofensa ao artigo 97 da Constituição Federal. Com efeito, o acórdão recorrido não declarou a inconstitucionalidade do artigo 17, I, da Medida Provisória nº 32/89, convertida na Lei 7.730/89, mas, apenas, em respeito ao direito adquirido, o interpretou no sentido de que não se aplicava ele às cadernetas de poupança em que, antes da edição dela, já se iniciara o período de aquisição da correção monetária. Note-se que no controle difuso interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o artigo 97 da Constituição, e isso porque, nesse sistema de controle, ao contrário do que ocorre no controle concentrado, não é utilizável a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto, por se lhe dar uma interpretação conforme à Constituição, o que implica dizer que inconstitucional é a interpretação da norma de modo que a coloque em choque com a Carta Magna, e não a inconstitucionalidade dela mesma que admite interpretação que a compatibiliza com esta. - Falta de prequestionamento (súmulas 282 e 356) da questão constitucional relativa ao direito adquirido no que diz respeito à redução do percentual da inflação aplicável ao caso. Recursos extraordinários não conhecidos." (STF, 1ª Turma, RE 184093/SP, Relator Min. MOREIRA ALVES, julg. 29/04/1997, DJU 05/09/1997, p.41894)
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/04/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001506-93.2014.404.7207/SC
ORIGEM: SC 50015069320144047207
RELATOR | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dra. Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE NATAL ANDRADE |
ADVOGADO | : | MELISSA BARRETO OLIVEIRA FRANCALACCI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/04/2015, na seqüência 248, disponibilizada no DE de 30/03/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7514963v1 e, se solicitado, do código CRC 5D797CDF. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 29/04/2015 12:53 |
