Apelação Cível Nº 5059814-83.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELVIA MARIA GUTERRES
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que, em 31/08/2017, julgou procedente a ação ordinária em que a autora postula a concessão de pensão em decorrência do falecimento de ex-cônjuge em 07/05/2016, do qual é separada desde 1991. O termo inicial do benefício foi fixado na data do óbito. O réu foi condenado a pagar as prestações atrasadas corrigidas monetariamente pelo IPCA-E e acrescidas de juros moratórios na forma da Lei 11.960/2009, assim como os honorários advocatícios, arbitrados em dez por cento do valor das parcelas vencidas. Foram antecipados os efeitos da tutela.
O apelante aduz, em síntese, que a dependência econômica da autora em relação ao falecido segurado não foi comprovada. Além disso, requer a aplicação integral da Lei 11.960/09 no tocante aos consectários legais. Pede, ainda, a revogação da tutela antecipada.
Com contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de pensão por morte, prevista no art. 74 da Lei nº 8.213/91, a qual depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte, (b) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva o benefício, os quais passam a ser examinados a seguir.
Exame do caso concreto
Não há controvérsia acerca da qualidade de segurado especial e do óbito em 07/05/2016 de José Stelmach, recaindo o litígio sobre a dependência econômica da autora em relação ao falecido.
Extrai-se dos autos (evento 4, origem) que a autora casou-se com o de cujus em 30/03/1969 e se separou dele em 1991, segundo consta, em razão de agressões físicas e verbais por ela sofridas.
As testemunhas ouvidas em juízo corroboraram a versão da apelada, de que era agredida pelo ex-marido e que não solicitou pensão de alimentos por medo ou sentimento de pena em relação a ele, mas que é pobre e necessita de ajuda (evento 7, origem), motivo pelo qual o MM. Juiz entendeu comprovada a dependência econômica.
Contudo, por mais que se possa lamentar a situação atravessada pela autora, não é possível ignorar a ausência de qualquer prova de recebimento de mínima ajuda financeira do ex-marido, a constituir prova de dependência econômica.
Note-se que a separação ocorreu em 1991, ou seja, há mais de 25 (vinte e cinco) anos antes do óbito do ex-cônjuge, longo período no qual não foi mantida qualquer outra forma de relacionamento entre ambos.
A jurisprudência previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região distingue duas situações nos casos de cônjuges divorciados ou separados judicialmente ou de fato que buscam provar a dependência econômica: a) a dependência econômica do cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos é presumida (art. 76, §2º c/c art. 16, §4º, da Lei 8.213/91); b) a dependência econômica do cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que não recebia pensão de alimentos deve ser comprovada.
Relativamente à segunda possibilidade mencionada, o cônjuge separado deve comprovar a dependência econômica, ainda que superveniente ao momento da separação. Contudo, a situação de dependência referida não pode sobrevir a qualquer tempo, mas sim, deve ter ocorrência apenas até o óbito do segurado, sob pena de, se postergado tal marco, o casamento apresentar um novo objetivo: "o da cobertura previdenciária incondicionada" (como bem ressaltou o ilustre Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, no voto do EI nº 2007.70.99.004515-5).
Pelo conjunto probatório juntado aos autos, sobretudo a partir de prova testemunhal que não relata senão relação conflituosa e violenta à época distante da convivência, não está demonstrada a alegada dependência econômica, o que não proporciona à autora o direito à pensão por morte do ex-cônjuge, de quem há muito estava separada.
Honorários advocatícios
Com o provimento da apelação, resultam invertidos os ônus sucumbenciais, cuja exigibilidade está suspensa em função do benefício da assistência judiciária gratuita de que usufrui a apelada.
Os honorários advocatícios, em favor do apelante, devem ser majorados, por força do disposto no art. 85, § 11, do CPC, para 15% (quinze por cento) das parcelas vencidas até a data da sentença.
Antecipação de tutela
A reforma da sentença implica a revogação da antecipação de tutela. Isso não significa, todavia, que a parte autora deva restituir os valores recebidos a esse título.
A Terceira Seção desta corte consolidou o entendimento de que são irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar, como se pode extrair dos seguintes precedentes: AR n. 1998.04.01.086994-6, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 23-04-2010; AR n. 2000.04.01.012087-8, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus; AR n. 2006.04.00.031006-4, Rel. Des. Federal João Batista Pinto da Silveira; AR n. 2003.04.01.026468-2, Rel. Des. Federal Celso Kipper; AR n. 2003.04.01.015357-4, Rel. Des. Federal Luiz Alberto D'Azevedo Aurvalle e AR n. 2003.04.01.027831-0, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, todos eles julgados na sessão de 07/08/2008.
Não se desconhece que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou posição em sentido contrário, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais nº 1.384.418/SC e nº 1.401.560/MT, este último originário do sistema de recursos repetitivos. Entretanto, observe-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se manifestar sobre o tema, tem afirmado a inaplicabilidade do art. 115 da Lei 8.213/91 nas hipóteses de inexistência de má-fé do beneficiário (v.g., AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia). Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas de afastar a sua aplicação em determinados casos, por considerar que estes não se amoldam à generalidade e à abstração do preceito, o que dispensa a observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal).
Um dos precedentes, da relatoria da Ministra Rosa Weber, embora não vinculante, bem sinaliza a orientação do STF quanto ao tema:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 734199 AgR, 1ª Turma, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 09/09/2014, processo eletrônioco DJe-184 divulg 22/09/2014 public 23/09/2014).
Em julgamento ainda mais recente, a Suprema Corte decidiu na mesma linha, em decisão plenária:
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 26125 AgR, Tribunal Pleno, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 02/09/2016, acórdão elertrônico DJe-204 divulg 23/09/2016 public 26/00/2016)
Assim, não obstante a Primeira Seção do STJ, nos julgamentos nº 1.384.418/SC e nº 1.401.560/MT, tenha firmado a tese de que, sendo a tutela antecipada provimento de caráter provisório e precário, a sua futura revogação acarretaria a restituição dos valores recebidos, a Terceira Seção deste Regional tem ratificado o entendimento de que é descabida a cobrança de valores recebidos em razão de decisão judicial, na linha da jurisprudência citada do STF. Seguem precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RECEBIMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. 1. Os valores recebidos pelo segurado em razão de antecipação de tutela que posteriormente veio a ser revogada não são sujeitos à restituição, diante do seu caráter alimentar e da inexistência de má-fé. 2. Não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115, da Lei 8.213/91, o reconhecimento da impossibilidade de devolução ou desconto dos valores indevidamente percebidos. A hipótese é de não incidência do dispositivo legal, porque não concretizado o seu suporte fático. Precedentes do STF (ARE 734199, Rel Min. Rosa Weber). (TRF4, AG 5063701-02.2017.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 04/04/2018)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE 1. Nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador, via de regra, firma sua convicção por meio da prova pericial. 2. Se o laudo pericial é conclusivo no sentido da aptidão do segurado para o trabalho, de sorte que resta induvidosa a possibilidade de exercer suas atividades, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido. 3. É incabível a restituição dos valores recebidos pelo segurado em razão de antecipação de tutela posteriormente revogada, em face do seu caráter alimentar e da inexistência de má-fé. 4. Apelações não providas. (TRF4, AC 0002389-86.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, D.E. 04/04/2018)
Desse modo, é indevida a devolução dos valores recebidos pelo segurado em virtude de antecipação de tutela.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixa-se de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Em face do que foi dito, voto por dar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000682844v13 e do código CRC 309a046e.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5059814-83.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELVIA MARIA GUTERRES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. EX-CÔNJUGE. SEPARAÇÃO JUDICIAL sem ALIMENTOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. HONORÁRIOS. MAJORAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Distingue-se duas situações nos casos de cônjuges divorciados ou separados judicialmente ou de fato que buscam provar a dependência econômica: a) a dependência econômica do cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos é presumida; b) a dependência econômica do cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que não recebia pensão de alimentos deve ser comprovada.
3. Mostra-se indevida a devolução de valores recebidos em razão de antecipação de tutela concedida judicialmente, considerada a natureza alimentar do benefício previdenciário, quando se evidencia a boa-fé da parte autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de outubro de 2018.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000682845v5 e do código CRC 50d6b087.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 09/10/2018
Apelação Cível Nº 5059814-83.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
SUSTENTAÇÃO ORAL: ALINE LAUX DANELON por ELVIA MARIA GUTERRES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELVIA MARIA GUTERRES
ADVOGADO: ALINE SCHERER MENDES
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09/10/2018, na sequência 22, disponibilizada no DE de 24/09/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal FÁBIO VITÓRIO MATTIELLO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:56:49.