
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 04/03/2020
Apelação Cível Nº 5036349-45.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA TERESA BORGES LACERDA
ADVOGADO: LUANA DA SILVA TEIXEIRA XAVIER (OAB RS074402)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 04/03/2020, na sequência 288, disponibilizada no DE de 17/02/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DOS DESEMBARGADORES FEDERAIS PAULO AFONSO BRUM VAZ ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, E OSNI CARDOSO FILHO, A RELATORA, A 6ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES FEDERAIS JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA E PAULO AFONSO BRUM VAZ, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha o(a) Relator(a) em 22/02/2020 18:28:07 - GAB. 53 (Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO) - Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO.
Acompanho o(a) Relator(a)
Acompanha a Divergência em 27/02/2020 08:15:21 - GAB. 91 (Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ) - Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ.
Com a vênia da eminente Relatora, acompanho a divergência para BAIXAR OS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU E REABERTURA DA INSTRUÇÃO, prestigiando a autoridade da decisão proferida pela Colenda Terceira Seção desta Corte ao julgar o IRDR 17, no qual o TRF4 firmou a tese de "não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário", a qual, como é cediço tem efeito vinculante até ulterior deliberação dos tribunais superiores.
Com efeito, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas surgiu como inovação trazida pelo CPC de 2015 nessa que se pode chamar de quarta onda de reformas processuais, caracterizada pela criação de uma autêntica cultura de precedentes, cujos objetivos precípuos são a segurança jurídica e a isonomia no plano das decisões do Poder Judiciário, a serem alcançados pela superação da nominada jurisprudência lotérica e do solipsismo judicial, por meio de mecanismos que garantam estabilidade, coerência e integridade ao sistema jurisdicional, em uma perspectiva neoconstitucional de relevância máxima de direitos fundamentais e garantias dos litigantes.
A vinculação aos precedentes (art. 927 do CPC) derivados acórdãos de Resolução de Demandas Repetitivas representa um avanço importante para os ideais referidos de estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência dos Tribunais (art. 926 do CPC), tendo a grande virtude de contribuir para a redução do fenômeno da pulverização de demandas que versem sobre um mesmo assunto e ainda agilizar o julgamento dos processos.
Enquanto técnica de julgamento molecular de demandas de múltipla repetição por um órgão colegiado, sobre questão de interpretação do direito, a fim de garantir a isonomia, a previsibilidade e a segurança jurídica, o IRDR pressupõe um iter relativamente complexo e imperativo (arts. 976 a 987 do CPC), como condição para que se chegue à definição da tese jurídica cujos fundamentos determinantes serão de aplicação obrigatória nos processos pendentes e futuros (o precedente).
Ocorre que o procedimento do IRDR e sua legitimidade repousam justamente no procedimento, que pode ser demorado, o que provoca uma séria reflexão acerca de duas questões: a possibilidade de levantamento da suspensão e a vinculação a eventual acórdão durante a janela que se forma entre o levantamento da suspensão dos processos para julgamento e a interposição de eventual recurso à superior instância, cujo efeito é suspensivo.
Segundo preceitua o art. 982 do CPC, admitido o incidente, o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso (inciso I).
A primeira questão que pode gerar alguma polêmica é sobre a obrigatoriedade ou não da suspensão. Embora não seja automática, pois depende de decisão do relator do incidente, entendemos que a regra deve ser a suspensão.
A suspensividade é fundamental, ninguém duvida disso, para que o culto aos precedentes tenha maior eficácia e alcance seus objetivos de segurança jurídica e isonomia. Não teria muito sentido se, enquanto não se decide o IRDR, os processos sobre o mesmo tema “afetado” pudessem ser julgados. Estar-se-ia postergando para o futuro a eficácia do incidente, com o agravante da ausência de juízo de retratação. A possibilidade de uma futura ação rescisória para aplicação do precedente é ainda assunto que precisa evoluir.
A suspensividade é, podemos assim dizer, corolário intrínseco do sistema de precedentes, embora represente um risco de violação ao prazo razoável do processo enquanto direito constitucional fundamental.
Em que pese estar a suspensão prevista na legislação, como efeito da admissão, do IRDR, os tribunais passaram a relativizar a regra de suspensão da tramitação de todos os processos relacionados ao tema que será julgado como paradigma. Casos há em que a suspensão pode acarretar graves prejuízos para os processos individuais ou coletivos já em trâmite, violando princípios constitucionais processuais como celeridade, economia processual.
O STF, na Questão de Ordem no Recurso Extraordinário com Agravo 966.177 – na relatoria do Min. Luiz Fux, entendeu, por maioria, que a suspensão nos processos afetados em Repercussão Geral não é automática e nem obrigatória. “A suspensão não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la”.
O argumento esgrimido pelo Min. Fux foi no sentido de que as suspensões podem ficar por tempo indeterminado com a revogação do § 10 do art. 1035 da redação original do CPC, no que estabelecia o prazo de um ano para julgamento, pela Lei nº 13.256, de 2016.
Justamente essa possibilidade de ficar indefinida no tempo a suspensividade na Repercussão Geral é que não ocorre no IRDR. O artigo 980 do CPC estabelece o prazo de 1 (um) ano para o julgamento do IRDR, com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os habeas corpus. E, no parágrafo único do referido artigo, encontramos a regra decisiva: “Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão prevista no art. 982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário”.
Portanto, passado 1 (um) ano da admissão do IRDR, se o relator não decidir pela manutenção fundamentada da suspensividade, estará, ipso facto, levantada a suspensão dos processos.
Há uma regra que gera um certo estranhamento acerca da suspensão. Trata-se do § 5º do art. 982: “Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente”.
Encontrando, o decurso de prazo para recurso à superior instância, em vigor a suspensão dos processos, tal decurso implicará o levantamento da suspensão. Esta é, portanto, ao lado do decurso de prazo de um ano, a segunda hipótese de levantamento da suspensão. Se a suspensão, antes, já estiver levantada, a pura e simples interposição do recurso à superior instância não implicará novo sobrestamento.
Nem a interposição nem a admissão do recurso à superior instância implicam a suspensão dos processos. O mal entendido está por conta da falsa ideia de que a interposição do Recurso à superior instância implicaria a suspensão dos processos que estivessem levantados pelo decurso de prazo de 1 (um) ano. É preciso distinguir, se é que alguém confunde, a suspensão dos processos do efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário ao STJ e ao STF, tal como previsto no art. 987, § 1º, do CPC, que diz respeito à eficácia da decisão (acórdão) do IRDR.
É possível ao STJ e ao STJ, a requerimento de qualquer legitimado, determinar nacionalmente a suspensão dos processos que versem sobre idêntica questão, inclusive antes da interposição dos recursos especial ou extraordinário, na forma do § 3º do art. 982 do CPC, mas tal suspensão, porque foi determinada por um dos Tribunais Superiores, não escapa à regra geral de levantamento de suspensão pelo decurso de prazo de um ano se não houver julgamento do IRDR, a menos que haja a manutenção por decisão fundamentada.
No caso de admissão do recurso à superior instância, caberá ao STJ ou ao STF, conforme o caso, decidir fundamentadamente pela manutenção da suspensão ao completar um ano de vida o IRDR ou pela retomada da suspensão dos processos em que tenha ocorrido o levantamento da suspensão pelo decurso de prazo. E a suspensão não é automática.
O STJ, exemplificando, no Recurso Especial nº 1.729.593-SP, oriundo de IRDR encaminhado pelo TJ/SP, envolvendo demandas que tratam de aspectos ligados à compra e venda de imóveis na planta e as controvérsias acerca dos efeitos na entrega do bem, apesar de reconhecer que a suspensão de todos os processos que versem sobre o mesmo tema possa ser um dos efeitos da decisão de afetação do recurso como repetitivo, entendeu como inconveniente a adoção dessa medida no caso em questão e, de maneira ponderada, explicitou as argumentações que embasaram tal decisão no sentido de que: (i) a paralisação de todos os processos no país que versem sobre o tema poderia acarretar efeito diferente da celeridade e da segurança jurídica que o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos anseia; (ii) a suspensão impediria que as partes envolvidas nas demandas que tratam de questões de moradia pudessem tentar obter acordo, o que seria uma “iniciativa salutar, que visa colocar fim aos litígios”; e (iii) deveria ser considerado o risco potencial do encerramento das atividades de parte das empresas demandadas, devido ao desaquecimento do setor imobiliário, que só se agravaria com a suspensão em massa de um elevado número de demandas tratando desse tema.
A segunda questão diz respeito à vinculação à tese provisoriamente firmada no IRDR na janela que eventualmente pode se criar com o levantamento da suspensão diante da interposição de recurso à superior instância, que, como vimos, tem efeito suspensivo do acórdão.
A vocação natural do IRDR é a de formar tese jurídica obrigatória de aplicação local ou regional. Assim, o incidente destina-se a iniciar e findar no próprio Tribunal onde instaurado, produzindo efeito vinculativo desde logo. Não houvesse vinculação ao precedente provisório, o sistema de precedentes do CPC ficaria completamente esquizofrênico.
Vejamos: os processos ficam suspensos por um ano para impedir decisões conflitantes e garantir-se a segurança jurídica e a isonomia. Passado esse ano e já julgado o IRDR, ocorrendo o levantamento da suspensão, voltam a ser permitidas as tais decisões conflitantes e a insegurança jurídica. Logo agora que já se tem um acórdão no IRDR, que, nada obstante interposto recurso à superior instância (com efeito suspensivo), por força do sistema de precedentes, da coerência e da integridade preconizadas para os juízes e tribunais, algum efeito deve produzir.
Do contrário, considerando-se o acórdão do IRDR um “nada jurídico”, teremos justamente o que se procurou evitar, vale dizer, a manutenção do estado de insegurança jurídica acerca da matéria.
Entre as duas hipóteses: 1) permitir-se o apagamento dos motivos determinantes que alicerçaram a tese jurídica firmada pelo Tribunal, e 2) adotar-se, mesmo que provisoriamente, o precedente, uma decisão refletida, debatida e firmada pelo órgão colegiado competente, prefiro a segunda hipótese, sob pena de esboroamento do próprio sistema de precedentes, que não se coaduna, em seu iter procedimental, com tamanha esquizofrenia: suspensão para se evitar decisões conflitantes seguida de liberação para julgamentos conflitantes, justo depois de julgado o IRDR, momento em que já se tinha um precedente sujeito a confirmação (não sendo lógico que se volte ao marco zero).
Resumindo: levantado sobrestamento, pelo menos depois de julgado no IRDR, existe a vinculação ao precedente, ainda que provisória. Tenderia aqui a distinguir entre suspensão da eficácia plena e parcial, em face da situação excepcional que se cria com a janela criada entre o levantamento da suspensão e a interposição do recurso à superior instância, não disciplinada pelo legislador. Durante a janela haverá suspensão parcial, produzindo efeitos o acórdão no âmbito da jurisdição do tribunal.
Veja-se que o art. 985 do CPC é expresso ao determinar que, “julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada”, e, de sua parte, o § 1º desse mesmo dispositivo prevê logo na sequência que, “não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação”.
A solução, aliás, encontra paralelismo no sistema processual. Por exemplo, desde logo devem ser observadas as decisões proferidas no julgamento do incidente de arguição de inconstitucionalidade pela Corte Especial (art. 927, V), no julgamento do incidente de assunção de competência (art. 947, § 3º), no julgamento do recurso especial repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça ainda quando tenha de ser remetido ao Supremo Tribunal Federal o recurso extraordinário simultaneamente interposto (art. 1.040, IV, de que é exemplo o julgamento do Tema 982 pelo STJ).
Logo, como ainda não houve qualquer deliberação do STJ nos autos do REsp 1826993/RS, interposto nos autos do IRDR 17 (5045418-62.2016.4.04.0000 ), é de rigor a prevalência da tese firmada pela Terceira Seção, conforme recentes julgados deste Regional:
RECLAMAÇÃO. IRDR 12. DECISÃO RECLAMADA PROFERIDA À ÉPOCA DA SUSPENSÃO PREVISTA NO CPC. PROCEDÊNCIA. VINCULAÇÃO PROVISÓRIA À TESE FIXADA NO IRDR ATÉ ULTERIOR DELIBERAÇÃO DA INSTÂNCIA SUPERIOR. 1. Determinada a suspensão, durante o período previsto nos artigos 980 e 982 do NCPC, é defeso o julgamento de processo pendente cuja tese esteja afetada em IRDR no respectivo tribunal. 2. Caso levantada a suspensão, depois de julgado o IRDR, independentemente da interposição de recurso à superior instância, existe a vinculação provisória ao precedente até eventual deliberação das instâncias superiores. 3. Não teria sentido e consistiria ruptura do sistema de precedentes do CPC/15 permitir-se julgamentos contrários à tese jurídica sufragada em IRDR e respectivos motivos determinantes na eventual janela entre esta decisão e a decisão dos tribunais superiores. A suspensão perderia a sua razão de ser (garantir a segurança jurídica e a isonomia), se persistissem julgamentos contrários à tese proclamada, ainda que sujeita à confirmação (provisória). 4. Reclamação julgada procedente. (TRF4 5036022-90.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 29/04/2019).
RECLAMAÇÃO. IRDR 17. DECISÃO RECLAMADA PROFERIDA À ÉPOCA DA SUSPENSÃO PREVISTA NO CPC E CONTRÁRIA À TESE JURÍDICA POSTERIORMENTE SUFRAGADA. PROCEDÊNCIA. Demonstrado que o caso concreto encontrava-se abrangido pela suspensão processual determinada no IRDR n. 17, bem como por ter a decisão das instâncias a quo desrespeitado a tese posteriormente firmada no incidente, é de rigor a decretação da nulidade da sentença e do acórdão proferidos, possibilitando-se à parte autora a produção de prova oral em juízo. (TRF4 5036903-67.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 10/07/2019).
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:41:25.
