Apelação Cível Nº 5032311-53.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: JOSE CLAUDIO GELESKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
JOSÉ CLAUDIO GELESKI ajuizou ação previdenciária contra o INSS visando a obter auxílio-doença ou, alternativamente, aposentadoria por invalidez.
Narra o autor, segurado especial, que diante da piora de seu quadro de saúde, requereu, em 24/10/2011, administrativamente o benefício de auxílio-doença (NB 548.554.938-8, evento 03- ANEXOSPET4, p. 10), pedido que foi indeferido pelo réu em face de parecer contrário da perícia médica. Houve pedido de reconsideração em 01/11/2011 (evento 03 - OUT17, p. 35), mas manteve-se o indeferimento. Insurge-se o demandante contra tal indeferimento, uma vez que sustenta estar incapacitado de desenvolver suas atividades habituais na agricultura. Requereu a tutela antecipada.
Revogada a tutela em 13/04/2017 (evento 03 - DESPADEC30) em face do transcurso do prazo determinado pelo perito para a recuperação da capacidade do autor.
Sobreveio sentença, datada de 30/01/2018, que julgou improcedente o pedido em face do não reconhecimento da qualidade de segurado do demandante. A parte autora foi condenada a suportar as custas processuais e os honorário advocatícios fixados e R$ 1000,00 (hum mil reais), verbas que restaram com sua exigibilidade suspensa em face da AJG.
Nas suas razões de recurso, a parte autora alega que: (a) está com 60 anos de idade, trabalha desde criança na agricultura e que sua atividade rural já fora reconhecida pelo INSS; (b) o requerido agiu de má-fé porque além de não ter se manifestado acerca da qualidade de segurado a contestação, deixou de juntar aos autos o processo administrativo mesmo tendo sido intimado para tanto em 10/11/2011 (evento 03- DESPDEC5). Alega que o cumprimento dessa determinação demonstraria o modo como se deu o reconhecimento, por parte da Autarquia Previdenciária, de sua condição de segurado especial; (c) como foi surpreendido pela improcedência do seu pleito, dirigiu-se ao INSS para obter alguns dos documentos integrantes do processo administrativo que deveria ter sido juntado pelo réu (v.g. Notas de Produtor Rural, Entrevista Rural, Declaração de Propriedade Rural; (d) como está acometido de doença degenerativa, a tendência é seu quadro se agrave se houver retorno ao trabalho, de modo que, após a perícia judicial, realizou novos exames demonstrando um agravamento da doença e (e) a fim de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, pugna baixa dos autos para o fim de que seja realizada nova perícia médica judicial, por especialista em ortopedia e traumatologia, devendo o perito, de posse dos exames e de eventuais documentos mais recentes reavaliar a incapacidade do apelante.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do Auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez
Nesta demanda previdenciária a parte autora objetiva a concessão de auxílio-doença (art. 59 da Lei 8.213/91) ou aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei 8.213/91).
Os requisitos para a concessão dos benefícios acima requeridos são os seguintes: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Em se tratando de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial, porquanto o profissional da medicina é que possui as melhores condições técnicas para avaliar a existência de incapacidade da parte requerente, classificando-a como parcial ou total e/ou permanente ou temporária.
Cabível ressaltar-se, ainda, que a natureza da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliada conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar que fatores relevantes - como a faixa etária da postulante, seu grau de escolaridade, dentre outros - sejam essenciais para a constatação do impedimento laboral.
Doença preexistente - Importa referir que não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao RGPS já portador de doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da enfermidade, conforme disposto na Lei 8.213/91, no art. 42, § 2º (aposentadoria por invalidez) e no art. 59, § único (auxílio-doença).
Carência - Conforme já referido, os benefícios por incapacidade exigem cumprimento de período de carência de 12 contribuições mensais (art. 25, I, e 24 da Lei 8.213/91).
Havendo perda da qualidade de segurado, para efeito de carência, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com metade do período previsto no art. 25, I, da Lei 8.213/91, isto é, com seis contribuições mensais (redação do art. 27-A da Lei 8.213/91, dada pela Lei 13.457, com vigência a partir de 27/06/2017).
Caso Concreto
Da Incapacidade
A perícia, datada de 04/02/2016, apontou os seguintes elementos acerca do quadro clínico do autor:
Idade na perícia: 58 anos (nascido em 13/03/58)
Profissão: agricultor
Escolaridade: terceira série do Primeiro Grau:
Diagnóstico: quadro de espondiloartrose cervical e lombar (CID 10 M47)
DID: Seu quadro clínico pode ser comprovado a partir do dia 26/08/11, através de radiografia da mesma data apresentada durante a realização da perícia médica.
DII: a partir do dia do 20/10/11, através de declaração do INSS do dia 22/02/12 apresentada durante a realização da perícia médica.
Incapacidade: parcial e temporária
Histórico e cronologia da doença a partir do relato do periciado:
O Autor queixa-se de dor na coluna cervical e lombar, iniciada há aproximadamente doze anos, sem história de trauma.
A dor é de intensidade variada, não é diária, irradiando-se para o membro inferior direito, causando-lhe diminuição da força e de sensibilidade no referido membro. Refere acompanhamento médico desde o inicio do sintomas, tendo realizado tratamento fisioterápico (previamente) e medicamentoso.
Síntese: incapaz para a realização de suas atividades laborais, pelo período estimado de seis meses, período no qual deverá realizar o tratamento indicado para o caso (fisioterápico e medicamentoso). [...]
Está incapacitado para o exercício de sua atividade profissional habitual, mas não para outras atividades capazes de lhe proporcionar sustento, desde que não realize esforço físico, carregamento de peso ou a flexão do tronco.
Reabilitação: Sim, desde que realize o tratamento indicado para o caso (fisioterápico e medicamentoso), pelo período estimado de seis meses. [...]
Pois bem.
Como é sabido, incapacidade é questão que demanda conhecimento técnico, na forma do art. 156 do CPC, sendo o perito o profissional que tem qualificação para dar subsídios ao julgamento.
Na hipótese, o perito verificou a incapacidade temporária desde 20/10/2011. Nesse caso, ainda que se pudesse discorrer acerca das condições pessoais do autor, as quais, numa leitura contextualizada com as conclusões do laudo, poderiam justificar, eventualmente, a concessão de aposentadoria por invalidez, há questões prévias a serem dirimidas, especialmente no que tange a qualidade de segurado.
Da Qualidade de Segurado
No caso em tela, não está comprovada nos autos a qualidade de segurado da parte autora.
Cabe destacar que, na própria decisão que deferiu a tutela antecipada (evento 03 - DESPEC5), o magistrado singular determinou que o INSS fosse intimado para juntar o processo administrativo. Tal juntada, caso tivesse sido levada a efeito, poderia esclarecer os critérios e o modo de filiação do segurado no RGPS.
Ocorre que, como o comando judicial não foi observado, deve ser acolhido o argumento de que a parte demandante foi surpreendida com a decisão de improcedência baseada na ausência da qualidade de segurado. O demandante não teve, sequer, a oportunidade de reforçar suas alegações sobre o ponto.
Em casos análogos, ao se reconhecer como violado o princípio da não surpresa, esta Corte já reconheceu a nulidade de sentenças:
PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. DOCUMENTOS NOVOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA. ARTIGOS 9, 10 E 437, § 1º, DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. NULIDADE DA SENTENÇA. 1. Dentre as inovações promovidas pelo novo Código de Processo Civil, está a exigência de prévia oitiva das partes sobre fatos e questões da causa, sendo vedado ao juiz surpreendê-las na tomada de decisão ou na valoração de prova não submetida ao prévio contraditório. 2. Configurado o cerceamento de defesa, por violação ao princípio do contraditório (falta de intimação da parte para se manifestar sobre novos documentos), com prejuízo para a União, impõe-se a anulação da sentença, a fim de assegurar o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV e LV, da CF, e arts. 9º, 10 e 437, § 1º, do CPC). (TRF4, AC 5001220-92.2017.4.04.7116, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 29/08/2019)
Na hipótese, nem mesmo os documentos juntados no recurso (notas de produtor rural ilegíveis, entrevista rural sem homologação do período pretendido e declaração de propriedade rural) mostram-se suficientes para reconhecer ou para afastar o argumento de que o demandante é segurado rural.
Por conseguinte, deve ser provida a apelação, a fim de ser anulada a sentença e reaberta a instrução para que a parte autora possa produzir prova acerca da sua qualidade de segurada especial.
CONCLUSÃO
Anulada a sentença. Determinada remessa dos autos à origem para a complementação da instrução, com a reabertura da instrução para que se possa oportunizar à parte autora que comprove a sua qualidade de segurada especial.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001437628v30 e do código CRC 541a7565.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5032311-53.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: JOSE CLAUDIO GELESKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDEnCIário. PROCESSUAL CIVIL. PONTO Não CONTROVERTIDO tampouco submetido ao CONTRADITório. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. artigos 9, 10 e 437, § 1º, DO CPC. NULIDADE DA SENTENÇA.
1. É vedado ao juiz surpreender as partes na tomada de decisão ou na valoração de prova não submetida ao prévio contraditório.
2. Hipótese em que a parte demandante não teve a oportunidade de produzir prova acerca de sua qualidade de segurada especial, sendo surpreendida por decisão que não reconheceu essa condição. Inteligência dos artigos 9, 10 e 437, § 1º, DO CPC.
3. Anulada sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de novembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001437629v6 e do código CRC f1cd6cad.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 26/11/2019
Apelação Cível Nº 5032311-53.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: JOSE CLAUDIO GELESKI
ADVOGADO: EUNICE CRISTIANE GARCIA (OAB RS053369)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 26/11/2019, às 13:30, na sequência 122, disponibilizada no DE de 08/11/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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