
Apelação Cível Nº 5060934-21.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
A União Federal interpôs apelação contra sentença (
, do processo originário) que julgou procedente a ação tendente ao fornecimento de procedimento cirúrgico indicado (implantação percutânea de prótese valvular aórtica - TAVI).A apelante destacou que deve ser excluída do polo passivo do feito, por ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que não possui ingerência no âmbito de fila de espera em relação a exames, consultas, cirurgias e internações, tampouco competência para a execução direta de procedimentos cirúrgicos. Defendeu a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a ação. Argumentou, em síntese, que a sentença vai de encontro ao enunciado no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal (STF) e às regras de repartição de competências reguladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Sem contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
O funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade da União, dos Estados-membros e dos Municípios. Embora, de regra, qualquer desses entes tenha legitimidade para figurar no pólo passivo de ação em que se postula o fornecimento de prestação de saúde, cumpre observar que incumbe à União a responsabilidade exclusiva pelo financiamento dos procedimentos relacionados no Componente Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC).
Constata-se que existe recomendação final da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - CONITEC, favorável à incorporação do implante percutâneo da válvula aórtica (TAVI) para tratamento da estenose aórtica grave em pacientes com estenose aórtica grave sintomática inoperáveis, por deliberação pública realizada em 5 de maio de 20211.
Como resultado, após a recomendação favorável da CONITEC, em 28 de junho de 2021, a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos estratégicos do Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 32, em que incorporou o implante percutâneo de válvula aórtica (TAVI) ao Sistema Único de Saúde (SUS)2:
PORTARIA SCTIE/MS Nº 32, DE 28 DE JUNHO DE 2021 (*)
Torna pública a decisão de incorporar, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o implante percutâneo de válvula aórtica (TAVI) para tratamento da estenose aórtica grave em pacientes inoperáveis, condicionada, no máximo, ao valor considerado custo-efetivo na análise para o SUS.
O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E INSUMOS ESTRATÉGICOS EM SAÚDE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais, e nos termos dos arts. 20 e 23 do Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve:
Art. 1º Incorporar, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o implante percutâneo de válvula aórtica (TAVI) para tratamento da estenose aórtica grave em pacientes inoperáveis, condicionada, no máximo, ao valor considerado custo-efetivo na análise para o SUS.
Art. 2º Conforme determina o art. 25, do Decreto nº 7.646/2011, o prazo máximo para efetivar a oferta ao SUS é de cento e oitenta dias.
Art. 3º O relatório de recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) sobre essa tecnologia estará disponível no endereço eletrônico: http://conitec.gov.br/.
Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Portanto, no caso dos autos, tem-se que o procedimento pleiteado passou a integrar a política pública.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de mérito do Tema nº 1234 (RE 1.366.243, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2024, DJe 19/09/2024), em regime de repercussão geral, restringiu o alcance da respectiva tese aos medicamentos, com exclusão das demais prestações de saúde:
Ademais, para que não ocorram dúvidas quanto ao precedente a ser seguido e diante da continência entre dois paradigmas de repercussão geral, por reputar explicitado de forma mais clara nestes acordos interfederativos, que dispõem sobre medicamentos incorporados e não incorporados no âmbito do SUS, de forma exaustiva, esclareceu que está excluída a presente matéria do tema 793 desta Corte.
No que diz respeito aos produtos de interesse para saúde que não sejam caracterizados como medicamentos, tais como órteses, próteses e equipamentos médicos, bem como aos procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, esclareceu que não foram debatidos na Comissão Especial e, portanto, não são contemplados neste tema 1.234.
Assim, em ações que não versam sobre medicamentos prevalece a orientação firmada na tese de repercussão geral estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 23 de maio de 2019, no âmbito do Tema nº 793:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Uma vez que o procedimento cirúrgico em questão está enquadrado como procedimento de alta complexidade hospitalar, com financiamento MAC (Média e Alta Complexidade), depreende-se que o custeio financeiro deve ser dirigido à União.
Ainda que a União não possua ingerência no âmbito de fila de espera em relação a exames, cirurgias e internações, tampouco competência para a execução direta de procedimentos cirúrgicos, possui o dever de repassar as verbas orçamentárias.
Não se trata de caso em que meramente se discute regulação de fila. Colhe-se da decisão que deferiu a tutela de urgência (
, do processo originário):Por derradeiro, assinale-se que não se trata de tratamento experimental, mas sim de técnica cirúrgica ainda não disponível no sistema público, nada obstante já tenha sido incorporada por meio da Portaria n. 32, de 28 de junho de 2021, do Ministério da Saúde.
Em contestação, o ente estadual asseverou (
, do processo originário):O valor pretendido pelo Hospital no importe de R$ 107.417,54 (cento e sete mil quatrocentos e dezessete reais e cinquenta e quatro centavos), montante já bloqueado no cumprimento provisório de sentença nº 50630673620234047100, contudo, não atende ao requisito estabelecido pela CONITEC para a incorporação, o que inviabiliza sua dispensação através da política pública, já que é quase quatro vezes superior e o valor considerado adequado pela CONITEC!
Mais, conforme tópico próprio, mesmo se tratando de hospital credenciado ao SUS, oHCPA pretende a cobrança de valores em caráter particular, deixando de observar até mesmo o tema nº 1.033 do STF, sendo inviável o acolhimento da pretensão.
Assim, embora a gestão de procedimentos contemplados no MAC possa ser atribuída às Secretarias de Saúde dos Estados, cabe à União o ressarcimento integral dos custos eventualmente despendidos pelos demais litisconsortes.
Cuida-se, com efeito, de entendimento sedimentado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO RELACIONADO NO COMPONENTE LIMITE FINANCEIRO DA MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL E HOSPITALAR (MAC). LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. A União deve necessariamente compor o polo passivo da relação processual em ação que tenha por objeto a realização de tratamento médico ou intervenção cirúrgica, ou, ainda, o fornecimento de material ou de medicamento, incluídos em políticas públicas de saúde, cuja responsabilidade lhe seja atribuída pelas regras de repartição de competências estruturada no Sistema Único de Saúde. Orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito dos Temas nº 793 e 1234. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5020673-71.2023.4.04.0000, 5ª Turma, Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 30/10/2023)
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO DE ALTA COMPLEXIDADE HOSPITALAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DA TURMA. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 793, fixou tese no sentido de que "os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." 2. Diante da solidariedade entre os entes reafirmada pelo Supremo, deve-se reconhecer a legitimidade passiva da União e que a competência para julgamento do feito é da Justiça Federal, quando se tratar de procedimento cirúrgico previsto no SIGTAP - Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS - como procedimento de alta complexidade hospitalar, com financiamento MAC (Média e Alta Complexidade), pelo qual a União é responsável financeira. 3. A decisão proferida pela Turma neste Tribunal, ao julgar o presente recurso, não diverge do entendimento pacificado pela Corte Superior no julgamento do Tema 793, impondo-se, em consequência, a respectiva manutenção. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5040251-25.2020.4.04.0000, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/03/2022)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUS. FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. REPASSES. ATENDIMENTOS EXTRA-TETO. ILEGITIMIDADE ATIVA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. (...) em relação aos atendimentos de média e alta complexidade no SUS desempenhados pela demandante (Título III da Portaria de Consolidação nº 06/2017 do Ministério da Saúde), ao fim e ao cabo a responsabilidade financeira é da União, pois a cobertura se faz com recursos federais. - Sendo a União responsável pelo fornecimento dos recursos utilizados no pagamento do bloco da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC), os quais são repassados repassados aos fundos estaduais de saúde a fim de que viabilizem distribuição aos municípios, ou mesmo diretamente aos municípios que possuem fundos próprios e gestão plena dos recursos (é o que ocorre no Município de Londrina), a decisão neste processo em primeira análise parece atingir, direta ou reflexamente, a União, o que confere solidez à conclusão a que chegou a decisão judicial. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5013767-70.2020.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/02/2021)
Devem ser observados, assim, os parâmetros delimitados em sede de repercussão geral da matéria.
Desprovido o recurso interposto pela parte ré de sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.
Considerada a disposição do art. 85, §11, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% (vinte por cento) a verba honorária fixada na sentença para a apelante, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do art. 85, §3º, do CPC.
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixa-se de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004791295v5 e do código CRC c6f3f243.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5060934-21.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO RELACIONADO NO COMPONENTE LIMITE FINANCEIRO DA MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL E HOSPITALAR (MAC). LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
A União deve necessariamente compor o polo passivo da relação processual em ação que tenha por objeto a realização de intervenção cirúrgica incluída em políticas públicas de saúde, cuja responsabilidade lhe seja atribuída pelas regras de repartição de competências estruturada no Sistema Único de Saúde. Orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Tema nº 793.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004791296v4 e do código CRC daa1f3bc.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/11/2024 A 27/11/2024
Apelação Cível Nº 5060934-21.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ELTON VENTURI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/11/2024, às 00:00, a 27/11/2024, às 16:00, na sequência 249, disponibilizada no DE de 07/11/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, MAJORAR A VERBA HONORÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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