| D.E. Publicado em 17/11/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000187-39.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LOIDE BARBOSA |
ADVOGADO | : | Cassio Gehlen Figueiredo |
: | Diogo Figueiredo de Oliveira |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. CPC/2015. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 149 DO STJ. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CUSTAS PROCESSUAIS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Espécie não sujeita a reexame necessário, diante da regra do art. 496, § 3º, NCPC e do fato de que o proveito econômico da causa não supera 1.000 salários-mínimos, considerado o teto da previdência e o número máximo de parcelas auferidas na via judicial. 2. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade. 3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal. 4. Nos termos do julgamento do RE nº 870.947/SE (Tema 810), pelo STF, em 20/09/2017, a correção monetária dos débitos da Fazenda Pública se dá através do IPCA - e. Os juros moratórios devem atender a disciplina da Lei 11.960/09. 5. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento das custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010. 6. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal. 7. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015. 8. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/1988.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de novembro de 2017.
Juiz Federal Ezio Teixeira
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Ezio Teixeira, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9184703v21 e, se solicitado, do código CRC 7B80036A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Ezio Teixeira |
| Data e Hora: | 10/11/2017 17:08 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000187-39.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LOIDE BARBOSA |
ADVOGADO | : | Cassio Gehlen Figueiredo |
: | Diogo Figueiredo de Oliveira |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido para conceder aposentadoria por idade rural à parte autora, desde a data do requerimento administrativo 14/05/2015, condenando o Instituto Previdenciário a pagar as despesas processuais, bem como honorários ao procurador da autora, fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a presente data, nos termos do art. 20,§3º, do Código de Processo Civil. Quanto a correção monetária e os juros de mora determinou a aplicação dos índices da poupança.
Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária alega, preliminarmente, que a sentença seja submetida ao reexame necessário. No mérito, sustenta, em síntese a ausência de comprovação do exercício de atividades rurais no período que antecedeu o requerimento administrativo correspondente à carência, sendo inadmissível a prova exclusivamente testemunhal. Em sendo mantida a sentença requer a isenção das custas.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente
Remessa Oficial
O art. 496 do atual CPC (Lei 13.105/2015) estabelece que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
Está excluído, contudo, o duplo grau de jurisdição obrigatório sempre que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para a União, respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 496, §3º, I).
No ano de 2017, o salário mínimo está em R$ 937,00, correspondendo o limite de mil salários-mínimos a R$ 937.000,00 (novecentos e trinta e sete mil reais). Considerando que o teto da previdência está atualmente em R$ 5.531,31 e que a sentença condenatória alcançará, em regra, cinco anos, com 13 prestações mensais, chega-se a um valor de R$ 359.535,15, muito inferior ao limite legal.
Conclui-se, portanto, que, em matéria previdenciária, na atual sistemática, não haverá mais reexame necessário, pois, salvo em hipóteses excepcionais, o valor da condenação nunca chegará a mil salários mínimos.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO NCPC. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. 1. Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490). 2. Considerando que o art. 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício, e que a Portaria Interministerial nº 01, de 08/01/2016, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda, estabelece que, a partir de 01/01/2016, o valor máximo do teto dos salários de benefícios pagos pelo INSS é de R$ 5.189,82 (cinco mil, cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI da aposentadoria especial deferida à parte autora seja fixada no teto máximo, e as parcelas em atraso pagas nos últimos 05 anos (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, jamais excederá à quantia de 1.000 (mil) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário. (TRF4, REOAC 0022586-67.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 28/10/2016)
O caso dos autos se insere na hipótese de dispensa do reexame necessário, não alcançando a condenação o valor estabelecido na nova lei processual civil.
Não conheço, pois, da remessa oficial.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Do Juízo de Admissibilidade do Recurso
Inicialmente, importa referir que a apelação do INSS deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 14/03/1958 (fl.28) implementou o requisito etário em 14/03/2013 e requereu o benefício na via administrativa em 14/05/2015 (fl. 22). Assim, deve de acordo com a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/91 comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade (14/03/1998-14/03/2013) ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo (14/05/2000 - 14/05/2015); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Ficha A da secretaria municipal de saúde de Erval Seco RS onde consta o nome da autora e seu companheiro residentes na Linha Zimermann, referente ao ano de 2015 (fls. 19 e 20);
- Contrato particular de comodato entre seu companheiro Jorge Ribeiro Toledo e o Sr. Arno Fortes para exercer atividade rural em 8,8 ha a contar de 2003 pelo período de 8 anos (fl. 30);
- Ficha da Secretaria da Saúde do Município de Dois Irmãos das Missões onde consta sua profissão como agricultora e endereço na linha Potreiros, com anotações a partir do ano de 1997 até 2014 (fl. 31 e 32);
- Cadastro junto à assistência social do município de Dois Irmãos das Missões também constando sua residência na Linha Potreiros referente ao ano de 2003 (fl.35);
- Notas fiscais dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 em nome da autora e seu companheiro (fls. 37 a 51);
Inquiridas em sede de justificação administrativa na APS Frederico Westphalen - RS em 18/05/2016, as testemunhas Antonio Valdonez Gomes de Oliveira, Marcelo Ronavi Dalssotto e Sebastião de Oliveira Fernandes, restou comprovado que a parte autora trabalhou na agricultura, em regime de economia familiar, no período de carência:
Sr. Antonio Valdonez Gomes de Oliveira
"Declara que ela morava na linha potreiro a 3,5 km de onde o depoente morava. Que ela morava com os pais e depois com o companheiro Jorge, de apelido JJ, tinham posse de 1 has de terra e diz que ela trabalhava somente na agricultura, nunca trabalhou na cidade, que não fazia faxina, diz que ela mora com o companheiro há cerca de 30 anos, (...) declara que somente o casal trabalhava nas terras, não tinham peões nem empregados, além da terra própria arrendavam uma ladeira das terras de Arno Fortes, pai de Samuel Fortes, a cerca de 1 km de onde moravam, não sabe se tinham que pagar arrendamento para o Arno, que plantavam milho, feijão, cebola, amendoim, tinham vacas, novilhos, porcos e galinhas, o trabalho era realizado de forma manual, diz que o marido não trabalhava de peão ou empregado, que o casal não tinha outras rendas além da agricultura, diz que há cerca de 4 anos a justificante e o marido foram morar em Herval Seco - RS na linha Zimmer perto da cidade, diz que eles possuem uma área de terra sem documentos. Que a casa onde moram fica cerca de 14 ou 15 km da casa do depoente, diz que continua tendo conhecimento da atividade rural da justificante porque tem dois filhos que moram na cidade de Herval Seco (...)"
Sr. Marcelo Ronavi Dalssotto
Declara o depoente que mora na cidade de dois irmãos das missões desde que nasceu, que há 3 anos está morando neste endereço e que antes morava na avenida Amantino José Schiavo, declara que conhece a justificante há cerca de 20 anos pois é funcionário público e presta serviço como operador de máquinas e prestava serviços na região, inclusive para vizinhos da justificante , Samuel Fortes, Sergio Teixeira. Declara que ela morava na linha potreiro (...) , que ela morava em uma terra de posse, um pedaço pequeno de meio hectare ou menos de meio hectare, morava com o companheiro de apelido "seu Joca", não sabe o nome dele, que além das terras próprias trabalhavam de meeiros nas terras de Arno Fortes, pai do Samuel Fortes, que plantavam em beradas de terras, perto de sanga, onde não entravam máquinas, diz que tinham que dar 30% da produção para o dono das terras, não pagavam peões nem empregados, plantavam milho, feijão, soja, tinham porcos, galinhas, patos , o trabalho era realizado de forma manual sem máquinas, declara que não tinha outra atividade, que ela não trabalhava na cidade (...)
Sr. Sebastião de Oliveira Fernandes
Declara o depoente que mora na cidade de Herval Seco desde que nasceu e de lá nunca se afastou, declara que conheceu a justificante há cerca de 30 anos pois onde ela morava na linha Potreiro em dois irmãos das missões pertencia antigamente a Herval Seco, o depoente declara que trabalha com vacinação de gado e vacina os animais da justificante, ela morava na linha Potreiro com o esposo dela, Jorge Toledo "Jota", diz que eles tinham meio hectare de terra própria e trabalhava na lavoura, não tinha outra atividade além dessa, diz que também trabalhavam nas terras de Samuel Fortes e de Arno Fortes, acha que o Arno é parente do Samuel , diz que plantavam em terra acidentada, não entrava máquina nas terras onde plantavam, diz que eles tinham que pagar 30% da produção pelo arrendamento, diz que plantavam feijão, milho, batata, soja, tinham terneiros , porcos, galinhas, o trabalho era todo manual, diz que o marido trabalhava somente nas terras próprias e arrendadas, não trabalhava como peão, que não tinham outra fonte de renda, não tinham comércio nem casa que alugavam, declara que há cerca de 4 anos o casal está morando na linha Zimerman
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu.
É possível verificar que no ano de 1997 a autora, ao realizar uma consulta em posto de saúde de Dois Irmãos das Missões declarava-se agricultora, fato que foi novamente verificado na ficha do sistema de informação de atenção básica do ano de 2004. O contrato particular de comodato do ano de 2003 e as notas fiscais de produtor acostadas aos autos trazem indícios suficientes de prova material do labor campesino. Assim, sendo fato pretérito e contemporâneo à época é possível verificar que a autora desempenhava a atividade rural desde 1997 até o ano de 2012, contemplando o período de carência exigido a partir da data de entrada do requerimento administrativo. As provas testemunhais, como se viu, confirmaram de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora, razão porque a sentença merece confirmação pela Turma.
Vale transcrever trecho da sentença recorrida, que bem analisou o conjunto probatório, in verbis:
"(...)
Portanto, cumpre analisar os fatos, destacando inicialmente que na data do requerimento administrativo a autora tinha 57 anos de idade, superior à mínima exigida. Na hipótese, a título de prova material acerca da atividade rural no período em discussão, a autora juntou os seguintes documentos: a) contrato de comodato de 8,8 hectares de imóvel rural, para fins de planta firmado em 2003 entre o proprietário da área e o companheiro da autora b) documentos da secretaria de saúde de Erval Seco e Dois Irmãos das Missões, dando conta que reside no interior e trabalha na lavoura nos anos de 2003 à 2014; c)notas de produtor rural de compra e venda de produtos agrícolas dos anos de 2004 à 2012; d) ficha cadastral da prefeitura de Dois Irmãos das Missões dando conta que já residia na Linha Potreiros, sendo agricultura, nos anos de 1997 à 2014. as testemunhas da JA, Antônio Valdonez Gomes de Oliveira, Marcelo Ronavi Dalssoto e Sebastião de Oliveira Fernandes , confirmaram que a autora sempre foi agricultora, morando por quase trinta anos na linha Potreiros, sobrevivendo do trabalho rural, sendo que há uns quatro anos o casal mudou para a linha Zimerman, em Herval Seco, continuando o trabalho agrícola. Dessa forma, a autora implementou os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por idade rural, na condição de segurada especial".
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Desse modo, o apelo do INSS merece acolhida no ponto.
Honorários advocatícios
O magistrado a quo postergou a fixação dos honorários advocatícios para a fase de liquidação, por considerar a sentença ilíquida (art. 85, § 4º, II). Mantida a sentença de procedência, impõe-se a majoração da verba honorária em favor do advogado da parte autora.
Por outro lado, em atenção ao § 4º do art. 85 e art. 1.046, tratando-se de sentença ilíquida e sendo parte a Fazenda Pública, a definição do percentual fica postergada para a fase de liquidação do julgado, restando garantida, de qualquer modo, a observância dos critérios definidos no § 3º, incisos I a V, conjugado com § 5º, todos do mesmo dispositivo.
Assim, em face do desprovimento da apelação do INSS e com fulcro no § 11, do art. 85 do novo CPC, atribuo o acréscimo de mais 5% incidente sobre o valor a ser apurado em sede de liquidação a título de honorários.
Da implantação do benefício
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 202.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implantação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Cumpre esclarecer que, em se tratando de benefício já concedido em sede de antecipação de tutela na sentença ou em agravo de instrumento, dada a provisoriedade do provimento, é de torná-lo definitivo desde logo, em face de seu caráter alimentar.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Conclusão
O apelo da autarquia resta parcialmente provido para isentar o INSS das custas.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, determinando a imediata implantação do benefício.
Juiz Federal Ezio Teixeira
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000187-39.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00000913420168210133
RELATOR | : | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LOIDE BARBOSA |
ADVOGADO | : | Cassio Gehlen Figueiredo |
: | Diogo Figueiredo de Oliveira |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/11/2017, na seqüência 47, disponibilizada no DE de 19/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA |
: | Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLEVE KRAVETZ | |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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