APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043848-80.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | BRUNA FOSCARINI |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. CPC/2015. DESCABIMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Não se conhece do reexame necessário, diante da regra do art. 496, § 3º, do CPC/2015 e do fato de que o proveito econômico da causa não supera 1.000 salários mínimos, considerado o teto da previdência e o número máximo de parcelas auferidas na via judicial.
2. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
3. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
4. Preenchidos os requisitos, a parte autora faz jus ao restabelecimento do benefício assistencial requerido.
5. Como não são acumuláveis os benefícios assistencial e de pensão por morte, o termo inicial do benefício de prestação continuada deve ser fixado na data em que cessada a pensão por morte titularizada pela autora em razão de ter atingido a maioridade.
6. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E.
7. Tutela específica para implantação do benefício. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do reexame necessário; dar parcial provimento à apelação do INSS; adequar, de ofício, a correção monetária; e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9295286v5 e, se solicitado, do código CRC 17176E67. | |
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| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 01/03/2018 14:33 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043848-80.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | BRUNA FOSCARINI |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em face do INSS em que a parte autora requer o restabelecimento de benefício assistencial por ter deficiência e encontrar-se em situação de vulnerabilidade social. Narra na inicial que titularizou benefício assistencial de 12/06/2000 a 01/03/2010, o qual foi suspenso pela autarquia, sob a alegação de que ela passara a perceber pensão por morte instituída pelo genitor, compartilhada com a sua mãe. Requer o restabelecimento do benefício, pois a enfermidade agravou-se (passando a ter cegueira total) e a família (formada por ela e pela mãe) enfrenta dificuldades financeiras.
No curso do processo, foi deferida a tutela antecipada para que restabelecido imediatamente o benefício (evento 4, Guiadecustas5), decisão atacada por agravo de instrumento interposto pelo INSS (evento 4, Agravo8), o qual foi provido nesta Corte, sob o argumento de que os benefícios eram inacumuláveis (evento 4, Agravo10 e Agravo16).
A parte autora veio aos autos informar que optava pelo recebimento do benefício assistencial (evento 4, Pet18 e Pet23).
O magistrado de origem, da Comarca de Sananduva/RS, proferiu sentença em 17/04/2017, julgando procedente a demanda, para determinar o restabelecimento do benefício assistencial desde a data da cessação administrativa, argumentando que, embora a requerente não pudesse acumulá-lo com a pensão por morte, poderia optar pelo mais vantajoso que, no caso, era o benefício assistencial. A autarquia foi condenada ao pagamento das prestações vencidas corrigidas monetariamente pelo INPC e com juros de mora pelos índices de poupança, além de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação, estando isenta das custas processuais. O R. Juízo determinou a remessa dos autos a esta Corte para reexame necessário (evento 4, Sent84).
O INSS apelou, sustentando que não havia miserabilidade no caso em apreço e que o benefício fora cessado em razão de a autora não ser inválida, conforme constatado na perícia médica, razão pela qual deve ser reformada a sentença. Caso mantido o decisum, requer a aplicação integral da Lei 11.960/2009 no que concerne aos consectários legais sobre as prestações vencidas. Pede que a DIB do benefício assistencial seja fixada na data em cessada a pensão por morte da autora, em 03/04/2012, em razão de ela ter atingido 21 anos (evento 4, Apelação 85).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação e da remessa oficial, uma vez que não comprovada a miserabilidade (evento 14, Parecer1).
Com contrarrazões (evento 4, Contraz87) e por força da remessa oficial, os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada depois desta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
Reexame necessário
Não se desconhece a orientação da Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça (A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas). No entanto, considerando que o valor do benefício não será superior a R$ 5.531,31 (Portaria n.º 08/2017, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda), mesmo que a RMI do benefício seja fixada no teto e que sejam pagas as parcelas referentes aos últimos cinco anos com juros e correção monetária, o valor da condenação não excederá a quantia de mil salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Vale destacar que a sentença não pode ser propriamente considerada ilíquida, pois contém ou refere todos os elementos necessários para se apurar, mediante cálculo aritmético de baixa complexidade, o valor final da condenação.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nos termos do artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC de 2015.
Trata-se de apelação do INSS.
Da controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da deficiência e da hipossuficiência familiar e, subsidiariamente, os consectários legais e o termo inicial do benefício.
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 03/04/1991 (evento 4, AnexosPet4, p. 5), aos 9 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 12/06/2000, o qual foi deferido (NB 1171782974) e, posteriormente, suspenso, em 01/03/2010 (evento 4, Apelação 85, p. 9), sob o argumento de que a requerente passara a perceber pensão por morte do genitor (carta enviada pelo INSS, evento 4, AnexosPet4, p. 2). A presente ação foi ajuizada em 22/11/2010.
Impedimentos de longo prazo
O laudo médico produzido nestes autos, em 05/02/2013, pelo neurologista Charles Carazzo, apontou que a autora, então com 21 anos, apresentava deficiência visual total bilateral, adquirida em decorrência de complicação de sua patologia inicial, que foi hidrocefalia. Referiu que não havia tratamento que resultasse em melhora, visto que a deficiência visual se devia à atrofia do nervo óptico bilateral, resultante de hipertensão intracraniana grave. Consignou que ela poderia realizar atividades laborais adequadas a deficientes visuais e que não houve evolução do quadro clínico desde 2000, quando iniciado o recebimento do benefício assistencial (evento 4, LaudPeri45).
Em audiência realizada em 29/11/2016, foram ouvidas duas testemunhas, que referiram que a autora tem problemas de saúde desde a infância, tendo se submetido a várias cirurgias. Iliana Roseli de Arias referiu que Bruna não sofre apenas de cegueira, visto que ela tem um cateter na cabeça em virtude da hidrocefalia (evento 8, Vídeo1 e Vídeo2).
Comprovados os impedimentos de longo prazo, passo à análise da situação socioeconômica.
Condição socioeconômica
O estudo socioeconômico, juntado aos autos em outubro de 2013, apontou que a autora, Bruna (22 anos), residia com a mãe, Genesi (58 anos), em uma casa própria, em alvenaria, em bom estado de conservação, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, guarnecida com móveis e eletrodomésticos também em bom estado de conservação, situada em Sananduva/RS. A assistente social referiu que a renda mensal familiar era de R$ 775,00 percebidos pela genitora a título de pensão por morte em decorrência do óbito do esposo e pai da autora (importa referir que em 2013 o salário mínimo era no valor de R$ 678,00).
No laudo, há referência aos gastos mensais: R$ 43,00 com energia elétrica, R$ 32,00 com água, R$ 380,00 com alimentação e higiene, R$ 320,00 com plano de saúde e R$ 50,00 com gasolina - a família tem um automóvel Gol ano 1995. A assistente destacou que a mãe da autora tinha colesterol elevado, hipertensão arterial, osteoporose e depressão, fazendo uso de medicamentos que custavam R$ 100,00 mensais. Os demais remédios utilizados pela requerente e pela genitora eram obtidos na rede pública de saúde. O parecer foi favorável à concessão do benefício (evento 4, LaudPeri53).
Foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas em audiência realizada em 29/11/2016. Iliana Roseli de Aris referiu que conhece a família há dez anos, desde o falecimento do genitor da autora. Relatou que a requerente e a mãe, Genesi, vivem em residência humilde, apenas com o básico; e que a mãe de Bruna não trabalha, pois não tem como deixar a filha sozinha. Além disso, mencionou que Genesi teve câncer de mama e sofreu uma fratura na coluna, passando por grandes dificuldades. Afirmou que familiares e vizinhos prestam auxílio, uma vez que os gastos com remédios, consultas e deslocamentos são elevados. Referiu que a mãe da autora tem um carro antigo, importante para levar a filha nas consultas médicas (evento 8, Video1).
Ronei Paulo Oliboni, vizinho, disse conhecê-las há 20 anos. Referiu que Bruna tem problemas graves de saúde desde a infância, agravados com a cegueira; que a mãe não consegue trabalhar, permanecendo em torno da filha, auxiliando-a; que elas vivem em uma casa simples, apenas com a renda proveniente da pensão por morte deixada pelo genitor da requerente; que a comunidade ajuda com frequência, pois elas passam por dificuldades. Ademais, referiu que a mãe da autora passou por tratamento de câncer (evento 8, Video2).
Conclui-se que a família, formada pela autora (deficiente visual e com problemas cerebrais) e pela mãe (atualmente com mais de 60 anos e também com problemas de saúde), encontra-se em situação de vulnerabilidade social, condição corroborada pela consistente prova testemunhal e pelo parecer favorável da assistente social. Ademais, deve ser prestigiada a solução do magistrado de origem que, tendo colhido a prova, concluiu pela existência de miserabilidade.
Portanto, preenchidos os requisitos, a requerente faz jus ao restabelecimento do benefício assistencial. Mantida a sentença de procedência.
Negado provimento ao apelo do INSS quanto ao mérito.
Termo inicial
Quanto ao termo inicial, merece guarida o apelo do INSS, visto que a autora era beneficiária de pensão por morte, cancelada em 03/04/2012 quando completou 21 anos e perdeu a qualidade de dependente do genitor. Como os benefícios assistencial e de pensão são inacumuláveis, tenho que o benefício de prestação continuada deve ser restabelecido desde 03/04/2012. Tendo em vista que a presente ação foi ajuizada em 16/12/2015, não há parcelas prescritas.
Provido o apelo do INSS no que concerne ao termo inicial do benefício assistencial, para fixá-lo em 03/04/2012.
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30/06/2009, conforme RE 870.947, julgado em 20/09/2017).
Adequada, de ofício, a correção monetária, conforme entendimento do STF.
Honorários advocatícios
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), que foram apresentadas contrarrazões e que o apelo do INSS foi desprovido quanto ao mérito, aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas.
Implantação do benefício
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região definiu a questão da implantação imediata de benefício previdenciário, tanto em casos de concessão quanto de revisão de benefício:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, Terceira Seção, AC 2002.71.00.050349-7 Questão de ordem, rel. Celso Kipper, j. 09/08/2007)
Neste caso, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a implantação imediata.
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os casos em que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação do art. 128, ou do inc. I do art. 475-O, tudo do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), e art. 37 da Constituição, aborda-se desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa ao art. 128, ou ao inc. I do art. 475-O, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), porque a hipótese, nos termos do precedente da Terceira Seção desta Corte, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como está expresso na ementa acima transcrita.
A invocação do art. 37 da Constituição, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente se verifica ofensa ao princípio da moralidade pela concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.
Desta forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os arts. 461 e 475-I do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 497 e 513 do Código de Processo Civil de 2015), bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, deve o INSS implantar o benefício em até quarenta e cinco dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Não conhecido o reexame necessário. Provido parcialmente o apelo do INSS, para fixar o termo inicial do benefício assistencial na data em que cessada a pensão por morte percebida pela autora, em 03/04/2012. Adequada, de ofício, a correção monetária sobre as prestações vencidas, conforme entendimento do STF. Majorados os honorários advocatícios para 15% das prestações vencidas e determinada a imediata implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer do reexame necessário; dar parcial provimento à apelação do INSS; adequar, de ofício, a correção monetária; e determinar a imediata implantação do benefício.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/02/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043848-80.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00190218220108210120
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | BRUNA FOSCARINI |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 20/02/2018, na seqüência 2196, disponibilizada no DE de 29/01/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DO REEXAME NECESSÁRIO; DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS; ADEQUAR, DE OFÍCIO, A CORREÇÃO MONETÁRIA; E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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