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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ DO SEGURADO. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. TRF4. 5008349-41.2018.4.04.7205...

Data da publicação: 27/03/2024, 07:01:24

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ DO SEGURADO. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos (Precedentes desta Corte e do STJ). (TRF4, AC 5008349-41.2018.4.04.7205, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 19/03/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008349-41.2018.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ROSELEI CORREIA (AUTOR)

RELATÓRIO

​ROSELEI CORREIA ajuizou ação ordinária, em 29/06/2018, postulando a declaração de inexistência do débito apurado pelo INSS (R$ 39.155.40), decorrente de suposta irregularidade na percepção do benefício de prestação continuada (NB 87/143.474.918-2) em períodos em que houve o concomitante exercício de atividade remunerada.

Sobreveio sentença de procedência, nos seguintes termos (evento 53, SENT1 da ação originária):

Ante o exposto, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC/2015, julgo PROCEDENTES os pedidos da parte autora para:

a) declarar a inexigibilidade do débito de R$ 39.155,40 [valor histórico - apurado em julho de 2014] cobrado pelo INSS em face de ROSELEI CORREIA, CPF: 05080489901, e, relativo aos valores por esta percebidos em razão do benefício de prestação continuada - LOAS [NB 143.474.918-2] em concomitância com os vínculos laborativos indicados pelo INSS;

b) determinar a imediata cessação dos descontos efetuados no benefício de prestação continuada - LOAS [NB 143.474.918-2] percebido pela autora;

c) condenar o INSS a restituir à autora os valores descontados do benefício de prestação continuada - LOAS [NB 143.474.918-2]. Os valores apurados serão atualizados, levando em consideração os critérios de cálculo descritos na fundamentação acima.

Sucumbente, condeno o INSS ao pagamento de honorários em favor do(s) procurador(es) da parte autora. Obedecendo aos critérios constantes no §3º, do art. 85, do CPC, fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação [até 200 (duzentos) salários mínimos].

Na base de cálculo de tal verba são consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Acaso se verifique que a condenação ultrapasse a 200 salários-mínimos, os honorários incidentes sobre o valor excedente deverão observar as respectivas faixas previstas nos incisos II a V do § 3º do art. 85 do CPC.

O INSS, nas razões de seu apelo, sustenta, em síntese, que a sentença proferida violou tanto o princípio da legalidade estrita, que impõe a anulação de atos administrativos contrários à legislação, como o art. 876 do Código Civil, que obriga a restituição do que foi recebido indevidamente, independentemente de se tratar, ou não, de verba de natureza alimentar. Por fim, apontou a vedação legal do enriquecimento ilícito (arts. 884 a 886 do Código Civil).

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Juízo de admissibilidade

O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.

2. Mérito

A respeito do tema controvertido nos autos, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão da repetição de valores recebidos indevidamente em exame de matéria repetitiva (Tema 979, STJ). A tese jurídica fixada foi a seguinte:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021) - Grifei.

Além disso, no mesmo julgamento, foi definida a necessidade de modulação para que os efeitos do representativo de controvérsia atingissem "os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão", isto é, a partir de 23/04/2021. Do julgamento em tela, é possível extrair as seguintes conclusões:

(i) o pagamento decorrente de interpretação errônea da lei não é suscetível de repetição;

(ii) o pagamento decorrente de erro material ou operacional é suscetível de repetição, salvo comprovação da boa-fé do segurado;

(iii) a exigência de comprovação da boa-fé vale para os processos distribuídos a partir de 23 de abril de 2021;

(iv) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.

Na aferição da boa-fé, conforme o Superior Tribunal de Justiça, é preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento" (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, p. 31).

No caso dos autos, verifico que a ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente qualificado pelo Superior Tribunal de Justiça. Sendo assim, entendo que caberia à autarquia a demonstração, em juízo ou até mesmo no curso do anterior processo administrativo, da existência de má-fé por parte do(a) segurado(a). Nessa linha, sem essa demonstração concreta, deverá prevalecer a presunção de boa-fé daquele que recebeu os valores pela autarquia.

A respeito da delimitação da boa-fé - ou da comprovação da má-fé no agir do(a) segurado(a) - a sentença examinou adequadamente as provas que integram os autos (evento 53, SENT1, do feito originário):

[...]

A leitura interpretativa conferida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aponta para a necessidade de "relativização" ao que dispõem os aludidos dispositivos. Em outras palavras, a partir do pressuposto que o benefício previdenciário é dotado de natureza alimentar e possui íntima relação com o princípio da dignidade da pessoa humana e a noção de mínimo existencial, tem-se como irrepetíveis as quantias percebidas pelo segurado quando de boa-fé, principalmente quando decorrentes de erro administrativo pelo qual não contribuiu decisivamente o comportamento do cidadão-administrado.

[...]

Certo, de fato, em observância ao documento contido no processo administrativo do benefício em comento, conforme evento 42, PROCADM2, p. 44, é possível verificar que a autora manteve alguns vínculos laborativos em concomitância com o benefício assistencial por ela recebido (...)

[...]

Todavia, também é possível observar que a maioria dos vínculos acima informados são de curta duração, sendo que alguns duraram poucos dias, a maioria perdurou entre dois e três meses e apenas um teve duração pouco superior a seis meses.

Além disso, apesar das políticas de inclusão perante o mercado de trabalho das pessoas portadoras de deficiência, ainda é notória a dificuldade encontrada, em especial, conforme se verifica no caso ora analisado, verificando-se a existência de muitas barreiras para que pessoas com deficiência possam acessar, se manter e se desenvolver no mercado de trabalho.

A autora, segundo alega, inclusive, por intermédio da ABLUDEF - Associação Blumenauense de Deficientes Físicos, ao se vincular perante os contratos de trabalho apontados pelo INSS, estava em busca de sua reinserção perante o mercado de trabalho diante do quadro de dificuldade financeira enfrentada, inclusive, para manutenção de seus filhos.

Desta forma, embora tal situação [períodos em que manteve vínculos laborativos] fosse caso determinante da suspensão do benefício, não se pode presumir a má-fé da autora em perceber o benefício de forma concomitante com o salário. No caso em análise, ressalto, os vínculos foram todos de curta duração, o que demonstra a tentativa, embora sem sucesso, da autora de se inserir novamente no mercado de trabalho, já que seus vínculos laborativos sempre foram encerrados em curto período de tempo.

[...]

Pois bem, inexiste demonstração qualquer pela autarquia de que tivesse a autora agido investida de má-fé. Com efeito, sequer há falar, aqui, em comportamento decisivo da sua parte que pudesse ter induzido em erro o réu.

Note-se, ainda, que, na ocasião em que foi realizada a verificação feita pelo INSS, continuavam presentes os requisitos ensejadores do benefício de prestação continuada, visto que tanto a nova avaliação social quanto a nova perícia médica, ambas realizadas administrativamente, conforme evento 42, PROCADM2, p. 37 a 40, indicaram o cumprimento dos requisitos pela autora quanto ao percebimento do benefício em questão.

Portanto, tudo considerado, tenho que deve ser declarada a inexigibilidade do débito apurado pela autoridade administrativa, restituindo-se à segurada, via de consequência, o correspondente numerário descontado de seu benefício assistencial.

[...]

Assim, uma vez que no caso concreto não resta caracterizada a má-fé, inviável a cobrança efetuada pela autarquia previdenciária.

Neste sentido:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS DECORRENTES DE ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO. INEXIGIBILIDADE. TEMA 979 DO STJ. 1. No julgamento do Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 2. A modulação de efeitos determina a aplicação da tese firmada apenas aos processos distribuídos após a publicação do acórdão paradigma. 3. Hipótese em que não evidenciada a má-fé e, portanto, afastada a obrigatoriedade de devolução da quantia paga a maior. (TRF4, AC 5012648-79.2022.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 30/11/2022)

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO COMUM. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. APLICABILIDADE DO TEMA STJ 979. DEVOLUÇÃO DE VALORES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. 1. O Tema 979/STJ diz respeito à devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a alegação de má-fé no recebimento de benefício previdenciário deve ser cabalmente comprovada, não podendo ser presumida em prejuízo do segurado. 3. Compete ao INSS, o ônus da prova da ocorrência de fraude ou ilegalidade, mormente na hipótese dos autos que trata de benefício assistencial. (TRF4, AG 5033467-95.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 16/12/2021)

Dessa forma, incabível cogitar-se da devolução de valores de inequívoco caráter alimentar, pelo que não merece provimento a apelação do INSS.

Honorários advocatícios

Mantida a procedência do pedido, uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, § 3º, inciso I, do CPC).

Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no §3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

Negado provimento ao apelo.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004282317v9 e do código CRC d957ef39.Informações adicionais da assinatura:
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5008349-41.2018.4.04.7205
40004282317.V9


Conferência de autenticidade emitida em 27/03/2024 04:01:23.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008349-41.2018.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ROSELEI CORREIA (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ DO SEGURADO. DEVOLUÇÃO INDEVIDA.

É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos (Precedentes desta Corte e do STJ).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 13 de março de 2024.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004282318v3 e do código CRC 5ec718d3.Informações adicionais da assinatura:
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5008349-41.2018.4.04.7205
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/03/2024 A 13/03/2024

Apelação Cível Nº 5008349-41.2018.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ROSELEI CORREIA (AUTOR)

ADVOGADO(A): GUSTAVO FLORIANI DE AGUIAR (OAB SC053848)

ADVOGADO(A): DALTO EDUARDO DOS SANTOS (OAB SC025126)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/03/2024, às 00:00, a 13/03/2024, às 16:00, na sequência 876, disponibilizada no DE de 26/02/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 27/03/2024 04:01:23.

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