Apelação Cível Nº 5013594-60.2014.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: RONALDO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido (
), nos seguintes termos:a) defiro a tutela de urgência;
b) extingo o feito, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC, em relação ao pedido de inclusão/retificação de salários de contribuição que não constam no CNIS;
c) homologo a renúncia à pretensão de cômputo, como especial, do tempo em que a parte autora esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso III, alínea "c", do CPC em relação a tal pleito;
d) julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na presente ação, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de:
- declarar que o trabalho, nos períodos descritos na tabela abaixo, foi prestado em condições especiais e que a parte autora tem direito à sua conversão para tempo comum com acréscimo;
Início | Fim |
04/03/1985 | 01/06/1985 |
21/08/1985 | 08/02/1990 |
11/06/1990 | 22/06/1990 |
02/07/1990 | 09/11/1990 |
13/01/1992 | 26/05/1995 |
24/06/1996 | 23/07/1996 |
06/03/1997 | 30/07/2003 |
02/01/2004 | 18/03/2005 |
06/04/2005 | 27/11/2007 |
21/03/2008 | 17/08/2012 |
05/02/2013 | 15/04/2013 |
- determinar ao INSS que averbe o tempo reconhecido, somando-o ao tempo de serviço/contribuição já admitido administrativamente com eventuais acréscimos cabíveis;
- determinar ao INSS que implante, em favor da parte autora, a aposentadoria a que tem direto (NB 164.060.946-3) conforme reconhecido na fundamentação supra na sistemática de cálculo mais benéfica;
- condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas e não pagas, decorrentes do direito aqui reconhecido, desde a DER, devidamente acrescidas de correção monetária e juros de mora nos termos da fundamentação.
Consoante dispõe o Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015), tendo em vista a ausência de sucumbência substancial da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento de despesas processuais, inclusive eventuais honorários periciais, que, na hipótese de já terem sido requisitados, via sistema AJG, deverão ser ressarcidos à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.
Condeno ainda a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, tendo por base de cálculo o valor devido à parte autora até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4). O percentual incidente sobre tal base fica estabelecido no mínimo previsto no § 3º do artigo 85 do CPC, a ser aferido em fase de cumprimento, a partir do cálculo dos atrasados, conforme o número de salários mínimos a que estes correspondam até a data da sentença (inciso II do § 4º do artigo 85 do CPC). Assim, se o valor devido à parte autora, por ocasião da sentença, não ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre os atrasados devidos até então; se for superior a 200 (duzentos) e inferior a 2.000 (dois mil) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre 200 (duzentos) salários mínimos mais 8% (oito por cento) sobre o que exceder tal montante; e assim por diante. (...)
A parte autora recorre (
) sustentando, em preliminar, a necessidade de baixa dos autos para a vara de origem a fim de viabilizar sua regular instrução, bem como requer seja afastada a falta de interesse de agir, e a inclusão na RMI dos salários referentes ao período de 12/2004 a 03/2005, 06/2009 e 05/2010. No mérito, pretende o reconhecimento da especialidade dos períodos de 03/09/1980 a 02/04/1981, 01/09/1982 a 29/11/1982 e 26/03/1991 a 04/11/1991, declarando o direito à aposentadoria especial e por tempo de serviço, bem como determinando o pagamento dos benefícios em atraso desde a data da DER. Sustenta, por fim, que os honorários sucumbenciais devem ter como base o percentual máximo de cada faixa de valor, informados no § 3º do artigo 85 do CPC.Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Falta de Interesse Processual
O interesse de agir afigura-se como uma das condições da ação e a sua ausência enseja o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito sem resolução do mérito, a teor do que dispõem os arts. 17, 330, III, e 485, VI, todos do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, em sede de repercussão geral, firmou a seguinte tese quanto ao Tema 350 (prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário):
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado;
III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão;
IV – Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir;
V – Em todos os casos acima – itens (a), (b) e (c) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVUL 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)
Assim, está assentado o entendimento da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto jurídico para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, o que não se confunde com o exaurimento daquela esfera.
No caso em análise, é fato incontroverso não ter a parte autora requerido administrativamente a retificação dos salários-de-contribuição nas competências de 12/2004 a 03/2005, 06/2009 e 05/2010.
Além disso, como bem destacou o Julgador monocrático, não há como o INSS supor a existência de erros nos valores dos salários-de-contribuição, cabendo ao segurado postular a retificação perante a Autarquia.
Quanto à possibilidade do pedido de revisão ser realizado na esfera administrativa, colhe-se da LBPS:
Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego. (Redação dada pela Lei Complementar nº 128, de 2008)
[...]
§ 2o O segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação de informações constantes do CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes, conforme critérios definidos pelo INSS.
Assim, entendo que deve ser mantida a extinção do feito, por ausência de interesse de agir, nos exatos termos da sentença.
Cerceamento de Defesa - Prova Pericial
Postula a parte recorrente a baixa dos autos em diligência sob o argumento de cerceamento de defesa em razão de não ter sido deferida a produção de prova pericial para demonstração da especialidade das atividades.
O art. 370 do Código de Processo Civil estabelece que caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo, fundamentadamente, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. De ressaltar que cabe ao magistrado, no uso do seu poder instrutório, deferir ou não determinada prova, de acordo com a necessidade e utilidade para a formação de seu convencimento.
Ainda, o § 1º do art. 464 do CPC faculta ao juiz indeferir a prova pericial quando: I - a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico; II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III - a verificação for impraticável.
Na hipótese, há que se diferenciar duas situações distintas:
a) em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência da documentação fornecida pela empresa de vínculo (PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário - ou outros formulários e laudos técnicos), que goza de presunção relativa de veracidade;
b) quando se trata de empresa cujas atividades foram encerradas (baixada/inativa), muitas vezes há longos anos, sendo impossível ao segurado a apresentação da documentação antes referida, seja pela inexistência de avaliações ambientais contemporâneas ao labor, seja pela impossibilidade de obtenção dos formulários comprobatórios das condições laborais.
De início, ressalto que este Tribunal já decidiu que inexiste cerceamento de defesa ensejador de anulação de sentença para produção de prova pericial quando a documentação constante nos autos é considerada suficiente para a apreciação do pedido (TRF4, AC 5001814-84.2018.4.04.7112, Quinta Turma, Relatora Juíza Federal Gisele Lemke, juntado aos autos em 13/02/2020), fato que se insere no disposto no mencionado inciso II do § 1º do art. 464 do CPC.
Com efeito, se os documentos trazidos aos autos são suficientes para constituir o convencimento do juízo, não há falar em cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da produção de prova pericial.
No tocante à realização de perícia em empresas ativas, em razão da discordância do segurado quanto ao conteúdo do PPP, torna-se necessária a demonstração da falta de correspondência entre as informações contidas no formulário e a realidade do trabalho prestado, não bastando a mera discordância genérica quanto aos dados fornecidos pelo empregador.
Em tais situações, parece-me que o caminho mais adequado a ser adotado pelo trabalhador para impugnar o PPP fornecido pelo empregador, seja para a correção das informações ali inseridas ou mesmo para incluir agentes nocivos omitidos, é a busca de solução perante a Justiça do Trabalho, com reconhecida competência para decidir sobre a matéria (AIRR-11346-40.2019.5.03.0044, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 20/08/2021).
Porém, na linha do que tem decidido esta Corte, não se trata de caminho único, já que também no âmbito da demanda previdenciária poderá o segurado realizar prova complementar ao PPP regularmente emitido. No entanto, vale repetir, a admissão de provas em substituição ao PPP passa, necessariamente, pela demonstração, ainda que de forma indiciária, da existência de omissão na análise da exposição a algum agente agressivo ou, ainda, divergência a respeito da quantificação de agente informado no laudo.
De fato, diante especialmente dos precedentes jurisprudenciais alargando as hipóteses de enquadramento, nem sempre se estará tratando de agentes agressivos relevantes para a relação trabalhista, o que explica omissões em laudos produzidos pelos empregadores. Em casos tais, justifica-se a complementação do PPP mediante produção de provas em juízo, exclusivamente para suprir a omissão existente.
Da mesma forma, havendo dúvida razoável, formada a partir da análise de laudos individuais ou de empresas similares, acerca da correção do PPP, cabível a realização de perícia judicial junto à empresa de vínculo, para o devido esclarecimento. A prova, aqui, terá seus limites estabelecidos a partir do questionamento apresentado e tido como suficiente para colocar em dúvida a validade do PPP. Apenas a título de exemplo, se o segurado não contesta a descrição de atividades constante no PPP, não cabe ao perito, exceto se amparado em registros contemporâneos obtidos junto ao empregador, reformular essa informação com base unicamente no que lhe for dito pelo interessado (declaração unilateral). Noutras palavras: a prova judicial não substituirá por completo o PPP, apenas o complementará, se for o caso corrigindo omissão ou erro na quantificação de agente agressivo.
No que tange à realização de perícia em empresas similares, quando do encerramento das atividades da empresa de vínculo, entendo que a excepcionalidade da prova técnica deve-se ao fato de que a perícia indireta muitas vezes não se mostra capaz de mensurar os agentes nocivos presentes há distantes anos junto ao ambiente de trabalho, considerando a substituição de máquinas, envelhecimento dos aparelhos, mudanças de disposição, de layout e de processos produtivos.
É necessário, por isso, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário – em última análise, o magistrado – elementos suficientes para a formação de seu convencimento.
De notar que a Súmula 106 deste Tribunal disciplina que quando impossível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor.
No entanto, a demonstração da similaridade de empresa congênere é ônus da parte requerente, a quem compete comprovar o ramo de atividade, o porte das empresas, as condições ambientais e em que haja idêntica função à desempenhada pelo segurado.
Importa destacar que o retorno dos autos à origem, quando cabível, justifica-se pela ausência nos autos de documentação suficiente para esclarecer as condições de trabalho vivenciadas pela parte autora. Existindo tal documentação, de que são exemplos os formulários e laudos, não há falar em cerceamento de defesa. Entretanto, se a documentação trazida a exame não corroborar o quanto alegado pela parte autora em relação a determinado período alegadamente laborado sob condições especiais, haverá, na verdade, situação de contrariedade e inconformismo com o resultado alcançado, e não propriamente cerceamento do direito de defesa.
O pedido de complementação de prova na forma requerida pela parte autora não foi infundado, uma vez que visava garantir a comprovação de seu direito. Todavia, considerando que o conjunto probatório é capaz de demonstrar de forma satisfatória, em alguns períodos, as condições de trabalho vivenciadas pela parte autora, assim como que a comprovação das atribuições do cargo é pressuposto para a realização da prova pericial, afasto a preliminar aventada.
Mérito
1) Tempo de Serviço Especial
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Dito isso, tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991, em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis, por meio de parecer técnico trazido aos autos ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei 9.528/1997, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o PPP, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o documento já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16/02/2017).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997, e, a partir de 06/03/1997, os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).
Ainda, o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998.
Assim, considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Do Caso Concreto
Os pontos controvertidos nos presentes autos dizem respeito ao reconhecimento da especialidade nos intervalos de 03/09/1980 a 02/04/1981, junto à Bellange Sorel Calçados Ltda., 01/09/1982 a 29/11/1982, laborado na empresa Manufatora de Calçados S/A, e 26/03/1991 a 04/11/1991 na empresa Temperasul Tratamento Térmico Ltda..
a) 03/09/1980 a 02/04/1981 e 01/09/1982 a 29/11/1982
Nos referidos períodos, o autor trabalhou, respectivamente, nas empresas Bellange Sorel Calçados Ltda (
, p. 6; , p. 3) e Manufatora de Calçados S/A ( , p. 3).A especialidade dos períodos não foi reconhecida na sentença, sob o fundamento de que não é possível identificar com clareza quais eram efetivamente as atividades desenvolvidas pela parte demandante, uma vez que, na CTPS, constam apenas as atividades genéricas de "auxiliar geral" e "serviços gerais". Acrescentou o magistrado que o formulário apresentado pela parte autora foi emitido pelo sindicato da categoria, nele constando o registro de ausência de laudo técnico da empresa, inativa, e de que as informações têm como base a CTPS e declarações do segurado, de forma que não é aceito como prova válida da sujeição do autor a agentes nocivos.
De fato, não foram apresentados formulários ou laudos técnicos dos empregadores, tendo o autor afirmado que as empresas encontram-se com as atividades encerradas, o que impede a obtenção de documentos comprobatórios das condições laborais.
Entretanto, os documentos apresentados são suficientes para comprovar que a atividade econômica principal das referidas empresas consistia na manufatura de sandálias de couro com sola de couro natural (
, p. 7 e 77).É fato notório que, nas empresas do ramo calçadista, os operários são contratados como serviços gerais, ajudante, auxiliar, atendente, entre outros, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda, que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos e que a cola utilizada em época remota era composta por derivados de hidrocarbonetos, cujos vapores acarretavam graves efeitos na saúde do trabalhador.
Ainda que o uso de adesivos permaneça até hoje, pode-se ver nos diversos processos em que realizada perícia judicial ou apresentados laudos técnicos mais recentes que a composição dos adesivos não é mais tóxica a ponto de justificar o enquadramento especial, sendo, via de regra, compostos por hexano e tolueno em concentração bastante inferior ao limite de exposição permitida.
Vale destacar ainda, que não se desconhece a inexistência de previsão legal da categoria de trabalhador na indústria calçadista ou algo equivalente nos decretos regulamentares. Entretanto, é importante esclarecer que o reconhecimento da especialidade aqui efetuado não equivale a um enquadramento por categoria profissional, visto que decorre de pacificada construção jurisprudencial, fruto de reiteradas ações judiciais propostas ao longo do tempo, nas quais a prova técnica evidencia a execução do labor em um único pavilhão, o qual, via de regra, não possui separação entre os setores e, invariavelmente, aponta a execução de atividades que demandam o contato diuturno com agentes químicos.
Observo, ainda, que o uso de EPI somente é considerado para o labor desempenhado a partir de 03/12/1998, em virtude da alteração efetuada no § 2º do art. 58 da Lei 8.213/1991 pela Medida Provisória 1.729, de 02/12/1998, convertida na Lei 9.732, de 11/12/1998.
Assim, cabível o enquadramento como tempo especial dos períodos em que exercidas atividades em empresas do ramo calçadista até 03/12/1998, ainda que não apresentados formulários comprobatórios das condições ambientais, porquanto é dever do INSS, de posse da CTPS da parte autora, analisar os períodos, ainda que para abrir exigência para apresentação da competente documentação.
Desta forma, mostra-se possível o reconhecimento da especialidade nos períodos de 03/09/1980 a 02/04/1981 e 01/09/1982 a 29/11/1982.
b) 26/03/1991 a 04/11/1991
No referido período, o autor foi contratado pela empresa Temperasul Tratamento Térmico Ltda., sendo que no intervalo de 26/03/1991 a 31/07/1991 foi registrado na CTPS como "serviços gerais", enquanto no intervalo de 01/08/1991 a 04/11/1991 como "forneiro C" (
, p. 6 e 19).O autor sustenta na apelação que suas atividades consistiam em dar banho de acido e armazenar vários tipos de peças para fabricação de motoserra. Fazia ainda o tratamento térmico das peças e correntes, estando assim exposto ao ruído elevado oriundo do setor laborado, bem como aos químicos que manuseava quando das suas atribuições sobreditas.
Contudo, entendo que a prova não é suficiente para a comprovação de que essas eram as atividades desempenhadas pelo segurado quando exercia a função de "serviços gerais", uma vez que não constam dos autos formulários preenchidos pelos empregadores, depoimentos de testemunhas ou quaisquer outros documentos capazes de comprovar essas atividades.
É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.
Em se tratando de estabelecimento não mais existente, e não tendo sido produzida qualquer prova no sentido de especificar as atribuições do cargo, não há como ser deferida a produção de prova pericial ou a utilização de prova emprestada ou similar.
Com efeito, não é possível concluir que as condições de trabalho e as tarefas executadas pelo segurado na empresa Temperasul eram semelhantes às descritas no LTCAT da empresa Noriman (
, p. 80 a 106), tampouco existem os elementos necessários para possibilitar a realização da prova pericial requerida.Aplicável, assim, o Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, em que firmada a tese de que a ausência de conteúdo probatório eficaz para instruir o pedido implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
Destaco, por oportuno, que, embora o precedente mencionado envolva tempo de serviço rural, alinho-me aos julgados desta Corte no sentido de que a mesma diretriz pode ser aplicada em outras situações, como na hipótese dos autos, por uma questão de coerência sistêmica.
Quanto ao período em que o autor laborou como forneiro, porém, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional, pois as atividades de ajudante de forneiro e forneiro têm enquadramento no código 2.5.2 do anexo II do Decreto nº 83.080/79, tendo em vista que o exercício de tais funções exigem a sujeição do obreiro a prolongados períodos de exposição ao calor excessivo.
Desta forma, deve ser reconhecida a especialidade no período de 01/08/1991 a 04/11/1991.
Requisitos para Aposentadoria
Na sentença, apurou-se que, até a DER (15/05/2013), o autor contava com 23 anos, 10 meses e 26 dias de tempo especial. Assim, é evidente que o acréscimo de 5 meses e 6 dias decorrente da especialidade dos períodos reconhecidos no julgamento deste recurso não é suficiente para a concessão da aposentadoria especial.
Por isso, deve ser mantida a concessão da aposentadoria integral por tempo de contribuição, averbando-se a especialidade dos períodos de 03/09/1980 a 02/04/1981, 01/09/1982 a 29/11/1982 e 01/08/1991 a 04/11/1991.
Honorários advocatícios
A parte autora recorre quanto à fixação dos honorários advocatícios, entendendo que os honorários sucumbenciais devem ter como base o percentual máximo de cada faixa de valor, informados no § 3º do artigo 85 do CPC.
Contudo, não vejo razão para alteração do que foi decidido na sentença. A busca pela prova das condições laborais do segurado é trabalho costumeiro da advocacia previdenciária, não evidenciando circunstância que permita a fixação da verba advocatícia em percentual superior ao mínimo.
Portanto, mantenho os honorários advocatícios no percentual mínimo previsto no § 3º do artigo 85 do CPC, tendo por base de cálculo o valor devido à parte autora até a data do presente julgamento (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte e Tema 1.105 do STJ).
Da Tutela Específica
Tendo em vista o deferimento da antecipação da tutela em sentença, devidamente cumprida pela autarquia (
), desnecessária nova intimação da CEAB para tal fim.Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Dado parcial provimento à apelação, para:
a) julgar extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial no período de 26/03/1991 a 31/07/1991, com fulcro no art. 485, VI do CPC e Tema 629 do STJ; e
b) reconhecer como tempo especial os períodos de 03/09/1980 a 02/04/1981, 01/09/1982 a 29/11/1982 e 01/08/1991 a 04/11/1991, que deverão ser considerados na concessão do benefício deferido pela sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor.
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Apelação Cível Nº 5013594-60.2014.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: RONALDO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. processual civil. SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. RETIFICAÇÃO. pedido administrativo. INTERESSE DE AGIR. ausência. tempo especial. cerceamento de defesa. inexistência. indústria calçadista. enquadramento. ausência de provas. extinção. TEMA 629 DO STJ. forneiro. empresa de tratamento térmico. categoria profissional. RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE.
1. Nos termos do art. 29-A, § 2º, da Lei 8.213/1991, o segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação de informações constantes do CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes.
2. Inexistente o requerimento administrativo de retificação dos salários-de-contribuição, deve ser mantida a extinção do feito, sem exame do mérito, por ausência de interesse de agir.
3. Na linha dos precedentes deste Tribunal, formados a partir do que foi constatado em inúmeras demandas similares, tem-se que a regra é a indústria calçadista utilizar cola para a industrialização dos seus produtos, sendo que a cola utilizada em época remota era composta por derivados de hidrocarbonetos, cujos vapores acarretavam graves efeitos na saúde do trabalhador. Considera-se, ainda, que os operários são contratados como serviços gerais, ajudante, auxiliar, atendente, entre outros, mas a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais.
4. Possível o enquadramento como tempo especial dos períodos em que exercidas atividades em empresas do ramo calçadista até 03/12/1998, ainda que não apresentados formulários comprobatórios das condições ambientais, porquanto é dever do INSS, de posse da CTPS da parte autora, analisar os períodos, ainda que para abrir exigência para apresentação da competente documentação.
5. Havendo incertezas quanto às atribuições do cargo, e não tendo a parte autora produzido prova documental, não há como ser deferida a realização de prova pericial, inexistindo cerceamento de defesa. Deve ser aplicável o Tema 629 do STJ, possibilitando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
6. As atividades de ajudante de forneiro e forneiro têm enquadramento no código 2.5.2 do anexo II do Decreto nº 83.080/79.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 19 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004223721v17 e do código CRC d3045cb8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 19/12/2023
Apelação Cível Nº 5013594-60.2014.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: RONALDO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A): ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO(A): MIRELE MULLER (OAB RS093440)
ADVOGADO(A): ANILDO IVO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 19/12/2023, na sequência 168, disponibilizada no DE de 07/12/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal ALCIDES VETTORAZZI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/12/2023 08:01:20.