| D.E. Publicado em 10/10/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003444-72.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | JOSE PEDRO WINK |
ADVOGADO | : | Hermeto Antonio Araujo e Silva e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. QUALIDADE DE SEGURADO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Comprovado o exercício de atividade rural pela parte autora em período superior ao da carência e até ficar incapacitado total e definitivamente para o trabalho, é de ser reformada a sentença para conceder a aposentadoria por invalidez desde a DER. 2. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, determinando a implantação do benefício de aposentadoria por invalidez e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de outubro de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9149439v4 e, se solicitado, do código CRC 19EF1AE1. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 05/10/2017 14:45 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003444-72.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | JOSE PEDRO WINK |
ADVOGADO | : | Hermeto Antonio Araujo e Silva e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por invalidez, sob o fundamento de que não foi comprovada a qualidade de segurado, condenando a parte autora ao pagamento das custas e das despesas processuais, além dos honorários advocatícios, esses fixados em R$ 1.000,00, suspensa a exigibilidade nos termos da Lei 1.060/50.
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta em suma que restou comprovado o exercício de atividade rural durante toda a sua vida, inclusive no período de carência através da prova material e da prova testemunhal, requerendo a concessão de aposentadoria por invalidez desde a DER (25/01/10) até a data em que concedido o benefício de amparo social ao idoso (24/09/13) com o pagamento dos atrasados. Requer, ainda, a implantação da aposentadoria por invalidez e a suspensão do amparo social.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O MPF opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se, na espécie, sobre o acerto ou não da sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por invalidez, sob o fundamento de que não foi comprovada a qualidade de segurado.
Quanto à aposentadoria por invalidez, reza o art. 42 da Lei nº 8.213/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio- doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova, sendo certo que embora possível, teoricamente, o exercício de outra atividade pelo segurado, ainda assim a inativação por invalidez deve ser outorgada se, na prática, for difícil a respectiva reabilitação, seja pela natureza da doença ou das atividades normalmente desenvolvidas, seja pela idade avançada.
In casu, durante a instrução processual foi realizada perícia judicial em 23/03/15, da qual se extraem as seguintes informações (fl. 116):
a) enfermidade: refere a perita que o periciado sofre da Doença de Parkinson pois foi constatado que o mesmo apresenta os sintomas típicos associados a essa doença, a saber: rigidez muscular, tremores, acinesia, distúrbio de fala e marcha, distúrbio de sono e depressão... é uma doença crônica e degenerativa;
b) incapacidade: afirma a perita que Segundo relato do autor, o início dos sintomas ocorreu há cerca de 20 anos, com piora significativa dos sintomas há cinco anos. Neste período, afastou-se do trabalho... a Doença de Parkinson é progressiva e incurável... O periciado está incapacitado para desempenhar atividades agrícolas que exijam esforço físico... A incapacidade é total, uma vez que os sintomas são expressivos.
No laudo complementar de 03/11/15 foi esclarecido o seguinte (fls. 125/127):
(...)
4. Qual a data de afastamento do trabalho exercido?
Segundo informação do periciado, ele reduziu as atividades há cerca de 5 anos e cessou em definitivo há cerca de 3 anos.
(...)
7.4 A doença ou sequela produz apenas limitações para o trabalho que a parte autora habitualmente exercia ou produz incapacidade total para esse trabalho?
A doença apresenta limitações progressivas até a incapacidade total para o trabalho.
7.5 Se positiva a resposta dada ao requisito anterior, desde que data existe a limitação ou a incapacidade total.
Segundo o histórico do periciado, as limitações tiveram início há 5 anos com incapacidade total há cerca de 3 anos.
(...)
7.7 Descreva os dados objetivos e grau das limitações encontradas no exame do autor.
O periciado apresenta rigidez muscular, tremores, acinesia e distúrbio de fala e marcha. As limitações são expressivas dadas as características da doença.
7.8 Caso os dados objetivos constatados no exame clínico comprovem incapacidade para o trabalho que o periciando habitualmente exercia, essa incapacidade é temporária ou definitiva?
A incapacidade é definitiva.
7.9 Caso os dados objetivos constatados no exame clínico comprovem incapacidade para o trabalho que o periciando habitualmente exercia, essa incapacidade é uniprofissional, multiprofissional ou oniprofissional?
Incapacidade oniprofissional.
8. Estando o incapaz atualmente o autor, terá condições de retorno futuro à mesma atividade? Caso negativo, poderá ser reabilitado para atividade diversa da original? Fundamente.
Não terá condições de retorno à mesma atividade. Não poderá ser reabilitado, também, para atividade similar à exercida.
(...)
Do exame dos autos, colhem-se ainda as seguintes informações sobre a parte autora:
a) idade: 69 anos (nascimento em 09/10/1947 - fl. 07);
b) histórico de benefícios: o autor teve indeferido o pedido de auxílio-doença de 12/01/10 por perda da qualidade de segurado; ajuizou a presente demanda em 16/03/10; goza de amparo social ao idoso concedido na via administrativa desde 24/09/13 (fls. 12/13, 27/32, 133/134 e CNIS/SPlenus em anexo);
c) atestados de psicólogo de 18/01/08 e 03/03/08 referindo sintomas de transtorno ansioso, depressão e síndrome de dependência ao álcool, sugerindo acompanhamento integral e medidas de reintegração (fls. 14/15); atestado de 14/09/09 referindo incapacidade por tempo indeterminado (fl. 16); atestado de 26/02/10 referindo tratamento para CID G20 (Doença de Parkinson) e incapacidade definitiva para o trabalho (fl. 18); atestado referindo que o autor esteve internado em centro de recuperação no período entre 31/03/10 e 11/05/10 em razão de dependência química (CID F10.2), e que ele, rejeitando a orientação do técnico terapêutico, solicitou alta voluntária... ao cabo de 42 dias de internação em regime integral, sem ter concluído seu tratamento (fl. 37); atestado de 15/06/10 referindo que o autor está internado em centro de recuperação, em regime de internação integral em razão de dependência química (CID F10.2) desde 24/05/10, e que deverá permanecer internado até fevereiro de 2011 (fl. 44); atestado referindo internação hospitalar entre 17/12/10 e 17/01/11 em razão de CID F10 (transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool) e incapacidade laborativa por tempo indeterminado (fl. 57); declaração emitida por lar beneficente em 18/01/11 referindo que o autor foi internado na instituição nessa data (fl. 58); atestado de 28/01/11 referindo que o autor está internado em comunidade terapêutica (fl. 62); declaração emitida por lar beneficente em 09/11/11 referindo que o autor segue internado na instituição (fl. 69);
d) receituário médico de 15/03/08;
e) laudo do INSS de 25/01/10 cujo diagnóstico foi de CID F10 (transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool - fl. 33).
Assim, diante de todo o conjunto probatório, entendo que restou comprovada a incapacidade laborativa total e definitiva da parte autora desde 2010.
A sentença foi de improcedência sob o fundamento de que não foi comprovada a qualidade de segurado. O autor alega que era lavrador/boia-fria.
Nos casos dos trabalhadores avulsos, os assim denominados "boias-frias"/safristas/diaristas, destaco que a orientação que desde algum tempo vinha sendo adotada de forma unânime pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça era no sentido de abrandamento da exigência de início de prova material, até dispensando-o em casos extremos, haja vista a informalidade com que exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Por ocasião do julgamento do REsp n.º 72.216-SP já manifestava o Relator, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em 19-11-1995 (DJU, Seção I, de 27-11-1995).
Esta era também a linha de orientação desta Corte para o exame das demandas que visam à concessão de aposentadoria para os trabalhadores avulsos, diaristas, safristas, etc., tendo em vista a dificuldade de apresentar um início razoável de prova material. Inúmeras vezes, neste tipo de demanda, estão envolvidos interesses de segurados não alfabetizados ou semialfabetizados, o que impelia esta Corte, mitigando o rigorismo da Súmula n.º 149 do STJ, manifestar posicionamento mais flexível no sentido da dispensa de prova material (AC n.º 0014149-76.2010.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle, DE em 10-03-2011, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, e AG n.º 1999.04.01.105217-6/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DJU, Seção II, de 24-05-2000, e EIAC n.º 98.04.02984-7/PR, 3ª Seção, Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJU, Seção I, de 18-11-1998.
Não raras foram as manifestações do STJ, não se podendo deixar de mencionar parte do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal, no REsp n.º 237.378, publicado no DJU, Seção I, de 08-03-2000, que com muita propriedade analisou tal circunstância:
"(...). A realidade no campo é bem diversa da que vivemos aqui na cidade. A imensidão de nosso país esconde por trás da civilização, pessoas alheias à realidade concreta, que sequer possuem meios suficientes à autosubsistência digna ou de seus familiares. Somos bombardeados todos os dias com notícias veiculadas na televisão ou em revistas da existência de "escravidão" nos campos, em pleno século XX, "boias-frias" que se desgastam dia e noite em troca de pão e água. E quando chega a ancianidade, ainda têm de lutar para conseguir um mínimo à sua sobrevivência. É nesse sentido que se deve buscar uma interpretação teleológica da regra contida na Lei n.º 8.213/91, Art. 55, § 3º. Ao contrário do que tenta fazer crer o INSS, quando o dispositivo se refere à expressão "início de prova material", essencial para a comprovação de tempo de serviço, busca se reportar a qualquer documento escrito que demonstre inequivocamente o exercício da atividade referida, ainda que não corresponda integralmente ao período exigido em lei, desde que complementado, é claro, por qualquer outro meio de prova idôneo, como os depoimentos testemunhais. Não fosse assim, seria praticamente inócua a disposição legal. (...)."
Diversas construções se fizeram ao longo destes anos sedimentando este entendimento.
Todavia, a recente decisão proferida pela Primeira Seção do egrégio STJ, na sessão de 10-10-2012, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, publicado no DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C do CPC, se direciona no sentido de consolidar entendimento pela insuficiência da prova exclusivamente testemunhal.
Não obstante, o referido julgado não impõe aos "boias-frias" o mesmo rigorismo que aos demais segurados, é o que se pode extrair de diversos trechos daquele julgado, considerando ainda que o caso em concreto tratou apenas de segurado especial e não de avulsos e boias-frias.
Partindo-se da construção que ali se fez, no sentido da validade de início de prova material consubstanciada por certidão atestando a condição de rurícola, e não a prova do trabalho em si, como válida a respaldar a prova testemunhal idônea e robusta, tampouco me parece que se deva impor rigor maior do que ali se defendeu.
A fim de demonstrar a condição de trabalhador rural/boia-fria, a parte autora trouxe aos autos: certidão de nascimento própria, na qual o pai consta qualificado como agricultor (fl. 09); certidão de casamento de 25/10/69, na qual o autor consta qualificado como agricultor (fl. 08); declaração do Sr. Brasil Prestes com reconhecimento da firma em 11/01/10, referindo o trabalho rural do autor na condição de boia-fria há longa data (fl. 11).
Em audiência realizada em 15/03/12 foram inquiridas três testemunhas, cujos depoimentos foram harmônicos e confirmaram que a parte autora sempre trabalhou como rurícola até quando não conseguiu mais em razão de sua doença incapacitante. Vejamos os depoimentos (fls. 80/85):
Depoimento de Brasil Prestes:
Juíza: Pela parte demandante.
Pela parte demandante: Se o depoente conhece há muito tempo, o que ele sabe sobre a pessoa do seu João Wink?
Testemunha: Eu sei que ele é trabalhador, ele é (...) aqui e ali, mais de quinze anos que eu conheço o Wink trabalhando por lá.
Pela parte demandante: Mas desde quanto tempo o senhor conhece ele?
Testemunha: Quinze anos por ali.
Pela parte demandante: E antes dele vir pro Xingu onde que ele morava, o senhor sabe?
Testemunha: Que eu sei ele morava ali perto de São José ali na...
Pela parte demandante: E no Xingu o que ele fazia, ele tinha terra ou ele trabalhava de peão, como é que o senhor conheceu o trabalho dele no Xingu?
Testemunha: Ele gostava de trabalhar, carpia, roçava, quebrar milho.
Pela parte demandante: Mas pra diversos ou só parava só numa casa, ou trabalhava pra diversos colonos lá?
Testemunha: É, quando ele trabalhava dava um apoio pra ele, almoço, janta, poso.
Pela parte demandante: Pra muitos ou pra poucos, o senhor sabe mais ou menos, ele trabalhava por dia?
Testemunha: Por dia, por empreitada.
Pela parte demandante: Não dá para o senhor contar bem ao seu modo como é que era o trabalho dele?
Juíza: Por uma questão de ordem, o senhor disse que ele trabalhava pra várias pessoas, ele era empregado dessas pessoas ou ele tinha uma parceria com essas pessoas, como é que era isso?
Testemunha: Ele trabalhava, por exemplo, um dia para um, um dia pra outro, né, ele vivia enrolando assim, ele tinha serviço de trabalhar.
Juíza: Ele era diarista na agricultura?
Testemunha: Diarista.
Pela parte demandante: Então ele era considerado um bóia fria?
Testemunha: Isso.
Pela parte demandante: E nos últimos tempos até ele ficar doente o senhor tem conhecimento que ele foi baixado no hospital em algum lugar?
Testemunha: Ele foi internado lá em Palmeira, mas naquele tempo ele parava lá em casa, ele parou cinco meses lá em casa, eu dava almoço pra ele e janta e poso. Então naquele intermédio daí que ele foi internado lá em Palmeira.
Pela parte demandante: E depois de Palmeira ele continua lá ou ele saiu da Palmeira e tá em outro lugar internado?
Testemunha: Mas isso eu não sei, ele saiu de lá, daí passou lá em casa e eu: "Wink eu quero acertar esse negócio que você ficou tantos dias aqui", "Mas eu vou te pagar", mas depois sumiu, não sei pra onde que foi.
Pela parte demandante: Nada mais.
Juíza: Pelo INSS.
Pelo INSS: Nada mais.
Juíza: Nada mais.
Depoimento de Valdemar Grans:
Juíza: O senhor é parente ou então amigo íntimo do seu José?
Testemunha: É, ele trabalhou tempo com nós lá.
Juíza: E o que ele trabalhava com o senhor?
Testemunha: Na roça, ajuntava toco, lavrava, quebrava milho, puxava pasto.
Juíza: E ele trabalhava todo dia, como é que era?
Testemunha: Todo dia, muito trabalhador.
Juíza: E o senhor pagava ele por mês ou como?
Testemunha: Por dia.
Juíza: E ele trabalhou muito tempo com o senhor?
Testemunha: Mais de vinte anos que ele tava em rodízio em todo Xingu, né.
Juíza: Ele sempre trabalhou com a terra?
Testemunha: Sempre, sempre.
Juíza: Atualmente ele está com problema de saúde?
Testemunha: É, ele começou tomar né, e daí sabe como é que é a bebedeira, né, daí se termina a pessoa.
Juíza: E quando ele ficou doente ele trabalhava no interior ou não?
Testemunha: Sim, sim.
Juíza: Pela parte demandante.
Pela parte demandante: O senhor falou que "ele praticamente trabalhava pra todos os agricultores ali na região"?
Testemunha: Do Xingu sim, eu acho que noventa por cento que conta que trabalhou aqui ao redor do Xingu, né, ele era muito trabalhador.
Pela parte demandante: Quando se precisava de um peão se lembrava do José pra ir buscar?
Testemunha: Um dos melhor que pintou no Xingu, um dos melhor.
Pela parte demandante: Nada mais.
Juíza: Pelo INSS.
Pelo INSS: Nada mais.
Juíza: Nada mais.
Depoimento de Romildo Knaak:
Juíza: O senhor disse que o seu Wink trabalhou para o senhor, em que setor, o que ele fazia?
Testemunha: Quebra de milho, roçava, tudo o que era serviço ele fazia.
Juíza: Isso onde?
Testemunha: No Xingu Baixo onde eu moro.
Juíza: O senhor mora no interior?
Testemunha: No interior, sim.
Juíza: E isso aconteceu assim, há muito tempo, pouco tempo?
Testemunha: Não, quatro, cinco, seis, sete, oito, dez anos atrás, ele trabalhava sempre pra mim, todos anos.
Juíza: E o senhor pagava ele de que forma?
Testemunha: Por dia.
Juíza: E além de trabalhar pro senhor, ele trabalhou pra mais pessoas?
Testemunha: Mais pessoas, ele não parava de trabalhar, se não era lá em casa era em outros lugares.
Juíza: Atualmente ele está com problema de saúde.
Testemunha: Deve tá.
Juíza: E o senhor diz "deve tá", ele tá trabalhando ainda ou ele tá fora?
Testemunha: Não, não, ele tá fora.
Juíza: E até ficar doente ele tava trabalhando na agricultura?
Testemunha: Sim.
Juíza: Pela parte demandante.
Pela parte demandante: Há quantos anos o senhor conhece o seu Pedro?
Testemunha: Faz uns vinte e cinco a trinta anos.
Pela parte demandante: E antes dele vir pro Xingu sabe onde ele morava, o que ele fazia?
Testemunha: O que ele contou é que morava na Santa Terezinha.
Pela parte demandante: Santa Terezinha é Palmeira?
Testemunha: É.
Pela parte demandante: Trabalhava na agricultura?
Testemunha: Trabalhava na agricultura.
Pela parte demandante: E no Xingu quantos anos faz que ele trabalha lá de bóia fria?
Testemunha: Uns vinte e cinco anos.
Pela parte demandante: E trabalha pra todo mundo?
Testemunha: Trabalhava pra todo mundo.
Pela parte demandante: Nada mais.
Juíza: Pelo INSS.
Pelo INSS: Nada mais.
Juíza: Nada mais.
É preciso considerar que, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria/diarista, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado "diarista", "boia-fria" ou "safrista", trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.
No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola, na condição de boia-fria/diarista em período superior ao da carência.
Dessa forma, dou provimento ao recurso para condenar o INSS a conceder ao autor o benefício de aposentadoria por invalidez desde a DER (12/01/10), com o pagamento dos valores atrasados.
Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Da Verba Honorária
Os honorários advocatícios, ônus exclusivos do INSS no caso, devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, de acordo com disposto no art. 5°, I, da Lei Estadual nº 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não o exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (§ único do art. 5º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no § único do art. 2° da referida Lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Tal isenção não se aplica quando o INSS é demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser salientado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, § único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Por fim, ressalto que a parte autora está em gozo de amparo social ao idoso desde 24/09/13, devendo ser descontados dos valores devidos pelo INSS na presente demanda, os valores por ele pagos a esse título.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício de aposentadoria por invalidez, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso, determinando a implantação do benefício de aposentadoria por invalidez e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003444-72.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00040317320108210092
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | JOSE PEDRO WINK |
ADVOGADO | : | Hermeto Antonio Araujo e Silva e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/10/2017, na seqüência 92, disponibilizada no DE de 19/09/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO RECURSO, DETERMINANDO A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DIFERIR, DE OFÍCIO, PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, ADOTANDO-SE INICIALMENTE O ÍNDICE DA LEI 11.960/2009.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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