| D.E. Publicado em 08/05/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003047-47.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | PEDRO AMARAL |
ADVOGADO | : | Jeronimo Thorstenberg dos Santos |
: | Felipe Jose dos Santos | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. QUALIDADE DE SEGURADO. BOIA-FRIA/DIARISTA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Comprovada a qualidade de segurada da parte autora e sua incapacidade total e definitiva para o trabalho, considerados o quadro clínico e as condições pessoais, é de ser concedido o auxílio-doença desde a DER e convertido em aposentadoria por invalidez desde a data do laudo judicial. 2. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício em favor da parte autora, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de maio de 2018.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8894377v5 e, se solicitado, do código CRC 2AA7D38D. | |
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| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 03/05/2018 12:42 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003047-47.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | PEDRO AMARAL |
ADVOGADO | : | Jeronimo Thorstenberg dos Santos |
: | Felipe Jose dos Santos | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, por não ter sido comprovada a qualidade de segurado, condenando a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios de R$ 1.000,00, suspendendo a exigibilidade em razão da AJG.
Requer o apelante a reforma da sentença para conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, ou alternativamente o benefício de auxílio-doença, alegando, em suma, que restou comprovado que era diarista rural. Subsidiariamente, requer seja reaberta a instrução para a produção de provas.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
A parte autora juntou documentos (fls. 112/120) e o INSS foi intimado, tendo transcorrido in albis o prazo.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se acerca da sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, por não ter sido comprovada a qualidade de segurado.
A Lei n. 8213/91 estabelece os requisitos para a concessão dos benefícios:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Há controvérsia acerca da qualidade de segurada da parte autora que alega ser diarista rural.
Nos casos dos trabalhadores avulsos, os assim denominados "boias-frias/diarista/volante", destaco que a orientação que desde algum tempo vinha sendo adotada de forma unânime pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça era no sentido de abrandamento da exigência de início de prova material, até dispensando-o em casos extremos, haja vista a informalidade com que exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Por ocasião do julgamento do REsp n.º 72.216-SP já manifestava o Relator, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em 19-11-1995 (DJU, Seção I, de 27-11-1995).
Esta era também a linha de orientação desta Corte para o exame das demandas que visam à concessão de aposentadoria para os trabalhadores avulsos, diaristas, safristas, etc., tendo em vista a dificuldade de apresentar um início razoável de prova material. Inúmeras vezes, neste tipo de demanda, estão envolvidos interesses de segurados não alfabetizados ou semialfabetizados, o que impelia esta Corte, mitigando o rigorismo da Súmula n.º 149 do STJ, manifestar posicionamento mais flexível no sentido da dispensa de prova material (AC n.º 0014149-76.2010.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle, DE em 10-03-2011, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, e AG n.º 1999.04.01.105217-6/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DJU, Seção II, de 24-05-2000, e EIAC n.º 98.04.02984-7/PR, 3ª Seção, Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJU, Seção I, de 18-11-1998
Não raras foram as manifestações do STJ, não se podendo deixar de mencionar parte do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal, no REsp n.º 237.378, publicado no DJU, Seção I, de 08-03-2000, que com muita propriedade analisou tal circunstância:
"(...). A realidade no campo é bem diversa da que vivemos aqui na cidade. A imensidão de nosso país esconde por trás da civilização, pessoas alheias à realidade concreta, que sequer possuem meios suficientes à autosubsistência digna ou de seus familiares. Somos bombardeados todos os dias com notícias veiculadas na televisão ou em revistas da existência de "escravidão" nos campos, em pleno século XX, "boias-frias" que se desgastam dia e noite em troca de pão e água. E quando chega a ancianidade, ainda têm de lutar para conseguir um mínimo à sua sobrevivência. É nesse sentido que se deve buscar uma interpretação teleológica da regra contida na Lei n.º 8.213/91, Art. 55, § 3º. Ao contrário do que tenta fazer crer o INSS, quando o dispositivo se refere à expressão "início de prova material", essencial para a comprovação de tempo de serviço, busca se reportar a qualquer documento escrito que demonstre inequivocamente o exercício da atividade referida, ainda que não corresponda integralmente ao período exigido em lei, desde que complementado, é claro, por qualquer outro meio de prova idôneo, como os depoimentos testemunhais. Não fosse assim, seria praticamente inócua a disposição legal. (...)."
Diversas construções se fizeram ao longo destes anos sedimentando este entendimento.
Todavia, a recente decisão proferida pela Primeira Seção do egrégio STJ, na sessão de 10-10-2012, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, publicado no DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C do CPC, se direciona no sentido de consolidar entendimento pela insuficiência da prova exclusivamente testemunhal.
Não obstante, o referido julgado não impõe aos "boias-frias" o mesmo rigorismo que aos demais segurados é o que se pode extrair de diversos trechos daquele julgado, considerando ainda, que o caso em concreto tratou apenas de segurado especial e não de avulsos e boias-frias.
Partindo-se da construção que ali se fez, no sentido da validade de início de prova material consubstanciada por certidão atestando a condição de rurícola, e não a prova do trabalho em si, como válida a respaldar a prova testemunhal idônea e robusta, tampouco me parece que se deva impor rigor maior do que ali se defendeu.
A fim de demonstrar a condição de diarista/boia-fria, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos:
a) a sua CTPS em que constam vínculos como serviços gerais/servente/pintor/jardineiro entre 1981 e 04/05 em períodos intercalados (fls. 10/12);
b) certidão de nascimento de 29-06-61 em que os pais do autor foram qualificados como agricultores (fl. 14);
c) carteira dos trabalhadores rurais de Tenente Portela em nome da mãe do autor da década de 90 (fl. 114); carteira da FETAG (Federação dos trabalhadores rurais na agricultura do RGS) de 2002 em nome da mãe do autor (fl. 117);
d) imposto rural em nome do pai do autor de 1973 (fl. 115); contribuição sindical de 1968 em nome do pai do autor (fl. 118).
Em Justificação Administrativa determinada pelo juízo a quo (fls. 75/76) realizada em 26-12-14, foram ouvidas três testemunhas, cujos depoimentos foram os seguintes (fls. 82/83):
Artur Amaneio dos Santos, brasileiro, casado, trabalhador rural aposentado, com 79 anos de idade, natural de Redentora, RS, filho de Juvenal dos Santos e dona Severiana de Virissimo, portador da ci n°:1018131761-ssp/Rs e cie n°001.008.609-80, residente e domiciliado na localidade de Linha Remanso, interior do município de Barra do Guarita,, RS. Advertido das penalidades previstas para o falso testemunho, pela leitura do Art.299 do Código Penal, presta o compromisso de dizer a verdade sobre o que sabe e o que lhe for perguntado, nos fatos alegados no pedido de Justificação Administrativa. E sendo inquirido respondeu: Que a testemunha não é parente do JUSTIFICANTE,Que conheceu o JUSTIFICANTE há mais de vinte anos. Este conhecimento se deu porque a testemunha sempre residiu na localidade de Linha Remanso, interior do município de Barra do Guarita, Rs, sendo que o JUSTIFICANTE na época residia na localidade, e sempre trabalhou como DIARISTA RURAL, inclusive fazendo trabalhos para a testemunha. Que o mesmo recebia em média por dia atualmente em torno de R$35,00 a R$40,00, e que sempre viveu somente do trabalho como diarista rural. Que o mesmo trabalhou em terras da maioria dos agricultures ali da redondesa, como Artur do santos, João Damaceno e João Brescovit e outros. A testemunha informa também que o mesmo sempre foi solteiro, e sempre trabalhou em terras de terceiros, onde ajuda na limpa, preparo, plantio e principalmente da colheita de soja, milho e feijão, até porque segundo diz a testemunha no interior atualmente é dífícel somente o proprietário organizar todo o trabalho da agricultura, sempre necessitando da contratação de diaristas rurais. Como o JUSTIFICANTE é uma pessoa conhecida na região, a maioria contrata o mesmo por dia, para efetuai as tarefas da agricultura, como falou anteriormente quer seja na limpa, capina, como ajudar na planta e colheita. Que desde dois mil e dez o mesmo encontra-se enfermo não podendo trabalhar e que recebe ajuda e está morando em uma casa ao lado da irmã que cuida da Igreja. Recebe também assistência dos vizinhos. Afirma a testemunha que desde que conheceu o mesmo, este sempre trabalhou como DIARISTA RURAL, até o ano de dois mil e dez, como disse, o mesmo está enfermo e não podejasns^lrabalhar.
Geraldo Francisconi, brasileiro, casado, trabalhador urbano aposentado, com 63 anos de idade, natural de Tenente Portela, RS, filho de Azulin Francisconi e dona Jorgina Tavares Francisconi, portador da ci n°5624198-ssp/Sc e cie n°310.211.150/53, residente e domiciliado à rua Alberto Pasquelini, n°664, centro do município de Barra do Guarita, Rs. Advertido das penalidades previstas para o falso testemunho, pela leitura do Art.299 do Código Penal, presta o compromisso de dizer a verdade sobre o que sabe e o que lhe for perguntado. nos fatos alegados no pedido de Justificação Administrativa. E sendo inquirido respondeu: Que não é parente do JUSTIFICANTH. Que conhece o JUSTIFICANTE há uns vinte e cinco anos. Este conhecimento se deu porque a testemunha foi residir na cidade de Barra do Guarita, Rs, sendo que o mesmo era proprietários de terras na localidade do Remanso, interior do município de Barra do Guarita, assim como na localidade de São Pedro, itnerior do município de Tenente Portela, Rs, sendo que na época o JUSTUKICANTE já era trabalhador rural na forma de DIARISTA. Que a testemunha várias vezes o JUSTIFICANTE na condição de DIARISTA RURAL. Que recebia em média em torno de R%20,00, R$30,00 até R$40,00 por dia, dependo do trabalho, se fosse na colheita, era um valor maior. Que o JUSTIFICANTE, efetua capinas, colheita de grãos, plantação de mandioca, batata e outros. A testemunha diz também que desde que conheceu o mesmo, este sempre foi solteiro, nunca tendo companheira, esposa, sempre morou sozinho e trabalhou sozinho. Que o mesmo vivia exclusivamente do que ganhava por dia trabalhando para os agricultes tanto ali da Barra do Guarita, tanto quanto em Tenente Portela, pois a maioria o conhece como "Diarista rural". A testemunha atualmente mora na cidade, e é vizinho de TEREZA DO AMARAL CORREIA, que é irmã do JUSTIFICANTE, sendo que o mesmo mora em casa separada, mas recebe assistência da irmã, pois desde dois mil e dez o mesmo não consegue mais trabalhar em função de doença. Que o mesmo recebe ajuda dos vizinhos, e conhecidos até por questão de sobrevivência.
João Breskovit, brasileiro, casado, trabalhador urbano aposentado, com 56 anos de idade, natural de Miraguaí RS, filho de Balbino Breskovit e dona Autelina Figueira Breskovit, portador da ci n°6020893209-ssp/Rs e cie n°358.902.230/20, residente e domiciliado à rua Remanso, n°200, bairro Progresso, município de Barra do Guarita, Rs. Advertido das penalidades previstas para o falso testemunho, peia_leitura_do Art.299 do Código Penal, presta o compromisso de dizer a verdade sobre o que sabe e o que lhe for perguntado, nos fatos alegados no pedido de Justificação Administrativa. E sendo inquirido respondeu: Que não é parente do JUSTIFICANTE. Que conhece o JUSTIFICANTE desde o ano de mil novecentos e oitenta. Este conhecimento se deu porque a testemunha nesse mesmo ano foi residir no interior do município de Barra do Guarita, sendo que o mesmo possuí uma chácara nas proximidades da rua Remanso. Que o JUSTIFICANTE já residia mais no interior da localidade de Remanso do Rio Uruguai. Que o mesmo desde que a testemunha o conhece sempre trabalhou como DIARISTA RURAL, onde exercia a atividade de modo habitual e permanente, pois sempre teve trabalho na condição de DIARISTA. Que não tinha outra fonte de renda, e vivia do que ganhava por dia trabalhando em terras de vários trabalhadores rurais tanto ali de Barra do Guarita, tanto quanto de Tenente Portela, pois quem o conhecia, sabia que o mesmo trabalhava na agricultura, e segundo diz a testemunha atualmente os interiores tem somente o casal já de idade, necessitando da ajuda do DIARISTA. Que o mesmo exerce exerce qualquer atividade na agricultura, quer seja na planta e colheita, na capina e limpa, até mesmo corta e empilhar lenha. Que desde o ano de dois mil e dez mais ou menos o mesmo está acometido de doença, e mora na cidade de Barra do Guarita, em uma casa separada ao lado da casa da irmã de nome Teresa. Que recebe também assistência dos vizinhos, pois segundo diz a testemunha como o mesmo não pode trabalhar, não tem o seu sustento.
Verifica-se, pois, que os depoimentos foram harmônicos no sentido de que o autor trabalhava como diarista rural até 2010 quando não conseguiu mais em razão de sua doença.
É preciso considerar que, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria/diarista, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado "diarista", "boia-fria" ou "safrista", trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.
Observe-se que o autor trabalhou por poucos meses como empregado urbano, nos anos de 81 a 83, 86 a 88, 95/96 e 2005 (fl. 15), o que não descaracterizada a sua condição de rurícola.
No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola, na condição de boia-fria/diarista em período superior ao da carência.
Passo, então à análise da incapacidade laborativa.
Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova, sendo certo que embora possível, teoricamente, o exercício de outra atividade pelo segurado, ainda assim a inativação por invalidez deve ser outorgada se, na prática, for difícil a respectiva reabilitação, seja pela natureza da doença ou das atividades normalmente desenvolvidas, seja pela idade avançada.
Durante a instrução processual foi realizada perícia judicial em 27-02-14 (fl. 45), da qual se extraem as seguintes informações (fl. 58):
a) enfermidade: diz o perito que Periciado apresenta doença degenerativa de quadril (coxartrose) secundária a esquerda severa, com encurtamento de membro inferior esquerdo, neurite periférica e síndrome de dependência alcoólica, CID M16.0 e F10.2. Tratam-se das doenças alegadas... Tratam-se de doenças desenvolvidas ao longo do tempo por uso abusivo de álcool e alteração da articulação pélvica sem tratamento adequado;
b) incapacidade: responde o perito que A condição clínica atual determina a limitação de atividade laborativa... Sem condições de precisar a data do início da limitação... A patologia limita a atividade laboral... Parcial e temporariamente incapaz;
c) tratamento/recuperação: refere o perito que Periciado faz uso de medicação anti-inflamatória e anlgésica. Refere não beber há 5 anos (sic). Encaminhado a artroplastia de quadril em 25.05.10 refere não ter sido avaliado no serviço de alta complexidade a que foi enviado. Eventualmente refere dor importante a deambulação. Com indicação cirúrgica a ser deferido em serviço especializado de quadril.
Do exame dos autos, constatam-se as seguintes informações sobre a parte autora. Vejamos:
a) idade: 57 anos (nascimento em 29-06-61 - fl. 09);
b) histórico de benefícios: o autor requereu auxílio-doença em 20-10-08, indeferido em razão de não comparecimento à perícia, em 11-02-09, indeferido em razão de perícia médica contrária e, em 25-06-10, indeferido em razão de perda da qualidade de segurado (fls. 08/18 e 55/67); ajuizou a ação em 17-07-13;
c) atestado de ortopedista de 25-05-10 (fl. 19), referindo, em suma, CID M16.0 e M19.9 e que não apresenta condições de trabalho em caráter definitivo; atestado de ortopedista de 13-02-09, onde consta CID M19.2, com dor severa e incapacidade funcional; encaminhamento à perícia de 03-04-12, referindo dor articular coxo-femural D e dificuldade de deambular, necessitando afastar-se do trabalho por 90 dias; encaminhamento à perícia de 11-01-10, onde consta CID F10.2;
d) raio-x da bacia; receitas de 2008/10 (fls. 23/25, 28/32); solicitação médica de fisioterapia de 25-05-10 (fl. 27);
e) laudo do INSS de 05-10-10 (fl. 69v), cujo diagnóstico foi de CID M19.9 (artrose não especificada) e cujo resultado foi de que Existe incapacidade laborativa.
Diante do conjunto probatório, entendo que a incapacidade da parte autora é total e permanente, pois deve ser considerado além do estado de saúde, as condições pessoais do segurado, como a sua idade, a presumível pouca instrução, a limitada experiência laborativa e, por fim, a realidade do mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas jovens e que estão em perfeitas condições de saúde. Nesse compasso, ordenar que o postulante, com tais limitações, recomponha sua vida profissional, negando-lhe o benefício no momento em que dele necessita, é contrariar o basilar princípio da dignidade da pessoa.
Além disso, o perito oficial refere que a parte autora necessita de cirurgia. Ocorre que, conforme dispõe o art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e o art. 15 do CCB, o tratamento cirúrgico é facultativo, e não obrigatório.
Neste sentido, cito os seguintes precedentes deste TRF:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. CURA POR CIRURGIA. INEXIGÊNCIA DE SUA REALIZAÇÃO. 1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. 2. Considerando as conclusões periciais, percebe-se que o autor está incapacitado para o trabalho até que realize o tratamento cirúrgico indicado. Contudo, embora tenha o laudo destacado a possibilidade de cura do requerente mediante intervenção cirúrgica, não está a parte autora obrigada a sua realização, conforme consta no art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e no art. 15 do Código Civil Brasileiro. 3. O fato de o autor, porventura, vir a realizar cirurgia e, em conseqüência desta, recuperar-se, não constitui óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, já que tal benefício pode ser cancelado, conforme o disposto no artigo 47 da LBPS. 4. Assim, é devida ao autor a aposentadoria por invalidez desde a data do cancelamento do auxílio-doença, com o pagamento das parcelas vencidas, ressalvados os valores pagos por força de tutela antecipada a título de auxílio-doença. (TRF4, APELREEX 0029565-11.2010.404.0000, Sexta Turma, rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 05/05/2011)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO LABORAL ATRAVÉS DE CIRURGIA. TERMO INICIAL.
(...)
2. Não constitui óbice à concessão da aposentadoria por invalidez o fato de haver possibilidade de recuperação laboral desde que realizada intervenção cirúrgica, porquanto o segurado não está obrigado, no âmbito do processo de reabilitação profissional, à sua realização, dados os riscos inerentes àquela espécie de procedimento e a prerrogativa pessoal de deliberação sobre a exposição da própria integridade física. (AC n° 2000.70.01.005657-0/PR, 2ª Turma Suplementar do TRF da 4ª Região, rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, julgado em 22/06/2005)
Assim, é de ser concedido o auxílio-doença desde a DER (25-06-10) e convertido em aposentadoria por invalidez a partir do laudo judicial (27-02-14), pois demonstrado nos autos, em cotejo com o conjunto probatório, que o segurado é portador de moléstias que o incapacitam para o exercício de suas atividades laborativas, sem recursos pessoais capazes de garantir-lhe êxito em reabilitar-se e reinserir-se adequadamente no mercado de trabalho.
Dessa forma, dou provimento ao recurso para condenar o INSS a conceder o benefício, nos termos da fundamentação, com o pagamento dos valores atrasados.
Dos consectários
A correção monetária e os juros de mora devem ser adequados aos parâmetros a seguir fixados:
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91.
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Da Verba Honorária
Os honorários advocatícios, ônus exclusivos do INSS no caso, devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, de acordo com disposto no art. 5°, I, da Lei Estadual nº 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não o exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (§ único do art. 5º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no § único do art. 2° da referida Lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Tal isenção não se aplica quando o INSS é demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula n.º 20 deste regional), devendo ser salientado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, § único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Da tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09.08.2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício de aposentadoria por invalidez, ora reconhecido, em favor da parte autora, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso e determinar a implantação do benefício.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/05/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003047-47.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00029677920138210138
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | PEDRO AMARAL |
ADVOGADO | : | Jeronimo Thorstenberg dos Santos |
: | Felipe Jose dos Santos | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/05/2018, na seqüência 1, disponibilizada no DE de 17/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO RECURSO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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