Apelação Cível Nº 5024998-41.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: MARIA INES MULLER
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O relatório da sentença proferida pelo Juiz de Direito CLOVIS FRANK KELLERMANN JUNIOR confere a exata noção da controvérsia:
MARIA INÊS MULLER propôs ação de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. Narrou que foi administrativamente aposentado por tempo de serviço. Alegou que, contudo, a autarquia previdenciária deixou de considerar a especialidade do labor exercido sob a exposição a agentes nocivos à saúde, nos períodos de 01/12/1976 a 31/08/1981, 14/11/1983 a 12/04/1984 e 14/10/1999 a 04/04/2008. Nestes termos, requereu fosse reconhecido o tempo de serviço especial e a conversão do tempo especial para comum, com a condenação do INSS a revisar a aposentadoria por tempo de contribuição, a contar do requerimento administrativo. Pediu o benefício da AJG. Juntou documentos.
Foi deferido o pedido de concessão de AJG.
Citado, o INSS apresentou contestação, alegando preliminarmente a carência da ação. Prequestionou a matéria e requereu a improcedência da demanda.
Houve réplica.
Em despacho saneador, a preliminar aventada foi rejeitada, sendo determinada a realização de perícia técnica, cujo laudo aportou aos autos.
As partes se manifestaram acerca do laudo.
Vieram os autos conclusos para sentença.
Entendendo que a ausência de requerimento administrativo quanto à especialidade dos períodos configuraria falta de interesse de agir, a sentença foi pela extinção do pleito sem julgamento de mérito. Condenou a segurada ao pagamento de custas e honorários advocatícios no montante de R$ 500,00, suspendendo a exigibilidade em face de AJG.
A autora recorreu, requerendo [a] o afastamento da preliminar de falta de interesse de agir; [b] o reconhecimento da especialidade dos períodos de 1-12-1976 a 31-8-1981, 14-11-1983 a 12-4-1984 e 14-10-1999 a 4-4-2008; [c] a revisão de seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Houve apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
I
No campo previdenciário, a questão do interesse de agir em casos de ausência de prévio requerimento administrativo já foi solvida pelo STF (RE 631.240/MG - ROBERTO BARROSO). A regra geral foi estabelecida no sentido da necessidade do requerimento administrativo, mas, dentre as exceções, constam as seguintes possibilidades: [a] nas ações em que o INSS tiver apresentado contestação de mérito, estará caracterizado o interesse de agir pela resistência à pretensão, implicando a possibilidade de julgamento do mérito, independentemente do prévio requerimento administrativo; [b] para os pedidos de concessão de benefício, não se exige o prévio requerimento quando a postura do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação do segurado.
A segunda hipótese é aplicável ao presente caso. Nos períodos em análise, a autora alega a exposição a agentes biológicos nos períodos em que trabalhou como atendente de farmácia e auxiliar de enfermagem, bem como a agentes químicos (cromo) e umidade no período em que trabalhou como operária em curtume. Considerando a sistemática recusa da autarquia em reconhecer a especialidade do labor de profissionais dessas áreas - o que se verifica pela abundância de casos ora em trâmite nesta Corte -, tenho como presente, no caso, o interesse de agir.
II
Eventual neutralização por Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente pode ser considerada para o trabalho desempenhado a partir de 3-12-1998, data da publicação da MP n. 1.729/1998 convertida na Lei n. 9.732/1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991. O próprio INSS, na Resolução INSS/PRES n.º 600 de 2017 ("Manual de Aposentadoria Especial"), item 3.1.5 do "Capítulo II - Agentes Nocivos", expressamente reconhece a ineficácia de EPIs em relação a agentes biológicos.
É caso de incidência direta, ainda, dos seguintes precedentes desta Corte: [a] são admissíveis como prova a perícia indireta, o laudo similar e a prova emprestada (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR); [b] a exposição a agentes biológicos não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho, uma vez que basta a existência de algum contato para que haja risco de contração de doenças (EIAC nº 1999.04.01.021460-0 - CELSO KIPPER).
Período de 1-12-1976 a 31-8-1981. Confirmada pela prova dos autos (CTPS do EVENTO1 - INIC1 e laudo pericial judicial do EVENTO 1 - OUT4) a exposição da segurada, que atuou como atendente na Farmácia Cristo Redentor LTDA, fazendo curativos, aplicando injeções, limpando e fazendo desinfecção de abcessos, entre outras tarefas, a agentes biológicos patogênicos. Provida a apelação quanto ao ponto.
Período de 14-11-1983 a 12-4-1984. Confirmada pela prova dos autos (CTPS do EVENTO1 - INIC1 e laudo pericial judicial do EVENTO 1 - OUT4) a exposição da segurada, que atuou como auxiliar de enfermagem junto ao Hospital Beneficiente São José, a agentes biológicos patogênicos. Provida a apelação quanto ao ponto.
Período 14-10-1999 a 4-4-2008. Neste período a segurada atuou como serviços gerais no setor de secagem/acabamento da empresa Couros Bom Retiro Ltda. Conforme a perícia (EVENTO 1 - OUT4), o ruído do setor era inferior a 85 dB(A), não havendo exposição a outros agentes nocivos. No laudo complementar do EVENTO 13, o perito declara que não havia umidade excessiva no setor, bem como que o contato da segurada era com "peles de couro já curtidas e sem a presença de cromo hexavalente ativo, sendo que estas se encontram passivadas (neutralizadas)". Também afirma que os laudos que a autora junta no EVENTO 9 não podem ser utilizados por similaridade, uma vez que relativos a funções e setores distintos. Sem razão o apelo, portanto.
II
A partir destas premissas, os períodos de labor especial de 1-12-1976 a 31-8-1981 e 14-11-1983 a 12-4-1984, devidamente convertidos em tempo comum, devem ser empregados para efeito da revisão da RMI do benefício de aposentadoria em manutenção, com efeitos financeiros desde a DER (3-11-2014).
III
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
IV
O INSS deve revisar o benefício do segurado, nos termos da fundamentação (item II). Às parcelas vencidas serão acrescidos juros e correção monetária (nos termos do item III), além de honorários advocatícios nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. O INSS deve restituir os honorários periciais.
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
V
O inciso I do artigo 496 do CPC expressamente prevê que “[está] sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público”. Em sentido contrário, isso significa que após a confirmação os seus efeitos são plenos e nada impede que ela seja executada imediatamente, pois “[a determinação] da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária), e decorre do pedido da tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação” (2002.71.00.050349-7 – CELSO KIPPER). A Turma tem determinando, no que diz respeito à obrigação de fazer, o cumprimento do acórdão no prazo de 45 dias.
VI
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002188648v16 e do código CRC 444f59f5.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5024998-41.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: MARIA INES MULLER
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
1. questão de fato. exposição da segurada a agentes biológicos confirmada pela a prova dos autos.
2. direito à revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição a contar do requerimento administrativo. Cumprimento imediato do acórdão.
3. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
6. afastada a preliminar de ausência de interesse de agir, uma vez que não se exige o prévio requerimento quando a postura do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação do segurado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002188649v4 e do código CRC 5be715c1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 18/11/2020
Apelação Cível Nº 5024998-41.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: MARIA INES MULLER
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 18/11/2020, na sequência 713, disponibilizada no DE de 09/11/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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