Apelação Cível Nº 5024684-95.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: LUCELENA DA SILVA CAMILO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença (proferida na vigência do novo CPC) cujo dispositivo tem o seguinte teor (Evento 41, SENT1):
Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso "I", do CPC, JULGAM-SE PROCEDENTES os pedidos formulados por Lucelena da Silva Camilo em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para:
a) CONDENAR o réu a reconhecer a especialidade da atividade laboral da parte autora nos períodos de 17/05/1984 a 01/06/89, 02/06/1989 a 03/04/1995 e 04/04/1995 a 03/08/2010 (data da DER) na empresa "Calçados Azaleia S/A".
b) CONDENAR o réu a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (03/08/2010, conforme documento anexado no evento "2" - "cont4", fl. 09);
c) CONDENAR o réu ao pagamento das prestações vencidas desde a data de entrada do requerimento administrativo. Em relação a tais prestações, deverá incidir correção monetária pelo INPC (Tema 905 do STJ), desde a data em que os pagamentos deveriam ter sido realizados, bem como juros de mora calculados nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, ou seja, no percentual aplicado à caderneta de poupança, a contar da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil e artigo 240 do CPC.
Diante da sucumbência, condena-se o requerido ao pagamento da taxa única judiciária, por metade, nos termos do art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/85 e da Resolução 04/2020-CGJ.
Ainda, condena-se a autarquia demandada ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores da parte requerente, os quais deverão ser fixados na fase de liquidação, na forma do art. 85, §§3º e 4º, inciso II, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Em suas razões de apelação (Evento 48, APELAÇÃO1), a Autarquia Previdenciária alega ser indevido o reconhecimento do tempo especial nos períodos de 17-5-1984 a 1-6-1989, 2-6-1989 a 3-4-1995 e 4-4-1995 a 3-8-2010, apresentando os seguintes argumentos: [a] inadmissibilidade de laudo similar; [b] no exercício da função "serviços gerais" a exposição aos agentes nocivos não ocorreu de forma habitual e permanente; [c] necessidade de análise quantitativa dos agentes químicos para demonstrar a exposição acima dos limites de tolerância; [d] utilização de EPIs eficazes. Subsidiariamente, requer: [a] necessidade de afastamento do exercício de atividade nociva à saúde; [b] fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na data da sentença ou da citação.
Houve a apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
I
Tempo Especial
No que concerne ao reconhecimento da atividade especial, adoto os fundamentos da sentença, a seguir expostos:
Dito isso, passa-se à análise do caderno probatório para fins de verificar se restou comprovada a alegada especialidade do labor no período descrito na inicial (Calçados Azaleia S/A - 17/05/1984 a 29/07/2010).
Inicialmente, da análise da cópia da CTPS da requerente (evento "2" - "cont4", fl. 25), verificou-se que esta, efetivamente, laborou na empresa "Calçados Azaleia S/A", nos períodos de 17/05/1984 a 01/06/89 (função de serviços gerais), 02/06/1989 a 03/04/1995 (função de serviços gerais) e 04/04/1995 a 04/09/2010 (função de costureira).
Outrossim, foi realizada perícia por similaridade na empresa "Calçados Azaleia S/A", haja vista estar desativada.
Nesse passo, compulsando-se o laudo pericial acostado no evento "2" ("laudo 15"- fls. 25/48), percebe-se que restou comprovada a especialidade das atividades exercidas pela parte autora na empresa "Calçados Azaleia S/A", nos períodos laborados na empresa nos períodos de 17/05/1984 a 01/06/89, 02/06/1989 a 03/04/1995 e 04/04/1995 a 03/08/2010 (data da DER, conforme documento anexado no evento "2" - "cont4", fl. 09), notadamente em razão da exposição a agentes químicos, de forma habitual e permanente. Ressalta-se que o agente nocivo físico ruído consta em valor acima do permitido pela legislação apenas no período laborado até a entrada em vigor do Decreto n° 2.172/97, ou seja, de 17/05/1984 a 06/03/97, tendo em vista que o laudo demonstrou ruído de 82,3 dBA ao passo que o máximo permitido até então era de 80 dBA, nos termos do Decreto n° 53.831/64. Senão, vejamos:
"(...)
2) No desempenho de suas atividades a parte autora trabalhou exposta a agentes agressivos? Quais? A exposição ocorrera habitual ou permanentemente?
Sim, agentes químicos e agentes físicos (ruído) de forma habitual e permanente.
(...)
5) Sr. perito responda objetivamente, o requerente durante todos os contratos firmados com as empresas citadas no item 01, laborou exposto a insalubridade?
(...) Com relação à inspeção e à entrevista com a autora e o técnico de segurança do trabalho da empresa Bibi sou do parecer de que as atividades foram insalubres em grau médio, não perigosas, não penosas, manuseio/contato com produtos químicos que contém como solventes hidrocarbonetos e outros compostos de carbono, exposto de forma habitual e permanente na sua jornada diária de trabalho, sem proteção adequada ao risco, na atividade de costureira no setor de calçados.
(...)
Quesitos do INSS
b.4 Qual o tempo de exposição permanente por dia para cada agente de insalubridade a que estava exposto?
Laborou de forma habitual e permanente durante toda a jornada de trabalho, no mínimo oito horas.
(...)
e) em caso de agente físico ruído, apresente o Sr. perito as medições realizadas e descreva a técnica e apresente memória de cálculo para a média de ruído encontrada.
Os níveis de pressão sonora foram quantificados utilizando-se medidor de nível de pressão sonora decibelímetro modelo Akrom A/C sound level meter KR833. As leituras fora efetuadas no circuito "a" e no circuito de resposta lenta, para ruído contínuo, na altura da zona auditiva dos trabalhadores, de acordo com as instruções da norma regulamentadora n° 15, anexo 01. (aparelho de minha propriedade).
Memorial de cálculo:
Costura: 78,3 + 77,8+87,8+89,5+81,5=82,3dBA".
Logo, reconhece-se a especialidade do labor da autora nos períodos de 17/05/1984 a 01/06/89, 02/06/1989 a 03/04/1995 e 04/04/1995 a 03/08/2010 (data da DER) na empresa "Calçados Azaleia S/A", notadamente em razão da exposição a agentes químicos, de forma habitual e permanente, conforme suprarreferido.
Restando impossível a realização da perícia no local onde o serviço foi prestado, porque não mais existente, admite-se a perícia indireta ou por similitude, realizada mediante o estudo técnico em outro estabelecimento, que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida. São pertinentes ao caso os seguintes precedentes da Turma: [a] são admissíveis como prova a perícia indireta, o laudo similar e a prova emprestada (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR); [b] o fato das provas não serem contemporâneas ao exercício das atividades não prejudica a validade dos documentos para fins de averiguação das reais condições de trabalho na empresa (0001893-57.2017.4.04.9999 - ARTUR CÉSAR DE SOUZA).
No caso de trabalhadores da indústria calçadista, as atividades desempenhadas pelos contratados como "serviços gerais" notoriamente envolvem o contato com agentes químicos nas etapas de produção dos calçados, admitindo-se como prova da especialidade o laudo pericial por similaridade produzido em juízo.
Sobre o trabalho prestado em indústria calçadista cito voto da Des. Salise Monteiro Sanchotene no julgamento do processo n. 0025291-38.2014.4.04.9999 (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0025291-38.2014.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, D.E. 03/08/2016, PUBLICAÇÃO EM 04/08/2016):
No que se refere a empresas calçadistas, é fato notório que neste tipo de local de trabalho os operários são contratados como serviços gerais, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador. Acrescente-se que este tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde.
Ora, a realidade e a singularidade das funções dos trabalhadores nas indústrias de calçados não podem ser ignoradas, razão por que a prova pericial pode ser produzida em empresa similar àquela falida ou desativada. Se a perícia assim realizada for compatível com as informações sobre as atividades exercidas em condições especiais, ainda que tais informações tenham sido preenchidas por síndico ou sindicato, isto não deixará dúvida acerca dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto, assegurando-lhe o direito à conversão para tempo comum daquele serviço exercido numa atividade que efetivamente era especial. (grifei)
Destaco também que muitas vezes a solução para a busca da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a constatação dessas condições em estabelecimento de atividade semelhante àquele onde laborou originariamente o segurado, no qual poderá estar presente os mesmos agentes nocivos, o que permitirá um juízo conclusivo a respeito.
Logo, não há óbice na utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa, para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante, sendo cabível, inclusive, a utilização de laudo pericial produzido no curso de outra demanda, tendo em conta que foi elaborado sob a presença do contraditório e do princípio da bilateralidade da audiência. Neste sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2/3/2007 e APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3/8/2009.
Em relação à exposição a agentes químicos, especialmente hidrocarbonetos, o entendimento já consolidado neste Tribunal é no sentido de que os riscos ocupacionais gerados por esses agentes não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa.
Ressalte-se que é perfeitamente possível o reconhecimento da especialidade da atividade, mesmo que não se saiba a quantidade exata de tempo de exposição ao agente insalubre. Necessária, apenas, a demonstração de que o segurado estava sujeito, diuturnamente, a condições prejudiciais à sua saúde. A propósito, a jurisprudência desta Corte, ipsis litteris:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. INTERMITÊNCIA. (...) 3. Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. 4. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente.(AC nº 2000.04.01.073799-6/PR,TRF-4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon , DJU 9-5-2001).
Além disso, a 3ª Seção desta Corte tem entendido que não só as atividades que realizam a fabricação desses agentes, mas também aquelas que envolvam o manuseio das substâncias compostas por hidrocarbonetos são abrangidas pela legislação previdenciária atinente à aposentadoria especial. O manuseio de hidrocarbonetos permite o reconhecimento da atividade como especial mesmo em período anterior ao Decreto 2172/97, de acordo com entendimento da 3ª Seção desta Corte, na medida que os decretos 53831/64 e 83080/79 vigoraram de forma concomitante até 1997. Ademais, o manuseio se insere, lato sensu, no conceito de fabricação.
No ponto, a fim de evitar tautologia, transcrevo excerto do voto do eminente Des. Celso Kipper (Apel/Reexame Necessário nº 0002033-15.2009.404.7108/RS, D.E. 11/04/2011):
[...] A Terceira Seção desta Corte de há muito já pacificou o entendimento de que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos de números 53.831/64, 72.771/73 e 83.080/79 até 05-03-1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto n. 2.172/97, consoante os EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19-02-2003, p. 485, de cujo voto condutor do acórdão extraio o seguinte trecho:
"Assim, tomando-se por base o raciocínio acima e a interpretação interna da Autarquia, tenho que se a atividade tiver sido prestada anteriormente à regulamentação da Lei nº 9.032/95 (pelo Decreto nº 2.172, em 05.03.97), e mesmo que o segurado não tenha implementado as condições suficientes ao benefício da aposentação até 28.04.95, deve-se seguir o enquadramento como especial com base em qualquer um dos Decretos (53.831/64 ou 83.080/79). Retifico, a esse respeito, o entendimento esposado em outros acórdãos de minha lavra."
Desde então os julgados desta Casa têm, invariavelmente, levado em consideração aqueles decretos, de forma concomitante, no que toca ao enquadramento das atividades como especiais, seja em razão da exposição a agentes insalubres ou do exercício de atividade profissional. Como exemplo significativo destaco a atividade de cobrador de ônibus, prevista como especial no Decreto 53.831/64 (código 2.4.4) e que não é mencionada no Decreto 83.080/79; independentemente disso, contudo, a atividade tem sido reconhecida como especial mesmo tendo sido exercida no período em que vigente este último dispositivo (veja-se, por exemplo, AC nº 2006.71.18.001668-0, Turma Suplementar, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 04-11-2008).
Dito isto observo que, apesar de o Decreto 83.080/79, sob o código 1.2.10, enquadrar como especial apenas a atividade de fabricação de hidrocarbonetos e outros compostos de carbono (com a exceção de inseticidas, em que é admitida também sua aplicação), o Decreto 53.831/64 é taxativo ao considerar como especial (código 1.2.11) as "operações executadas com derivados tóxicos do carbono" (sublinhei), tais como os hidrocarbonetos (inciso I) e vários outros compostos (ácidos carboxílicos, álcoois, amidas, éteres, etc), deixando claro também que tais operações significam "trabalhos permanentes expostos a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono constantes da Relação Internacional das Substâncias Nocivas publicada no Regulamento da OIT - tais como ..." e listando, exemplificativamente, várias dessas substâncias.
Concluo, assim, pela existência de previsão legal para o reconhecimento da especialidade de atividade que envolva o manuseio de hidrocarbonetos, e não apenas sua fabricação.
Ademais, quanto à exposição em si, o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc) é responsável por freqüentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais. Devido ao fato de sua ação ser cumulativa na maior parte dos casos, a exposição habitual, ainda que intermitente, pode ser suficiente para a caracterização da insalubridade da atividade, o que deverá, por óbvio, ser verificado caso a caso.
Por fim, cabe registrar que a 3ª Seção desta Corte também vem julgando a questão no mesmo sentido, de que as atividades profissionais que envolvam o manuseio de hidrocarbonetos são passíveis de serem reconhecidas como especiais (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2004.71.04.003543-6, 3ª Seção, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, D.E. 20/10/2008; EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2000.71.08.002850-4, 3ª Seção, Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR MAIORIA, D.E. 06/11/2008; EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2003.71.08.000621-2, 3ª Seção, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, D.E. 19/08/2008).
Quanto à habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, vem esta Corte entendendo que não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, vejam-se os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, de minha relatoria, D.E. 24/10/2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Sobre a eficácia dos EPIs para os agentes químicos, a Turma entende que "[N]ão havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida." (50387813720174049999 - TAÍS SCHILLING FERRAZ).
II
O início dos efeitos financeiros do benefício, consoante o art. 54 c/c o art. 49, II, da Lei 8.213/91, deve ser a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Registra-se o entendimento desta Corte no sentido de ser irrelevante o fato de, à época, ter sido juntada documentação comprobatória insuficiente ao reconhecimento da atividade especial ou de ter havido requerimento específico nesse sentido, uma vez que o direito não se confunde com a prova do direito. Se, ao requerer a aposentadoria, o segurado já havia cumprido seus requisitos, estava exercendo um direito de que já era titular. A comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido e não traz prejuízo algum à Previdência Social, pois não confere ao segurado nenhuma vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico.
A Turma tem decidido que "é irrelevante o fato de a parte autora apenas haver logrado comprovar o tempo de serviço no curso de ação judicial, porquanto o direito já se incorpora ao seu patrimônio jurídico na data do implemento das condições necessárias à inativação, tendo exercitado seu direito por ocasião do requerimento administrativo." (5023592-67.2014.4.04.7107 - TAÍS SCHILLING FERRAZ).
De acordo com o Tema 709 (STF), “[é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não”. Porém, “[nas] hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros”.
Quando da implantação do benefício ou após o início do recebimento, a própria Autarquia deverá averiguar se o segurado, a depender do caso, permanece exercendo ou retornou ao exercício da atividade. Em ambos os casos ela poderá proceder à cessação do pagamento.
III
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Por fim, a partir de 8-12-2021, incidirá o artigo 3º da Emenda n. 113:
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
IV
Quanto ao cabimento da majoração da verba honorária, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, não estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, não sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
V
Assim, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que pague ao segurado, a partir da competência atual, o benefício de aposentadoria especial. A ele é deferido o prazo máximo de 20 dias para cumprimento. Sobre as parcelas vencidas (obrigação de pagar quantia certa), desde a DER, serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. A Autarquia deve reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | |
Espécie | Aposentadoria Especial |
DIB | 03/08/2010 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | Não se aplica |
RMI | A apurar |
Observações |
Conclusão
Dar parcial provimento à apelação do INSS, no que concerne ao Tema 709 [STF].
Adequar os consectários.
Determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS, e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003182170v20 e do código CRC af434a5f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 20/5/2022, às 6:56:44
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Apelação Cível Nº 5024684-95.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: LUCELENA DA SILVA CAMILO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
1. QUESTÕES DE FATO. EXPOSIÇÃO Da SEGURADa A AGENTES QUÍMICOS CONFIRMADA SEGUNDO A PROVA DOS AUTOS.
2. EM SE TRATANDO DE INDÚSTRIA CALÇADISTA, É NOTÓRIO QUE OS OPERÁRIOS SÃO CONTRATADOS NA FUNÇÃO "SERVIÇOS GERAIS", MAS A ATIVIDADE EFETIVA CONSISTE NO TRABALHO MANUAL DO CALÇADO (0025291-38.2014.404.9999 - SALISE MONTEIRO SANCHOTENE).
3. OS RISCOS OCUPACIONAIS GERADOS PELOS AGENTES QUÍMICOS NÃO REQUEREM A ANÁLISE QUANTITATIVA DE SUA CONCENTRAÇÃO OU INTENSIDADE MÁXIMA E MÍNIMA NO AMBIENTE DE TRABALHO, DADO QUE SÃO CARACTERIZADOS PELA AVALIAÇÃO QUALITATIVA.
4. NÃO RESTANDO PROVADA A NEUTRALIZAÇÃO OS EFEITOS DOS AGENTES NOCIVOS A QUE FOI EXPOSTO O SEGURADO DURANTE O PERÍODO LABORAL PELO USO DE EPI, DEVE-SE ENQUADRAR A RESPECTIVA ATIVIDADE COMO ESPECIAL.
5. OS EFEITOS FINANCEIROS DO BENEFÍCIO SÃO DEVIDOS DESDE A DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, PORQUANTO O DIREITO AO BENEFÍCIO (OU A DETERMINADO VALOR DE RENDA MENSAL) É INDEPENDENTE DA PROVA DESSE DIREITO, CONSOANTE ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE.
6. O STF, AO JULGAR O TEMA 709, FIRMOU A SEGUINTE TESE JURÍDICA: “[É] CONSTITUCIONAL A VEDAÇÃO DE CONTINUIDADE DA PERCEPÇÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL SE O BENEFICIÁRIO PERMANECE LABORANDO EM ATIVIDADE ESPECIAL OU A ELA RETORNA, SEJA ESSA ATIVIDADE ESPECIAL AQUELA QUE ENSEJOU A APOSENTAÇÃO PRECOCE OU NÃO”. PORÉM, “NAS HIPÓTESES EM QUE O SEGURADO SOLICITAR A APOSENTADORIA E CONTINUAR A EXERCER O LABOR ESPECIAL, A DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO SERÁ A DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO, REMONTANDO A ESSE MARCO, INCLUSIVE, OS EFEITOS FINANCEIROS; EFETIVADA, CONTUDO, SEJA NA VIA ADMINISTRATIVA, SEJA NA JUDICIAL, A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, UMA VEZ VERIFICADA A CONTINUIDADE OU O RETORNO AO LABOR NOCIVO, CESSARÁ O PAGAMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO EM QUESTÃO”.
7. A UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA, PREVISTA NA LEI 11.960/2009, FOI AFASTADA PELO STF NO JULGAMENTO DO TEMA 810, ATRAVÉS DO RE 870947, COM REPERCUSSÃO GERAL, O QUE RESTOU CONFIRMADO, NO JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO POR AQUELA CORTE, SEM QUALQUER MODULAÇÃO DE EFEITOS.
8. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO RESP 1495146, EM PRECEDENTE TAMBÉM VINCULANTE, E TENDO PRESENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DA TR COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA, DISTINGUIU OS CRÉDITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA, EM RELAÇÃO AOS QUAIS, COM BASE NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR, DETERMINOU A APLICAÇÃO DO INPC, DAQUELES DE CARÁTER ADMINISTRATIVO, PARA OS QUAIS DEVERÁ SER UTILIZADO O IPCA-E.
9. OS JUROS DE MORA, A CONTAR DA CITAÇÃO, DEVEM INCIDIR À TAXA DE 1% AO MÊS, ATÉ 29-06-2009. A PARTIR DE ENTÃO, INCIDEM UMA ÚNICA VEZ, ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO DO DÉBITO, SEGUNDO O PERCENTUAL APLICADO À CADERNETA DE POUPANÇA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003182171v5 e do código CRC ffdec4c0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 20/5/2022, às 6:56:44
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:25.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5024684-95.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: LUCELENA DA SILVA CAMILO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 418, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:25.