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PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. TRF4. 500070...

Data da publicação: 11/12/2021, 11:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. Evidenciado prejuízo no indeferimento de produção de prova, que se faz imprescindível para o deslinde da controvérsia, acolhe-se alegação de cerceamento de defesa, determinando-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5000705-11.2013.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 03/12/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000705-11.2013.4.04.7112/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

APELANTE: GILMAR PEREIRA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)

ADVOGADO: ELISANGELA LEITE AGUIAR (OAB RS080438)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

GILMAR PEREIRA DOS SANTOS interpôs recurso de apelação (evento 148, APELAÇÃO1) contra sentença proferida em 31/08/2016 cujo dispositivo, após o acolhimento de embargos de declaração opostos pela parte autora, ficou com o seguinte teor (evento 131, SENT1 e evento 142, SENT1):

(...)

Ante o exposto, concluo a fase cognitiva da presente demanda, afastando a preliminar levantada e JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos vertidos na inicial, resolvendo o mérito da causa, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:

(a) Determinar que o INSS averbe para a primeira DER o tempo de contribuição urbano do período de 01/11/2009 a 17/11/2009, nos termos da fundamentação;

(b) Declarar o direito da parte autora ao reconhecimento do período especial de 05/10/1995 a 19/06/1996, 29/04/1995 a 04/07/1995 e de 01/07/1996 a 05/03/1997,os quais devem ser devidamente averbados pelo INSS, inclusive com a possibilidade de conversão em tempo comum pelo multiplicador 1,4;

(c) Declarar o direito da parte autora ao reconhecimento do período especial de 08.10.82 a 30.06.86, o qual deve ser devidamente averbado pelo INSS para a DER de 10/08/2011, inclusive com a possibilidade de conversão em tempo comum pelo multiplicador 1,4, nos termos da fundamentação.

Condeno a parte autora a pagar (ou reembolsar) as custas judiciais e os honorários periciais. Condeno-a ainda a pagar, em favor dos advogados públicos, honorários advocatícios, os quais restam fixados em 10%, considerando-se o valor da causa, bem como os critérios do art. 85, §2º, do CPC. A verba deverá ser atualizada pelo IPCA-E desde a data desta sentença até o efetivo pagamento.

Esclareço, no entanto, que o pagamento de tais valores resta sob condição suspensiva de exigibilidade, e somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.

Não é caso de remessa necessária, pois a causa não ostenta proveito econômico superior a R$ 880.000,00 (valor correspondente a 1.000 salários mínimos). Ademais, a sentença está fundada precedentes obrigatórios das Cortes Superiores (art. 485, §4º, I a IV).

(...)

Em suas razões recursais, a parte autora postulou, preliminarmente, o julgamento do recurso especial convertido em retido por este Tribunal, oposto contra a decisão que indeferiu o pedido de complementação da prova pericial judicial em prol dos períodos laborados nas empresas Construtora Sultepa S/A (09/02/1981 a 02/05/1982, 01/07/1986 a 30/08/1988, 02/05/1990 a 01/04/1991 e 01/06/1991 a 28/02/1994), Pedrasul Construtora Ltda. (01/09/1988 a 30/04/1990), Transportes Panazzolo Ltda. (06/03/1997 a 02/03/1998), Henrique Stefani & Cia. Ltda. (12/01/2000 a 12/08/2004), Transeich Assessoria e Transporte S/A (01/12/2004 a 02/05/2005), América Latina Logística Intermodal S/A (01/06/2005 a 17/10/2007), Expresso Nepomuceno S/A (08/11/2007 a 18/09/2009), Transtassi Ltda. (21/09/2009 a 17/11/2009) e Transportadora Hammes Ltda. (11/10/2010 a 26/07/2011), com a consequente anulação da sentença e retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual, sob pena de cerceamento de defesa. No mérito, postulou, em síntese, o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos em questão, a conversão do tempo de serviço comum em especial e a declaração do direito à concessão do benefício de aposentadoria especial e por tempo de serviço/contribuição, com a condenação exclusiva do INSS ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

Sem contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.

Em 26/07/2019, foi proferida a decisão vinculada ao evento 20, sobrestando o andamento do processo, em face do Incidente de Assunção de Competência - IAC suscitado na AC nº 5033888-90.2018.4.04.0000, pela Sexta Turma, em sessão de julgamento realizada em 18/4/2018, cuja controvérsia versava sobre a divergência havida quanto à possibilidade de reconhecimento do caráter especial em virtude da penosidade das atividades de motorista de ônibus ou de caminhão exercidas posteriormente à extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995.

Superada a questão, o feito encontra-se apto para apreciação.

VOTO

Sobrestamento pelo IAC suscitado no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000

Inicialmente, tendo em vista o julgamento do Incidente de Assunção de Competência no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional, em 27/11/2020, determino o levantamento do sobrestamento do feito.

Legislação aplicável

Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.

Recebimento do recurso

Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.

Cerceamento de defesa

No caso em exame, a parte autora, em seu recurso de apelação, solicitou, preliminarmente, o julgamento do recurso especial em agravo de instrumento, convertido em retido por este Tribunal (processo nº 5041525-97.2015.4.04.0000), oposto contra a decisão que indeferiu o pedido de complementação da prova pericial judicial em prol dos períodos laborados nas empresas Construtora Sultepa S/A (09/02/1981 a 02/05/1982, 01/07/1986 a 30/08/1988, 02/05/1990 a 01/04/1991 e 01/06/1991 a 28/02/1994), Pedrasul Construtora Ltda. (01/09/1988 a 30/04/1990), Transportes Panazzolo Ltda. (06/03/1997 a 02/03/1998), Henrique Stefani & Cia. Ltda. (12/01/2000 a 12/08/2004), Transeich Assessoria e Transporte S/A (01/12/2004 a 02/05/2005), América Latina Logística Intermodal S/A (01/06/2005 a 17/10/2007), Expresso Nepomuceno S/A (08/11/2007 a 18/09/2009), Transtassi Ltda. (21/09/2009 a 17/11/2009) e Transportadora Hammes Ltda. (11/10/2010 a 26/07/2011), com a consequente anulação da sentença e retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual, sob pena de cerceamento de defesa.

De fato, o pedido de produção de prova na forma requerida não foi infundado, uma vez que visava garantir a comprovação de seu direito. Tanto é assim que o julgamento, no primeiro grau, culminou com o indeferimento do pedido de reconhecimento da especialidade dos intervalos em questão, inviabilizando a concessão do benefício previdenciário pretendido.

Vale arguir que, nos casos onde não há reconhecimento da especialidade da atividade por falta ou incorreção de documentos juntados, há de se deferir o requerimento da prova pericial, pois o indeferimento caracteriza o cerceamento do direito de defesa.

Do contrário, tal posicionamento refletirá em dupla penalidade ao segurado: primeiro, seu direito não será reconhecido sob a alegação de que os documentos juntados são insuficientes e não demonstram o seu direito ao enquadramento do período como especial; segundo, estará sendo indeferido o único meio de prova que lhe resta para confrontar com os PPPs e laudos (omissos/negligentes) e assim sustentar sua tese, demonstrando o efetivo labor de natureza especial.

Ademais, ao Juiz, na condução e direção do processo, conforme preceitua o disposto no artigo 370 do NCPC, compete dizer, mesmo de ofício, quais as provas que entende necessárias ao deslinde da questão, bem como indeferir as que julgar desnecessárias ou inúteis à apreciação do caso. E, pela proximidade das partes e na administração da justiça, deve possuir maior autonomia quanto ao modo da produção da prova.

Para verificação da especialidade das atividades exercidas decorrentes de exposição a agente nocivo, via de regra, levam-se em consideração o conteúdo da documentação técnica lavrada pela empresa (formulários, laudos, dentre outros). Em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência de tal documentação é plausível a produção de laudo pericial em juízo.

Nessa linha, inclusive, recente precedente da egrégia Terceira Seção deste Tribunal, no sentido da viabilidade da elaboração da prova técnica judicial, não obstante a existência de formulário PPP, inclusive quando guarnecido por laudos lavrados pelo empregadora, acaso a higidez das informações nele(s) contida(s) seja questionada pelo trabalhador. O julgado a seguir reproduzido reflete a síntese da tese resultante da apreciação do IRDR nº 15 desta Corte, in verbis:

PREVIDENIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, Terceira Seção, Relator para Acórdão Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 11/12/2017).

É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.

No caso em apreço, a parte autora requer a produção de prova pericial para comprovar a especialidade dos seguintes períodos:

1. Construtora Sultepa S/A (09/02/1981 a 02/05/1982, 01/07/1986 a 30/08/1988, 02/05/1990 a 01/04/1991 e 01/06/1991 a 28/02/1994), em que exerceu os cargos de auxiliar e encarregado de apropriação, apontador de pista e inspetor de patrimônio em canteiro de obras;

2. Pedrasul Construtora Ltda. (01/09/1988 a 30/04/1990), em que exerceu o cargo de inspetor de patrimônio em canteiro de obras;

3. Transportes Panazzolo Ltda. (06/03/1997 a 02/03/1998), em que exerceu o cargo de motorista carreteiro;

4. Henrique Stefani & Cia. Ltda. (12/01/2000 a 12/08/2004), em que exerceu o cargo de motorista de caminhão tanque;

5. Transeich Assessoria e Transporte S/A (01/12/2004 a 02/05/2005), em que exerceu o cargo de motorista internacional (transporte de cargas);

6. América Latina Logística Intermodal S/A (01/06/2005 a 17/10/2007), em que exerceu o cargo de motorista de caminhão;

7. Expresso Nepomuceno S/A (08/11/2007 a 18/09/2009), em que exerceu o cargo de motorista de carreta;

8. Transtassi Ltda. (21/09/2009 a 17/11/2009), em que exerceu o cargo de motorista de veículo de carga;

9. Transportadora Hammes Ltda. (11/10/2010 a 26/07/2011), em que exerceu o cargo de motorista de caminhão tanque.

Em relação aos períodos elencados no item 1 (Construtora Sultepa S/A), observo que a perícia técnica realizada nos autos (evento 91, LAUDO3) não cumpriu a sua finalidade de avaliar as reais condições de trabalho do autor e a possibilidade de exposição a agentes nocivos. Com efeito, o próprio perito afirmou no laudo que "A medição do ruído restou prejudicada uma vez que as atividades do Autor deram-se no canteiro de obras e a perícia foi realizada na sede da empresa em Estância Velha". Também não houve qualquer avaliação acerca da eventual exposição a agentes químicos costumeiramente presentes em canteiros de obras, como poeiras de cimento, cal, etc.

Considerando que o formulário PPP fornecido pela empresa (Evento 1, PROCADM8, fls. 06-07) apresenta oscilações nas medições de ruído (embora todos os cargos fossem exercidos em canteiro de obras), e que a informação do laudo pericial judicial de que a parte autora não estava exposta a agentes nocivos foi determinante para o julgamento de improcedência da sentença, entendo que a realização de nova perícia, em ambiente laboral efetivamente próximo ao encontrado pelo segurado no exercício de suas atividades durante os períodos em questão, é medida que se impõe.

Já em relação ao período 2 (Pedrasul Construtora Ltda.), desnecessária a realização de perícia, uma vez que há formulário PPP (Evento 1, PROCADM8, fls. 09-10) informando a exposição da parte autora a ruído de 85 dB(A), podendo ser utilizado, ainda, o laudo pericial a ser produzido para a empresa Sultepa, que também avaliará as atividades exercidas pelo autor no cargo de "inspetor de patrimônio".

Em relação aos períodos 4 e 9, da mesma forma, entendo desnecessária a realização de perícia técnica, uma vez que os documentos juntados aos autos (Evento 1, PROCADM9, fls. 24-26 e 55-94) informam que o autor dirigia caminhão tanque, transportando combustíveis e outras cargas inflamáveis, sendo possível o reconhecimento da especialidade pela periculosidade decorrente da exposição a substâncias inflamáveis e explosivas.

Por fim, em relação aos períodos 3, 5, 6, 7 e 8, exercidos na condição de motorista de caminhão/carreteiro, em que a parte autora postula o reconhecimento da especialidade inclusive pela sujeição à penosidade, afigura-se necessário tecer algumas considerações.

De acordo com a Lei 9.032/1995 até 28/4/1995 é possível a caracterização da atividade especial, pela categoria profissional de motorista, ante a presunção de penosidade e periculosidade existente no desempenho das atividades diárias. Por outro lado, a partir desta data (29/4/1995) não é mais viável o enquadramento como especial em razão de qualquer categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição a agentes agressivos.

Pois bem, embora haja, na Súmula 198 do TFR, menção à penosidade como condição autorizadora do reconhecimento da especialidade do trabalho, não havia na legislação de regência uma definição clara do que seriam condições de trabalho penosas. Desse modo, a Sexta Turma deste Tribunal suscitou o Incidente de Assunção de Competência - IAC no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000, em razão de divergência havida quanto à possibilidade de reconhecimento do caráter especial em virtude da penosidade das atividades de motorista de ônibus ou de caminhão exercidas posteriormente à extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995.

Referido incidente foi julgado pela Terceira Seção deste Regional, em 27/11/2020 e fixou a seguinte tese: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova.

O julgado restou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC. TEMA TRF4 N.° 5. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA OU COBRADOR DE ÔNIBUS. RECONHECIMENTO DA PENOSIDADE APÓS A EXTINÇÃO DA PREVISÃO LEGAL DE ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL PELA LEI 9.032/1995. POSSIBILIDADE. 1. O benefício de aposentadoria especial foi previsto pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional em 1960, pela Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei 3.087/1960, que instituiu o requisito de prestação de uma quantidade variável (15, 20 ou 25 anos) de tempo de contribuição em exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas. 2. Apesar de contar com previsão no próprio texto constitucional, que garante aos trabalhadores o pagamento do adicional correspondente na seara trabalhista (art. 7º, XXIII, CF/1988), até o presente momento não houve a regulamentação da penosidade, motivo pelo qual torna-se uma tarefa bastante difícil a obtenção de seu conceito. 3. Pela conjugação dos estudos doutrinários, das disposições legais e dos projetos legislativos existentes, é possível delimitar-se o conceito de penosidade como o desgaste à saúde do trabalhador ocorrido na prestação da atividade profissional, em virtude da necessidade de dispêndio de esforço excessivo, da necessidade de concentração permanente e contínua, e/ou da necessidade de manutenção constante de postura. 4. Não há discussões acerca da possibilidade de reconhecimento da penosidade nas situações previstas no Anexo IV do Decreto 53.831/1964, que configuram hipóteses de enquadramento por categoria profissional, admitido até a vigência da Lei 9.032/1995, sendo que as controvérsias ocorrem quanto à possibilidade de reconhecimento da penosidade nos intervalos posteriores a essa data. 5. O requisito exigido para o reconhecimento da especialidade do tempo de contribuição prestado a partir da vigência da Lei 9.032/1995 e até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019 - condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física - não exclui a possibilidade de inclusão de atividades exercidas em situação de periculosidade e penosidade. 6. Essa posição acabou sendo sancionada pelo STJ no julgamento do REsp 1.306.113/SC, admitido como recurso representativo de controvérsia repetitiva sob o Tema n° 534, em que, embora a questão submetida a julgamento fosse a possibilidade de configuração da especialidade do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, a tese fixada ultrapassa os limites do agente eletricidade, e da própria periculosidade, permitindo o reconhecimento da especialidade do labor prestado sob exposição a outros fatores de periculosidade, à penosidade, e até mesmo a agentes insalubres não previstos em regulamento, desde que com embasamento “na técnica médica e na legislação correlata”. 7. Admitida a possibilidade de reconhecimento da penosidade após a vigência da Lei 9.032/1995, esse reconhecimento deve se dar com base em critérios objetivos analisados no caso concreto por meio de perícia técnica, uma vez que extinta a possibilidade de mero enquadramento por categoria profissional. 8. Tratando-se de circunstância que, embora possua previsão constitucional, carece de regulamentação legislativa, sequer é cogitada pelos empregadores na confecção dos formulários habitualmente utilizados para a comprovação de atividade especial, motivo pelo qual é necessário que os órgãos judiciais garantam o direito dos segurados à produção da prova da alegada penosidade. Ademais, considerando que a tese encaminhada por esta Corte vincula o reconhecimento da penosidade à identificação dessa circunstância por perícia técnica, essa constitui, então, o único meio de prova à disposição do segurado. 9. Tese fixada nos seguintes termos: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova. 10. Cabendo ao órgão colegiado julgar também o recurso que dá origem à assunção de competência admitida, conforme disposto no art. 947, §2º do CPC, no caso concreto deve ser dado provimento à preliminar da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno do feito ao Juízo de origem, para que se proceda à reabertura da instrução processual. (TRF4, Incidente de Assunção de Competência (Seção) Nº 5033888-90.2018.4.04.0000, 3ª Seção, Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, por maioria, juntado aos autos em 27/11/2020)

Ademais, importa destacar que, embora a extensão do IAC tenha sido restrita à penosidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, é possível afirmar que foram estabelecidos critérios suficientes para proceder-se à avaliação da penosidade também nos casos que envolvam os motoristas de caminhão/carreteiros, quais sejam:

Dos critérios de reconhecimento da penosidade

Restringindo-me às atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, que foi a delimitação estabelecida pela Terceira Seção desta Corte na proposição do presente incidente, e tendo como parâmetro a conceituação anteriormente exposta, em que se associa a penosidade à necessidade de realização de esforço fatigante, à necessidade de concentração permanente, e/ou à necessidade de manutenção de postura prejudicial à saúde, submeto à apreciação da Seção os seguintes parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação dessa atividade.

1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador. O perito deverá diligenciar junto à(s) empresa(s) empregadora(s) para descobrir a marca, o modelo e o ano de fabricação do(s) veículo(s) conduzido(s) e, de posse dessas informações, poderá analisar se existia ou não penosidade na atividade em razão da necessidade de realização de esforço fatigante, como, por exemplo, na condução do volante, na realização da troca das marchas, ou em outro procedimento objetivamente verificável. No caso dos motoristas de ônibus deverá ser averiguado se a posição do motor ficava junto à direção, ocasionando desconfortos ao trabalhador, como, por exemplo, vibrações, ruído e calor constantes (ainda que inferiores aos patamares exigidos para reconhecimento da insalubridade da atividade, mas elevados o suficiente para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição), ou outro fator objetivamente verificável.

2. Análise dos trajetos. O profissional deverá identificar qual(is) a(s) linha(s) percorrida(s) pelo trabalhador e analisar se existia, nesse transcurso, penosidade em razão de o trajeto incluir localidades consideradas de risco em razão da alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação.

3. Análise das jornadas. Deverá o profissional aferir junto à empresa se, dentro da jornada laboral habitualmente desempenhada pelo trabalhador, era-lhe permitido ausentar-se do veículo, quando necessário à satisfação de suas necessidades fisiológicas.

Realizando o perito judicial a análise das atividades efetivamente desempenhadas pelo trabalhador com base nos critérios objetivos acima descritos, e detectando a existência, de forma habitual e permanente, de qualquer das circunstâncias elencadas, ou outra que, embora não aventada no presente julgamento, seja passível de expor trabalhador a desgaste considerado penoso, e desde que seja demonstrável mediante critérios objetivos, considero ser possível o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, independentemente da época em que prestada.

No caso em apreço, observo que a perícia judicial realizada para avaliação das condições de trabalho da parte autora nos períodos em questão (evento 106, LAUDO1) não fez qualquer análise acerca dos critérios acima elencados, tampouco avaliou as atividades exercidas pelo autor sob o ponto de vista da penosidade. Ademais, há evidente contradição no laudo, conforme se observa da resposta ao quesito 8.9 (fl. 15), que transcrevo a seguir:

(...)

8.9 Em caso de perícia na atividade de motorista , as medições foram feitas observando os veículos e itinerários realizados pelo autor. Identificar os veículos (marca/modelo/ano/placas) utilizados pelo autor e acaso diversos, também os periciados. Idem no que se refere ao Itinerários. Explicitar se as informações foram dadas ou confirmadas pelos responsáveis da empresa.

R.: Não era motorista.

(...)

Assim, em que pese já ter sido produzido laudo pericial nestes autos, em função dos parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação da atividade de motorista, entendo que deverá ser realizada nova perícia judicial, imprescindível para a comprovação da penosidade das atividades exercidas no cargo de motorista de caminhão/carreteiro.

Desse modo, impõe-se a anulação da sentença para que, retornando os autos à origem, seja reaberta a instrução processual, determinando-se a realização de nova prova pericial relativamente aos períodos laborados junto às empresas Construtora Sultepa S/A (09/02/1981 a 02/05/1982, 01/07/1986 a 30/08/1988, 02/05/1990 a 01/04/1991 e 01/06/1991 a 28/02/1994), Transportes Panazzolo Ltda. (06/03/1997 a 02/03/1998), Transeich Assessoria e Transporte S/A (01/12/2004 a 02/05/2005), América Latina Logística Intermodal S/A (01/06/2005 a 17/10/2007), Expresso Nepomuceno S/A (08/11/2007 a 18/09/2009) e Transtassi Ltda. (21/09/2009 a 17/11/2009), a fim de verificar as reais condições de trabalho da parte autora, conforme critérios acima definidos.

Conclusão

Parcialmente provida a apelação da parte autora para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anulando a sentença e determinando o retorno dos autos à origem para reabertura da fase instrutória.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da fase instrutória.



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5000705-11.2013.4.04.7112
40002890309.V21


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000705-11.2013.4.04.7112/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

APELANTE: GILMAR PEREIRA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)

ADVOGADO: ELISANGELA LEITE AGUIAR (OAB RS080438)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.

Evidenciado prejuízo no indeferimento de produção de prova, que se faz imprescindível para o deslinde da controvérsia, acolhe-se alegação de cerceamento de defesa, determinando-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da fase instrutória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2021.



Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002890310v4 e do código CRC 1e9bf02b.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/11/2021 A 30/11/2021

Apelação Cível Nº 5000705-11.2013.4.04.7112/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO

APELANTE: GILMAR PEREIRA DOS SANTOS (AUTOR)

ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)

ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK FORTES (OAB RS076632)

ADVOGADO: ELISANGELA LEITE AGUIAR (OAB RS080438)

ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/11/2021, às 00:00, a 30/11/2021, às 16:00, na sequência 79, disponibilizada no DE de 11/11/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



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