| D.E. Publicado em 27/04/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020378-13.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Juiz Federal Luiz Antônio Bonat |
APELANTE | : | OTAVIO BASSO |
ADVOGADO | : | Claudio Sidiney de Lima e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. AMPLIAÇÃO DA EFICÁCIA DA PROVA DOCUMENTAL. PROVA ORAL FIRME E COERENTE. TRANSFORMAÇÃO DE EMPREGO EM CARGO PÚBLICO. VINCULAÇÃO A REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A CARGO DO REGIME INSTITUIDOR. SENTENÇA ULTRA PETITA.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
7. Os documentos juntados aos autos demonstram dados concernentes ao vínculo da família com o meio rural e ao exercício da profissão de lavrador, revelando início de prova material contemporâneo dos fatos.
8. Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, considerando que exerce a atividade sem qualquer formalização e proteção social. As lacunas na prova documental foram supridas pela prova testemunhal robusta, firme e coerente.
9. Cabe ao INSS o reconhecimento e a expedição de certidão de tempo de contribuição atinente à relação de emprego do autor, no período em que ele estava vinculado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
10. A partir da transformação do emprego em cargo público e da filiação do autor ao Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Paraná, compete à entidade autárquica estadual promover a apuração e a certificação do tempo de serviço/contribuição.
11. O benefício resultante da contagem do tempo de contribuição deve ser concedido e pago pelo sistema a que o interessado está vinculado na data do requerimento, nos termos do art. 99 da Lei nº 8.213/1991.
12. Somente caberia ao INSS conceder a aposentadoria por tempo de contribuição ao autor, se ele comprovasse o desligamento do Regime Próprio de Previdência Social e o reingresso no RGPS.
13. Honorários advocatícios reduzidos, de acordo com os critérios dos §§ 3º e 4º do art. 20 do antigo CPC.
14. Deve ser declarada a nulidade de parte do dispositivo da sentença, no tocante ao reconhecimento do tempo de atividade rural não requerido na inicial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor, dar parcial provimento à apelação do INSS e de ofício, declarar a nulidade de parte do dispositivo da sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 17 de abril de 2018.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9356090v8 e, se solicitado, do código CRC 561F333B. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020378-13.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Juiz Federal Luiz Antônio Bonat |
APELANTE | : | OTAVIO BASSO |
ADVOGADO | : | Claudio Sidiney de Lima e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço rural do autor, no período de 09/09/1964 a 31/12/1980, para fins de aposentadoria. O réu foi condenado a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
O autor não concorda com a sentença no ponto em que apreciou o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição. Diz que o magistrado a quo entendeu que não poderia ser contado o tempo de serviço público sem a prova do regime de recolhimento das contribuições. Conta que, segundo a declaração nº 001/2011, é funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná desde 01/04/1982, havendo a transformação do emprego em cargo público pela Lei nº 10.219/1992. Esgrime que a sentença não fundamentou a razão pela qual o tempo de serviço, a partir de 1992, não foi computado para o benefício. Sustenta que o INSS não se desincumbiu de provar que as contribuições recolhidas pelo autor não chegaram aos cofres da Previdência. Alega que tem direito ao reconhecimento do período trabalhado no Regime Próprio de Previdência Social.
O INSS insurge-se contra o reconhecimento do período de atividade rural, visto que os documentos apresentados pelo autor não constituem início de prova material e são extemporâneos à época dos fatos. Aduz que as certidões de casamento e nascimento baseiam-se em informação do interessado, não havendo comprovação da veracidade da declaração perante o certificador. Sustenta que a declaração subscrita por particular apenas prova a declaração, não o fato declarado, não servindo como prova material do exercício da atividade rural. Pede a redução do valor dos honorários advocatícios, pois o valor atribuído à causa é de R$ 1.000,00 (mil reais).
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a este Tribunal.
Sentença publicada em 13/12/2012.
É o relatório. Peço dia.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020378-13.2014.4.04.9999/PR
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APELADO | : | (Os mesmos) |
VOTO
Sentença ultra petita
A parte autora ajuizou ação visando ao reconhecimento da existência de relação jurídica previdenciária, quanto ao período de 1964 a 01/09/1980, em que exerceu a atividade de trabalhador rural.
Ao determinar a averbação do tempo de atividade rural do autor até 31/11/1980, o provimento judicial extrapolou os limites do pedido e contrariou os elementos de prova acostados aos autos, que demonstram a existência de vínculo empregatício de natureza urbana a partir de 15/09/1980.
Assim, de ofício, declaro a nulidade de parte do dispositivo da sentença, no tocante ao reconhecimento do tempo de atividade rural entre 02/09/1980 a 31/12/1980.
Tempo de serviço/contribuição na administração pública
O apelo do autor não merece provimento.
A partir de 01/04/1982, o autor passou a trabalhar no Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná, com contrato regido pela CLT (fl. 48). Na carteira de trabalho, consta anotação no sentido de que o emprego foi transformado em cargo público, nos termos do art. 70 da Lei Estadual nº 10.219, de 21/12/1992, passando o autor a ser regido pelo Estatuto dos Funcionários Civis do Paraná (fl. 50).
Depreende-se, da Declaração nº 001/2011, emitida pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná, que o autor, no período de 01/04/1982 a 20/12/1992, estava vinculado ao Regime Geral da Previdência Social e, a partir de 21/12/1992, passou ao Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Paraná, instituído pela Lei nº 10.219/1992. Neste sentido, o órgão esclarece que "para fins de Compensação Previdenciária, o período acima declarado, ou seja, 01/04/1982 a 20/12/1992, não foi averbado no Estado e deve constar na Certidão de Tempo de Contribuição a ser emitida por este Instituto Nacional de Seguridade Social" (fl. 68).
No caso presente, cabe ao INSS o reconhecimento e a expedição de certidão de tempo de contribuição atinente à relação de emprego do autor com o DER, no período entre 01/04/1982 a 20/12/1992, em que ele estava vinculado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Saliento que não se controverte acerca do tempo de filiação ou de contribuição do autor durante os períodos em que se enquadrava como segurado obrigatório, na categoria de empregado.
Outrossim, a partir da transformação do emprego em cargo público e da filiação do autor ao Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Paraná, compete à entidade autárquica estadual promover a apuração e a certificação do tempo de serviço/contribuição. Neste sentido, dispõe o Decreto nº 3.048/1999:
Art. 130. O tempo de contribuição para regime próprio de previdência social ou para Regime Geral de Previdência Social deve ser provado com certidão fornecida: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008)
I - pela unidade gestora do regime próprio de previdência social ou pelo setor competente da administração federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, suas autarquias e fundações, desde que devidamente homologada pela unidade gestora do regime próprio, relativamente ao tempo de contribuição para o respectivo regime próprio de previdência social; ou (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008)
II - pelo setor competente do Instituto Nacional do Seguro Social, relativamente ao tempo de contribuição para o Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)
§ 1º O setor competente do Instituto Nacional do Seguro Social deverá promover o levantamento do tempo de filiação ao Regime Geral de Previdência Social à vista dos assentamentos internos ou das anotações na Carteira do Trabalho ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou de outros meios de prova admitidos em direito. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)
§ 2º O setor competente do órgão federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal deverá promover o levantamento do tempo de contribuição para o respectivo regime próprio de previdência social à vista dos assentamentos funcionais.
(...)
§ 9º A certidão só poderá ser fornecida para os períodos de efetiva contribuição para o Regime Geral de Previdência Social, devendo ser excluídos aqueles para os quais não tenha havido contribuição, salvo se recolhida na forma dos §§ 7º a 14 do art. 216. (Incluído pelo Decreto nº 3.668, de 2000).
Por fim, considerando que o benefício resultante da contagem do tempo de contribuição deve ser concedido e pago pelo sistema a que o interessado está vinculado na data do requerimento, nos termos do art. 99 da Lei nº 8.213/1991, caberia ao INSS conceder a aposentadoria por tempo de contribuição ao autor, somente se ele comprovasse o desligamento do Regime Próprio de Previdência Social e o reingresso no RGPS e apresentasse a certidão de tempo de contribuição do período posterior a 21/12/1992, expedida pelo DER.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento do tempo de serviço rural, no período de 1964 (quando completou catorze anos) a 01/09/1980. A título de início de prova material, foram apresentados os seguintes documentos:
a) certidão de casamento dos pais do autor, celebrado em 18/12/1945, em que o noivo é qualificado como lavrador;
b) certidão de casamento do autor, em 18/11/1972, constando a sua qualificação profissional como lavrador;
c) certidão de nascimento dos filhos do autor, nas datas de 24/02/1975, 10/09/1976 e 22/01/1978, sem a qualificação profissional do pai;
d) certidão de nascimento da filha do autor, em 11/01/1981, em que o pai é qualificado profissionalmente como lavrador;
e) declaração firmada por Nelson de Paula, afirmando que o autor, juntamente com sua família, trabalhou na propriedade rural pertencente ao declarante como boia-fria, de forma esporádica, entre maio de 1972 a junho de 1980;
f) matrícula nº 8.583, do Registro de Imóveis da Comarca de Cidade Gaúcha/PR, relativa à propriedade rural pertencente a Nelson de Paula, no Município de Rondon/PR;
g) carteira de trabalho do autor, constando o registro de vínculos empregatícios de natureza urbana a partir de 15/09/1980.
Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas.
João Gomes de Melo disse que conheceu o autor na década de 1970, quando ele trabalhava na Fazenda Santa Josefina, de Nelson de Paula. A testemunha trabalhava na Fazenda Boa Esperança, do João Aramin, que ficava perto da Fazenda Santa Josefina, e via o autor com frequência; também foram colegas no DER; o autor trabalhou na Fazenda Santa Josefina até 1980. A testemunha trabalhou na Fazenda Boa Esperança entre 1970 a 1972, mais ou menos; quando saiu da fazenda, o autor já trabalhava na propriedade do Nelson de Paula.
Manoel Machado dos Santos declarou que conhece o autor desde criança; o autor já trabalhava como volante, junto com o pai; em 1972 o autor começou a trabalhar na fazenda do Nelson de Paula; ele cuidava do gado, trabalhava na lavoura de café, trocava cerca, fazia de tudo; o autor morou nessa propriedade até 1980 e depois foi para a cidade; quando o autor casou, morava na fazenda e dois filhos do autor nasceram lá.
A irresignação do INSS não procede.
Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural constitui prova documental. Por sua vez, o destinatário da prova é o juiz, a quem cabe emitir juízo sobre a aptidão probatória do documento, com base no sistema da persuasão racional. Nessa senda, os documentos juntados aos autos demonstram dados concernentes ao vínculo da família com o meio rural e ao exercício da profissão de lavrador, revelando início de prova material contemporâneo dos fatos.
Por outro lado, o início de prova material não precisa demonstrar a atividade rural ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, desde que não exista período urbano intercalado com rural, em razão da notória informalidade que predomina no meio rural. Em se tratando de trabalhador rural volante ou boia-fria, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta, considerando que exerce a atividade sem qualquer formalização e proteção social.
Conquanto as provas documentais juntadas ao processo não se refiram a todo o período requerido, conformam o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. Mesmo que o documento mais antigo seja de 1972, admite-se a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, visto que a prova testemunhal foi segura e coerente em afirmar que o autor cresceu na roça ajudando o pai, trabalhando como boia-fria e, a partir de 1972, trabalhou na fazenda do Sr. Nelson de Paula, sem vínculo empregatício formal.
Esclareço que o provimento judicial possui caráter meramente declaratório do direito do autor ao reconhecimento e à averbação do exercício de labor rural no período de 09/09/1964 a 01/09/1980, porém não implica a obrigação do INSS de expedir certidão de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca, já que a matéria não foi discutida nos autos.
Honorários advocatícios
O art. 20, § 4º, do CPC, permite que se arbitrem os honorários com base na equidade, valendo-se dos critérios elencados nas alíneas 'a', 'b' e 'c' do § 3º desse artigo. Assim, ao passo que se deve ter em conta o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço, também se deve remunerar dignamente o causídico, impedindo-se o aviltamento da profissão.
A remissão ao parágrafo 3º não significa que os honorários devam necessariamente ser fixados nos limites percentuais referidos neste dispositivo, principalmente quando o montante da verba corresponderia à importância em descompasso com a complexidade da causa e, consequentemente, com o esforço reclamado do advogado para bem desempenhar seu mister.
Tendo em vista o reduzido valor atribuído à causa (R$ 1.000,00, em maio de 2011), o montante dos honorários advocatícios arbitrados pela sentença (R$ 2.000,00) é incompatível com o conteúdo econômico da demanda. Nesse passo, fixo a verba honorária em R$ 500,00 (quinhentos reais), com atualização monetária pelo IPCA-E.
Conclusão
De ofício, declaro a nulidade de parte do dispositivo da sentença, no tocante ao reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 02/09/1980 a 31/12/1980.
Nego provimento à apelação do autor.
Dou parcial provimento à apelação do INSS, para fixar os honorários advocatícios em R$ 500,00 (quinhentos reais).
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação do autor, dar parcial provimento à apelação do INSS e de ofício, declarar a nulidade de parte do dispositivo da sentença.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/04/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020378-13.2014.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00011673520118160070
RELATOR | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dra. Carmem Elisa Hessel |
APELANTE | : | OTAVIO BASSO |
ADVOGADO | : | Claudio Sidiney de Lima e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/04/2018, na seqüência 860, disponibilizada no DE de 03/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DE OFÍCIO, DECLARAR A NULIDADE DE PARTE DO DISPOSITIVO DA SENTENÇA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Suzana Roessing |
| Data e Hora: | 21/04/2018 00:50 |
