APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001478-25.2014.4.04.7014/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | D. LAMINADOS LTDA. - ME |
ADVOGADO | : | RENATO DA SILVA OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CULPA DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES.
. Comprovado o prejuízo havido pela concessão de benefício previdenciário ao segurado, decorrente de acidente de trabalho, e demonstrada, em tese, a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91;
. É dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada;
. Comprovada a existência de culpa do empregador, cabe a este ressarcir à Previdência Social pelos valores despendidos com o pagamento de pensão por morte aos dependentes do ex-segurado falecido, até a data de sua cessação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de junho de 2016.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8321548v2 e, se solicitado, do código CRC C17D285F. | |
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| Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
| Data e Hora: | 23/06/2016 17:49 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001478-25.2014.4.04.7014/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | D. LAMINADOS LTDA. - ME |
ADVOGADO | : | RENATO DA SILVA OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação regressiva ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, contra a empresa D. LAMINADOS LTDA. - ME, buscando condenação ao ressarcimento pelas despesas causadas à Previdência Social com o pagamento de benefício acidentário, pensão por morte (NB 93/156.578.573-5), concedido em decorrência de acidente de trabalho, que resultou no óbito do trabalhador.
Narra que o menor Alexandro Ferreira Bueno (17 anos), empregado da ré, sofreu acidente de trabalho no dia 18/05/2012. Relata que o trabalhador veio a falecer em razão de um traumatismo crânio-encefálico, enquanto retirava acúmulos de madeira de uma máquina denominada contra rolo de torno. Afirma que o acidente foi resultado do descumprimento de normas e padrão de segurança e higiene do trabalho. Sustenta que a culpa da empresa restou comprovada no Relatório de Análise de Acidente do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Paraná. Alega afronta à Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho - NR nº 12.
Citado, o empregador negou o descumprimento de normas de segurança, imputando à vítima a culpa exclusiva pelo acidente (Evento 11).
Foi realizada audiência de instrução para a oitiva das testemunhas arroladas (Evento 66).
As partes apresentaram alegações finais (Eventos 77 e 80).
Encerrada a instrução processual, a ação foi julgada parcialmente procedente pelo Magistrado Carlos Aurélio Moreira, enquanto Juiz Federal Substituto da 1ª VF de União da Vitória, nos seguintes termos (Evento 82):
"Ante o exposto, resolvo o mérito, nos termos do inciso I do art. 269 do CPC, julgando parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a ressarcir o INSS:
a) de todos os valores já pagos, bem como daqueles vincendos até o trânsito em julgado desta demanda, em função da concessão da pensão por morte (NB 93/156.578.573-5) os quais deverão ser corrigidos pelo IPCA-E, acrescidas de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação;
b) dos valores referentes às despesas futuras decorrentes do pagamento do benefício de auxílio-acidente, até a sua cessação definitiva, à medida que forem despendidos, a ser adimplido juntamente com as obrigações tributárias mensais; havendo mora no pagamento, esses valores deverão ser corrigidos e acrescidos de juros de mora segundo a atualização para a mora das contribuições previdenciárias.
Considerando a sucumbência mínima do autor, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado das prestações vencidas até a data da prolação da sentença (em analogia à Súmula nº 111 do STJ), nos termos dos art. 20, § 3º, e 21 do CPC".
Em sua razões, o empregador nega ter havido negligência por parte da empresa, imputando à vítima a culpa exclusiva pelo acidente.
Com contrarrazões (Evento 92), subiram os autos para julgamento.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
VOTO
A empresa D. LAMINADOS LTDA. - ME nega ter havido descumprimento de normas de segurança, imputando à vítima a culpa exclusiva pelo acidente.
Contudo, examinados os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de parcial procedência.
É dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada.
DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. INTERESSE DE AGIR. PRESCRIÇÃO. CULPA DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES. . Comprovado o prejuízo havido pela concessão de benefício previdenciário ao segurado, decorrente de acidente de trabalho, e demonstrada, em tese, a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91; (...) . É dever de a empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada; . No caso concreto, o conjunto probatório indica que a empresa ré desrespeitou os padrões exigidos pelas normas de segurança do trabalho, o que contribuiu diretamente para a ocorrência do acidente em questão. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007957-51.2011.404.7204, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/09/2015)
O conjunto probatório indica que a ré, empregadora do trabalhador falecido desrespeitou os padrões exigidos pelas normas de segurança do trabalho, o que contribuiu diretamente para a ocorrência do acidente em questão.
O Relatório de Análise de Acidente do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Paraná (RELT2 - Evento 1) trouxe a seguinte conclusão:
"Da leitura dos autos de infração, resta concluir que a decisão do empregador em manter um trabalhador menor de 18 anos em atividade de risco, sujeito a condições que demandavam grande esforço físico, sem a capacitação prevista, auxiliando na operação de equipamento sem proteções nas zonas de perigo e de transmissão de força, ainda, sem interface com o operador através de acionamento duplo/simultâneo dos movimentos perigosos do equipamento, foi determinante na ocorrência do acidente do trabalho".
A sentença proferida nos autos da reclamatória trabalhista nº 01022-2012-026-09-00-2, ajuizada perante a Vara do Trabalho de União da Vitória/PR, mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (ACORD3 - Evento 1), também concluiu pela culpa exclusiva da empresa (SENT6 - Evento 1).
"Ante as conclusões acima, presentes o fato danoso (acidente de trabalho), a conseqüência acarretada (morte do trabalhador) e o nexo causal entre o acidente havido e a morte do empregado, causada pela culpa exclusiva da reclamada, omissão na segurança dos equipamentos, na prevenção de acidentes, treinamento e fiscalização das atividades desenvolvidas pelo reclamante, surgindo o dever de indenizar".
A Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho - NR nº 12 define referências técnicas, princípios fundamentais e medidas de proteção para garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores e estabelece requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos.
"12.30 - Nas máquinas e equipamentos cuja operação requeira a participação de mais de uma pessoa, o número de dispositivos de acionamento simultâneos deve corresponder ao número de operadores expostos aos perigos decorrentes de seu acionamento, de modo que o nível de proteção seja o mesmo para cada trabalhador.
(...)
12.38 - As zonas de perigo das máquinas e equipamentos devem possuir sistemas de segurança, caracterizados por proteções fixas, proteções móveis e dispositivos de segurança interligados, que garantam proteção à saúde e à integridade física dos trabalhadores"
O Decreto nº 6.841/2008 dispõe ser proibido o trabalho de menor de dezoito anos nas atividades na lista TIP. A Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil prevê, no seu item 54, a proibição do trabalho de menores no beneficiamento de madeira, e, no seu item 87, a proibição do trabalho de menores em máquinas em trabalhos com madeira, serras circulares, serras de fita e guilhotinas.
Comprovada a existência de culpa do empregador, cabe a este ressarcir à Previdência Social pelos valores despendidos com o pagamento de pensão por morte aos dependentes do ex-segurado falecido, até a data de sua cessação.
DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA DA EMPRESA. NEGLIGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. SEGURO ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. PRECEDENTES. (...). É dever de a empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada; . Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91; . Comprovada a existência de culpa do empregador, cabe a este ressarcir à Previdência Social pelos valores despendidos com o pagamento de pensão por morte aos dependentes do ex-segurado falecido, até a data de sua cessação. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026996-59.2014.404.7000, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 28/04/2016)
Dito isso, em relação às questões preliminares e de mérito, mantenho e adoto como razões de decidir a sentença proferida pelo Magistrado Carlos Aurélio Moreira, enquanto Juiz Federal Substituto da 1ª VF de União da Vitória, transcrevendo-a e adotando-a como razão de decidir, nestes termos:
"Trata-se de ação regressiva movida pelo INSS em face de D LAMINADOS LTDA, por meio da qual busca, em suma, ver-se ressarcido das despesas decorrentes do pagamento de pensão por morte à dependente do segurado Alexandro Ferreira Bueno, em razão de óbito decorrente de acidente de trabalho.
A pretensão encontra fundamento legal no art. 120 da Lei nº 8.213/1991, que dispõe:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Inicialmente, cumpre ressaltar a constitucionalidade da norma em referência, já reconhecida em sede de Arguição de Inconstitucionalidade nº 1998.04.01.023654-8 pela Corte Especial do e. TRF da 4ª Região:
CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS ARTS. 120 DA LEI Nº 8.213/91 E 7º, XXVIII, DA CF.
Inocorre a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91 (Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.) em face da disposição constitucional do art. 7º, XXVIII, da CF (Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;), pois que, cuidando-se de prestações de natureza diversa e a título próprio, inexiste incompatibilidade entre os ditos preceitos. Interpretação conforme a Constituição. Votos vencidos que acolhiam ante a verificação da dupla responsabilidade pelo mesmo fato. Arguição rejeitada, por maioria.(INAC Processo: 1998.04.01.023654-8 UF: RS - Data da Decisão: 23/10/2002 - Corte Especial - DJ 13/11/2002, p. 806 - Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère - Relator p/ Acórdão Manoel Lauro Volkmer de Castilho)
Destaque-se que o fato de as empresas contribuírem com adicional à contribuição previdenciária em face do risco ambiental do trabalho (RAT) em nada altera a obrigação de ressarcimento pretendida, regra esta de responsabilidade civil, nos exatos termos dos artigos 186 e 927 do CC.
Nesse sentido já decidiu o e. TRF da 4ª Região:
ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. CABIMENTO. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE. PROVA DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
1. É constitucional o art. 120 da Lei 8.213/91. O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
2. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Nesse prisma, a não-adoção de precauções recomendáveis, se não constitui a causa em si do acidente, evidencia negligência da empresa que, com sua conduta omissiva, deixou de evitar o acidente, sendo responsável, pois, pela reparação do dano, inclusive em ação regressiva ajuizada pelo INSS.
3. A efetiva execução da sentença condenatória proferida na ação regressiva (processo de conhecimento) se fará mediante comprovação dos pagamentos efetuados pelo INSS, vencidos e vincendos.
(AC nº 2000.72.02.000687-7/SC, Rel. Juiz Federal Francisco Donizete Gomes, 3ª T., DJ 13-11-2002)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE DE FUNCIONÁRIO. CULPA DO EMPREGADOR. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO INSS.
- A contribuição previdenciária a cargo do empregador não constitui preço pago por um seguro, como se fosse um seguro de natureza privada. Trata-se de tributo, de recolhimento compulsório, destinado ao custeio da previdência social como um todo. Ao ingressar nos cofres públicos, passa a fazer parte do orçamento da seguridade social, previsto no art. 165, § 3º, III, da Constituição Federal.
- Se os cofres do INSS foram lesados em virtude de negligência do empregador do segurado, cabível a responsabilização civil deste, a fim de que seja condenado a indenizar os prejuízos sofridos em virtude da concessão do benefício.
(TRF 4, AC 2004.04.1.019501-9/RS, Rel. Jairo Gilberto Shcafer, Terceira Turma, D.E 18/11/2009, grifou-se).
Com efeito, o entendimento adotado pela jurisprudência considera o fato de o SAT/RAT destinar-se ao custeio geral dos benefícios de aposentadoria especial e decorrentes de acidente de trabalho relativos aos riscos ordinários do empreendimento ou, nos termos do inciso II do artigo 22 da Lei 8.212/91, dos "riscos ambientais do trabalho". Todavia, é de se em mente ainda que, o art. 20 da Lei 8.213/91 equipara a acidente de trabalho (e o benefício então concedido terá caráter acidentário) a doença profissional e doença do trabalho, bem como o art. 21 dessa lei elenca outra série de eventos que também são equiparáveis a acidente do trabalho (como os acidentes de percurso), aumentando significativamente o espectro de atendimento de benefícios financiados pela contribuição RAT. Desse modo, é justificável a oneração individual e casuística do empregador pelos riscos não ordinários.
Assim, o artigo 120 da Lei 8.213/91 refere-se expressamente a hipóteses de "negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho", ou seja, nos casos de riscos extraordinários criados por culpa do empregador.
Sendo assim, não se onera duplamente a empresa pelo mesmo fato, mas sim se obtém o ressarcimento dos valores pagos pelo INSS em relação a prestações decorrentes de acidente de trabalho e que não podem ser associadas à fonte de custeio do RAT. Em outras palavras, é sabido que a concessão de um benefício depende de uma prévia fonte de custeio, consoante o disposto no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal, de forma que, para os riscos ordinários do trabalho, há a expressa previsão do RAT. Como os riscos extraordinários decorrentes de negligência da empresa não são abrangidos pelo RAT, ou por outras fontes de custeio do sistema previdenciário, impõe-se o ressarcimento do INSS, inclusive com o objetivo de propiciar o equilíbrio atuarial do regime.
Nesse trajeto, importante observar que a ação regressiva tem por pressuposto a negligência quanto ao cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho indicadas para proteção individual ou coletiva dos empregados, afastando a responsabilização objetiva do empregador em face do INSS. Exige-se uma conduta voluntária contrária ao dever de cuidado, com a produção de um evento danoso que, ainda que involuntário, era previsível.
Assim, para que se configure a responsabilidade subjetiva, a ensejar o ressarcimento em face do empregador, o INSS deve comprovar que houve uma conduta omissiva em relação ao dever de diligência da empresa.
Destaco que, em sede de prevenção de acidentes, a omissão ou a negligência do empregador cria ambiente propício à ocorrência de sinistros, razão pela qual há expresso comando legal determinando a adoção de medidas tendentes a evitá-los. Nesse sentido o §1º do artigo 19 da Lei nº 8.213/91:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
Passando ao caso concreto, e a fim de verificar a existência de culpa da empresa, é de ressaltar que o espólio de Alexandro ajuizou reclamatória trabalhista, com sentença e acórdão juntados na inicial (SENT6 e ACORD3). A sentença e o acórdão trabalhistas não declaram no dispositivo a culpa do empregador, compondo tal afirmação apenas as razões de decidir, de modo que não há coisa julgada a respeito, permitida, no entanto, a utilização de prova emprestada lá produzida em face do réu daquela e desta demanda, já que foi parte na reclamatória trabalhista. Entretanto, foram juntados aos autos apenas o termo de audiência (AUDIENCI4), no qual consta que foram ouvidos o preposto da empresa (Dileto gomes do Prado) e o pai do falecido. O depoimento do pai do falecido é irrelevante para a presente demanda, já que não referiu o acidente ao ser ouvido.
Na presente demanda foram ouvidos:
1 - uma testemunha do INSS, o auditor fiscal do trabalho que procedeu auditoria no local de trabalho após o acidente, cujo relatório é apresentado no evento 1, RELT2; disse ele:
que a empresa produz lâminas de madeira; que a máquina onde ocorreu o acidente é um torno utilizado para o descascamento das toras de madeira; que o auxiliar ajuda o operador a encaixar a tora no torno; que então o torno gira em alta velocidade e são feitas lâminas da tora com o emprego da faca do torno; que o contra-rolete é um dispositivo para prender a tora no torno durante a laminação; que essa atividade junto ao torno é proibida para menores de idade; que durante a fiscalização, cerca de um ano depois do acidente, foi encontrado outro menor trabalhando na empresa; que não conseguiu apurar como exatamente ocorreu o acidente; que a máquina não possuía dispositivo obrigatório consistente em permitir acionamento somente com comando simultâneo do operador e do auxiliar; que a empresa foi interditada porque apresentava outras irregularidades; que era possível a implementação de dispositivo de segurança capaz de impedir o acidente; que foi lavrado, entre outros, auto de infração porque o sistema de transmissão de força do torno estava exposto; que equipamentos individuais de segurança não impediriam o acidente; que é proibido o trabalho de menores em empresas de extração ou processamento de madeira.
2 - 1ª Testemunha da ré, ainda hoje empregado da empresa, disse:
que estava na empresa no dia do acidente; que o falecido nunca tinha operado o torno antes do acidente; que pela manhã outro funcionário auxiliou o operador; que o acidente ocorreu à tarde; que não sabe onde estava o auxiliar no momento em que o falecido estava ajudando junto ao torno; que o falecido auxiliou por cerca de 5 minutos antes do acidente; que o falecido colocou a cabeça entre o contra-rolo e uma ferragem quando o contra-rolo subia, ao final do processo de laminação de uma tora; que não sabe porque o falecido agiu dessa forma.
3 - A 2ª testemunha da ré, contador da empresa, disse:
que não presenciou o acidente; que a empresa tem programa de prevenção de acidente.
No depoimento prestado pelo preposto da empresa na mencionada reclamatória trabalhista, ele afirma que o falecido operava o torno no dia do acidente, "ajudando a centrar tora", e que "o de cujus tinha prática na atividade de centrar toras, uma vez que trabalhava em tal atividade há um ano". Pelo depoimento da primeira testemunha da ré, o falecido nunca tinha operado o torno antes do acidente, o que evidencia a ausência de treinamento para a função. Apesar da divergência, certo é que não há comprovação de que o falecido tenha tido treinamento para operar o torno. A descrição do acidente por ela realizada, bem como a primeira foto constante do relatório do auditor fiscal evidenciam tanto a proximidade dos operadores das fontes de agarramento, corte e esmagamento, quanto a ausência de proteção dos operadores contra acesso acidental ou proposital às partes perigosas durante a operação. Como enfatizado pelo Juíza Trabalhista, a existência de programa de prevenção de acidentes é inútil se o cronograma de ação não é implementado; note-se que no primeiro PPRA juntado, sequer é identificado o perigo junto ao torno, apontado apena o ruído como risco físico; apenas a partir do terceiro PPRA aparece o risco de acidente, mas somente ao realizar a limpeza do torno para o operador, e ferimentos nas mãos e pés ao manusear toras para o auxiliar; todavia nenhuma medida é sugerida ou implementada (evento 73, OUT2 e OUT3).
A NR 12, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego desde 1978, regulamenta a Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos.
A necessidade de dispositivo de duplo acionamento referido pelo auditor está prevista nos itens 12.24 a 12.30. Além disso, o item 12.38 prevê que as "zonas de perigo das máquinas e equipamentos devem possuir sistemas de segurança, caracterizados por proteções fixas, proteções móveis e dispositivos de segurança interligados, que garantam proteção à saúde e à integridade física dos trabalhadores"; tais proteções eram necessárias, mas inexistentes no referido torno.
Portanto, caracterizada a violação às normas padrão de segurança e higiene do trabalho prevista no art. 120 da Lei 8.213/91 como ensejadora da responsabilidade do empregador em ressarcir o INSS.
Mais grave que tal violação é a utilização de menor púbere em trabalho incompatível com o desenvolvimento físico e mental dele.
O Decreto 6.841/2008, que regulamentou a Convenção 182 da OIT, dispõe em seus dois primeiros artigos:
Art. 1o Fica aprovada a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), na forma do Anexo, de acordo com o disposto nos artigos 3o, "d", e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de 1999 e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000.
Art. 2o Fica proibido o trabalho do menor de dezoito anos nas atividades descritas na Lista TIP, salvo nas hipóteses previstas neste decreto.
§ 1o A proibição prevista no caput poderá ser elidida:
I - na hipótese de ser o emprego ou trabalho, a partir da idade de dezesseis anos, autorizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, desde que fiquem plenamente garantidas a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes; e
II - na hipótese de aceitação de parecer técnico circunstanciado, assinado por profissional legalmente habilitado em segurança e saúde no trabalho, que ateste a não exposição a riscos que possam comprometer a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes, depositado na unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego da circunscrição onde ocorrerem as referidas atividades.
§ 2o As controvérsias sobre a efetiva proteção dos adolescentes envolvidos em atividades constantes do parecer técnico referido no § 1o, inciso II, serão objeto de análise por órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego, que tomará as providências legais cabíveis.
O anexo ao decreto inclui na referida lista TIP, no item 54, proibição do trabalho de menores no beneficiamento de madeira, e no item 87, em máquinas em trabalhos com madeira, serras circulares, serras de fita e guilhotinas. Não há afastamento de tal proibição pelas hipóteses apresentadas nos parágrafos do artigo segundo.
Não há o menor indício da sugestão de suicídio aventada pela ré. O acidente deve ser tributado exclusivamente ao réu, por conta das inúmeras violações às normas de segurança no ambiente de trabalho.
Destarte, efetivamente demonstrada a negligência da ré quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, o que permitiu o acidente de trabalho. Por consequência, nos termos do art. 120 da Lei nº 8.213/91, impõe-se a sua condenação ao ressarcimento das despesas do INSS com os pagamentos do benefício de pensão por morte concedida à dependente.
Referida condenação abrange a quantia já paga pelo autor, além dos valores que irão ser despendidos. O termo final constitui a data da cessação do benefício.
Para as parcelas vencidas, tratando-se de reparação civil, os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E a contar da data de cada pagamento realizado pelo INSS, e acrescidos de juros de 1% ao mês, a teor do disposto no artigo 406 do Código c/c o artigo 161, § 1º, do CTN, a contar da citação.
Contudo, não procede o pedido do INSS para que seja constituído capital para a garantia das parcelas vincendas, na medida em que, segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar, sendo certo que a aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o beneficiário não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia, inexistindo pois o perigo que o artigo 475-Q do CPC quis minimizar - garantia da subsistência do beneficiário.
Nesse sentido:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO DEMONSTRADA. VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO - SAT. NÃO-EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPREGADORA CASO DEMONSTRADA SUA CULPA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. APELOS DESPROVIDOS.
[...]
6. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia.
(TRF4 5008867-08.2011.404.7001, Terceira Turma, unanimidade, D.E. 25/11/2011)
Assim, deverá a parte ré efetuar o pagamento das parcelas vincendas, assim consideradas as posteriores ao trânsito em julgado desta demanda, juntamente com suas obrigações tributárias mensais em face da autora (contribuições previdenciárias), em sistemática a ser definida posteriormente pela autarquia previdenciária ou pela Receita Federal, atual arrecadadora das contribuições previdenciárias, e sujeita à atualização aplicável às contribuições previdenciárias em caso de inadimplemento".
Mantenho, pois, a sentença, por seus próprios fundamentos.
No que se refere ao ônus sucumbencial, mantenho os honorários advocatícios fixados pela sentença.
Porque, segundo o entendimento desta Corte, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da causa ou da condenação, ressalvadas as hipóteses quando o valor for muito superior ou muito aquém daquilo que efetivamente deveria receber o procurador da parte vencedora.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRECEDENTES. . Segundo o entendimento desta Corte, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da causa ou da condenação, ressalvadas as hipóteses quando o valor for muito superior ao que efetivamente deveria receber o procurador da parte vencedora. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5013633-19.2015.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/05/2015)
À ação foi atribuído o valor de R$ 29.537,36.
No caso dos autos, verifico que a aplicação do critério determinado tanto pela jurisprudência, quanto pela sentença, o montante se mostra adequado para remunerar o trabalho do advogado.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001478-25.2014.4.04.7014/PR
ORIGEM: PR 50014782520144047014
RELATOR | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | D. LAMINADOS LTDA. - ME |
ADVOGADO | : | RENATO DA SILVA OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/06/2016, na seqüência 709, disponibilizada no DE de 30/05/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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