Apelação Cível Nº 5007561-50.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: LACY PEREIRA CARVALHO SCHEFFMACHER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A parte autora ajuizou a presente ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social, em 15-05-2015, objetivando a concessão do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, desde a data do requerimento administrativo (16-06-2014).
Na sentença proferida em 30-08-2018, o magistrado a quo determinou a antecipação dos efeitos da tutela e julgou procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença, desde o requerimento na esfera administrativa (16-06-2014). Condenou o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Inconformadas, ambas a parte autora interpuseram recurso de apelação.
Nesta instância, a sentença foi anulada, de ofício, a fim de possibilitar a reabertura da instrução processual, com a oitiva das testemunhas quanto ao efetivo exercício do trabalho de agricultora pela autora no período de carência, a fim de complementar a prova material constante dos autos.
Em 14-04-2020 foi proferida nova sentença na qual o magistrado a quo julgou procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença, desde o requerimento administrativo (16-06-2014). Condenou o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em suas razões, a parte autora afirma, em síntese, que não reúne condições para retornar a exercer seu labor habitual de agricultora e/ou ser reabilitada profissionalmente, motivo pelo qual requer a conversão do benefício em aposentadoria por invalidez.
Postula, ainda, visando garantir vigência ao art. 85, § 3º, do CPC e, nesta medida, reconhecer a superação e afastar a incidência das Súmula nºs 111 do STJ e 76 deste e. TRF, a fixação de honorários advocatícios em percentual sobre o valor total da condenação, a ser apurado na fase de liquidação.
O INSS, por sua vez, alega que a parte autora não possui a qualidade de segurada especial e a carência na data de início da incapacidade apontada pelo perito judicial (29-07-2016).
Nesse sentido, afirma que o conjunto fraco e extemporâneo da prova material, aliado à prova testemunhal desencontrada quanto ao período de carência, não permite concluir que a autora efetivamente trabalhou como segurada especial no período anterior à DII.
Dessa forma, requer seja julgado improcedente o pedido, bem como revogada a tutela antecipada, determinando-se a devolução dos valores recebidos a título precário pela autora.
Postula, caso mantida a condenação, seja fixada a DIB em 29.07.2016 e a DCB em 29.07.2017, em conformidade com o laudo pericial, condenando-se a autora a devolver os valores indevidamente recebidos a título precário após tal data.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.
A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).
Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)
No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.
1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.
2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.
4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).
Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
Mérito
Qualidade de segurado e carência mínima
A controvérsia cinge-se à verificação da qualidade de segurada especial da autora e, caso preenchido tal requisito, à análise da existência de incapacidade que enseje a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez desde a data do requerimento administrativo.
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Não se exige prova plena da atividade rural de toda a vida do autor, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro de que o labor campesino fora exercido contemporaneamente ao período equivalente à carência.
Para comprovação da qualidade de segurada especial, a autora trouxe aos autos os documentos constantes no evento 2 - OUT6 - fls. 01-02 e evento 110 - DEC2 - fl. 10 e DEC3 - fls. 01 e 02, os quais foram corroborados pela prova oral produzida em 27-11-2019 (evento 112 - VÍDEO2 a VÍDEO4).
Em que pese o apelo do INSS, cabe destacar que a requerente juntou, entre outras, notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas emitidas em seu nome, dos anos de 2013, 2014 e 2015, e que as testemunhas reforçaram o entendimento de que a demandante sempre exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, plantando milho, feijão, trigo, etc.
Ressalto, ainda, que não se exige prova plena da atividade rural de toda a vida da autora, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro de que o labor campesino fora exercido contemporaneamente ao período equivalente à carência, o que, no caso dos autos, restou satisfeito.
Outrossim, conforme se verá adiante, o quadro incapacitante restou comprovado desde a época do requerimento administrativo (16-06-2014).
Dessa forma, entendo que o conjunto probatório demonstra o exercício da atividade rural pela autora, em regime de economia familiar, no período equivalente ao da carência exigida à concessão do benefício postulado.
No ponto, nego provimento ao apelo do INSS.
Incapacidade laboral
Resta, pois, averiguar a existência de incapacidade laboral que justifique a concessão dos benefícios postulados.
Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
No caso concreto, a parte autora possui 54 anos, e desempenha a atividade profissional de agricultora. Foi realizada perícia médica judicial, por especialista em medicina do trabalho, em 29-07-2016 (evento 2 - OUT50).
Respondendo aos quesitos formulados, assim se manifestou o perito:
FACE AO EXPOSTO, CONSIDERANDO ANAMNESE CLÍNICA E OCUPACIONAL, AVALIAÇÃO DE LAUDOS E EXAMES APRESENTADOS, E REALIZADO O EXAME MÉDICO PERICIAL NA AUTORA, SOMOS DO PARECER QUE A AUTORA É PORTADORA DE SÍNDROME DE COLISÃO (IMPACTO) NO OMBRO DIREITO - CID10 M75.4, POR ARTROSE PRIMÁRIA DOS OMBROS, ENQUADRADA NO CID10 – M15 COM CAUSA POR ARTROSE DEGENERATIVA. A ARTROSE SE MANIFESTA LENTAMENTE DURANTE O ENVELHECIMENTO E TEM UM IMPORTANTE COMPONENTE GENÉTICO, A OSTEOARTROSE PODE TER DIFERENTES GRAUS, DESDE UMA ARTROSE LEVE (SEM DOR OU PERDA DE FUNÇÃO) A UMA ARTROSE GRAVE EXTREMAMENTE LIMITANTE, EM QUE O PACIENTE PODE PERDER QUASE TODOS OS MOVIMENTOS DO OMBRO. APRESENTANDO RUPTURAS DO MANGUITO ROTADOR - CID10 M75.1, DOENÇA NESTE CASO E COM O BIOTIPO DA AUTORA DE CONCAUSA OCUPACIONAL. DESTE MODO NO CASO DO AUTORA TEMOS SÍNDROME DE COLISÃO DO OMBRO DIREITO DE INDICAÇÃO CIRÚRGICA, GRAU 3 DE NEER, QUAL PODE SER CONFIRMADO POR EXAME DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DE OMBROS, QUE ATÉ O MOMENTO NÃO FOI ENTREGUE, PORÉM O EXAME MEDICO PERICIAL COM ULTRASSONOGRAFIA COMPROVA A DOENÇA DE IMPACTO NO OMBRO DIREITO, SE MANIFESTA DE MODO PARCIAL E TEMPORÁRIO COM TRATAMENTO A SER REALIZADO, APRESENTANDO AO EXAME FÍSICO DEFICIT FUNCIONAL DE 50% NO OMBRO DIREITO, NÃO TENDO NO MOMENTO CONDIÇÕES DE RETORNO AS SUAS ATIVIDADES LABORAIS. COMO RELATOU ATIVIDADE NA AGRICULTURA/ROÇA COM BRAÇOS ELEVADOS ACIMA DOS OMBRO E CARGA COM PESOS, PARA ESTAS ATIVIDADES ESTA INAPTA ATÉ CONCLUIR
EFETIVO TRATAMENTO. O TRATAMENTO BASICAMENTE É CONSERVADOR E CIRÚRGICO, E PODE TER UM TEMPO DE RECUPERAÇÃO DE 12 MESES COM CIRURGIA CONFORME LITERATURA MÉDICA ESPECIALIZADA, DESTE MODO CONSIDERADA DE FORMA PARCIAL E TEMPORÁRIA, ENTRETANTO O TEMPO PREVISTO PARA RECUPERAÇÃO DEPENDE DO EFETIVO TRATAMENTO, RESPOSTA DA AUTORA AO TRATAMENTO, ESPECIALIDADES, REABILITAÇÃO OFERECIDA
(...)
Qual a data provável do inicio da incapacidade? Em não havendo possibilidade de fixar a data exata, o perito estimará, a vista dos exames a serem apresentados pela periciada, documentos juntados e histórico da doença, bem como seu estado clínico, o momento mais aproximado do inicio da incapacidade, se possível for.
RESPOSTA: 29/07/2016 INICIO DOS TRABALHOS PERICIAIS.
Como se vê, o perito judicial concluiu que a autora, por ser portadora de síndrome de colisão (impacto) no ombro direito (CID M75.4), por artrose primária dos ombros (CID M15) com causa por artrose degenerativa, está parcial e temporariamente incapacitada para o exercício de seu labor habitual de agricultora
Não obstante as conclusões do expert no sentido de que a incapacidade é parcial e temporária, analisando o conjunto probatório, parece-me improvável que a demandante reúna condições para retornar a exercer seu trabalho habitual e/ou ser reabilitada profissionalmente.
Nessa linha, cabe ressaltar que a autora apresenta restrições severas em razão da patologias ortopédicas suportadas, notadamente restrições para "trabalho com pesos acima de 2kg e com braços elevados acima dos ombros", conforme destacado pelo perito do juízo.
Diante desse cenário, parece-me razoável concluir que o quadro incapacitante é total para o exercício da atividade laborativa de agricultora, especialmente considerando a necessidade de realização de esforços físicos, característica inerente à profissão.
Cabe destacar, também, que a requerente possui indicação para a realização de tratamento cirúrgico, uma vez que apresenta ruptura do manguito rotador, o que corrobora a conclusão de que seu quadro clínico é severo e que o retorno ao exercício das atividades laborativas irá agravar, ainda mais, a sua condição de saúde.
Outrossim, cabe frisar que, embora haja a possibilidade de eventual cura da requerente mediante intervenção cirúrgica, não está a parte autora obrigada a sua realização, conforme consta no art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e no art. 15 do Código Civil Brasileiro. Neste sentido, assim tem se manifestado esta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. CURA POR CIRURGIA. INEXIGÊNCIA DE SUA REALIZAÇÃO. 1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. 2. Considerando as conclusões periciais, percebe-se que o autor está incapacitado para o trabalho até que realize o tratamento cirúrgico indicado. Contudo, embora tenha o laudo destacado a possibilidade de cura do requerente mediante intervenção cirúrgica, não está a parte autora obrigada a sua realização, conforme consta no art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e no art. 15 do Código Civil Brasileiro. 3. O fato de o autor, porventura, vir a realizar cirurgia e, em conseqüência desta, recuperar-se, não constitui óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, já que tal benefício pode ser cancelado, conforme o disposto no artigo 47 da LBPS. 4. Assim, é devida ao autor a aposentadoria por invalidez desde a data do cancelamento do auxílio-doença, com o pagamento das parcelas vencidas, ressalvados os valores pagos por força de tutela antecipada a título de auxílio-doença. (TRF4, APELREEX 0029565-11.2010.404.0000, Sexta Turma, de minha relatoria, D.E. 05/05/2011)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO LABORAL ATRAVÉS DE CIRURGIA. TERMO INICIAL.
(...)
2. Não constitui óbice à concessão da aposentadoria por invalidez o fato de haver possibilidade de recuperação laboral desde que realizada intervenção cirúrgica, porquanto o segurado não está obrigado, no âmbito do processo de reabilitação profissional, à sua realização, dados os riscos inerentes àquela espécie de procedimento e a prerrogativa pessoal de deliberação sobre a exposição da própria integridade física. ( AC n° 2000.70.01.005657-0/PR, 2ª Turma Suplementar do TRF da 4ª Região, rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, julgado em 22/06/2005)
Veja-se que o fato de a parte autora, porventura, vir a realizar cirurgia e, em consequência desta, recuperar-se, não constitui óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, já que tal benefício pode ser cancelado, conforme o disposto no artigo 47 da LBPS.
Em relação ao termo inicial, em que pese o perito judicial não tenha sido taxativo quanto à data de início da incapacidade, haja vista ter apontado a existência de sintomas incapacitantes a contar do exame pericial, percebe-se que a requerente juntou documentos médicos que evidenciam alterações importantes no quadro clínico relacionado aos ombros, desde a época do requerimento administrativo (evento 2 - OUT7 - fls. 01 a 03).
No ponto, destaco que a parte demandante juntou exames médicos de julho de 2014 com diagnóstico de tendinopatia infraespinhal, tendinopatia supraespinhal e alterações degenerativas na articulação acromioclavicular.
Por conta desse cenário, mostra-se razoável concluir que o quadro incapacitante suportado pela parte autora remonta à época do requerimento administrativo (16-06-2014).
Dessa forma, tendo o conjunto probatório apontado a existência de incapacidade laboral desde a época do requerimento administrativo (16-06-2014), o benefício de auxílio-doença é devido desde então, convertido em aposentadoria por invalidez a partir da perícia médica judicial (29-07-2016), devendo o INSS pagar à autora as respectivas parcelas, descontados os valores já adimplidos por força da antecipação de tutela.
Restando comprovado que o benefício é devido desde a época do requerimento administrativo (16-06-2014), não há se falar em devolução de valores percebidos a título de tutela antecipada.
No ponto, dou provimento ao apelo da parte autora e nego provimento ao apelo do INSS.
Correção monetária e juros moratórios
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, em 03-10-2019, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, até 29-06-2009 devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987, aplicável, analogicamente, aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte. A partir de 30-06-2009, por força da Lei n. 11.960, de 29-06-2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
Honorários advocatícios
Alega a parte autora que a Súmula nº 111 do STJ estaria superada pelo novo Código de Processo Civil, uma vez que o art. 85, § 3º, prevê que a fixação dos honorários, em ações em que a Fazenda Pública for parte, deverá observar percentuais que variam de acordo com o valor da condenação ou do proveito econômico, e, sendo tal montante calculado apenas na fase de liquidação, sobre esse valor é que deve incidir o percentual da verba honorária.
Além disso, aduz que a previsão constitucional da garantia da celeridade processual, aliada a inovações tecnológicas como o processo eletrônico, tornou a tramitação dos feitos previdenciários muito mais rápida do que na época da edição da referida Súmula, de modo que a aplicação do enunciado nos dias atuais acaba por penalizar os procuradores dos segurados.
Não obstante os argumentos declinados pelo demandante, entendo que não lhe assiste razão.
A Súmula nº 111, editada em 13-10-1994 e revista em 04-10-2006, assim dispõe:
Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.
Para melhor compreensão da teleologia do enunciado, transcrevo, a seguir, trecho do voto condutor do acórdão de um de seus precedentes (EREsp 195.520/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 22/09/1999, DJ 18/10/1999, p. 207):
"[...] A questão agora é outra, é saber o momento a partir do qual as prestações deixam de ser vencidas e passam a ser vincendas para efeito de fixação da verba honorária.
As duas Turmas que compõem a Terceira Seção têm divergido nas soluções para o caso.
Na Quinta Turma, o eminente Ministro José Arnaldo da Fonseca, citando precedente da relatoria do eminente Ministro Cid Flaquer Scartezzini, decidiu que se deve considerar as prestações vencidas até o momento da prolação da sentença (REsp 172.171/SP, DJU de 14.09.98, p. 111).
Já o eminente Ministro Edson Vidigal acolheu a tese (REsp 136.032/SP, DJU de 23.05.98, p. 128) no sentido de que o marco final para a apuração das prestações vencidas deve ser o trânsito em julgado da decisão judicial.
Na Sexta Turma, também houve controvérsias. O eminente Ministro Vicente Leal adotou entendimento pelo qual as prestações vencidas são aquelas devidas até a data da elaboração da conta de liquidação (REsp 112.027/SP, DJU de 07.04.97, p. 11.216). Assim também decidiu o eminente Ministro William Patterson no REsp 145.730/SP, DJU de 20.10.97, p. 53.163.
O eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, dando como pacificada a matéria na Terceira Seção, julgou ser o trânsito em julgado da sentença condenatória o termo final para o cômputo das prestações vencidas (REsp 180.330/SP, DJU de 09.11.98, p. 197), citando precedentes relatados pelos Ministros William Patterson e Edson Vidigal.
Com a devida vênia aos entendimentos contrários, deve prevalecer a tese de que as prestações a serem consideradas na fixação dos honorários são aquelas vencidas ate o momento da prolação da sentença. O argumento principal é o de que, se assim não for, cria-se um conflito de interesses inevitável entre o advogado, para quem a protelação do fim da causa torna-se vantajosa, e a parte, cujo interesse, normalmente, é pela mais rápida solução do litígio.
Tomando-se o marco final das prestações vencidas como o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma situação inusitada, na qual a morosidade do término do processo reverte em maiores ganhos ao patrocinador do segurado.
Conclui-se, portanto, que os honorários devem ser fixados considerando apenas as parcelas vencidas até o momento da prolação da sentença. [...]"
Com efeito, a Súmula em questão superou entendimentos no sentido de que, em ações previdenciárias, a verba honorária deveria incidir sobre as parcelas devidas até o trânsito em julgado, ou como pretende o recorrente no presente feito, sobre o montante apurado na liquidação, fazendo prevalecer o entendimento de que o limite temporal é a data da sentença.
A respeito do valor da condenação, registro que, em outro precedente (EREsp 198.260/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em 13/10/1999, DJ 16/11/1999, p. 183), a 3ª Seção do STJ consignou que sua orientação "[...] encontra apoio na literalidade do §3º do art. 20 do CPC, para o qual (sic) "os honorários serão fixados...sobre o valor da condenação...", entendido este valor dentro dos limites do pedido que, por óbvio, não pode abranger além da data da sentença."
Tendo isso em conta, bem como o fato de não haver notícias acerca da possibilidade de cancelamento do enunciado, tampouco vislumbro conflito entre seu conteúdo e o da redação do art. 85, § 3º, do novo CPC.
Isso porque o dispositivo estipula que os honorários sejam fixados sobre o valor da condenação ou do proveito econômico, não diferindo assim, essencialmente, do comando do artigo correspondente no Código anterior (art. 20. omissis. § 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:). A diferença reside na atual previsão de diferentes faixas percentuais, que variam conforme o valor da condenação em salários-mínimos. Nesses termos, colaciono recente julgado desta Turma acerca do tema:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 85, CPC/2015. SÚMULA 111 DO STJ.
1. A orientação da Súmula 111 do STJ permanece válida na vigência do Código de Processo Civil de 2015.
2. Não há incompatibilidade entre o conteúdo da Súmula 111 e o § 3º do art. 85 do CPC de 2015.
3. As teses relativas ao percentual de juros e o índice de correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução, de modo a racionalizar o andamento do presente processo de conhecimento. (TRF4 5040765-56.2017.404.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 20/09/2017)
No que diz respeito à questão da celeridade processual, registro que, embora inovações tecnológicas como o processo eletrônico tenham, de fato, agilizado o julgamento das demandas, a distribuição de feitos previdenciários aumenta a cada ano, gerando congestionamento tanto na primeira quanto na segunda instância, de modo que ainda não se pode considerar, analisando-se a situação da 4ª Região como um todo, que o julgamento dos processos previdenciários seja célere.
Nesses termos, no caso, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.
No ponto, nego provimento ao apelo da parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001842637v20 e do código CRC fc42377e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
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Apelação Cível Nº 5007561-50.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: LACY PEREIRA CARVALHO SCHEFFMACHER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. COMPROVADA. INCAPACIDADE LABORAL. CURA POR CIRURGIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
1. Conforme a regra da singularidade recursal estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil (art. 496, § 1º), tendo sido interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
2. Hipótese em que restou demonstrado o exercício de atividade rural pela autora, em regime de economia familiar, no período equivalente ao da carência exigida à concessão do benefício postulado.
3. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
4. Considerando as conclusões do perito judicial, percebe-se que a parte autora está incapacitada para o trabalho, bem como necessita realizar tratamento cirúrgico. Contudo, não está o demandante obrigado a sua realização, conforme consta no art. 101, caput, da Lei 8.213/91 e no art. 15 do Código Civil Brasileiro.
5. O fato de a parte autora, porventura, vir a realizar cirurgia e, em consequência desta, recuperar-se, não constitui óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, já que tal benefício pode ser cancelado, conforme o disposto no artigo 47 da LBPS.
6. A orientação da súmula 111 do STJ permanece válida na vigência do Código de Processo Civil de 2015.
7. Majoração de honorários advocatícios para 12% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001842638v7 e do código CRC 6d5fe8b4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 20/07/2020
Apelação Cível Nº 5007561-50.2019.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: LACY PEREIRA CARVALHO SCHEFFMACHER
ADVOGADO: RODRIGO LUIS BROLEZE (OAB SC011143)
ADVOGADO: LUIZ CARLOS SABADIN (OAB SC038097)
ADVOGADO: JOSE EMILIO BOGONI (OAB SC004151)
ADVOGADO: THIAGO BUCHWEITZ ZILIO (OAB SC029884)
ADVOGADO: THIAGO BUCHWEITZ ZILIO
ADVOGADO: JOSE EMILIO BOGONI
ADVOGADO: LUIZ CARLOS SABADIN
ADVOGADO: RODRIGO LUIS BROLEZE
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 20/07/2020, às 16:00, na sequência 705, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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