Apelação/Remessa Necessária Nº 5021120-06.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIO VALDOMIRO PETTER
ADVOGADO: VICENTE FLECK DE OLIVEIRA (OAB RS073662)
RELATÓRIO
ELIO VALDOMIRO PETTER propôs ação ordinária contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em 29/03/2016, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 30/10/2013, mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural nos intervalos de 01/01/1980 a 21/04/1983 e 25/04/1986 a 14/05/1989, bem como do desempenho de atividades em condições especiais nos períodos de 22/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 30/12/1983, 16/02/1984 a 21/09/1984, 20/01/1986 a 24/04/1986, 12/07/1993 a 22/03/1999, 26/07/1999 a 14/02/2002, 12/07/2004 a 05/01/2011 e 06/08/2002 a 13/02/2004.
Em 16/04/2019 sobreveio sentença (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 41-50; PROCJUDIC6, fls. 01-12) que julgou procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:
(...)
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ELIO VALDOMIRO PETTER em face de INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, nos termos do artigo art. 487, inciso I, do CPC, para o efeito de:
a) RECONHECER e COMPUTAR como rurais os interregnos de 01/01/1980 a 21/04/1983 e 25/04/1986 a 14/05/1989;
b) RECONHECER e COMPUTAR como especiais os interregnos de 22/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 30/12/1983, 16/02/1984 a 21/09/1984, 20/01/1986 a 24/04/1986, 12/07/1993 a 22/03/1999, 26/07/1999 a 14/02/2002 e 12/07/2004 a 05/01/2011 e 06/08/2002 a 13/02/2004.
c) CONDENAR o INSS a conceder, ao autor, a aposentadoria por tempo de contribuição integral, averbando os tempos de serviço especial exercidos pelo demandante, com sua conversão pelo fator 1,4, devendo ser implementadas e pagas as parcelas desde a data do requerimento administrativo (30/10/2013 – fl. 32), acrescidas estas de correção monetária pelos índices do IGP-DI até 03/2006, INPC até 29/06/2009, com juros de 1% ao mês, índices da poupança (TR + juros de 0,5% ao mês), já incluídos os juros de 01/07/2009 até 25/03/2015, data após a qual os créditos deverão ser corrigidos pelo IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial), em razão do julgamento de questão de ordem para modulação dos efeitos da decisão proferida nas ADIs 4.357 e 4.425. O termo inicial da correção é a data em que os pagamentos deveriam ter sido realizados;
d) CONDENAR o demandado ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais serão fixados quando da liquidação do julgado, conforme dispõe o art. 85, §4º, II, do CPC;
Isento, contudo, o réu, quanto ao pagamento das custas processuais, por se tratar de autarquia federal.
Após o decurso do prazo para a interposição de recursos voluntários, com ou sem a apresentação destes, subam os autos à Superior Instância para Reexame Necessário, na forma do art. 496, I, do CPC.
(...)
Inconformada, a Autarquia Previdenciária interpôs recurso de apelação, sustentando, inicialmente, a ausência de comprovação, mediante início de prova material, do retorno do autor ao meio rural no intervalo de 25/04/1986 a 14/05/1989, já que, no período imediatamente anterior, possui diversos vínculos urbanos registrados em CTPS. Aduziu que, uma vez iniciado o labor urbano, mostra-se razoável exigir a prova do retorno ao campo, pois não há como se presumir que o segurado tenha abandonado o meio urbano e voltado às lides campesinas. Referiu também a impossibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 05/03/1997 a 22/03/1999, 26/07/1999 a 14/02/2002, 06/08/2002 a 13/02/2004 e 12/07/2004 a 05/01/2011, ante a não demonstração da exposição da parte autora a agentes nocivos à sua saúde em patamar e forma considerados como insalubres pela legislação previdenciária (
, fls. 17-25).Com contrarrazões ao recurso, e por força do reexame necessário, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
Em petição vinculada ao
, a parte autora postulou a antecipação dos efeitos da tutela, tendo em vista o acometimento por problemas de saúde, conforme laudos médicos anexados.VOTO
Legislação Aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Remessa necessária
O artigo 496 do Código de Processo Civil/2015 estabelece que a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.
Exclui-se a obrigatoriedade do referido duplo grau de jurisdição sempre que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para a União, respectivas autarquias e fundações de direito público (artigo 496, §3º, inciso I).
Segundo informação da Divisão de Cálculos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, verificou-se que, em sentenças proferidas na vigência do Código de Processo Civil de 2015, as condenações ao pagamento de benefício previdenciário - seja benefício de valor mínimo, seja benefício de valor máximo - por prazo inferior a dez anos não admitem a remessa necessária. Tal prazo deve ser aferido entre a data de entrada de requerimento ou a data de início do benefício e a data em que proferida a sentença, excluídas as parcelas prescritas e os valores já percebidos a título de antecipação de tutela ou tutela provisória.
De acordo com julgado do Superior Tribunal de Justiça, reafirmado em decisão monocrática no Recurso Especial 1.577.902, proferida pelo Ministro Humberto Martins, em 2/2/2016, "É líquida a sentença que contém em si todos os elementos que permitem definir a quantidade de bens a serem prestados, dependendo apenas de cálculos aritméticos apurados mediante critérios constantes do próprio título ou de fontes oficiais públicas e objetivamente conhecidas." (REsp 937.082/MG, Relator Ministro João Otávio de Noronha 4ª Turma, julgado em 18/9/2008, DJe 13/10/2008 ). Outras decisões monocráticas no mesmo sentido foram proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, em datas mais recentes, como o Recurso Especial 1.513.537/MG, Ministro Og Fernandes, em 24/11/2016, e o Recurso Especial 1.656.578/RS, Ministro Gurgel de Faria, em 6/3/2017.
Na espécie, são devidos valores a contar de 30/10/2013, data da DER, até 16/04/2019, data em que foi proferida a sentença, perfazendo um lapso temporal inferior a dez anos.
Assim, embora ainda não seja possível calcular o valor da renda mensal inicial do benefício, é perfeitamente viável estimar o valor da condenação em valor manifestamente inferior ao limite legal de 1.000 salários mínimos para o reexame obrigatório.
Efetivamente, a análise do conceito de sentença ilíquida ganhou novos contornos a partir do novo Código de Processo Civil, de modo que aquilo que era regra, passou a ser claramente uma exceção, conforme se depreende da leitura da Nota Técnica n.º 03, emitida pelo Centro de Inteligência da Justiça Federal.
Logo, trata-se, apenas, de aparente iliquidez, de pronto afastada por simples cálculos aritméticos, razão pela qual se trata, na verdade, de sentença líquida e, portanto, não sujeita à remessa necessária. Nesse sentido, inclusive, recente julgado do STJ (REsp 1844937/PR, de 12/11/2019, DJe 22/11/2019).
Por este motivo, a sentença não está sujeita à remessa necessária, não se aplicando, à hipótese, o enunciado da Súmula 490 do STJ e o tema 17 do STJ.
Nestes termos, não conheço da remessa necessária. Não havendo interposição de recurso voluntário pelo INSS nos pontos, resta mantida a sentença quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural no intervalo de 01/01/1980 a 21/04/1983, bem como do exercício de atividade especial, pela parte autora, nos períodos de 22/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 30/12/1983, 16/02/1984 a 21/09/1984, 20/01/1986 a 24/04/1986 e 12/07/1993 a 04/03/1997.
Atividade rural
Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).
A respeito do assunto, encontra-se longe de mais alguma discussão, no âmbito dos tribunais, a necessidade de que o período de tempo de atividade seja evidenciado por documentos que informem, a cada ano civil, o seu exercício (TRF4: AC 2003.04.01.009616-5, 3ª Seção, Relator Desembargador Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. de 19/11/2009; EAC 2002.04.01.025744-2, 3ª Seção, Relator para o Acórdão Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14/6/2007; EAC 2000.04.01.031228-6, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU de 9/11/2005). Também já está fora de qualquer dúvida, a possibilidade de que os documentos civis, como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, em que consta a qualificação, como agricultor, do parte autora da ação, assim como de seu cônjuge ou de seus pais (Súmula 73 deste Tribunal), constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008; AMS 2005.70.01.002060-3, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31/5/2006).
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, a existência de registro contemporâneo em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, em tese, não haveria necessidade de inquirir testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos, porém, a documentação apresentada é insuficiente à comprovação do tempo de atividade rural, do que resulta a habitual complementação por meio do depoimento de testemunhas.
Em razão disso, a qualidade do início de prova material não pode ser isoladamente avaliada sem que seja compreendido o contexto probatório, a que se aduz, em regra, a produção da prova oral. Decorre dessa orientação, que a diversidade de documentos que podem constituir início de prova material impõe conclusões judiciais igualmente distintas, sem que para tanto deva existam premissas invariáveis como, aparentemente, poderia constituir a obrigatoriedade de presença nos autos de documentos relacionados ao começo do período a ser comprovado, ou, ainda, a retroação da eficácia temporal, de modo fixo, a um número restrito de anos.
A irradiação temporal dos efeitos do início de prova material dependerá do tipo de documento, das informações nele contidas (havendo distinções conforme digam respeito ao próprio parte autora da ação, ou a terceiros) e das circunstâncias que envolvem o quadro fático descrito no processo.
Registre-se que os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando relacionados à respectiva titularidade dos pais ou do cônjuge, consubstanciam admitido início de prova material do trabalho rural.
Com efeito, como o artigo 11, §1º, da Lei 8.213/1991, define regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, deverá ser cauteloso o exame da prova, na medida em que, no mais das vezes, os atos negociais do grupo parental são formalizados, não individualmente, mas em nome do pai da família ou cônjuge masculino, que naturalmente representa a todos.
Essa compreensão está sintetizada na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Por fim, a respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
O autor, nascido em 24/08/1965, filho de Olmiro Antonio Petter e Aracy Petter (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 27), buscou o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 01/01/1980 a 21/04/1983 e 25/04/1986 a 14/05/1989, os quais restaram reconhecidos na sentença.
Inconformado, apelou o INSS, aduzindo, em síntese, a ausência de comprovação, mediante início de prova material, do retorno do autor ao meio rural no intervalo de 25/04/1986 a 14/05/1989, já que, no período imediatamente anterior, possui diversos vínculos urbanos registrados em CTPS.
Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos os seguintes documentos:
a) certidões de nascimento dos irmãos do autor, lavradas em 22/09/1977 e 26/07/1979, constando a qualificação profissional do genitor como agricultor (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 35 e 37);
b) informações relativas a benefício de aposentadoria por invalidez concedido ao pai do autor em 01/10/1996, constando o cadastro como segurado especial e ramo de atividade rural (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 38);
c) certidão de alistamento militar do autor, datada de 09/03/1983, constando a sua qualificação profissional como agricultor (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 39).
No que se refere à prova oral, na Justificação Administrativa foram ouvidas três testemunhas (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 42-44), de cujos depoimentos se extrai, em suma, o seguinte (conforme sentença):
(...)
Outrossim, analiso, agora, o depoimento das testemunhas inquiridas no processo administrativo.
TELMO DARCI HERMANN, VALDEMAR FRANZMANN e JAIR ITAMAR GERHKE referiram que conhecem o autor desde que ele era uma criança. Disseram que eram vizinhos e que viam o demandante laborar na roça com seus pais e irmãos, nas terras da família, desde que o requerente tinha 10 anos de idade até os 17 anos. Asseveraram que a família vivia da agricultura e que não possuíam empregados. Referiram que o requerente, após seu alistamento militar, retornou a residir e trabalhar na lavoura com os pais, por mais 05 anos, até iniciar seu período de labor urbano (fls.41/43).
(...)
No caso, os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do labor rural porque denotam a vinculação da parte autora e de sua família ao meio rural e, para complementá-los, foram ouvidas testemunhas, cujos depoimentos confirmaram o desempenho de atividade agrícola, em regime de economia familiar. Ademais, não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, tampouco se exige que os documentos apresentados estejam todos em nome da própria parte autora, vez que a atividade rural pressupõe a idéia de continuidade e não de eventualidade, sendo ilógico exigir um documento para cada ano trabalhado.
Por outro lado, observo que o autor possui vínculos urbanos no intervalo de 22/04/1983 a 30/11/1983, laborado junto à empresa Indústria de Peles Minuano Ltda., e nos períodos de 01/12/1983 a 30/12/1983, 16/02/1984 a 21/09/1984 e 20/01/1986 a 24/04/1986, laborados junto à empresa Calçados Malu Ltda. (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 40-41).
Entendo que, em situações nas quais se verifica alternância entre vínculos urbanos e regresso à atividade rurícola, exige-se um maior rigor quanto a elementos de provas documentais a revelar que, de fato, nos intervalos em que cessados os vínculos urbanos, o segurado voltava à atividade campesina em companhia da família.
Ou seja: exige-se prova material do retorno ao labor agrícola após vínculo empregatício urbano (preferencialmente em nome próprio, inclusive), especialmente quando este perdura por longo período (no caso, por três anos), já que a alternância das atividades urbanas e rurais interfere na evidenciação da vocação do segurado especial e quebra a idéia de continuidade do serviço rural, impedindo que documentos de épocas pretéritas ao vínculo sirvam para o reconhecimento do labor agrícola posterior.
No caso em apreço, não se extrai do conjunto probatório qualquer prova material que permita concluir, com razoável margem de certeza, que o autor tenha regressado às lides campesinas no período de 25/04/1986 a 14/05/1989, de modo que a improcedência do pedido é medida que se impõe.
Portanto, deve ser provida a apelação do INSS, no tópico, para afastar o reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 25/04/1986 a 14/05/1989.
Atividade Especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente à época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18/11/2009; APELREEX 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. 30/3/2010; APELREEX 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/3/2010; APELREEX 2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. 25/1/2010).
Feitas estas observações e tendo em vista a sucessão de leis que trataram a matéria diversamente, é necessário inicialmente definir qual deve ser aplicada ao caso concreto, ou seja, qual a que se encontrava em vigor no momento em que a atividade foi prestada pelo segurado.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei 3.807/1960 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991 (LBPS), em sua redação original (artigos 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp 941885/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 4/8/2008; e STJ, REsp 639066/RJ, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 7/11/2005), quando então se fazia indispensável a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos;
b) a partir de 29 de abril de 1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que a revogou expressamente - de modo que, para o intervalo compreendido entre 29/4/1995 (ou 14/10/1996) e 5/3/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória 1.523/1996 (convertida na Lei 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
A respeito da possibilidade de conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, assim decidiu, admitindo-a mesmo após 28 de maio de 1998:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO. 1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91. 2. Precedentes do STF e do STJ.
Assim, considerando que o artigo 57, §5º, da Lei 8.213/1991 não foi revogado, nem expressa, nem tacitamente, pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (artigo 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28 de maio de 1998.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Os períodos controversos de atividade exercida em condições especiais estão assim detalhados:
1) Período: 05/03/1997 a 22/03/1999
Empresa: Indústria de Calçados West Coast Ltda.
Ramo: Indústria de Calçados
Função/Atividades: Serviços Polivalente no setor Montagem (atividades, conforme laudo pericial judicial: "(...) operava a máquina de montar bico abastecendo-a com materiais, acionando e retirando as peças prontas, limpava a sola com solvente, passava cola no calçado com pincel").
Provas: PPP (evento 3, PROCJUDIC2, fls. 19-20); laudo pericial judicial produzido em outra demanda, na mesma empresa, relativo ao cargo de Montador Manual no setor Montagem (evento 3, PROCJUDIC2, fls. 21-26); laudo pericial judicial, por similaridade (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 37-49); CTPS (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 29).
Agentes nocivos: Agentes químicos - Hidrocarbonetos aromáticos (acetona, hexano, tolueno, acetato de etila, solventes).
Enquadramento legal: Códigos 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto 83.080/1979.
Conclusão: Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição ao agente nocivo referido.
2) Períodos: 26/07/1999 a 14/02/2002 e 12/07/2004 a 05/01/2011
Empresa: Indústria e Comércio de Calçados Malu Ltda.
Ramo: Indústria de Calçados
Função/Atividades:
- 26/07/1999 a 14/02/2002: Montador de Amostras A no setor P & D - Costura Lote (atividades, conforme PPP: "Realiza a conformação do traseiro do sapato; Prega o cabedal na forma; Opera a máquina de montar bico; Realiza a montagem das laterais do sapato; Opera a máquina de planta e cama do salto; Auxilia nas atividades diversas de aplicação de adesivo na palmilha, separação e preparo de formas, (...)".
- 12/07/2004 a 28/02/2005 e 01/11/2005 a 05/01/2011: Montador à Máquina A no setores Fábrica - Montagem e Fábrica de Amostra (atividades, conforme PPP: "Retira os pés de sapato da bandeja e coloca na máquina estufa; Coloca o cabedal e forma vaporizado na máquina de montar o bico; Verifica após o automático da máquina liberar o sapato; Retira os resíduos de cola, contidos nas pinças, na região de colagem da máquina; Observa os rolos de cola, caso esteja terminado; (...)".
- 01/03/2005 a 31/10/2005: Aux. Industrial I no setor Fábrica - Montagem (atividades, conforme PPP: "Atua em todas as etapas da produção de calçados (distribuição, Montagem, acabamento e expedição), preparam peças e solas, montam o sapato, realizam acabamento e encaixotamento do sapato até o embarque, (...)".
Provas: PPPs (evento 3, PROCJUDIC2, fls. 32-36); laudo pericial judicial (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 37-49); CTPS (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 30).
Agentes nocivos: Agentes químicos - Hidrocarbonetos aromáticos (hexano, tolueno e cetona, devido à manipulação de colas, tintas, thinner e solventes).
Enquadramento legal: Códigos 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto 83.080/1979.
Conclusão: Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição ao agente nocivo referido.
3) Período: 06/08/2002 a 13/02/2004
Empresa: Dass Nordeste Calçados e Artigos Esportivos Ltda./ Calçados Dilly S/A
Ramo: Indústria de Calçados
Função/Atividades: Montador à máquina no setor Montagem (atividades, conforme PPP: Montar bico à máquina; passar cola; montar à mão; montar enfranque).
Provas: PPP (evento 3, PROCJUDIC2, fls. 44-45); laudo pericial judicial, por similaridade (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 37-49); CTPS (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 30).
Agentes nocivos: Agentes químicos - Hidrocarbonetos aromáticos (manuseio de adesivos à base de solventes, acetona, MEC, tolueno).
Enquadramento legal: Códigos 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto 83.080/1979.
Conclusão: Restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição ao agente nocivo referido.
Agentes químicos - Hidrocarbonetos aromáticos
Em relação aos agentes químicos, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região firmou o entendimento de que a exposição qualitativa a tais agentes pode ser reconhecida somente até 2/12/1998. Nesse sentido: Recurso 5016061-95.2012.404.7107, TRU4, Relator para o acórdão Dr. João Batista Lazzari, D.E. 2/4/2013. Isso porque, a partir da publicação da Medida Provisória 1.729, de 3/12/1998, convertida na Lei 9.732, as disposições trabalhistas concernentes à caracterização de atividade ou operações insalubres, consagradas na NR-15, com os respectivos conceitos de “limites de tolerância”, “concentração”, “natureza” e “tempo de exposição ao agente”, é que devem reger a caracterização da natureza da atividade, para fins previdenciários.
Desse modo, até 2/12/1998, a atividade pode ser enquadrada como especial pela simples avaliação qualitativa da exposição aos agentes químicos. A partir de 3/12/1998, devem ser observados os limites constantes da NR-15, que regula as atividades e operações insalubres no âmbito trabalhista.
Entretanto, há que se atentar para as particularidades da própria regulamentação no tocante às diversas substâncias. Por exemplo, a NR-15 dispõe que são consideradas atividades ou operações insalubres aquelas listadas no Anexo 13, sendo que a caracterização de insalubridade das atividades mencionadas nesse Anexo não exige a superação de níveis de concentração, de modo que, no que se refere às atividades que envolvem os agentes ali previstos, a avaliação da nocividade das atividades/operações continua sendo qualitativa. É o caso, por exemplo, de funções em contato com hidrocarbonetos aromáticos, solventes, óleos minerais, parafina e outras substâncias reconhecidamente cancerígenas, motivo pelo qual, mesmo após 3/12/1998, sua mera presença aferida de forma qualitativa (não quantitativa) permite o enquadramento do período como especial, na hipótese de exposição habitual e permanente.
Especificamente em relação aos hidrocarbonetos importa referir que podem ser aromáticos e alifáticos, sendo que o elemento base para a classe dos hidrocarbonetos aromáticos é o benzeno, uma vez que todos os aromáticos possuem pelo menos um anel benzênico. É uma substância usada como solvente (de iodo, enxofre, graxas, ceras, etc.) e matéria-prima básica na produção de muitos compostos orgânicos importantes tais como fenol, anilina, trinitrotolueno, plásticos, gasolina, borracha sintética, colas, tintas, corantes, lubrificantes, detergentes, explosivos, napalm, pesticidas, entre outros.
É um composto tóxico, cuja exposição tem graves efeitos na saúde. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (US Department of Health and Human Services, DHHS) classifica o benzeno como um cancerígeno humano porque a exposição prolongada ao benzeno pode provocar leucemia, um tipo de câncer do sangue para os órgãos hematopoiéticos, potencialmente fatal em indivíduos suscetíveis. Em particular, a leucemia mieloide aguda ou leucemia não linfocítica, aguda não são contestadas como sendo causadas pelo benzeno. O benzeno também é largamente conhecido por atingir fígado, rins, pulmões, coração e cérebro, podendo causar, inclusive, quebra da cadeia de DNA, provocando danos cromossômicos e, via de consequência, diversos tipos de câncer.
Desse modo, por se tratar de substância comprovadamente cancerígena, os hidrocarbonetos aromáticos dispensam a apresentação de análise quantitativa.
Indústrias calçadistas
É fato notório que nas empresas do ramo calçadista os operários são contratados como serviços gerais, ajudante, auxiliar, atendente, entre outros, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda, que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos, cuja exposição tem graves efeitos na saúde, sendo o primeiro classificado, inclusive, como cancerígeno pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos – DHHS, dispensando, por isso, a apresentação de análise quantitativa. Acrescente-se que este tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde.
Neste contexto, a realidade e a singularidade das funções exercidas pelos trabalhadores da indústria de calçados, não pode ser ignorada, razão por que a prova pericial pode ser produzida em empresa similar àquela falida ou desativada. Se a perícia assim realizada for compatível com as informações sobre as atividades exercidas em condições especiais, ainda que tais informações tenham sido preenchidas por síndico ou sindicato, isto não deixará dúvida acerca dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto, assegurando-lhe o direito à conversão para tempo comum daquele tempo de serviço exercido numa atividade que efetivamente era especial.
Vale destacar ainda, que não se desconhece a inexistência de previsão legal da categoria de trabalhador na indústria calçadista ou algo equivalente no Anexo III do Decreto 53.831/64 e no Anexo II do Decreto 83.080/79. Entretanto, é importante esclarecer que o reconhecimento da especialidade aqui efetuado não equivale a um enquadramento por categoria profissional, visto que decorre de pacificada construção jurisprudencial, fruto de reiteradas ações judiciais propostas ao longo do tempo, nas quais a prova técnica, normalmente pericial, evidencia a execução do labor em um único pavilhão, o qual, via de regra, não possui separação entre os setores e, invariavelmente, aponta a execução de atividades que demandam o contato diuturno com agentes químicos, sobretudo, hidrocarbonetos aromáticos.
Habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos
Para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço desenvolvido pelo trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. Nesse sentido: EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Relator Desembargador Federal Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 8/1/2010 e EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 3/3/2004.
Equipamentos de proteção individual (EPI)
Quanto à utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), destaco que a partir de 3/12/1998, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo - ARE 664335, submetido ao regime de repercussão geral (Tema 555), Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014 e publicado em 12/2/2015, o uso de equipamentos de proteção individual somente descaracterizaria a atividade em condições especiais se comprovada, no caso concreto, a real efetividade, suficiente para afastar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.
No caso sob análise, ainda que alguns documentos façam referência ao uso de equipamentos de proteção, não restaram demonstrados o efetivo fornecimento pela empresa, a intensidade de proteção proporcionada ao trabalhador, o treinamento e uso efetivo do equipamento durante toda a jornada de trabalho e a respectiva fiscalização pelo empregador. Assim, o eventual emprego desses acessórios não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço em exame.
Além disso, para que se pudesse presumir a neutralização do agente agressivo, seriam necessárias provas concretas da qualidade técnica do equipamento, descrição de seu funcionamento e efetiva medição do quantum que os artefatos podem elidir - ou se realmente podem neutralizar - o que não ocorreu no caso em apreço. Qualquer referência à neutralização do agente agressivo por meio de equipamento de proteção, para ser considerada, deve ser palpável e concreta e não feita de maneira genérica. É indispensável que se comprove, pelo uso da tecnologia e mediante demonstração razoável, que o equipamento neutraliza o agente, se efetivamente é permanentemente utilizado e desde que período; do contrário, não pode ser afastado o enquadramento da atividade como sujeita a agentes nocivos.
Ademais, observo que este Tribunal, no julgamento do processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC, recebido como recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese, relativamente ao Tema IRDR15/TRF4: A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.
Nesse mesmo julgamento foram fixadas, também, as situações que dispensam a análise referente à utilização de EPIs, cabendo o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o PPP da empresa indique a adoção de EPI eficaz:
(...)
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º: Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)"
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015: Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. Apelação/Remessa Necessária 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Relator Ézio Teixeira, 19/4/2017)
(...) Grifei
Além dessas hipóteses, o voto-complementar proferido pelo eminente Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique em continuidade ao mesmo julgamento (processo nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC) acrescentou mais três exceções, ao rol taxativo previsto no IRDR Tema 15, nas quais, igualmente, é cabível o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o formulário PPP fornecido pela empresa indique a adoção de EPI eficaz, quais sejam: calor, radiações ionizantes e trabalhos em condições hiperbáricas.
Portanto, deve ser mantida a sentença quanto ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 05/03/1997 a 22/03/1999, 26/07/1999 a 14/02/2002, 06/08/2002 a 13/02/2004 e 12/07/2004 a 05/01/2011.
Requisitos para concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC 20/1998, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos artigos 52 e 53 da Lei 8.213/1991, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no artigo 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no artigo 25, inciso II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC 20/1998, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo artigo 201, §7º, inciso I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (artigo 9º, §1º, da EC 20/1998). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no artigo 56 do Decreto 3.048/1999 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei 9.876/1999), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do artigo 29 da Lei 8.213/1991), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo artigo 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei 9.876/1999 (em vigor desde 29/11/1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei 8.213/1991, artigo 29, inciso I e parágrafo 7º), respeitado o disposto no artigo 3º da Lei 9.876/1999.
Requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição pela regra dos pontos
A aposentadoria por pontos é uma modalidade de aposentadoria que possui uma regra de pontuação: soma da idade com o tempo de contribuição, e na qual não se aplica o fator previdenciário, conforme estabelecido no artigo 29-C da Lei 8.213/1991, incluído pela Lei 13.183/2015, nos seguintes termos:
Artigo 29-C. O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:
I - igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou
II - igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.
§ 1º Para os fins do disposto no caput, serão somadas as frações em meses completos de tempo de contribuição e idade.
§ 2º As somas de idade e de tempo de contribuição previstas no caput serão majoradas em um ponto em:
I - 31 de dezembro de 2018;
II - 31 de dezembro de 2020;
III - 31 de dezembro de 2022;
IV - 31 de dezembro de 2024; e
V - 31 de dezembro de 2026.
§ 3º Para efeito de aplicação do disposto no caput e no § 2º, o tempo mínimo de contribuição do professor e da professora que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio será de, respectivamente, trinta e vinte e cinco anos, e serão acrescidos cinco pontos à soma da idade com o tempo de contribuição.
§ 4º Ao segurado que alcançar o requisito necessário ao exercício da opção de que trata ocaput e deixar de requerer aposentadoria será assegurado o direito à opção com a aplicação da pontuação exigida na data do cumprimento do requisito nos termos deste artigo.
§ 5º Vetado
Para que o segurado possa optar pela aposentadoria por pontos, é necessário preencher os requisitos obrigatórios. De forma geral, o cálculo utilizado na aposentadoria por pontos corresponde à soma da idade do trabalhador mais o tempo total de contribuição. Outrossim, mesmo que a pontuação seja alcançada, é preciso respeitar a idade mínima, que é de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com tempo de contribuição mínimo de 35 e 30 anos, respectivamente.
Conversão do tempo especial em comum
Acerca da conversão do tempo especial em comum, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial repetitivo 1151363, em 23/3/2011, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/5/1998, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO. 1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91. 2. Precedentes do STF e STJ.
Assim, considerando que o parágrafo 5º do artigo 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (artigo 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/5/1998.
O fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. Assim, implementados os requisitos para aposentadoria na vigência da Lei nº 8.213/1991 o fator de conversão deverá ser 1,4 (homem - 25 anos de especial para 35 anos de comum) ou 1,2 (mulher - 25 anos de especial para 30 de comum).
Tempo de serviço/contribuição da parte autora
Considerado o presente provimento judicial (tempo rural e acréscimo decorrente da conversão do tempo especial) e o tempo reconhecido administrativamente (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 29-32), tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 24/08/1965 |
Sexo | Masculino |
DER | 30/10/2013 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 12 anos, 6 meses e 29 dias | 140 carências |
Até a DER (30/10/2013) | 25 anos, 7 meses e 26 dias | 200 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | Rural | 01/01/1980 | 21/04/1983 | 1.00 | 3 anos, 3 meses e 21 dias | 0 |
2 | Especial | 22/04/1983 | 30/11/1983 | 0.40 Especial | 0 anos, 7 meses e 9 dias - 0 anos, 4 meses e 11 dias = 0 anos, 2 meses e 28 dias | 0 |
3 | Especial | 01/12/1983 | 30/12/1983 | 0.40 Especial | 0 anos, 1 meses e 0 dias - 0 anos, 0 meses e 18 dias = 0 anos, 0 meses e 12 dias | 0 |
4 | Especial | 16/02/1984 | 21/09/1984 | 0.40 Especial | 0 anos, 7 meses e 6 dias - 0 anos, 4 meses e 9 dias = 0 anos, 2 meses e 27 dias | 0 |
5 | Especial | 20/01/1986 | 24/04/1986 | 0.40 Especial | 0 anos, 3 meses e 5 dias - 0 anos, 1 meses e 27 dias = 0 anos, 1 meses e 8 dias | 0 |
6 | Especial | 12/07/1993 | 22/03/1999 | 0.40 Especial | 5 anos, 8 meses e 11 dias - 3 anos, 5 meses e 0 dias = 2 anos, 3 meses e 11 dias | 0 |
7 | Especial | 26/07/1999 | 14/02/2002 | 0.40 Especial | 2 anos, 6 meses e 19 dias - 1 anos, 6 meses e 11 dias = 1 anos, 0 meses e 8 dias | 0 |
8 | Especial | 12/07/2004 | 05/01/2011 | 0.40 Especial | 6 anos, 5 meses e 24 dias - 3 anos, 10 meses e 20 dias = 2 anos, 7 meses e 4 dias | 0 |
9 | Especial | 06/08/2002 | 13/02/2004 | 0.40 Especial | 1 anos, 6 meses e 8 dias - 0 anos, 10 meses e 28 dias = 0 anos, 7 meses e 10 dias | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 18 anos, 8 meses e 7 dias | 140 | 33 anos, 3 meses e 22 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 4 anos, 6 meses e 9 dias | |||
Até a DER (30/10/2013) | 36 anos, 1 meses e 5 dias | 200 | 48 anos, 2 meses e 6 dias | inaplicável |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Nessas condições, em 16/12/1998, a parte autora não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos.
Em 30/10/2013 (DER), a parte autora tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, dia do início da vigência da MP 676/2015, que incluiu o art. 29-C na Lei 8.213/91.
Assim, cumpridos os requisitos tempo de serviço e carência, assegura-se à parte autora o direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, devendo ser implantada, se for o caso, a renda mensal inicial - RMI mais favorável, de acordo com o que for apurado oportunamente em liquidação de sentença, esclarecendo-se que não se trata de decisão condicional, visto que o comando é único, qual seja, determinar que o INSS conceda o benefício ao segurado com o cálculo que lhe for mais vantajoso, de acordo com os critérios que estão claramente definidos e efetue o pagamento das parcelas vencidas desde a data do requerimento administrativo, formulado em 30/10/2013 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 28).
Consectários da condenação. Correção monetária. Juros de mora.
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer o Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o artigo 41-A na Lei 8.213/1991.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 5/1996 a 3/2006 (artigo 10 da Lei 9.711/1998, combinado com o artigo 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/1994);
- INPC a partir de 4/2006 (artigo 41-A da Lei 8.213/1991)
Quanto aos juros de mora, devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, considerado constitucional pelo STF (RE 870.947, com repercussão geral).
A partir de 9/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao artigo 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Ademais, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a correção monetária e os juros legais, como consectários da condenação, são matéria de ordem pública, não se lhes aplicando os óbices do julgamento "extra petita" ou da "reformatio in pejus". A propósito: AgRg no REsp 1.291.244/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 5/3/2013; AgRg no REsp 1.440.244/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/10/2014; REsp 1781992/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/3/2019, DJe 23/4/2019; AgInt no REsp 1663981/RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.
Desse modo, a incidência dos consectários legais é de ser adequada de ofício aos fatores acima indicados, porquanto é matéria de ordem pública, podendo ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação da parte.
Honorários advocatícios
Mantida a fixação dos honorários advocatícios conforme proclamada na sentença.
Deixo de aplicar a majoração de que trata o §11 do artigo 85 do CPC/2015, uma vez que o recurso do INSS restou parcialmente provido.
Importa destacar ainda, que eventual discussão acerca dos valores ocasionalmente pagos em sede administrativa, decorrentes de concessão de benefício inacumulável com aquele pleiteado na peça inaugural, não integram a base de cálculo dos honorários advocatícios, objeto do Tema 1.050 do STJ, deverá ser efetuada na fase de cumprimento de sentença, oportunidade em que o juízo de origem deverá observar o que decidido pelo Tribunal Superior.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADIN 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual 14.634/2014 (artigo 5º).
Honorários periciais
Deve o INSS suportar o pagamento dos valores fixados a título de honorários periciais. Caso tal despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, o pagamento dos honorários periciais será realizado mediante reembolso, de acordo com o artigo 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Implantação imediata do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (CPF nº 633.110.200-06), a contar da competência da publicação do acórdão, a ser efetivada em quarenta e cinco dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Antecipação de Tutela
A parte autora apresentou petição buscando a antecipação dos efeitos da tutela, visando à imediata implantação do benefício. Contudo, devido ao caráter provisório da tutela antecipada, ainda que a parte autora tenha implementado os requisitos necessários ao seu deferimento, se mostra mais indicada a concessão da tutela específica, uma vez que se cuida de medida de caráter definitivo.
Diante disto, julgo prejudicado o requerimento da parte autora para antecipação dos efeitos da tutela.
Conclusão
Remessa necessária não conhecida, restando mantida a sentença quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural no intervalo de 01/01/1980 a 21/04/1983, bem como do exercício de atividade especial, pela parte autora, nos períodos de 22/04/1983 a 30/11/1983, 01/12/1983 a 30/12/1983, 16/02/1984 a 21/09/1984, 20/01/1986 a 24/04/1986 e 12/07/1993 a 04/03/1997.
Mantida a sentença, ainda, quanto ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 05/03/1997 a 22/03/1999, 26/07/1999 a 14/02/2002, 06/08/2002 a 13/02/2004 e 12/07/2004 a 05/01/2011, bem como quanto à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral à parte autora.
Parcialmente provida a apelação do INSS, para afastar o reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 25/04/1986 a 14/05/1989.
De ofício, adequada a incidência de correção monetária e juros de mora.
Julgado prejudicado o requerimento da parte autora para antecipação dos efeitos da tutela.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS, de ofício adequar a incidência dos consectários da condenação e determinar a implantação do benefício, via CEAB, com comprovação nos autos.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003181253v24 e do código CRC d69baa44.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 8/6/2022, às 18:16:26
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:40:57.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5021120-06.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIO VALDOMIRO PETTER
ADVOGADO: VICENTE FLECK DE OLIVEIRA (OAB RS073662)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA necessária. aposentadoriA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. TEMPO RURAL intercalado com atividade urbana. não COMPROVAÇÃO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TEMAS 810 DO STF E 905 DO STJ. JUROS DE MORA.
1. Ainda que ilíquida, a condenação não alcançará o patamar previsto no artigo 496, § 3º, do CPC/2015; portanto, inaplicável a remessa necessária. 2. Em situações nas quais se verifica alternância entre vínculos urbanos e regresso à atividade rurícola, exige-se um maior rigor quanto a elementos de provas documentais a revelar que, de fato, nos intervalos em que cessados os vínculos urbanos, o segurado voltava à atividade campesina em companhia da família. 3. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 4. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então. 5. A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação do IGP-DI de 05/96 a 03/2006, e do INPC, a partir de 04/2006. 6. Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS, de ofício adequar a incidência dos consectários da condenação e determinar a implantação do benefício, via CEAB, com comprovação nos autos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003181255v3 e do código CRC 48169b9a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 8/6/2022, às 18:16:26
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:40:57.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 31/05/2022 A 07/06/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5021120-06.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIO VALDOMIRO PETTER
ADVOGADO: VICENTE FLECK DE OLIVEIRA (OAB RS073662)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 31/05/2022, às 00:00, a 07/06/2022, às 16:00, na sequência 213, disponibilizada no DE de 20/05/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DE OFÍCIO ADEQUAR A INCIDÊNCIA DOS CONSECTÁRIOS DA CONDENAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB, COM COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:40:57.