APELAÇÃO CÍVEL Nº 5025023-88.2017.4.04.9999/RS
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RELATOR |
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LUIZ CARLOS CANALLI |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ELVIDIO CARDOSO STEFFEN |
ADVOGADO | : | LUIZA PEREIRA SCHARDOSIM DE BARROS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO- CONHECIMENTO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TRABALHO RURAL COMPROVADO. EXERCÍCIO DE LABOR URBANO POR MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Não está sujeita a reexame necessário a sentença que condena a Fazenda Pública em quantia inferior a 1000 salários mínimos (art 496, §3º, I, do CPC).
2. Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade.
3. A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é exemplificativa. Admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar.
4. O exercício de labor urbano pela esposa do autor não afasta a sua condição de segurado especial. Comprovado o desempenho de atividade rural, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais.
5. Sistemática da atualização do passivo observará a decisão do STF consubstanciada no seu Tema 810.
6. Honorários advocatícios majorados para 15% sobre o valor das parcelas vencidas, a cargo do INSS, por força da incidência do artigo 85, §11, do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2017.
Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9201525v6 e, se solicitado, do código CRC 830AA74E. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luiz Carlos Canalli |
| Data e Hora: | 25/11/2017 00:08 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5025023-88.2017.4.04.9999/RS
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RELATOR |
: |
LUIZ CARLOS CANALLI |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ELVIDIO CARDOSO STEFFEN |
ADVOGADO | : | LUIZA PEREIRA SCHARDOSIM DE BARROS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por ELVIDIO CARDOSO STEFFEN contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS postulando a concessão de aposentadoria rural por idade, na condição de trabalhador rural em regime de economia familiar, desde a data do requerimento administrativo, ocorrido em 14-01-2014.
O juízo a quo proferiu sentença, julgando procedente o pedido para reconhecer o tempo de labor rural, exercido em regime de economia familiar, ao longo dos 30 anos que antecederam o pedido administrativo, e condenar o réu a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data do requerimento. Determinou o pagamento das parcelas atrasadas, atualizadas de acordo com o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, até 25-03-2015. Após, deverão ser corrigidas pelo IPCA-E, e acrescidas de juros de mora de 6% ao ano. Condenou o INSS ao pagamento das custas processuais por metade, e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
O INSS apela, alegando que os documentos apresentados pelo autor são insuficientes para comprovar o tempo de labor rural, exercido em regime de economia familiar, no período correspondente à carência necessária ao benefício. Sustenta que o requerente comercializa seus produtos em feiras de centros urbanos distantes de sua propriedade rural, evidenciando que dispõe de meios para ofertar os produtos onde alcança maior preço. Aduz que a parte autora está cadastrada como transportador autônomo, e sua esposa tem vínculos estatutários como professora, com mais de um ente público (fl. 153), descaracterizando o regime de economia familiar. Alternativamente, requer a aplicação integral do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, afastando-se a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A apelação preenche os requisitos de admissibilidade.
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
A nova lei processual prevê que serão salvaguardados os atos já praticados, perfeitos e acabados na vigência do diploma anterior, e que suas disposições aplicam-se aos processos em andamento, com efeitos prospectivos.
As sentenças sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos.
O CPC de 2015 definiu novos parâmetros de valor, no art. 496, § 3º, para reexame obrigatório das sentenças. O texto afastou o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam o proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos.
No caso concreto, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado na sentença, é mensurável por cálculos meramente aritméticos, o que caracteriza como líquida a decisão, para efeitos de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
O INSS foi condenado ao pagamento de benefício previdenciário de prestação continuada, fixando-se a data de início dos efeitos financeiros, bem como todos os consectários legais aplicáveis.
Embora ainda não tenha sido calculado o valor da renda mensal inicial - RMI do benefício, é possível estimar, a partir da remuneração que vinha sendo auferida pela parte, registrada nos autos, que o valor do benefício resultante, multiplicado pelo número de meses correspondentes à condenação, entre a DER e a sentença, resultará em valor manifestamente inferior ao limite legal para o reexame obrigatório.
Impõe-se, para tal efeito, aferir o montante da condenação na data em que proferida a sentença. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido. Não se confundem valor da condenação e valor da causa. Se é a sentença que está ou não sujeita a reexame, é no momento de sua prolação que o valor da condenação, para tal finalidade, deve ser estimado.
Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor manifestamente inferior a mil salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, de forma que a remessa não deve ser conhecida nesta Corte.
Ante o exposto, com base no disposto no artigo 496, § 3º, I, do NCPC, nego seguimento à remessa oficial.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Da aposentadoria por idade rural
A apreciação de pedido de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei n.º 8.213/91. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher), e do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, sendo, porém, dispensável o recolhimento de contribuições.
O artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completa a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios. Assim, se ao completar a idade no ano de 2006 o segurado precisava de 150 meses de tempo/carência e, nessa data, ainda lhe faltavam 12 meses, deve-se posicioná-lo na tabela a partir do ano em que completaria os 150 meses, ou seja, 2007. Neste ano, a carência será de 156 meses (6 meses além do período inicial), de forma que o segurado implementa os requisitos em 2008. (TRF4, APELREEX 5008945-59.2012.404.7100, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Dês. Cláudia Cristina Cristofani, julgado em 08/08/2012)
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima (TRF4, AC 0006711-23.2015.404.9999, 5º Turma, Relator Des. Rogério Favreto, julgado em 30/06/2015).
Nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994, data da publicação da Medida Provisória n.º 598 (posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91, e sim a redação original do art. 143, II da mesma lei, em respeito ao direito adquirido (STF, RE 168.191, Segunda Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 01/04/1997).
A aposentadoria do trabalhador rural por idade, porém, no regime anterior à lei 8.213/91 é devida ao homem e, excepcionalmente à mulher, quando na condição de chefe ou arrimo de família (art. 297 do Decreto 83.080/79).
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Quanto aos segurados especiais que implementarem os requisitos para concessão do benefício após 31 de dezembro de 2010, não deve ser aplicado o limite temporal a que se refere o art. 143, com as alterações promovidas pela Lei 11.718/2008, destinadas, exclusivamente, aos trabalhadores rurais não enquadrados ou equiparados a segurados especiais. A estes últimos, aplica-se o disposto no art. 39, I, sem limite de data.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Com relação à prova do exercício da atividade rural, na condição de segurado especial, como regra geral, exige-se, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (STJ - REsp 1.348.633/SP, Primeira Seção, Rel.Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 28/08/2013).
O Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive o informal (STJ, REsp 1.321.493/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Além disso, o início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, que seguiu o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Aliás, a relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).
No entanto, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, embora possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano (STJ, RESP 1.304.479/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Ressalte-se que não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando não tiverem a homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), pois equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo (STJ- EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Quinta Turma, Rel.Ministro Marco Aurélio Bellize, julgado em 06/11/2012; STJ, AgRg no REsp 1.291.466/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Newton Trisotto, julgado em 18/11/2014; STJ, AR 3.202/CE, Terceira Seção, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 23/04/2008).
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR também não tem o condão de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não).
A circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos rurais ou de haver a utilização de maquinário agrícola, não retiram, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracterizam o regime de economia familiar. Não há lei, inclusive, que exija que o segurado desenvolva a atividade manualmente (STJ, REsp 1.403.506/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/12/2013, e TRF4-APELREEX 0005826-82.2010.404.9999/PR, 6º Turma, Rel. Des. Celso Kipper, julgado em 06/04/2011).
É de se ressaltar ainda que o exercício de pequenos períodos de labor urbano, não retira do interessado a condição de trabalhador rural. O exercício da atividade rural pode ser descontínuo (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 13/08/2013).
Com relação à idade mínima para exercício de atividade laborativa, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível o cômputo de tempo de atividade rural a partir dos doze anos, em regime de economia familiar, visto que a lei ao vedar o trabalho infantil do menor de 14, visou estabelecer a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo (STJ, REsp 573.556/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2006; STJ, AR 3629/RS, Terceira Seção, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/06/2008).
Quanto à classificação da atividade como urbana ou rural é questão de apreciação da prova material produzida pelo interessado, não decorrendo de prévia definição ou categorização legal. Conforme a prova que foi produzida, pode-se reconhecer trabalho rural na cidade, bem como trabalho urbano no meio rural. (Trf-4 - apelreex 2005.71.00.044110-9, 5º Turma, Rel. Juiz Artur César de Souza, julgado em 10/02/2009).
DO CASO CONCRETO
A parte autora preencheu o requisito etário (60 anos) em 10-01-2014, pois nascida em 10-01-1954. O requerimento administrativo foi apresentado em 14-01-2014. Dessa forma, deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 180 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário/requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
No caso concreto o requerente alega ter laborado em regime de economia familiar.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados os seguintes documentos (evento 3, ANEXOS PET4):
a) certidão de casamento do autor, datada de 2012 (fl. 39);
b) declaração de exercício de atividade rural referente ao período de 1991 a 1997 e de 1997 a 2012 (fl. 42);
c) notas fiscais de produtor rural, em nome próprio, referentes aos anos de 1995, 1997-2009, 2012-2014 (fls. 43-59);
d) recibo de entrega de ITR, relativo ao exercício de 2013, em nome de Maria Cardoso Steffen (fl. 60);
e) contrato de parceria agrícola firmado entre o autor e Maria Cardoso Steffen, no período de 1997 a 2007 (fl. 62).
Os documentos juntados aos autos constituem início de prova material.
Quanto ao fato da prova ser extemporânea, em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Em audiência de instrução e julgamento, realizada em 10-11-2015, procedeu-se à oitiva de três testemunhas, cujos depoimentos foram precisos e convincentes acerca do labor rural exercido pelo autor, em regime de economia familiar, durante o período relativo à carência do benefício.
A testemunha Manoel de Souza Eberhardt declarou que conhece o autor há 50 anos. Ele trabalhava na agricultura juntamente com os pais. Todo o trabalho era manual. Depois de casado, o requerente permaneceu trabalhando na mesma terra. Informou que compraram um caminhão pela Associação dos Produtores Ecologistas de Morrinhos do Sul e colocaram em nome do autor, pois tinham que colocar no nome de alguém. Utilizam o veículo para feiras livres em Porto Alegre e Caxias do Sul; o autor é o motorista. Referiu que a esposa do requerente foi professora e está aposentada. Afirmou que a principal fonte de renda da família é proveniente do trabalho do autor na agricultura.
A testemunha José Becker Carlos conhece o autor de Morrinhos do Sul e afirmou que ele sempre trabalhou na agricultura. Reside até hoje na propriedade que herdou dos pais, cuja área tem 3 hectares, aproximadamente. Com relação ao caminhão registrado em nome do autor, referiu que se trata de uma sociedade de ecologistas e utilizam o veículo para transportar o que produzem para vender. O caminhão é do ano de 1976 ou 1974. Afirmou que o salário da esposa do requerente como professora não é a principal fonte de renda da família, sendo relevante para a subsistência do grupo familiar a renda alcançada pelo autor com seu trabalho rural.
A testemunha Delmo Hahn Borges disse que conhece o autor desde os tempos do colégio. O requerente sempre trabalhou na roça e mora ainda na mesma casa. Os pais do demandante criavam gado, plantavam banana, cana, aipim, tudo para o consumo. Todo o trabalho era manual, feito com arado e enxada. Era da terra que os pais tiravam o sustento da família. Depois de casado, ele foi o único filho a permanecer na casa dos pais. Atualmente, ele trabalha com verduras e banana. Referiu que o autor não é o único proprietário do caminhão, o qual pertence a uma associação de 6 produtores. Em 1996 ou 1997 compraram um caminhão e, como a associação não tinha CNPJ, colocaram em nome de um associado, sendo casualmente escolhido o requerente. Utilizam o veículo para vender verduras em Porto Alegre e Caxias do Sul; fazem feira livre; jamais fazem frete. Tiram nota de todos os colonos e pagam FUNRURAL, então a placa tem que ser vermelha. O autor não recebe nenhuma remuneração por transportar os produtos, apenas é o motorista que a associação tem. Informou que a esposa do autor é professora e agora está aposentada. Afirmou que o autor vive do que ganha com a venda de sua produção de bananas e verduras.
A par da inexistência de prova material correspondente a todos os períodos pleiteados, não há necessidade que a prova tenha abrangência sobre todo o período, ano a ano, a fim de comprovar o exercício do trabalho rural. Basta um início de prova material. Uma vez que é presumível a continuidade do labor rural, a prova testemunhal pode complementar os lapsos não abrangidos pela prova documental, como no presente feito.
Com relação ao registro de condutor autônomo, o depoimento das testemunhas deixou claro que se trata de uma associação de produtores que vendem seus produtos agrícolas em feiras livres nas cidades de Porto Alegre e Caxias do Sul, utilizando um caminhão para transportá-los. Também restou evidenciado que o referido veículo foi comprado pelos associados que o colocaram em nome de um dos associados, no caso, o requerente, de uma vez que a associação ainda não dispunha de CNPJ. Não utilizam o veículo para outros serviços, apenas transportam seus produtos. Todavia, cumpre salientar que os registros de atividade urbana não são incompatíveis com a concessão da aposentadoria. Conforme o art. 143 da Lei n° 8213/91 e jurisprudência do STJ, o exercício da atividade rural pode ser descontínuo e o trabalho urbano intercalado ou concomitante ao trabalho campesino, não retira a condição de segurado especial.
Do mesmo modo, o fato de a esposa do autor ter exercido labor urbano como professora não retira a condição de segurado especial do demandante, visto que a prova testemunhal foi convincente ao afirmar que o trabalho do autor não era dispensável para a manutenção do grupo familiar, sendo, ao contrário, a principal fonte de renda da família.
Considerando que a parte autora preencheu os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria rural por idade concomitantemente (carência: 180 meses e idade mínima: 60 anos, em 10-01-2014), bem como comprovou que estava trabalhando no meio rural no período imediatamente anterior à DER (14-01-2014), faz jus ao benefício pleiteado.
Atingida a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado, bem como restando comprovada a atividade rural, na condição de trabalhador rural, pelo período de carência exigido, deve ser reconhecido o direito à aposentadoria por idade desde a data de entrada do requerimento, ou seja, 14-01-2014.
Sistemática de atualização do passivo
Juros de mora e correção monetária
A controvérsia relativa à sistemática de atualização do passivo do benefício restou superada a partir do julgamento do RE nº 870.947/SE, pelo excelso STF, submetido ao rito da repercussão geral e de cuja ata de julgamento, publicada no DJe de 25-9-2017, emerge a síntese da tese acolhida pelo plenário para o Tema nº 810 daquela Corte.
E nesse particular aspecto, vale anotar ser uníssono o entendimento das turmas do STF no sentido de que possam - devam - as demais instâncias aplicar a tese já firmada, não obstante a ausência de trânsito em julgado da decisão paradigmática. Nesse sentido: RE 1.006.958 AgR-ED-ED, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 18-09-2017 e ARE nº 909.527/RS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30-5-2016. Essa, ademais, a letra do artigo 1.030, inciso I, e do artigo 1.035, § 11, ambos do CPC.
Em face disso, assim como do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a sua eficácia incidir ao caso ora sob exame.
Nessa linha, a atualização do débito previdenciário, até o dia 29-6-2009, deverá observar a metodologia constante no Manual para Orientação e Procedimento para os Cálculos da Justiça Federal. E, após essa data, ou seja, a contar de 30-6-2009, coincidente com o início da vigência do artigo 5º da Lei nº 11.960/2009, pelo qual conferida nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, deverá ser utilizada a metodologia ali prevista para os juros de mora; e, a título de correção monetária, será aplicado o IPCA-E.
Convém registrar que a Corte Suprema abordou e solveu a questão da atualização monetária em perfeita sintonia com o que já havia sintetizado em seu Tema nº 96, o qual tratava da atualização da conta objeto de precatórios e requisições de pequeno valor, estabelecendo jurídica isonomia entre essas situações.
Logo, no caso concreto, observar-se-á a sistemática do aludido manual, até 29-6-2009. Após, os juros de mora incidirão conforme estabelece o artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/09; e a correção monetária, mediante aplicação do IPCA-E.
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
O juízo de origem, tendo por aplicáveis as disposições do art. 85, §§ 3º e 4º do novo CPC, fixou os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Mantida a decisão em grau recursal, e apresentadas contrarrazões pela parte autora, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do mesmo dispositivo legal.
Assim, os honorários vão fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
CONCLUSÃO
Não conhecida da remessa necessária, porquanto, sendo a condenação do INSS fixada em valor inferior a mil salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório.
Sistemática da atualização do passivo observará a decisão do STF consubstanciada no seu Tema 810.
No mérito, mantida a sentença.
Majorados os honorários advocatícios a teor do art. 85, § 11, do CPC.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício.
Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5025023-88.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00040592820158210072
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | PRESENCIAL - DRA. LUCIANA ZAIONS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ELVIDIO CARDOSO STEFFEN |
ADVOGADO | : | LUIZA PEREIRA SCHARDOSIM DE BARROS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/11/2017, na seqüência 307, disponibilizada no DE de 07/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
: | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA | |
: | Juíza Federal GISELE LEMKE |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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