APELAÇÃO CÍVEL Nº 5039150-65.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA LUCELIA DIAS DA SILVA |
ADVOGADO | : | CARLOS SCHAEFER MEHRET |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIDA. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO URBANO E TRABALHO RURAL. COMPROVADOS. IDADE MÍNIMA COMPLETADA.
1. Tratando-se de aposentadoria rural por idade mista, cujo benefício corresponde ao valor de um salário mínimo, e resultando o número de meses entre a data da DER e a data da sentença em condenação manifestamente inferior a mil salários-mínimos, ainda que com a aplicação dos índices de correção monetária e de juros de mora nas condições estabelecidas em precendentes do Supremo Tribunal Federal, não está a sentença sujeita ao reexame obrigatório, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil. Não conhecida a remessa.
2. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei n. 11.718/08, que acrescentou § 3.º ao art. 48 da Lei n. 8.213/91, contanto que cumprido o requisito etário de 60 (sessenta) anos para mulher e de 65 (sessenta e cinco) anos para homem e a carência mínima exigida.
3. O direito à aplicação da regra do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 abrange todos os trabalhadores que tenham desempenhado de forma intercalada atividades urbanas e rurais. O fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, negar provimento ao apelo do INSS, e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de setembro de 2017.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9129458v27 e, se solicitado, do código CRC 4ED2F309. | |
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| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 15/09/2017 17:30 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5039150-65.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA LUCELIA DIAS DA SILVA |
ADVOGADO | : | CARLOS SCHAEFER MEHRET |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária proposta por MARIA LUCELIA DIAS DA SILVA contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS, postulando a concessão de aposentadoria por idade híbrida, com cômputo de labor rural e urbano, tendo apresentado requerimentos administrativos em 08/03/2010 e em 28/03/2012.
O juízo a quo proferiu sentença em 27/05/2016, julgando procedente o pedido, para condenar o réu a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade mista, tendo como DIB 24/12/2014, data em que a segurada implementou o requisito etário. Determinou, para fins de atualização, a incidência de correção monetária e juros moratórios. Condenou o INSS ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10 % sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Ev.63 - SENT1).
O INSS apela, sustentando que a requerente não era trabalhadora rural na época do requerimento administrativo; que o tempo anterior a 1991 não pode ser computado para fins de carência e que os documentos em nome do marido não podem ser utilizados uma vez que este passou a laborar no meio urbano (Ev.74 - PET1).
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A apelação preenche os requisitos de admissibilidade.
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
A nova lei processual prevê que serão salvaguardados os atos já praticados, perfeitos e acabados na vigência do diploma anterior, e que suas disposições aplicam-se aos processos em andamento, com efeitos prospectivos.
As sentenças sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos.
O CPC de 2015 definiu novos parâmetros de valor, no art. 496, § 3º, para reexame obrigatório das sentenças. O texto afastou o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam o proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos.
No caso concreto, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado na sentença, é mensurável por cálculos meramente aritméticos, o que caracteriza como líquida a decisão, para efeitos de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
O INSS foi condenado ao pagamento de benefício previdenciário de prestação continuada, fixando-se a data de início dos efeitos financeiros, bem como todos os consectários legais aplicáveis.
Embora ainda não tenha sido calculado o valor da renda mensal inicial - RMI do benefício, é possível estimar, a partir da remuneração que vinha sendo auferida pela parte, registrada nos autos, que o valor do benefício resultante, multiplicado pelo número de meses correspondentes à condenação, entre a DER e a sentença, resultará em valor manifestamente inferior ao limite legal para o reexame obrigatório.
Impõe-se, para tal efeito, aferir o montante da condenação na data em que proferida a sentença. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido. Não se confundem valor da condenação e valor da causa. Se é a sentença que está ou não sujeita a reexame, é no momento de sua prolação que o valor da condenação, para tal finalidade, deve ser estimado.
Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor manifestamente inferior a mil salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, de forma que a remessa não deve ser conhecida nesta Corte.
Ante o exposto, com base no disposto no artigo 496, § 3º, I, do NCPC, nego seguimento à remessa oficial.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Da aposentadoria prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91
A lei 11.718/2008, dentre outras alterações, modificou o § 2º e instituiu os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, nos seguintes termos:
Art. 48. Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.
Como se vê, a lei 11.718/2008 instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade com o preenchimento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço urbano e rural, desde que haja o implemento da mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
O mesmo tratamento conferido ao segurado especial (trabalhador rural) que tenha contribuído sob outra categoria de segurado, para fins de obtenção de aposentadoria por idade (Lei nº 8.213/1991, §3º do art. 48), deve ser alcançado ao trabalhador urbano, que fará jus ao cômputo de período rural para implementar os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria prevista no caput do art. 48.
A interpretação do §3º do art. 48 deve ser feita à luz dos princípios constitucionais da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, de forma que não há justificativa para se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário está desempenhando atividade urbana.
A questão é objeto da Súmula nº 103 deste Tribunal, literis:
"A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período."
Ademais, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel.Ministro Herman Benjamin, julgado em 21/06/2016).
Ressalto, ainda, que a aposentadoria mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Dessa forma, considerando a natureza do benefício, deve ser conferido à aposentadoria por idade híbrida o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não havendo, portanto, exigência de preenchimento simultâneo dos requisitos idade e carência. Caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, é irrelevante e não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado.
A respeito dessa questão, § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício, nos termos do já decidido pela 3ª Seção desta Corte, nos Embargos Infringentes nº 0008828-26.2011.404.9999 (Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10/01/2013).
Esse entendimento, aliás, está em conformidade com a jurisprudência mais recente do STJ (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel.Ministro Herman Benjamin, julgado em 21/06/2016; REsp 1476383/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 01/10/2015; AgRg no REsp 1531534/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015).
Da comprovação do tempo de atividade rural
Com relação à prova do exercício da atividade rural, na condição de segurado especial, como regra geral, exige-se, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (STJ - REsp 1.348.633/SP, Primeira Seção, Rel.Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 28/08/2013).
O Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive o informal (STJ, REsp 1.321.493/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Além disso, o início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, que seguiu o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Aliás, a relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).
No entanto, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, embora possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano (STJ, RESP 1.304.479/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Ressalte-se que não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando não tiverem a homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), pois equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo (STJ- EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Quinta Turma, Rel.Ministro Marco Aurélio Bellize, julgado em 06/11/2012; STJ, AgRg no REsp 1.291.466/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Newton Trisotto, julgado em 18/11/2014; STJ, AR 3.202/CE, Terceira Seção, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 23/04/2008).
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR também não tem o condão de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não).
A circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos rurais ou de haver a utilização de maquinário agrícola, não retiram, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracterizam o regime de economia familiar. Não há lei, inclusive, que exija que o segurado desenvolva a atividade manualmente (STJ, REsp 1.403.506/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/12/2013, e TRF4-APELREEX 0005826-82.2010.404.9999/PR, 6º Turma, Rel. Des. Celso Kipper, julgado em 06/04/2011).
É de se ressaltar ainda que o exercício de pequenos períodos de labor urbano, não retira do interessado a condição de trabalhador rural. O exercício da atividade rural pode ser descontínuo (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 13/08/2013).
Com relação à idade mínima para exercício de atividade laborativa, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível o cômputo de tempo de atividade rural a partir dos doze anos, em regime de economia familiar, visto que a lei ao vedar o trabalho infantil do menor de 14, visou estabelecer a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo (STJ, REsp 573.556/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2006; STJ, AR 3629/RS, Terceira Seção, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/06/2008).
Quanto à classificação da atividade como urbana ou rural é questão de apreciação da prova material produzida pelo interessado, não decorrendo de prévia definição ou categorização legal. Conforme a prova que foi produzida, pode-se reconhecer trabalho rural na cidade, bem como trabalho urbano no meio rural. (Trf-4 - apelreex 2005.71.00.044110-9, 5º Turma, Rel. Juiz Artur César de Souza, julgado em 10/02/2009).
DO CASO CONCRETO
A autora preencheu o requisito etário para concessão de aposentadoria na modalidade híbrida (60 anos) em 24/12/2014, pois nascida em 24/12/1954 (ev.1 - OUT9, fl.2). Apresentou requerimentos administrativos em 08/03/2010 (ev.1 - OUT10, fl.17) e em 28/03/2012 (ev.1 - OUT12, fl.13). Dessa forma, deve comprovar o exercício de atividade rural/urbana no período de 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário.
Considerando que o INSS reconheceu o período laborado em regime de economia familiar entre 07/1999 e 07/2006, totalizando 85 meses; a ser somado com o labor urbano de 25/02/1980 a 15/12/1980, 01/03/1979 a 15/12/1979 (21 contribuições) e 01/08/2006 a 28/03/2012 (68 contribuições) também reconhecidos pela via administrativa (ev.1 - OUT12, fl.17); a controvérsia reside na possibilidade de reconhecimento do período rural anterior ao ano de 1999 e o enquadramento da atividade laborativa da autora em aposentadoria na modalidade híbrida.
No caso concreto, a parte autora postula o reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar exercida entre 24/12/1966, data em que completou 12 anos de idade, a 01/08/2006, data em que foi aprovada em concurso público; os quais devem ser acumulados com os períodos já reconhecidos pela via administrativa (ev.1-OUT12, fl.9).
Para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados aos autos os seguintes documentos:
a) cópia das certidões de nascimento dos filhos da autora, qualificando-a como lavradora, datadas de 1982 e 1987 (Ev.1 - OUT5, fls.1-2);
b) cópia de notas de produtor rural, em nome da demandante e de seu marido, datadas de 1999, 2006 e 2007 (ev.1 - OUT9, fls. 4-9);
c) contratos de arrendamento de terras, em nome da autora, com área de aproximadamente 7 alqueires, referentes aos anos de 2003 a 2006 e 2004 a 2009 (ev.1 - OUT9, fls. 10-13)
No caso, os documentos juntados aos autos constituem início de prova material. A lei exige início de prova material, não prova documental plena, podendo a prova testemunhal ampliar a eficácia probatória dos documentos juntados aos autos.
Quanto ao fato da prova ser extemporânea, em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Ainda que alguns documentos estejam em nome do marido da autora, a ela são extensivos, conforme reiteradamente tem decidido a jurisprudência (STJ, 3ª Seção, AR nº 2.338 - SP, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 08/05/2013).
Na audiência de instrução e julgamento realizada em 04/11/2014 foram ouvidas a parte autora e as testemunhas Mariano dos Santos, Luiz Ribeiro da Luz e Floriza Alves dos Santos (ev.52 - TERMOAUD1). A prova testemunhal é precisa e convincente do labor rural da autora, na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, pelo período controverso, e ainda de forma concomitante ao seu labor urbano.
Nesse sentido bem assentou o juízo a quo ao prolatar a sentença, na parte que a seguir reproduzo:
"(...)Com o depoimento pessoal, e com as testemunhas inquiridas na audiência de instrução e julgamento, restou demostrado que a requerente, desde cedo, trabalhou na lavoura com seus pais, continuou a trabalhar depois do seu casamento, e após uns anos intercalou o serviço de serviços gerais em Escola Municipal com a de trabalhadora rural. Vejamos a prova testemunhal produzida, a seguir. Depoimento pessoal da autora Maria Lucélia Dias da Silva: (...) que, atualmente, trabalha de serviços gerais. Relata que fez concurso; que já trabalhou no hospital. No entanto, quando criança, trabalhava na roça ajudando os pais, que eram proprietários do Sítio Água do Pinhal; que começou a trabalhar com os pais quando tinha 8 (oito) anos; que residiu com os seus genitores até se casar aos 26 (vinte e seis) anos; que no sítio era plantado feijão, arroz, milho para subsistência e o que sobrava era comercializado. Relata que o sítio possuía 16 (dezesseis) alqueires; que seu pai contratava alguém para o auxiliar apenas esporadicamente. Assevera que se casou em 1981; que seu marido Jair foi morar com ela no sítio do seu pai; que ele foi trabalhar na lavoura; que conheceu ele quando trabalhava para outras pessoas na lavoura. Depois que casou, certifica que continuou trabalhando no sítio do seu pai; que passou a desempenhar a atividade de professora de uma escola rural por um período de 4 (quatro) horas e depois dedicava-se à atividade rural, o que perdurou por dois anos e meio e ocorreu antes de seu casamento. Após o casamento, passou a trabalhar exclusivamente na atividade rural; que ficou no sítio até que se mudou para Sengés-PR quando o marido foi trabalhar numa fábrica e ficou sem trabalhar. Depois, mudaram-se para São José da Boa Vista-PR tendo retornado a trabalhar no sítio de seu pai, durante o período de folga e finais de semana; que nesta época morava na cidade, mas iam para o sítio trabalhar diariamente. O marido também trabalhou na Prefeitura; porém, nas horas vagas, desempenhavam atividade rural; que criavam animais no sítio. Na sequência, trabalharam no arrendamento, local em que era cultivado arroz, feijão, milho e maracujá; que seu marido ainda trabalha no plantio de soja no Sítio do José de Vitorino. Afirma que começou a trabalhar, em 01/08/2006, no cargo de serviços gerais; que ainda trabalha no sítio nos dias de folga, férias e final de semana; que agora plantam soja e milho; que costumam vender os produtos que sobram. Já a testemunha Daniel Mariano dos Santos relatou: (...) que trabalha com lavoura e produção de leite. Afirma que conheceu a autora em 1990, no Bairro Água do Pinhal, onde a requerente já morava com seus pais; irmão e marido. Assevera que produziam todo tipo de lavoura (feijão, milho, arroz) para consumo; que tinham alguns animais na propriedade; que não possuíam empregados; que não tinham maquinários. Relata que a autora e seu marido cuidavam da lavoura no sítio; que se mudaram para São José da Boa Vista-PR; que o pai da requerente morreu e hoje há outros proprietários no local. No entanto, certifica que a autora e seu marido ainda desempenham atividade rural através de arrendamento do Sr. Vitorino Custódio; que cultivam soja para venda neste local; que não possuem empregados. Também se lembra que a requerente morou por pouco tempo em Sengés-PR, mas não sabe dizer o motivo. Afirma que a autora também trabalha durante a semana na escola e que exerce atividade rural no período da tarde, finais de semana e feriados. Testemunha Floriza Alves dos Santos: (...) que conheceu a autora no ano de 1990, quando comprou um sítio e se tornou sua vizinha; que a requerente morava com seu marido no Bairro Água do Pinhal em São José da Boa Vista-PR; que trabalhavam na roça cultivando milho, feijão, arroz; que possuíam gado para despesa; que apenas "a sobra" era comercializada. Também relata que a requerente e seu marido trabalhavam na lavoura; que a autora arrendava a propriedade de seu pai. Ressalta que, atualmente, a autora está morando na cidade; que não trabalham mais no sítio do seu pai; que a autora trabalha na Escola Municipal há 7 (sete) anos, mas seu marido ainda planta soja em um sítio arrendado do Sr. Vitorino Custódio. Relata que, antes de trabalhar no colégio, a autora desempenhava serviço rural. Por fim, a testemunha Luiz Ribeiro da Luz: (...) que é lavrador; que conhece a autora há muito tempo; que ela morava com seu pai em um sítio de sua propriedade; que morou no sítio do pai por determinado tempo; que trabalhava na roça na produção de feijão, milho, dentre outros produtos, destinados a consumo e venda. Relata que não sabe onde a autora foi morar depois que se mudou do sítio; que só tem conhecimento de que, atualmente reside na cidade. Assim, entendo pela união entre as provas documental e testemunhal, sendo que esta complementou àquela deixando claro que, nos períodos acima, a parte autora desempenhou atividade rural. (...)".
Desse modo, computando-se o tempo rural de 24/12/1966, data em que a autora completou 12 anos, até 01/07/1999, início do período de labor rural reconhecido pelo INSS, num total de 390 meses; a parte autora passa a contar com mais de 180 meses de contribuições para fins de carência na data em que implementou o requisito etário, que ocorreu em 24/12/2014. Preenchendo, assim, os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade prevista no art. 48, caput, da Lei n.º 8.213/91.
Quanto à alegação da autarquia sustentando que a concessão do benefício de aposentadoria com fulcro no art. 48, §3º da Lei 8.213/91 somente pode ser aplicada àqueles que sustentam a condição de segurado especial no momento de encerramento das atividades laborais, não merece prosperar. O fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. Tal exigência obstaria a aposentadoria de muitos trabalhadores que desempenharam atividade laboral ao longo de toda sua vida, mas por terem exercido atividades urbanas e rurais e não terem retornado às lidas campesinas no momento anterior ao requerimento, acabariam desprotegidos de qualquer regra de aposentadoria (neste sentido decisão da Turma Nacional de Uniformização no processo 5000957-33.2012.4.04.7214).
Quanto ao aproveitamento do tempo de serviço rural para fins de carência, sem o recolhimento das contribuições previdenciárias, registro que o benefício na modalidade híbrida segue as mesmas regras previstas para a aposentadoria por idade rural, contando-se para fins de carência, o efetivo exercício de atividade rural, conforme o § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991. Desse modo, considerando que os artigos 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, o cômputo do tempo de atividade rural para complementação do período de carência na aposentadoria por idade híbrida deve ser considerado sem a necessidade de recolher as respectivas contribuições previdenciárias, tanto para os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91, como para os períodos anteriores à referida norma.
Restou, portanto, comprovado que a autora implementou a carência necessária (180 meses, já que completou a idade mínima em 2014).
Assim, atingida a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado, bem como restando comprovada a atividade rural e urbana, pelo período de carência exigido, deve ser reconhecido o direito à aposentadoria por idade mista desde a data que implementou todos os requisitos necessários, ou seja, 24/12/2014.
PROVIMENTOS FINAIS
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
O juízo de origem, tendo por aplicáveis as disposições do art. 85, §§ 3º e 4º do novo CPC, fixou os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do mesmo dispositivo legal.
Assim, os honorários vão fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
CONCLUSÃO
No mérito, a sentença resta mantida, sendo devida à parte autora aposentadoria por idade na modalidade híbrida. Não conhecida a remessa necessária, uma vez que a condenação não ultrapassa o valor de mil salários mínimos. Negado provimento ao apelo do INSS. Honorários fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária, negar provimento ao apelo do INSS, e determinar a implantação do benefício.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/09/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5039150-65.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00002571020138160176
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA LUCELIA DIAS DA SILVA |
ADVOGADO | : | CARLOS SCHAEFER MEHRET |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/09/2017, na seqüência 149, disponibilizada no DE de 22/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9173960v1 e, se solicitado, do código CRC E9E458A1. | |
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