Apelação/Remessa Necessária Nº 5011469-68.2013.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SERGIO LUIZ GAYGER (AUTOR)
RELATÓRIO
SÉRGIO LUIZ GAYGER ajuizou ação ordinária contra o INSS em 25/06/2013, postulando concessão de aposentadoria por tempo de contribuição , desde a DER (21/08/2012), mediante o cômputo de atividades urbanas comuns e especiais.
A sentença (Evento 115), proferida em 26/10/2016, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos dispositivos:
CONCLUINDO, restam reconhecidos como exercidos em caráter especial os períodos de 13/08/1971 a 09/10/1972, 01/02/1973 a 30/04/1973, 01/03/1974 a 29/03/1974, 09/04/1974 a 27/06/1974, 03/12/1974 a 03/09/1975, 25/09/1975 a 25/11/1975, 22/09/1976 a 20/11/1976, 01/02/1977 a 10/08/1977, 04/10/1977 a 20/06/1986, 01/02/2005 a 31/05/2005, 03/07/2006 a 28/05/2010 e de 01/12/2010 a 22/07/2011.
O acréscimo referente à conversão desses períodos perfaz o total de 06 anos, 09 meses e 08 dias.
Somando-se esse acréscimo ao tempo de serviço já reconhecido pelo INSS até a DER (Evento 1, EXTR13, Página 4 – 22 anos, 01 mês e 05 dias), mais o período urbano (04/10/1973 a 19/11/1973), chega-se a 28 anos, 11 meses e 29 dias de tempo de serviço.
Observo que precedentes do STJ admitem a possibilidade de se computar tempo de serviço e/ou contribuição superveniente à data do requerimento administrativo para fins de concessão de benefício na esfera judicial, por aplicação (analógica) do artigo 493 do CPC.
Assim, se insuficiente o tempo de serviço ou contribuição existente até a DER, deverá o INSS considerar os vínculos posteriores.
As competências abrangidas pela indenização do período de 08/1990 a 12/1994 somente poderão ser consideradas como tempo de serviço mediante comprovação de pagamento.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a:
- AVERBAR o(s) período(s) especia(is) e comuns reconhecido(s) nesta sentença;
- DECLARAR a inexigibilidade de juros de mora e multa sobre o valor da indenização referente ao período de 08/1990 a 12/1994;
- IMPLANTAR o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição requerido na inicial, salvo se a parte autora não alcançar tempo suficiente de serviço e/ou contribuição após a soma do(s) período(s) ora reconhecido(s) com o(s) já computado(s) pelo INSS, nos termos da fundamentação;
- PAGAR à parte autora as parcelas vencidas desde a DER até o cumprimento da determinação anterior, observada a prescrição quinquenal.
Antecipação de Tutela: presentes os seus pressupostos legais, ANTECIPO A TUTELA DE MÉRITO e determino a intimação do INSS para, no prazo de 45 dias, sob pena de multa diária de R$ 50,00, juntar aos autos comprovante de implantação e/ou restabelecimento do benefício ora concedido, salvo insuficiência de tempo de serviço e/ou contribuição para o benefício requerido, análise a ser feita pelo próprio INSS em cumprimento da presente decisão.
Custas e Honorários Advocatícios: condeno o INSS ao ressarcimento das custas do processo, se houver, e de honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) do valor da condenação ou, se não houver, sobre o valor atualizado da causa (IPCA-E). Tratando-se de demanda previdenciária, aplicam-se as Súmulas nºs 76 do TRF/4ª e 111 do STJ.
Honorários Periciais: condeno o INSS ao ressarcimento dos honorários periciais despendidos pela SJRS.
Reexame: sentença sujeita a reexame necessário (Súmula nº 490 do STJ).
A Autarquia comprovou a averbação dos períodos (Evento 122), sem concessão de benefício.
O INSS apelou (Evento 128), alegando: a) não ser possível a conversão de tempo especial para comum após 28/05/1998; b) não haver comprovação de nocividade pela exposição ao agente ruído, em especial pelo uso de EPIs eficazes.
Sem contrarrazões, veio o processo a este Tribunal.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA EM SENTENÇAS MERAMENTE DECLARATÓRIAS
A remessa necessária (ou remessa oficial, ou reexame necessário) é um instituto que surgiu no direito processual civil brasileiro sob a égide do Código Buzaid, em 1973 (art. 475), prosseguindo na filosofia implantada pela apelação de ofício do art. 822 do CPC39 (e mais remotamente o recurso de ofício da Lei nº 4 de 1831, art. 90), com o objetivo de proteger o patrimônio público contra revezes eventualmente ocorridos em decisões de primeiro grau de jurisdição.
No momento da criação do instituto, a realidade da advocacia pública no Brasil requeria alguma tutela, por sua falta de estrutura especializada, mesmo no âmbito da União. Tal realidade modificou-se muito ao longo dos anos, tanto que, com a reforma do Código Buzaid pela Lei nº 10.352/2001, diminui a importância conferida à remessa oficial, a qual passou a sujeitar, no âmbito do art. 475, §2º, apenas aquelas sentenças ilíquidas que representassem montante maior que 60 salários mínimos.
O novo CPC por muito pouco não dispensou o instituto de seu texto, mantendo-o apenas como forma de atender a municípios sem estrutura de defesa jurídica, embora, por questão de isonomia federativa, tenha mantido a remessa necessária também com relação à União e aos Estados, como se verifica na Exposição de Motivos ao novo CPC produzida no Senado:
"A remessa necessária não é um grande problema de ser reexcluída, já que é uma das proposições da comissão, quando se trata de demandas onde envolva a União, ou de demandas que envolvam inclusive os estados, todos os estados têm uma democracia pública extremamente estruturada, o que me preocupa é com o município. Como ficam os municípios? 5.600 municípios, onde boa parte sequer tem uma Advocacia Pública estruturada, boa parte dos advogados de municípios acaba sendo advogados privados, que têm dificuldade inclusive com o Direito Público, não dominam a questão. E o que isso vai acontecer? Como haverá essa defesa dos municípios? A remessa necessária serve, sim, para a proteção do patrimônio público, volto a dizer, para estado, para município... Para estado e para a União isso seguramente não seria imprescindível, podemos conviver sem a remessa necessária. Mas um ponto de reflexão, a reflexão diz respeito aos municípios que têm poucos recursos e nem sempre uma Advocacia estruturada, e seguramente serão os maiores prejudicados. Então o primeiro ponto de reflexão" (Código de Processo Civil: anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil - Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010, p. 341. Extraído em 22/11/2017, de: https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf)
O texto final do art. 496 acabou por manter a remessa necessária nos casos em que os valores envolvidos representarem mais de mil salários mínimos e desde que não haja súmula de tribunal superior ou acórdão de recurso repetitivo no mesmo sentido da sentença em questão; trata-se, claramente, de um instituto em vias de extinção.
No entanto, a remessa necessária existe e deve ser aplicada, apenas deve ser observada como exceção, não como regra, em atendimento à mens legis, e, bem por isso, a interpretação do âmbito de sua aplicação deve ser restritiva.
Quanto ao momento de incidência da norma, deve-se ter em consideração o princípio tempus regit actum, que tem relação direta com o princípio constitucional da irretroatividade das leis, o qual possui previsão nos arts. 5º, XXXVI, da CF, e 6º da LINDB (Texto do Ministro Luiz Fux em: https://www.conjur.com.br/2016-mar-22/ministro-luiz-fux-cpc-seguranca-juridica-normativa, cons. em 22/11/2017). Desta forma, as sentenças proferidas a partir de 18/03/2016 devem obedecer o previsto no CPC2015 (artigos 1.045 do CPC2015 e 1.211 do CPC1973).
Esta Turma já consolidou entendimento de que a sentença não pode ser propriamente considerada ilíquida quando contém ou refere todos os elementos necessários para se apurar, mediante cálculo aritmético de baixa complexidade, o valor final da condenação. É posição desta Turma, quanto aos feitos previdenciários, que os valores a serem considerados no cômputo são aqueles apuráveis na data da sentença, não se havendo de ponderar por quanto tempo se estenderá eventual benefício, o qual, no caso das sentenças meramente declaratórias, sequer possui representatividade econômica no momento da decisão, como ocorre no caso destes autos.
Assim, não merece conhecimento a remessa necessária.
AGENTE NOCIVO RUÍDO E EPIS
A exposição a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente - como foi comprovado no caso sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI e de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos.
Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, o STF, no julgamento do ARE nº 664335 (tema reconhecido com repercussão geral sob o número 555), assentou a tese segundo a qual, "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria."
Por fim, noto que todos os períodos onde o agente nocivo ruído foi considerado pela sentença superior aos limites legais são anteriores a dezembro de 1998, de forma que não se cogitaria de eficácia de EPIs, de qualquer forma.
CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL PARA COMUM
Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que é possível a conversão do tempo especial para comum, mesmo com relação aos períodos anteriores ao advento da Lei nº 6.887, de 10/12/1980.
No que tange à possibilidade de conversão de tempo de serviço especial prestado a partir de 28/05/1998, a Medida Provisória nº 1.663/98 revogou o §5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Todavia, a Lei 9.711/98 deixou de convalidar a prefalada revogação, por via expressa ou tácita, motivo pelo qual plena é a vigência dos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios e, por conseguinte, possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Registre-se que o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício e no cálculo de sua renda mensal inicial, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1151363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
CONSECTÁRIOS
Majoração dos honorários de sucumbência
Considerando o disposto no art. 85, § 11, NCPC, e que está sendo negado provimento ao recurso, majoro os honorários fixados na sentença em 20%, observados os limites das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996).
CONCLUSÃO
Não conhecimento da remessa oficial. Negado provimento à apelação. Majoração da verba honorária. De ofício, reconhecimento da isenção de custas em relação ao INSS no Foro Federal.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação e, de ofício, isentar o INSS de custas.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5011469-68.2013.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SERGIO LUIZ GAYGER (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. SENTENÇA DECLARATÓRIA. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. RUÍDO. EPIS EFICAZES. CUSTAS.
1. Inaplicabilidade da remessa oficial em relação a sentenças de cunho meramente declaratório. Precedentes deste Tribunal.
2. Possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998. Precedentes desta Corte e do STJ.
3. Impossibilidade de reconhecimento da eficácia de EPIs em relação ao agente nocivo ruído. Precedente do Supremo Tribunal Federal.
4. Isenção de custas em favor do INSS no Foro Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação e, de ofício, isentar o INSS de custas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de julho de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 29/06/2020 A 07/07/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5011469-68.2013.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SERGIO LUIZ GAYGER (AUTOR)
ADVOGADO: CARLOS ALBERTO BORRE (OAB RS039679)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/06/2020, às 00:00, a 07/07/2020, às 14:00, na sequência 207, disponibilizada no DE de 18/06/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, ISENTAR O INSS DE CUSTAS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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