APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000054-78.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | DANIEL MORALES DO CARMO |
ADVOGADO | : | ALLISSON TAVARES DA SILVA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REPRESENTAÇÃO DE PESSOA ABSOLUTAMENTE INCAPAZ SEM INTERDIÇÃO OFICIAL. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. NULIDADE DA PERÍCIA. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ART. 29, II, DA LEI Nº 8.213/91.APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE 25% NO VALOR DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. TUTELA ESPECÍFICA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO.
1. Uma vez constatada a incapacidade da parte autora para os atos da vida civil, a nomeação de curador provisório é suficiente para regularização do pólo ativo da lide.
2. Em se tratando de ações previdenciárias em que pleiteado benefício por incapacidade, o fato de a prova técnica ter culminado com o resultado desfavorável à autarquia não configura razão suficiente à nulidade do ato com a consequente realização de novo exame pericial, o qual somente poderia ter origem na omissão ou inexatidão dos resultados da prova produzida (art. 438 do Código de Processo Civil de 1973), circunstâncias que não restaram objetivamente caracterizadas pelo recorrente.
3. Prescrição e decadência afastadas em razão da constatação de incapacidade severa da parte autora que não consegue exprimir sua vontade (art. 3º, III, c/c artigos 198, I, e 208, caput, todos do Código Civil/2002, vigentes à época dos fatos).
4. Tendo o INSS utilizado, para o cálculo do benefício por incapacidade, todos os salários de contribuição, contrariando o disposto no art. 29, II, da Lei n. 8.213/91, e ausente prova da revisão nos autos, ou, ainda, tendo feito a revisão, mas não comprovado o pagamento de todas as diferenças devidas, remanesce o interesse de agir do segurado.
5. Constatada a incapacidade laboral permanente e a necessidade de auxílio de terceiros, é de ser concedido o adicional de 25% sobre a aposentadoria por invalidez, a teor do previsto no art. 45 da Lei n° 8.213/91.
6. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09 de agosto de 2007), é de ser determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias.
7. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa oficial, com o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, determinando ainda a regularização da autuação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 30 de novembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8695428v13 e, se solicitado, do código CRC 2F7706C8. | |
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| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 01/12/2016 18:40 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000054-78.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | DANIEL MORALES DO CARMO |
ADVOGADO | : | ALLISSON TAVARES DA SILVA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs o presente recurso contra sentença que, afastando a prescrição e a decadência em reconhecimento à incapacidade civil da autora, julgou procedente o pedido, para condenar a autarquia a revisar a RMI dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos termos do artigo 29, II, da Lei 8213/91, e, sobre o valor revisado, conceder o adicional de 25% desde a concessão da aposentadoria por invalidez. O INSS foi condenado, ainda, ao pagamento das diferenças vencidas referentes aos benefícios (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) desde 01/07/2002 (DIB do auxílio-doença) e o valor referente ao adicional de 25%, desde 30/10/2003 (DIB da aposentadoria por invalidez).
A autarquia previdenciária aduz, preliminarmente, que a perícia deve ser considerada nula, uma vez que a perita nomeada pelo juízo teria agido de forma hostil para com a assistente técnica do INSS, de modo que as conclusões do laudo não podem ser tomadas como base para a condenação. Sustenta, ainda, não se tratar o autor de pessoa absolutamente incapaz para fins civis como entendeu a sentença, já que consegue se comunicar por meio de gestos, razão pela qual não se há de afastar a fluência dos prazos prescricionais. No mérito, argumenta que a parte autora não faz jus ao adicional de 25%, porquanto não demonstrado que necessita do auxílio de terceiros de forma permanente.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
Neste Tribunal, o parecer do Ministério Público Federal foi pela conversão do julgamento em diligência a fim de regularizar a situação processual da parte autora com a consequente nomeação de curador(a), uma vez que incerta a existência da ação de interdição necessária à decretação da incapacidade civil.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Preliminares:
I - Regularização do pólo ativo da demanda
O Ministério Público pugna inicialmente pela baixa dos autos em diligência para nomeação de curador.
Ocorre que, conforme despacho do evento 10, o magistrado de origem, já no início do processo de conhecimento, nomeou a esposa do autor, REGINA APARECIDA PACHECO MORALES como curadora provisória, tendo em vista a ausência de interdição em trâmite na Justiça Estadual. Nesse sentido:
2. Curador provisório
Considerando que a alegação de que Autor é absolutamente incapaz para os atos da vida civil e que não há ação de interdição em trâmite na Justiça Estadual, faz-se necessária a nomeação de curador provisório (art. 9º, I, CPC).
Assim, considerando o requerimento formulado pela parte autora, bem como que a esposa é a natural curadora do marido na hipótese de incapacidade (art. 1.775 do Código Civil), nomeio REGINA APARECIDA PACHECO MORALES como curadora provisória de DANIEL MORALES DO CARMO (CERTCAS2 - Evento 8).
Dessa maneira, o processo deve apenas ser reautuado para constar corretamente a esposa como curadora do autor.
II - Nulidade da perícia
De acordo com o INSS, a perita judicial manifestou flagrante animosidade para com a assistente técnica do INSS no momento da perícia, tentando impedir sua participação no ato. Nesse sentido, traz aos autos relato da médica assistente que refere ter sido destratada pela perita judicial, a qual não aceitava sua presença na sala, pois não havia sido comunicada acerca do comparecimento de um médico assistente em seu ambiente de trabalho.
Não obstante eventual animosidade a permear o momento anterior à perícia, certo é que o exame clínico da parte autora transcorreu de forma adequada e na presença da médica assistente, estando o laudo bem fundamentado, com respostas conclusivas aos quesitos elaborados pelas partes e pelo juízo. Demais disso, o parecer emitido pela médica assistente do INSS encontra-se junto aos autos (Evento 55.2), cabendo ao julgador valorar a prova técnica produzida em juízo em cotejo com o restante conjunto probatório.
Portanto, o fato de a prova técnica ter culminado com o resultado desfavorável à autarquia não configura razão suficiente à nulidade do ato com a consequente realização de novo exame pericial, o qual somente poderia ter origem na omissão ou inexatidão dos resultados da prova produzida (art. 438 do Código de Processo Civil de 1973), circunstâncias que não restaram objetivamente caracterizadas pelo recorrente.
Nesses termos, rejeito a preliminar.
III - Decadência e Prescrição
O INSS alega que ausente decisão judicial de interdição, ao autor deveriam ser aplicadas as normas relativas à decadência e à prescrição.
Contudo, segundo entendimento desta corte, o fato de não ter sido o interessado interditado oficialmente não afasta a possibilidade de reconhecimento de seu estado civil anterior, com efeitos ex tunc, a fim de afastar a decadência e a prescrição. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RISCO SOCIAL. CONCESSÃO. SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Comprovada a condição de pessoa com deficiência e o risco social, é devida a concessão do benefício assistencial. 2. "Não procede a alegação de que a sentença de interdição, porque produz efeitos "ex nunc" não poderia restar fixada a incapacidade em data anterior. O significado da decretação de interdição para efeitos de vida civil difere do reconhecimento de incapacidade para efeito de percepção de benefício previdenciário, onde a sentença de interdição seria mais um elemento de prova desta incapacidade." (Ação Rescisória nº 0015788-22.2011.404.0000/RS) 3. Não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes, consoante as previsões legais insculpidas nos arts. 169, inciso I, e 5º, inciso I, ambos do Código Civil de 1916, e do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os arts. 79 e 103, § único da Lei de Benefícios. Precedentes desta Corte. (TRF4, AC 5000430-59.2014.404.7134, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 25/11/2016)
Segundo se depreende dos autos, o autor foi vítima de acidente vascular cerebral no ano de 2002.
Nesta data ainda vigia o anterior Código Civil de 1916 que assim dispunha sobre a incapacidade civil e a prescrição:
Art. 5. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I. Os menores de dezesseis anos.
II. Os loucos de todo o gênero.
III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.
IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
(...)
Art. 169. Também não corre a prescrição:
I. Contra os incapazes de que trata o art. 5.
Posteriormente, em janeiro de 2003, entrou em vigor o novo Código Civil que estabeleceu em seus artigos 3º, inciso III, 198, I, e 208, caput:
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
(...)
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
(...)
Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.
A ação foi ajuizada em 07/01/2014, quando ainda em vigor a redação do artigo 3º, que somente foi alterada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, com vigência a partir de janeiro de 2016. Assim, não se aplicam as novas disposições a respeito da suspensão da prescrição ou da decadência, uma vez que já ocorrida a sua interrupção pela citação válida em momento anterior, nos termos do artigo 219 do CPC/73.
Resta saber se o autor pode ser considerado pessoa absolutamente incapaz segundo as disposições anteriores.
Na perícia da assistente do INSS (evento 55, INF2) consta que o autor, em razão de AVC sofrido em 17/06/2002, é afásico, ou seja, possui alguma perturbação da formulação e/ou compreensão da linguagem, razão por que se faz acompanhar de sua esposa. Acerca do exame físico fez constar que ele comunica-se através de gestos, entende o que se fala mas não consegue responder por afasia motora. Concluiu que o periciado apresenta sequela motora à direita, com predomínio em membro superior direito e afasia motora.
A perita judicial, a seu turno (evento50), constata que o autor possui grave dificuldade de fala (disfasia motora), sendo acompanhado por sua esposa. Ao exame físico declarou que possui severa disfasia motora, com emissão de sons ininteligíveis.
Acerca da moléstia descreveu que "o quadro parece estar estabilizado. As limitações funcionais dele decorrentes (hemiparesia completa direita, disfasia motora, comprometimento sensitivo hemicorporal direito e alteração comportamental) também parecem estabilizadas após longo tratamento multidisciplinar (neurofarmacológico, fisioterápico e fonoterápico)."
Ainda conclui que "o periciado tem inequívocas restrições funcionais do ponto de vista motor (grave dificuldade de marcha, hemiparesia completa direita pior em MSD com retração tendínea e postura distônica, e espasticidade apendicular) e de linguagem (severa disfasia de expressão, sendo sua fala ininteligível), além de prejuízo sensitivo e grave alteração comportamental que exige tratamento contínuo com psicofármacos (lítio e clonazepam). Comparado com um homem saudável de mesma idade, o periciado encontra-se em franca desvantagem."
Questionada sobre a possibilidade de cura, a expert referiu que não, pois "após 12 anos da instalação da isquemia cerebral as alterações são sequelares. A melhora funcional observada nos primeiros anos (com fisioterapia intensiva e fonoterapia) foi consolidada, e minoração dos efeitos motores e de fala não são esperados. Flutuações do quadro psíquico poderão ser observadas decorrentes de modificações no esquema terapêutico e reações a estresses psicológicos."
Por fim, no ponto acerca da incapacidade civil, a neurologista judicial apontou que "o periciado pareceu-me capaz do ponto de vista de responsabilidade civil; todavia, pela severa dificuldade de linguagem que apresenta, certamente precisa se fazer representar em todo e qualquer ato da vida civil por um procurador ou representante. (Exemplo é a presente avaliação pericial)."
O que se observa do quadro descrito, tanto pela perita assistente do INSS quanto pela expert de confiança do juízo é que o segurado consegue compreender o que lhe é dito, mas não se comunica sozinho.
Assim, em um primeiro momento, não se poderia incluir o demandante no conceito de absolutamente incapaz descrito pelo artigo 5º, incisos II e III, do Código Civil/16, já que não é "louco de todo gênero" nem "surdo-mudo incapaz de exprimir sua vontade".
Contudo, já em janeiro de 2003, antes do transcurso do prazo decadencial ou do prescricional do artigo 103, da Lei 8213/91, entrou em vigor o novo Código Civil que passou a considerar como absolutamente incapaz, nos termos do artigo 3º, III, aquele que mesmo por causa transitória, não puder exprimir sua vontade.
Parece-me ser exatamente a questão posta nos autos, pois o autor, apesar de compreender o que lhe é dito não consegue exprimir a sua vontade, sendo necessário o acompanhamento da esposa para fazer-se comunicar.
Por tais motivos, nos termos do artigo 3º, III, do Código Civil/2002, c/c artigos 198, I, e 208, caput, ao autor não é oponível nem a prescrição nem a decadência previstas no artigo 103, da Lei 8213/91.
Da revisão da RMI dos auxílios-doença previdenciários com base no art. 29, II, da Lei 8.213/91.
A parte autora obteve auxílio-doença previdenciário na data de 01/07/2002 (NB 300.119.864-0), por preencher devidamente os requisitos atinentes à incapacidade, qualidade de segurado e carência, conforme informações constantes no Evento 45. Em 30/10/2013, o benefício foi convertido em aposentadoria por invalidez (NB 131.198.119-2 - Evento 1.12) ante a irreversibilidade do quadro incapacitante.
Diante disso, postula a revisão de ambos os benefícios, na forma do art. 29, II, da Lei n. 8.213/91.
A propósito do cálculo dos benefícios por incapacidade concedidos na vigência da Lei 9.876/99, a autarquia previdenciária editou o Memorando Circular Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15/4/2010, que determinou a revisão administrativa dos benefícios de acordo com o art. 29, II, da Lei nº 8.213/91, implicando efetivo reconhecimento do direito dos segurados, pois expressamente estabeleceu que "são passíveis de revisão os benefícios por incapacidade e pensões derivadas destes, assim como as não precedidas, com DIB a partir de 29/11/1999, em que, no Período Básico de Cálculo - PBC, foram considerados 100% (cem por cento) dos salários-de-contribuição, cabendo revisá-los para que sejam considerados somente os 80% (oitenta por cento) maiores salários-de-contribuição."
Dessa maneira, houve já o reconhecimento do direito vindicado nos autos, sendo devida a revisão pretendida no salário-de-benefício do auxílio-doença com repercussão na atual aposentadoria por invalidez, já que conforme carta de concessão do benefício (Evento 1.11), o INSS considerou todos os salários de contribuição do autor e não apenas os 80% (oitenta por cento) maiores, como determinam os artigos 29, II, da Lei 8213/91, e 3º, da Lei 9876/99.
Da Aposentadoria por invalidez (adicional de 25%)
A parte autora é titular de aposentadoria por invalidez desde 30/10/2003.
De acordo com a perícia, realizada em 06/10/2014, por médica especialista em Neurologia, a parte autora apresenta o seguinte diagnóstico:
1. Sequelas de Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVC I) fronto-temporo-parietal esquerdo em 17/06/2002: i) hemiparesia completa desproporcionada (predomínio braquial crural facial) em hemicorpo direito, de grau moderado a severo; ii) disfasia motora de grau severo; iii) comprometimento sensitivo hemicorporal direito de grau moderado; iv) distúrbio comportamental de grau moderado, com agressividade e tendência ciclotímica;
2. Hipertensão arterial controlada (com dieta);
3. Dislipidemia controlada (com estatina);
4. Insônia;
5. Doença prostática de natureza benigna (hiperplasia benigna da próstata?);
6. Hipertireodismo provável.
Segundo a perita, o autor tem inequívocas restrições funcionais do ponto de vista motor (grave dificuldade de marcha, hemiparesia completa direita pior em MSD com retração tendínea e postura distônica, e espasticidade apendicular) e de linguagem (severa disfasia de expressão, sendo sua fala ininteligível), além de prejuízo sensitivo e grave alteração comportamental que exige tratamento contínuo com psicofármacos (lítio e clonazepam). Comparado com um homem saudável de mesma idade, o periciado encontra-se em franca desvantagem.
Questionada se a parte autora apresenta condições de realizar atos do cotidiano (higiene, alimentação, vestuário, lazer etc), a especialista respondeu :
(...) sim, mas com ressalvas pela sua importante limitação funcional: o paciente consegue se vestir com alguma dificuldade, precisando de ajuda para puxar a calça até a cintura, enfiar a manga da camisa no braço etc. Ele atualmente toma banho sentado na cadeira, sem auxílio (porque não gosta de ajuda; mas a esposa procura supervisionar o banho, e geralmente é ela quem lava sua cabeça); ele escova os dentes sozinho; alimenta-se sozinho usando a mão esquerda, não costuma engasgar, mas é a esposa quem lhe prepara o prato, corta os alimentos que precisam ser fatiados etc. (A esposa refere que supervisiona todas as suas atividades; praticamente não o deixa sozinho). Não é capaz de desempenhar nenhuma tarefa doméstica. (...) o periciado frequentemente necessita da ajuda e supervisão da esposa para praticamente todas as atividades do quotidiano. (...) pela severa dificuldade de linguagem que apresenta, certamente precisa se fazer representar em todo e qualquer ato da vida civil por um procurador ou representante.
Por fim, a auxiliar do juízo assim concluiu:
(...) o periciado tem limitações graves (cerca de 95%) ao desempenho laborativo, diante de suas limitações funcionais (alteração de marcha com moderada a severa hemiparesia direita completa com predomínio braquial; disfasia motora grave; alteração comportamental com tendência ciclotímica), e especialmente pela dependência (= necessidade de ajuda e/ou supervisão) de terceiros para gerenciar suas necessidades físicas e psico-sociais (grifou-se). (...) pode-se deduzir - baseados no grau de limitação funcional do periciado, o qual se depreende de seu exame neurológico -, que o mesmo necessita de supervisão e ajuda constantes na medida em que se mostra incapaz de gerenciar per si suas necessidades físicas e psico-sociais. Tal ajuda e supervisão são indubitavelmente necessárias; certamente ninguém as faz de forma mais devotada que a esposa. (...).
O perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora o julgador não fique adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente.
Ocorre que ambas as perícias, judicial e realizada pela assistente do INSS, concluem que o autor tem severas restrições motoras, sendo que necessita da esposa ou de terceiros para atividades básicas da vida diária, como vestir-se e falar.
Assim, confirmada a necessidade de auxílio de terceiros, faz jus a parte autora ao acréscimo de 25% sobre sua aposentadoria por invalidez - tendo em vista seu caráter assistencial -, a teor do disposto no art. 45 da Lei 8.213/91.
Termo inicial
De acordo com o laudo, o autor encontra-se inválido para o exercício de inúmeras atividades humanas, incluindo o trabalho, desde a data em que sofreu o acidente vascular cerebral, em 2002. Ainda, restou claro que o comprometimento funcional já o acompanha desde a concessão da aposentadoria por invalidez.
Por essa razão, o acréscimo de 25% por cento é devido desde a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, em 30/10/2003, cumprindo ao INSS pagar à parte autora as respectivas parcelas, devidamente revisadas, conforme fundamentação supra, afastada a prescrição quinquenal, descontados os valores eventualmente pagos administrativamente ou por força de antecipação de tutela em relação ao mesmo benefício.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016, e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios e periciais
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, a teor das Súmulas 111, do STJ, e 76, do TRF da 4ª Região.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09 de agosto de 2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Conclusão
O apelo da autarquia e remessa oficial improvidos, nos termos da fundamentação, prejudicado o exame quanto ao modo de cálculo no que se refere aos consectários legais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso e à remessa oficial, com o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, determinando ainda a regularização da autuação.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/11/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000054-78.2014.4.04.7003/PR
ORIGEM: PR 50000547820144047003
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Geral da República Juarez Mercante |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Dr. Alisson Tavares da Silva (Videoconferência de Maringá) |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | DANIEL MORALES DO CARMO |
ADVOGADO | : | ALLISSON TAVARES DA SILVA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/11/2016, na seqüência 420, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E À REMESSA OFICIAL, COM O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO DA PARTE AUTORA, A SER EFETIVADA EM 45 DIAS, DETERMINANDO AINDA A REGULARIZAÇÃO DA AUTUAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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