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RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. ATROPELAMENTO POR VEÍCULO DA ECT. ARBITRAMENTO. TRF4. 5005551-42...

Data da publicação: 25/02/2022, 07:00:59

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. ATROPELAMENTO POR VEÍCULO DA ECT. ARBITRAMENTO. Por força de expressa disposição constitucional, a responsabilidade estatal prescinde da comprovação da existência de dolo ou culpa do agente, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o dano (patrimonial ou extrapatrimonial) e a conduta, o qual é afastado quando há culpa exclusiva da vítima ou terceiro ou, ainda, em caso fortuito ou força maior. Não obstante, em se tratando de omissão estatal, é imprescindível a demonstração da ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou mesmo deliberado propósito de violar a norma que impôs o dever de agir (dolo). Isso porque, a princípio, se não houve atuação do Estado, este não pode ser, logicamente, o causador do dano, salvo se tinha o dever legal de impedir o evento lesivo. A concessão de pensão mensal vitalícia implica na comprovação de invalidez permanente que impeça ou dificulte o retorno do lesionado/autor ao mercado de trabalho, observado no que couber, o ofício por ele exercido antes do acidente. No que tange ao arbitramento do valor da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima. (TRF4, AC 5005551-42.2020.4.04.7107, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 17/02/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005551-42.2020.4.04.7107/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: EDITHE DAMIANI RAMOS (AUTOR)

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença proferida em ação de procedimento comum, com o seguinte dispositivo:

3 - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela autora, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Sucumbente, condeno a autora ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do procurador da ré, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, corrigido pelo IPCA-E desde a data do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, na forma do art. 85, § 2º, do CPC, acrescidos de juros de mora em percentual idêntico ao índice de remuneração da poupança, observada a taxa de juros variáveis quando foi o caso (Lei nº 12.703/2012). No entanto, resta suspensa a exigibilidade, em razão da concessão da gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Opostos eventuais embargos de declaração com efeitos infringentes, abra-se vista à parte contrária para manifestação, nos termos do art. 1.023, § 2º, do CPC.

Com eventual interposição de apelação e apresentação de contrarrazões deverão os autos ser encaminhados ao Egrégio TRF da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1010, § 3º, do CPC), cabendo à Secretaria abrir vista à parte contrária caso, em contrarrazões, sejam suscitadas as matérias referidas no § 1º do art. 1009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo.

Em suas razões de apelação, a parte autora alegou que, contrariamente aos fundamentos da sentença, as provas carreadas aos autos apontam para o nexo de causalidade existente entre o acidente e os danos causados à apelante. Nesses termos, requereu o provimento do recurso.

Com contrarrazões, vieram os autos.

É o relatório.

VOTO

Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:

1 - RELATÓRIO

Trata-se de "Ação de Indenização por danos materiais, danos morais, danos estéticos cumulada com pedido de pensionamento vitalício", ajuizada por EDITHE DAMIANI RAMOS contra a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT, por meio da qual objetiva a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos materiais, morais e estéticos sofridos em decorrência de acidente de trânsito, bem como de pensão vitalícia. Narrou que, em 17/01/2021, foi atropelada por veículo de propriedade da ré. Disse que o veículo estava estacionado em uma ladeira e, de forma desgovernada, desceu de ré, atingindo a autora. Afirmou que, após o acidente, foi encaminhada ao hospital, em que se constatou lesão em sua perna esquerda (rompimento dos tendões). Aduziu que, em razão do ocorrido, pediu demissão do emprego, já que sentia muitas dores, tinha dificuldade de locomover-se e necessitava de repouso após a cirurgia. Mencionou que, até o momento da propositura da ação, já havia despendido R$ 1.385,57 com medicamentos, exames e consultas médicas. Alegou que, após o acidente, a ré não lhe prestou qualquer assistência. Formulou pedido de concessão da gratuidade de justiça. Juntou documentos (evento 1).

Deferido o benefício da justiça gratuita à autora e determinada a retificação do valor da causa para R$ 63.925,57.

A ECT apresentou contestação no evento 12. Não negou a ocorrência do incidente - descida do carro -, contudo, alega que ninguém se machucou no episódio. Narrou que o seu funcionário, Nelmar Boeira da Silva, estacionou o veículo na Rua 15 de Dezembro para realizar entregas; ao retornar ao automóvel para pegar outro objeto na parte traseira, ele começou a se deslocar. Discorreu que Nelmar gritou para alertar quem estivesse por perto e conseguiu virar a direção do carro, por fora, parando-o no imóvel que aparece nas fotos anexadas à contestação. Afirmou que Nelmar relatou que não havia ninguém machucado próximo ao veículo. Refutou a existência de dano estético e dano moral, assim como sua responsabilidade pelo pagamento de pensionamento vitalício. Postulou a improcedência dos pedidos.

Houve réplica (evento 16).

Deferida a produção de prova testemunhal, mas determinada a suspensão do processo em razão da manutenção das medidas de prevenção ao contágio e transmissão do novo coronavírus (evento 18).

Apresentados os róis de testemunhas pelas partes (eventos 33 e 34).

Realizada a audiência de instrução, na qual foram ouvidas duas testemunhas da autora e uma da ré (evento 48).

Deferida a produção de prova pericial no evento 56, as partes apresentaram quesitos nos eventos 61 e 62.

Apresentado o laudo pelo perito nomeado no evento 77.

Deferida a complementação do laudo no evento 84.

Juntado laudo complementar no evento 87.

A parte autora manifestou-se no evento 91.

Solicitado o pagamento dos honorários periciais no evento 91.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relato. Decido.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, cumpre destacar que se está diante de responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), a qual abarca, também, a hipótese de acidente de trânsito.

Vale dizer que independe a comprovação de culpa ou dolo, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o ato do agente público (condução de veículo sob sua responsabilidade) e o prejuízo causado ao particular (danos materiais, morais e estéticos).

A respeito:

ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS CONFIGURADOS. INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE. PENSÃO CIVIL. QUANTIFICAÇÃO.
1. Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior.
2. Comprovado o nexo de causalidade entre o acidente e a imprudência do motorista contratado pela ré (em serviço), configurada a responsabilidade da ré pelos danos causados.
3. O dano moral decorrente da limitação parcial da mobilidade do autor, além do sofrimento e dores advindos do trauma e da cirurgia a que foi submetido, é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
4. Para que seja indenizado o dano estético, é imprescindível a ocorrência de deformidade aparente e aferível de imediato, de modo a causar constrangimento que influencie negativamente na convivência social da vítima. Ademais, a lesão deve ser irreparável e permanente, pois, se passível de correção, subsume-se na indenização por dano material decorrente de cirurgia e/ou tratamentos corretivos.
5. Na quantificação do dano moral ou estético devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano.
6. Não é incompatível o recebimento de benefício previdenciário, no caso auxílio-doença por acidente, com a fixação de pensão de natureza civil.
7. A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser reajustada com base no salário-mínimo. Inteligência do enunciado n° 490 da súmula do Supremo Tribunal Federal. (TRF4, 4ª Turma, Apel. 5001277-66.2014.404.7100, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 01/06/2016). (grifei).

Para que se possa falar em responsabilização civil, é necessário que se demonstre a ocorrência de dano a um bem jurídico e que esta lesão tenha sido causada por uma ação ou omissão de determinado agente.

No caso concreto, a fim de esclarecer a dinâmica do atropelamento narrado pela autora na inicial, foi deferida a produção de prova testemunhal, em que foram ouvidas a autora, duas testemunhas desta e uma testemunha da ré.

A autora relatou que desceu para o Bairro Piratini e parou para comprar frutas de um verdureiro que estava com o carro parado. Virou as costas e saiu, quando escutou uma pessoa gritando "ajuda ele, ajuda ele, ajuda ele". Viu o carro andando sozinho e o funcionário dos Correios e o verdureiro tentando segurá-lo. Disse que o carro veio na sua direção, motivo pelo qual atravessou a rua, sendo atingida por ele na calçada antes de bater no muro. "Ali do lado, mora o meu irmão e eu fui até eles com muita dor pedir ajuda [...], porque um carro bateu na minha perna". A sobrinha da autora a sentou em uma cadeira de praia na calçada em frente à residência. Depois, foi levada para dentro da residência, porque o sol estava muito quente. No interior da residência, tiraram seu tênis, viram que o local estava inchando muito e levaram a autora ao hospital. No momento da batida, a autora não avisou ninguém dos Correios; somente depois foi em uma agência em Canela e falou com o gerente Irion, que pegou seus dados telefônicos e disse que retornaria. Na ocasião, Irion disse que o carro não havia batido em ninguém, embora não estivesse no local quando aconteceu o acidente. No momento do atropelamento, a autora estava sozinha. Não tirou fotos da pancada, porque foi tudo muito rápido e estava com muita dor. O funcionário dos Correios tirou foto do veículo batido no muro e depois saiu em disparada, não dando tempo para que a autora pudesse informá-lo da lesão sofrida.

A testemunha MARTA GIUVERNARDI FULCHER disse que conhece a autora há muito tempo. No momento do acidente, estava atendendo - é manicure e sua mesa de trabalho fica em frente à janela - e viu o carro andando sozinho com alguém correndo atrás. A pessoa conseguiu guiar o carro pela janela, desviando-o dos outros veículos, até bater no muro da casa que fica ao lado da sua. Viu a autora sendo atingida pelo veículo, mas não a socorreu, porque ela já estava sendo assistida pela sobrinha e pelo irmão e havia mais gente ao seu redor. Perguntada a respeito da região em que a autora teria sido atingida, respondeu: "como a autora estava do lado de lá do carro e eu do lado de cá, eu vi quando ele bateu no muro e acabou acertando ela, porque deu para escutar [...] as pessoas falaram e vi a hora que o irmão dela e a sobrinha juntaram ela". Viu que o carro bateu na autora, porque ela gritou. Não viu em que parte do carro a autora bateu, porque estava do lado de cá e ela do lado de lá. A autora não tropeçou, foi o carro que a atingiu.

LUIZ CARLOS DAMIANI RAMOS foi ouvido como informante, pois é irmão da autora. Respondeu que estava na cozinha quando viu a autora correndo 'meio que saltitando' e, naquele momento, ouviu o barulho do carro batendo no muro. Saiu para ver o que havia ocorrido; a autora estava sentindo muita dor no pé; sentaram a autora em uma cadeira na rua, depois a levaram para dentro da residência e colocaram gelo no local; em seguida, a autora foi levada para o hospital. O muro faz divisa com o terreno do informante. Disse que não viu a autora sendo atingida pelo veículo, apenas este batendo no muro. A região do tornozelo estava ficando roxa, mas não havia sinal de sangue, nem arranhões. No momento, a autora disse que 'parecia que o carro tinha batido nela'. Que o informante tenha visto, a autora não caiu.

NELMAR BOEIRA DA SILVA também foi ouvido como informante, por ser o motorista do veículo da empresa ré que teria atropelado a autora. Narrou que estava realizando uma entrega na Rua 15 de Dezembro, nº 64; feita a entrega, foi buscar outra encomenda na parte traseira do veículo, quando escutou um barulho de freio de mão escapando e a viatura começou a andar. Conseguiu colocar a mão na janela do carro e virar a direção. Gritou para as pessoas que estavam comprando verduras para que saíssem, porque a viatura havia perdido o freio. Virou a direção para a calçada; a viatura subiu na calçada e parou no muro. Ninguém foi atingido pela viatura; ficou vários minutos na frente da casa, porque ligou para seu supervisor, tirou fotos do ocorrido, chamou os donos da casa cujo muro foi atingido e sentou na calçada para tentar se acalmar. Ninguém foi falar com o informante; o pessoal que estava comprando hortifrúti se dispersou; o vendedor das verduras foi embora. Disse que havia puxado o freio de mão do carro. Quando abriu as portas traseiras da caminhonete e apoiou o joelho para pegar outra entrega, escutou o estalo do freio de mão e ela começou a andar para trás. Conseguiu fechar as portas e tentou segurar o veículo, sem êxito. Somente um pedreiro, que estava em uma casa do outro lado da rua, veio falar com o informante para ver se ele estava bem. O dono do muro atingido não estava na residência, somente suas filhas, que foram comunicadas do ocorrido. Não viu nenhuma senhora sentada na calçada.

A partir da prova produzida nos autos, a autora não se desincumbiu do ônus de provar que o alegado dano decorreu de conduta atribuída ao agente da ré.

As declarações apresentadas no evento 1 (DECL10 e DECL11) são de autoria da sobrinha - Cristiane Prinstrop Ramos - e do irmão - Luiz Carlos Damiani Ramos - da autora, que não presenciaram o alegado atropelamento, apenas prestaram socorro a ela após ter se machucado, de maneira que não servem para comprovar que o carro da ré efetivamente atingiu a autora, vindo a lesionar o calcanhar desta.

Ainda a respeito da prova produzida, o Boletim de Ocorrência anexado com a peça inicial (evento 1, BOL_REG_OCORR_POL25) trata-se de comunicação pessoal realizada pela autora quatro dias após o alegado atropelamento. Sendo assim, o documento não tem força probante, porque nada mais é do que a versão da autora acerca do ocorrido no dia 17 de janeiro de 2020.

Igualmente, as testemunhas arroladas pela autora não presenciaram o momento em que ela teria sido atingida pelo veículo de propriedade da ré.

A autora, em audiência, disse que estava sozinha na rua e, após o atropelamento, teria buscado socorro na casa de seu irmão, que fica ao lado da residência em que o veículo bateu no muro. Por outro lado, a testemunha Marta relatou que a autora foi socorrida pela sobrinha e pelo irmão, que a 'juntaram na rua', o que conflita com a versão narrada pela autora e confirmada pelo informante Luiz Carlos Damiani Ramos, no sentido de que aquela teria ido até a casa deste buscar ajuda.

Ainda, a testemunha Marta, em seu depoimento, afirmou que a autora fora atropelada pelo carro da empresa ré, a despeito de não ter visto o local em que ela teria sido atingida. Do testemunhado em audiência, ficou claro que Marta sustenta que a autora foi atropelada pelo carro da ré muito mais pelo que escutou do que pelo que viu, já que mencionou ter ouvido a autora gritar, o que a levou a presumir que ela teria sido atingida pelo automóvel.

Tanto das declarações juntadas no feito (DECL10 e DECL11) quanto das testemunhas arroladas pela autora denota-se que nenhuma das pessoas referidas por esta viu o que aconteceu no momento em que o carro da ré bateu no muro da residência vizinha à casa do irmão da autora, de maneira que esta não logrou comprovar que fora, efetivamente, atropelada.

Além do mais, causa estranheza o fato de a autora ter sido atropelada pelo veículo da ré e não ter comunicado imediatamente o funcionário que o conduzia, ainda mais porque, ao que tudo indica, Nelmar não deixou o local logo após a batida do automóvel no muro.

Portanto, a autora não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus da prova que lhe incumbia, nos termos do artigo 373, I, do CPC, pois não restou comprovado que o funcionário da ré provocou os danos alegados.

Assim já se manifestou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da Apelação Cível nº 5013046-03.2016.4.04.7003:

ADMINISTRATIVO. EMPRESA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS- ECT. DANOS PATRIMONIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DÚVIDA A RESPEITO DOS FATOS. ÔNUS DA PROVA. O dever de reparação depende da demonstração da ligação causal entre o comportamento do agente estatal e o resultado danoso. Só assim é que estará evidenciado o nexo necessário que faz surgir aquele dever. Os danos decorreram de colisão, mas qual dos envolvidos causou-a não restou esclarecido de maneira a formar nexo causal. Em análise da prova existente, percebe-se que não houve demonstração dessa ocorrência, não tendo a autora se desincumbido do ônus probatório que lhe cabia. Logo, na falta de prova do nexo de causalidade entre a ação e o resultado lesivo, não se pode afirmar o dever de indenizar por danos materiais. (TRF4, AC 5013046-03.2016.4.04.7003, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 29/11/2018)

Nesse contexto, devem ser julgados improcedentes os pedidos.

3 - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela autora, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Sucumbente, condeno a autora ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do procurador da ré, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, corrigido pelo IPCA-E desde a data do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, na forma do art. 85, § 2º, do CPC, acrescidos de juros de mora em percentual idêntico ao índice de remuneração da poupança, observada a taxa de juros variáveis quando foi o caso (Lei nº 12.703/2012). No entanto, resta suspensa a exigibilidade, em razão da concessão da gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Opostos eventuais embargos de declaração com efeitos infringentes, abra-se vista à parte contrária para manifestação, nos termos do art. 1.023, § 2º, do CPC.

Com eventual interposição de apelação e apresentação de contrarrazões deverão os autos ser encaminhados ao Egrégio TRF da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1010, § 3º, do CPC), cabendo à Secretaria abrir vista à parte contrária caso, em contrarrazões, sejam suscitadas as matérias referidas no § 1º do art. 1009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo.

A Constituição Federal prevê a responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes a terceiros, nos seguintes termos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(...)

Por força de expressa disposição constitucional, a responsabilidade estatal prescinde da comprovação da existência de dolo ou culpa do agente, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o dano (patrimonial ou extrapatrimonial) e a conduta, o qual é afastado quando há culpa exclusiva da vítima ou terceiro ou, ainda, em caso fortuito ou força maior.

Não obstante, em se tratando de omissão estatal, é imprescindível a demonstração da ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou mesmo deliberado propósito de violar a norma que impôs o dever de agir (dolo). Isso porque, a princípio, se não houve atuação do Estado, este não pode ser, logicamente, o causador do dano, salvo se tinha o dever legal de impedir o evento lesivo.

No caso dos autos, em que pesem ponderáveis os fundamentos expostos pelo juízo a quo, entendo que o conjunto probatório corrobora a narrativa da autora acerca dos fatos ocorridos, bem como do nexo causal entre a conduta do agente da ré e os danos sofridos:

(1) a ocorrência do fato envolvendo o veículo da ré, no dia e horário indicados - 17/01/2020 -, é incontroverso, admitido pela própria ECT, como se vê da contestação (evento 12, CONTES7):

O acidente relatado efetivamente ocorreu, entretanto sem qualquer lesão corporal. Conforme relato do condutor do veículo e funcionário da ECT, Sr. Nelmar Boeira da Silva, a viatura da ECT foi estacionada na rua 15 de Dezembro para realização de entregas e foi puxado o freio de mão. Após efetuada a entrega, o carteiro foi até o veículo para pegar outro objeto postal para entrega na parte traseira do carro, quando então este começou a descer/deslocar-se. Neste momento, o condutor gritou para alertar quem estivesse por perto, saiu da traseira do carro, foi até a janela do condutor e virou a direção por fora para parar o veículo junto ao imóvel que aparece nas fotos em anexo. Afirma o Sr. Nelmar que não havia ninguém atrás do veículo ou machucado no momento do acidente e que foi ele mesmo quem informou o proprietário da casa do ocorrido.

(2) também é inconteste o dano sofrido pela autora, no dia do relatado acidente, como demonstra o atestado médico do evento 1, ATESTMED12, emitido em 17/01/2020, às 12:48:06, informando que "pcte refere dor em membro inferior esquerdo (cis carro bateu nela)" e também "No momento refere dor local, c/deambulação prejudicada". Da mesma forma, o atestado emitido em 23/01/2020, com o seguinte teor (evento 1, ATESTMED14):

Paciente em tratamento ortopédico, refere trauma em tornozelo.

Apresenta lesão do tendão de Aquiles, com indicação para tratamento cirúrgico.

(3) o laudo pericial carreado aos autos (evento 77, LAUDOPERIC1, e evento 87, LAUDOCOMPL1) confirma as lesões sofridas pela autora:

Paciente apresentou lesão (ruptura) do tendão de Aquiles esquerdo (CID S86.0), na data informada, vítima de atropelamento, conforme história relatada nos autos. Foi submetida ao tratamento cirúrgico, para reparo da lesão.

Realizou a reabilitação com fisioterapia e acompanhamento do cirurgião assistente, custeando de maneira particular os custos de reabilitação (SIC).

(4) em resposta aos quesitos formulados, o Perito afirma que a etiologia da patologia que acomete a autora é traumática, não sendo congênita, constitucional ou degenerativa, respondendo afirmativamente quando indagado se o acidente de trânsito citado no processo pode ser considerado como fator etiológico das patologias e se as lesões encontradas podem ter sido causadas por este acidente; no laudo complementar do evento 87, o perito confirma que as lesões e sequelas são compatíveis com o acidente automobilístico que vitimou a autora;

(5) a prova oral corrobora a versão da autora, merecendo destaque o depoimento da testemunha MARTA GIUVERNARDI FULCHER, transcrito na sentença:

A testemunha MARTA GIUVERNARDI FULCHER disse que conhece a autora há muito tempo. No momento do acidente, estava atendendo - é manicure e sua mesa de trabalho fica em frente à janela - e viu o carro andando sozinho com alguém correndo atrás. A pessoa conseguiu guiar o carro pela janela, desviando-o dos outros veículos, até bater no muro da casa que fica ao lado da sua. Viu a autora sendo atingida pelo veículo, mas não a socorreu, porque ela já estava sendo assistida pela sobrinha e pelo irmão e havia mais gente ao seu redor. Perguntada a respeito da região em que a autora teria sido atingida, respondeu: "como a autora estava do lado de lá do carro e eu do lado de cá, eu vi quando ele bateu no muro e acabou acertando ela, porque deu para escutar [...] as pessoas falaram e vi a hora que o irmão dela e a sobrinha juntaram ela". Viu que o carro bateu na autora, porque ela gritou. Não viu em que parte do carro a autora bateu, porque estava do lado de cá e ela do lado de lá. A autora não tropeçou, foi o carro que a atingiu.

(6) a autora estava sozinha no momento em que foi atingida pelo veículo da ré, afirmando em seu depoimento que Não tirou fotos da pancada, porque foi tudo muito rápido e estava com muita dor, o que me parece bastante compreensível, em se tratando de evento imprevisível e traumático;

(7) posteriormente ao acidente, a autora foi à Polícia Civil, onde registrou Boletim de Ocorrência (evento 1, BOL_REG_OCORR_POL25), o qual, embora não tenha força probatória absoluta, por se tratar de declaração unilateral da demandante, pode ser acrescido aos demais indicativos apresentados, de modo a formar um conjunto probatório coeso e convicente. Ademais, a questão dos autos envolve a valoração das provas apresentadas por ambas as partes, segundo o princípio da persuasão racional. Isso quer dizer que, embora no processo civil brasileiro as provas não possuam um valor pré-determinado, cada uma possui maior ou menor força probatória diante do conjunto e do contexto em que produzidas e apresentadas.

Comprovado o nexo causal entre o evento ocorrido com o veículo da ré no dia 17/01/2020 e os danos suportados pela autora, cabível a responsabilização do ente público, a teor do art. 37, §6º, da Constituição Federal.

Constam da inicial os seguintes pedidos:

c) Após a instrução, julgar totalmente procedente o feito para:

c.1) Condenar a parte Ré ao reembolso dos valores pagos a título de danos materiais, referentes à aquisição de medicamentos e realização de exames médicos, no valor de R$ 1.385,57 (um mil trezentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), com as devidas correções;

c.2) Condenar a Demandada ao pagamento de danos morais, em valor a ser fixado por esse Juízo, não inferior a R$ 30.000 (trinta mil reais);

c.3) Condenar a Requerida ao pagamento de indenização por danos estéticos, em valor não inferior a R$ 20.000 (vinte mil reais);

c.4) Condenar a Demandada ao pagamento de pensão mensal vitalícia em patamar não inferior a um (01) salário mínimo mensal;

Quanto aos danos materiais, devidamente comprovados pelos documentos anexados à inicial (notas fiscais e recibos de compras de medicamentos, consultas e exames médicos, serviços de fisioterapia e outros, evento 1, NFISCAL19, NFISCAL21, NFISCAL22, NFISCAL23, OUT24), condeno a ré ao pagamento do valor de R$ 1.385,57 (um mil trezentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos).

No que tange ao arbitramento do valor da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima.

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. (...) 2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18.12.2007, DJ 11.02.2008 p. 1)

Ponderando a natureza e gravidade do dano, as circunstâncias do caso concreto, o princípio da razoabilidade e os parâmetros adotados em casos semelhantes, afigura-se adequado o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) -, sobre o qual incidirão juros e correção monetária que o incrementarão substancialmente. Esclareço que esse valor já engloba a indenização por dano estético, que, no caso concreto, traduz-se na presença de cicatriz na parte posterior da perna esquerda, não se constituindo em deformidade grave.

No que diz respeito ao pedido de pensionamento, a concessão de pensão mensal vitalícia implica na comprovação de invalidez permanente que impeça ou dificulte o retorno do lesionado/autor ao mercado de trabalho, observado no que couber, o ofício por ele exercido antes do acidente.

No caso presente, o laudo pericial (evento 77), atestou a ausência de incapacidade laboral da autora. In verbis:

B-EXAME FÍSICO DIRIGIDO PARA PATOLOGIA EM ANÁLISE NESTE LAUDO

Requerente encontra-se fisicamente bem, lúcida, orientada, coerente, juízo crítico preservado, responde com clareza aos questionamentos.

Deambula com marcha normal sem claudicação e/ou posturas anômalas. (g.n.)

1) Exame Físico do Membro Inferior Esquerdo

* Pele com coloração preservada;

* Ângulos anatômicos preservados;

* Sem desvios, sem deformidades;

* Presença de cicatriz maturada no 1/3 médio e distal posterior da perna esquerda/

* Ausência de edemas;

* Movimentos de flexão e extensão preservados (Vide fotos em anexo); (g.n.)

* Amplitude de Movimento do tornozelo e força preservadas; (g.n.)

* Musculatura com trofismo e funcionalidade preservados;

(...)

III - ANÁLISE TÉCNICA

(...)

Evolui de forma satisfatória, deambulando bem, sem déficits funcionais no membro acometido. A própria periciada refere que não apresenta diminuição da funcionalidade para atividades diárias. (grifei)

Uma vez que o quadro está estabilizado e resolvido, sem prejuízo para a vida diária da periciada, é pertinente que a reclamante solicite auxílio nos custos que teve para realizar sua reabilitação e tratamento.

(...)

19. Queira o Senhor Perito informar se a incapacidade é definitiva ou temporária? Se temporária, qual o tempo de convalescença? Como chegou a esta conclusão. Não há incapacidade.

Dessa forma, deixo de acolher o pedido de pagamento de pensão mensal vitalícia.

Sobre o tema da correção monetária e dos juros incidentes nas condenações da Fazenda Pública (Tema n.º 810), manifestou-se o e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.º 870.947/SE, sob a sistemática de repercussão geral, nos seguintes termos:

I - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;

II - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.

Eis a ementa do referido julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado. 2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29). 4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços. 5. Recurso extraordinário parcialmente provido.

A decisão é vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e tem eficácia retroativa (art. 102, § 3º, da CRFB, c/c art. 927, inciso III, do CPC), uma vez que não houve a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º- F da Lei n.º 9.494/1997, na redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, na parte em que disciplinou a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, conforme o deliberado por aquela e. Corte em sede de embargos de declaração:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quinta-feira (3), concluiu que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para a atualização de débitos judiciais das Fazendas Públicas (precatórios) aplica-se de junho de 2009 em diante. A decisão foi tomada no julgamento de embargos de declaração no Recurso Extraordinário (RE) 870974, com repercussão geral reconhecida.

Nos embargos, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e diversos estados defendiam a possibilidade de a decisão valer a partir de data diversa do julgamento de mérito do RE, ocorrido em 2017, para que a decisão, que considerou inconstitucional a utilização da Taxa Referencial (TR) na correção dessas dívidas, tivesse eficácia apenas a partir da conclusão do julgamento.

Prevaleceu, por maioria, o entendimento de que não cabe a modulação, ressaltando-se que, caso a eficácia da decisão fosse adiada, haveria prejuízo para um grande número de pessoas. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há pelo menos 174 mil processos no país sobre o tema aguardando a aplicação da repercussão geral. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425451 - grifei)

Nessa linha, o pronunciamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça nos REsp n.ºs 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS, na sistemática de recurso repetitivo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A APLICAÇÃO DO ART.1º-F DA LEI 9.494/97 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009) ÀS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CASO CONCRETO QUE É RELATIVO A INDÉBITO TRIBUTÁRIO. TESES JURÍDICAS FIXADAS. 1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. 1.1. Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária. No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário. 1.2. Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão. A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório. 2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros demora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada acumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. 3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos. As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E. 3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas. No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital. 3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária. As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária,no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006,que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art.1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009). 3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. 4. Preservação da coisa julgada. Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO. 5. Em se tratando de dívida de natureza tributária, não é possível a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei11.960/2009) - nem para atualização monetária nem para compensação da mora -, razão pela qual não se justifica a reforma do acórdão recorrido. 6. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, c/c o art. 256-N e seguintes do RISTJ. (REsp 1495146 / MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 1ª Seção, DJe 02/03/2018 - Recurso Repetitivo - Tema 905).

À vista de tais fundamentos, é de se reconhecer aplicáveis os seguintes índices:

(a) até dezembro/2002: juros demora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;

(b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada acumulação com qualquer outro índice;

(c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

Sobre os montantes indenizatórios, incidirão juros de mora, a contar do evento danoso, e correção monetária, desde a data do arbitramento, nos termos das súmulas n.ºs 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.

Considerando a natureza da causa, o trabalho executado pelo advogado e os limites legais, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC. Na eventualidade de a condenação superar o limite de 200 (duzentos) salários mínimos, deverão ser observados os percentuais mínimos previstos nos incisos II a V do § 3º, conforme a graduação do proveito econômico obtido.

Invertida a sucumbência, inaplicável a majoração recursal prevista no § 11 do art. 85 do CPC (STJ, AgInt no AREsp nº 829.107).

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003023658v24 e do código CRC 29ffa08f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 17/2/2022, às 18:42:10


5005551-42.2020.4.04.7107
40003023658.V24


Conferência de autenticidade emitida em 25/02/2022 04:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005551-42.2020.4.04.7107/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: EDITHE DAMIANI RAMOS (AUTOR)

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)

EMENTA

responsabilidade civil. INDENIZAÇÃO POR DANOS morais e materiais. pensão mensal vitalícia. atropelamento por veículo da ect. arbitramento.

Por força de expressa disposição constitucional, a responsabilidade estatal prescinde da comprovação da existência de dolo ou culpa do agente, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o dano (patrimonial ou extrapatrimonial) e a conduta, o qual é afastado quando há culpa exclusiva da vítima ou terceiro ou, ainda, em caso fortuito ou força maior.

Não obstante, em se tratando de omissão estatal, é imprescindível a demonstração da ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou mesmo deliberado propósito de violar a norma que impôs o dever de agir (dolo). Isso porque, a princípio, se não houve atuação do Estado, este não pode ser, logicamente, o causador do dano, salvo se tinha o dever legal de impedir o evento lesivo.

A concessão de pensão mensal vitalícia implica na comprovação de invalidez permanente que impeça ou dificulte o retorno do lesionado/autor ao mercado de trabalho, observado no que couber, o ofício por ele exercido antes do acidente.

No que tange ao arbitramento do valor da indenização advinda de danos morais, o julgador deve se valer do bom senso e atentar às peculiaridades do caso concreto, não podendo fixar quantum irrisório ou insuficiente para a devida reparação, tampouco vultoso que acarrete enriquecimento sem causa da vítima.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de fevereiro de 2022.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003023659v3 e do código CRC fe3cfb47.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 17/2/2022, às 18:42:10


5005551-42.2020.4.04.7107
40003023659 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 25/02/2022 04:00:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 16/02/2022

Apelação Cível Nº 5005551-42.2020.4.04.7107/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

APELANTE: EDITHE DAMIANI RAMOS (AUTOR)

ADVOGADO: JANETE DAMBROS (OAB RS027041)

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 16/02/2022, na sequência 869, disponibilizada no DE de 04/02/2022.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 25/02/2022 04:00:58.

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