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PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECEBIMENTO DE AMPARO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. TRF4. 5005807-93.2017.4.04.7105...

Data da publicação: 02/03/2023, 07:01:11

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECEBIMENTO DE AMPARO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. 1. A administração pode e deve exercer o controle da legalidade de seus atos, pelo princípio da autotutela, desde que observado o devido processo legal e o prazo decadencial do art. 103-A da Lei 8.213/91 2. Não tendo sido comprovada a má-fé, aplica-se o entendimento jurisprudencial no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário ou assistencial, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida. (TRF4, AC 5005807-93.2017.4.04.7105, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 22/02/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005807-93.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SANDRA INES LOPES PALHARES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença com seguinte dispositivo:

"III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na presente ação, extinguindo o feito com resolução do mérito, para os efeitos de declarar a inexistência de débito em relação aos valores recebidos pela Sra. SANDRA INES LOPES PALHARES, referentes ao benefício assistencial de nº 87/530.256727-6 (Ofício 294/2017/APS de São Luiz Gonzaga/RS).

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, de acordo com o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, atentando à natureza da demanda e ao trabalho desenvolvido pelo profissional. O valor devido deverá ser atualizado pelo IPCA-E, a contar do ajuizamento da demanda, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

O réu é isento de custas (artigo 4.º, I, da Lei 9.289/1996).

Havendo interposição de recurso, recebo-o(s) no efeito devolutivo e determino a intimação da(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, nos termos do artigo 1.010, § 1º, do CPC. Juntada(s) as respectivas contrarrazões e não havendo sido suscitadas as questões referidas no §1º do artigo 1.009 do CPC, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Caso suscitada alguma das questões referidas no §1º do artigo 1.009 do CPC, intime-se o recorrente para manifestar-se, no prazo previsto no §2º do mesmo dispositivo.

Publicação e registro automáticos. Intimem-se."

O apelante refere que nos períodos de 01.12.2009 a 30.06.2010, de 01.07.2011 a 23.10.2013, de 30.05.2014 a 30.12.2014 e de 02.02.2015 a 07/2017, a renda per capita familiar superou em muito ¼ do salário-mínimo, em razão de vínculos empregatícios registrados em nome do Sr. Gilson Schroeder, omitidos pela demandante, caracterizando a irregularidade no recebimento do benefício de amparo assistencial, bem como um débito com a Autarquia no montante de R$ 62.722,29, atualizado até 08/2017. Aduz que a ausência de demonstração de má-fé não afasta a necessidade de cessação do pagamento indevido, pelo exercício do poder-dever de a Administração rever seus atos (Súmulas 346 e 373 do STF). A má-fé seria relevante apenas para a definição da possibilidade ou não de parcelamento do débito apurado, nos termos do art. 115 da Lei 8.213/91.

Com contrarrazões.

Parecer do MPF pelo desprovimento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Inexigibilidade dos débitos

Ao julgar o Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

O julgado (REsp n.º 1.381.734/RN) restou assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n.
8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

A modulação de efeitos do julgado acima afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, remanescendo a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade na ausência de prova da má-fé.

No caso dos autos, a sentença ora apelada é irretorquível ao considerar ausente a má-fé da autora, pelo que deve ser mantida por seus judiciosos fundamentos, que se transcrevem a seguir como razões de decidir, verbis:

"II - FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de demanda na qual a parte autora objetiva o reconhecimento da inexigibilidade pelo réu do valor que recebeu a título de benefício assistencial, ao argumento de que não houve má-fé ao receber os valores nos períodos em que foi reconhecida a existência de superação da renda do grupo familiar.

O artigo 115, inciso II, da Lei nº 8213/91, de sua parte, autoriza o desconto de benefícios pagos além do devido, conquanto seja feito em parcelas para beneficiários de boa-fé, verbis:

'Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido

§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.'

Partindo da literalidade de tal artigo, o INSS entende caber sempre a restituição dos valores pagos indevidamente, independentemente de estar o segurado de boa-fé ou de má-fé. No primeiro caso, a restituição seria feita em parcelas; no segundo, de uma só vez, conforme estabelecido em regulamento (Decreto nº 3.048, de 1999, art. 154).

Com relação à devolução de valores oriundos de benefício assistencial, nos autos da Ação Civil Pública nº 0005906-07.2012.4.03.6183, ajuizada na Subseção Judiciária de São Paulo, cujos os efeitos e a eficácia alcançam o território nacional (Embargos de Divergência em REsp n° 1.134.957/SP), foi reconhecido que é inviável a cobrança de valores devidos a título de benefício assistencial, ressalvados os casos em que comprovada a prática de atos que configurem a má-fé do recebedor do benefício, hipótese em que tal constatação e eventual cobrança de valores deverão ser realizadas nos próprios autos do processo em que prolatadas as decisões de concessão e posterior revogação da tutela ou liminar, estando vedada a apuração e a cobrança pela via administrativa ou por nova ação judicial.

Veja-se o teor das ementas da Apelação/Remessa Necessária e Embargos de Declaração em Apelação nº 0005906-07.2012.4.03.6183, que seguem:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL. APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SINDICATO. AUTORIZAÇÃO ASSEMBLEAR. PRELIMINARES REJEITADAS. LISTA DE SUBSTITUÍDOS. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.401.560/MT. AMPLITUDE. MEDIDAS JUDICIAIS ANTECIPATÓRIAS. PRECARIEDADE. PROVISORIEDADE. REVERSIBILIDADE. ANÁLISE NOS PRÓPRIOS AUTOS E NO MESMO JUÍZO EM QUE REVOGADA/REFORMADA A DECISÃO JUDICIAL ANTERIOR. PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL. ARTIGO 933, DO CPC/2015. INAPLICABILIDADE. DA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS. COISA JULGADA. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. MULTA DIÁRIA. (...)

(...) 7. A revogação da tutela antecipada, no CPC/73, ou das tutelas de urgência, nos termos do CPC/2015, com a consequente reposição de eventuais prejuízos sofridos pelo réu, é possível, e deve ser objeto de análise pelo próprio órgão judiciário que proferiu a decisão anterior, sob o risco de malferir-se o princípio do juízo natural (art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal).

8. Ademais, mesmo nos casos em que a devolução não foi determinada expressamente, a cobrança é possível porque decorre de lei, e não depende de uma nova decisão judicial. Trata-se de efeito anexo da sentença.

9. A cobrança de valores pagos a maior na via administrativa, nos termos do art. 115 da Lei 8.213/91, pode ocorrer e não é objeto desta ação. A jurisprudência vem rechaçando o procedimento por vezes adotado pelo INSS no sentido de inscrever valores pagos a maior - no entender do Instituto - na dívida ativa da União, cobrando-os em execução fiscal. Isso já chegou a ser feito tanto para valores cobrados administrativamente como judicialmente, mas não foi aceito pelos Tribunais pátrios.

10. Os débitos decorrentes de decisões judiciais provisórias posteriormente revogadas, que são o objeto da lide, podem ser cobrados, como visto supra, mas não administrativamente pelo INSS. Precisam ser objeto de cobrança em juízo. Mas, não por meio de execução fiscal, nem por intermédio de uma nova ação de conhecimento. Basta a liquidação do valor a ser reposto, com sua liquidação nos próprios autos em que tratada a questão de mérito.

11. Propor nova ação perante outro Juízo retira do Juiz da causa, por exemplo, a possibilidade de decidir se houve ou não má-fé ou boa-fé, se os valores, no caso concreto, devem ser devolvidos e como se deverá fazer essa devolução. Essas questões devem ser discutidas caso a caso, e são questões eminentemente processuais ligadas ao feito em que se debateu o mérito da causa. É também por isso que se veda a inscrição desses valores na dívida ativa e sua cobrança por execução fiscal: exige-se que haja discussão sobre o mérito da devolução. Somente o próprio Juízo que decidiu o mérito da ação poderá deliberar, no futuro, sobre as obrigações, decorrentes da lei ou da sentença, surgidas após o transido em julgado da decisão.

12. Inaplicabilidade do art. 933, do CPC/2015, visto não se tratar de fato superveniente à decisão recorrida ou matéria de ordem pública, mas apenas alteração da fundamentação utilizada para manutenção da sentença. Aplicação do brocardo da mihi factum, dabo tibi jus.

13. A abrangência territorial da coisa julgada restringe-se ao âmbito territorial da jurisdição deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de acordo com o disposto no artigo 16 da Lei n° 7.347/85, com a redação dada pela Lei n° 9.494/97. (...) (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1982555 0005906-07.2012.4.03.6183, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VERIFICAÇÃO PARCIAL DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ARTIGO 1.022 DO CPC/15. PROPÓSITO MERAMENTE MODIFICATIVO. PREQUESTIONAMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEVOLUÇÃO. MEDIDAS JUDICIAIS ANTECIPATÓRIAS. MÁ-FÉ. RECURSO DO INSS ACOLHIDO EM PARTE. EFEITOS INFRINGENTES. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. NÃO APLICAÇÃO DA RESTRIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI N° 7.347/85. RECURSO DO MPF ACOLHIDO. EFEITOS INFRINGENTES. (...)

5. É inviável a cobrança de valores quando se tratar de ação que verse sobre benefício assistencial, ressalvados os casos em que comprovada a prática de atos que configurem a má-fé do recebedor do benefício, hipótese em que tal constatação e eventual cobrança de valores deverão ser realizadas nos próprios autos do processo em que prolatadas as decisões de concessão e posterior revogação da tutela ou liminar, estando vedada a apuração e a cobrança pela via administrativa ou por nova ação judicial. Embargos de declaração do INSS acolhidos em parte.

6. Ante a alteração da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que viabiliza a interpretação alcançada nesta decisão, e tendo em vista os limites objetivos e subjetivos do acórdão embargado, tem-se que seus efeitos e eficácia alcançam o território nacional, sendo indevida a restrição aos lindes geográficos decorrentes da competência territorial do órgão prolator, não incidindo o artigo 16 da Lei n° 7.347/85. Julgados do Superior Tribunal de Justiça: Embargos de Divergência em REsp n° 1.134.957/SP e REsp Repetitivo n° 1.243.887/PR (representativo de controvérsia). Embargos de declaração do MPF acolhidos. (...) (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1982555 0005906-07.2012.4.03.6183, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Colhe-se de tal entendimento que se a ignorância da manutenção do recebimento indevido pelo beneficiário for desculpável, extrai-se a ilação de que agira em boa-fé; inviabilizada estará, assim, a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável - v.g., quando o beneficiário passa a perceber benefício em valor dobrado ou após a extinção do direito à prestação -, à primeira vista, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição.

Conforme o INSS, houve a irregularidade na manutenção do benefício nº 87/530.256.727-6, haja vista que, em 26/04/2007, quando da concessão do benefício foi informado que o grupo familiar era composto pela autora, o Sr. Gilson Schroeder e duas filhas, sendo que, nos períodos de 01.12.2009 a 30.06.2010, de 01.07.2011 a 23.10.2013, de 30.05.2014 a 30.12.2014 e de 02.02.2015 a 07/2017, diz ter sido superada a renda per capta familiar de 1/4 do salário mínimo, em razão dos vínculos empregatícios registrados em nome de Gilson Schroeder.

No caso concreto, não há qualquer indício nos autos de que a parte autora tenha agido de má-fé, pois o benefício foi concedido em face de decisão proferida nos autos da ação judicial nº 2007.71.55.002846-7, que reconheceu o direito à autora. Além disso, resta claro que não era exigível da parte autora, diante da condição de saúde que lhe acometia e acomete - Doença de Parkinson (evento 11 - PROCADM), que, após a concessão do benefício, tivesse o discernimento de informar o trabalho remunerado do seu companheiro, até porque a condição de sua saúde não se alterou. Nesse ponto, tal providência era exigível do INSS, o qual tinha todos os dados para aferir possível superação de renda.

Diante disso, dadas as alegações trazidas aos autos e que, como dito, a má-fé demanda prova inequívoca neste sentido, entendo que esta não restou caracterizada pelo recebimento pela parte autora dos valores do benefício concedido em face de provimento jurisdicional (Ação nº 2007.71.55.002846-7). Assim, merece ser acolhido o pleito da parte autora, motivo pelo qual declaro a inexistência de débito em relação aos valores recebidos a título do benefício assistencial de nº 87/530.256727-6 (Ofício 294/2017/APS de São Luiz Gonzaga/RS).

Por todo o exposto, impõe-se a procedência do pedido."

Com efeito, deriva a boa-fé da beneficiária da sua própria debilidade causada pelo Mal de Parkinson, elidindo-lhe o discernimento necessário quanto à necessidade de informar a eventual mudança da renda familiar ao INSS, o qual, aliás, poderia ter verificado a remuneração do marido, segurado da Previdência Social. Ademais, as fotografias acostadas com o laudo pericial demonstram que a família vive em situação precária, sendo crível que a renda superior ao mínimo legal recebida pelo núcleo familiar não comprometeu o direito ao benefício assistencial diante dos critérios mais abrangentes atualmente adotados pela jurisprudência pátria.

Boa fé

Conquanto não exista um conceito claro a respeito da boa-fé, é inegável que suas vertentes orbitam sobre a ética e a moralidade.

Doutrinariamente, a boa-fé pode ser tida como objetiva e subjetiva. Aquela se identifica pelo padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão. Já esta emerge do aspecto anímico do agente, suas convicções internas, conhecimentos e desconhecimentos (FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo. 12. Ed- Belo Horizonte: Del Rey, 2008, fl. 410). O caso dos autos envolve a boa-fé subjetiva, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe valores que supostamente não faz jus.

Os limites da boa-fé subjetiva como óbice à restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, situação que ocorreu na hipótese em liça, foram bem delineados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, nº 78, p. 111/115.

O referido magistrado pontua que não se cabe cogitar presunções, uma vez que "a boa-fé e a má-fé se incluem no âmbito das questões de fato e provam-se por indícios e circunstâncias, incumbindo a quem as alegar o ônus da prova". Pondera que, "se o beneficiário alegar que recebeu os valores indevidos de boa-fé, não estando por isso obrigado a restituí-los, caber-lhe-á prová-lo". Em contrapartida, "se o INSS alegar que o beneficiário recebeu os valores indevidos de má-fé, devendo por isso restituir os valores de uma só vez, caber-lhe-á então a prova do que alega". A seguir, trata de questão crucial para a configuração do caso concreto, conforme o seguinte excerto:

"(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não."

Portanto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável, extrai-se a ilação de que agira com boa-fé, inviabilizando a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição. Tal distinção fixa-se na premissa que o negligente não pode lograr posição jurídica igual ou melhor que aquele que age com prudência e temperamento.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, concluo que não há prova de que a demandante tenha recebido os valores de má-fé (em seu sentido ético).

Aplica-se, pois, ao caso em foco o entendimento jurisprudencial no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário ante a ausência de prova de má-fé do beneficiário, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida. Nesta senda:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CONCEDIDO IRREGULARMENTE. RESSARCIMENTO INDEVIDO. MÁ-FÉ DO BENEFICIÁRIO NÃO COMPROVADA. Ausente comprovação de que a parte beneficiada tenha participado da fraude para a percepção do benefício previdenciário posteriormente cancelado, ou que tenha agido de má-fé, incabível o ressarcimento ao erário dos valores recebidos. (TRF4, AC 5007408-59.2016.4.04.7206, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 28/11/2022)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo prova de má-fé do beneficiário no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5000277-43.2020.4.04.7028, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 01/12/2022)

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO. PAGAMENTOS INDEVIDOS AOS SEGURADOS. BOA-FÉ DO SEGURADO. 1. O STJ tem aditado o entendimento de que a boa-fé se presume e a má-fé se prova. Ou seja, atribuir má-fé à conduta do réu, mostra-se como medida claramente desproporcional, ao passo que o INSS, órgão federal, reconhecidamente aparelhado de diversos sistemas de fiscalização, deixou de agir, com maior cuidado, à época dos fatos. 2. Tendo a segurada recebido os valores de boa-fé, fica, por ora, afastada a obrigação de restituir os valores à Autarquia Previdenciária, não havendo razões para modificar o julgado. (TRF4, AC 5001256-23.2015.4.04.7014, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 30/11/2022)

Honorários advocatícios

Uma vez que a sentença foi proferida já sob a vigência do atual CPC, aplica-se o § 11 do seu art. 85. Assim, observados os ditames dos §§ 2º a 6º, majoro a verba honorária em 50% (cinquenta por cento).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003666912v9 e do código CRC 0cc101ac.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 22/2/2023, às 19:44:32


5005807-93.2017.4.04.7105
40003666912.V9


Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:10.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005807-93.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SANDRA INES LOPES PALHARES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. recebimento de amparo assistencial. ausência de má-fé.

1. A administração pode e deve exercer o controle da legalidade de seus atos, pelo princípio da autotutela, desde que observado o devido processo legal e o prazo decadencial do art. 103-A da Lei 8.213/91

2. Não tendo sido comprovada a má-fé, aplica-se o entendimento jurisprudencial no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário ou assistencial, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de fevereiro de 2023.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003666913v3 e do código CRC afd89661.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 22/2/2023, às 19:44:32


5005807-93.2017.4.04.7105
40003666913 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:10.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/02/2023 A 17/02/2023

Apelação Cível Nº 5005807-93.2017.4.04.7105/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PRESIDENTE: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: SANDRA INES LOPES PALHARES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): LUIZ HENRIQUE OURIQUE BALBE (OAB RS059944)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2023 04:01:10.

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