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PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. DECADÊNCIA PARA ANULAR ATO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES...

Data da publicação: 22/02/2023, 07:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. DECADÊNCIA PARA ANULAR ATO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPROVADA MÁ-FÉ. 1. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, ou, no caso caso de atos que gerem efeitos patrimoniais contínuos, contados da data da percepção do primeiro pagamento, salvo comprovada má-fé (art. 103-A, Lei n.º 8.213/91). 2. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. 3. Assim, independente da presença ou não da boa-fé na conduta da ré, não reconhecida a natureza criminal do ato causador de dano, incide o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto n.º 20.910/1932. 4. Hipótese em que as parcelar foram atingidas, em parte, pela prescrição. 5. Comprovada a má-fé, uma vez que, apesar de ciente de decisão judicial trânsita em julgado em sentido contário, o segurado continuou efetuando retirada do benefício de aposentadoria, impõe-se a condenação da parte requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. 6. Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do uso da TR como índice de correção monetária (Tema 810 do STF), aplicam-se, nas condenações previdenciárias, o IGP-DI de 05/96 a 03/2006 e o INPC a partir de 04/2006. Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E. 7. Os juros de mora incidem a contar da citação, no percentual de 1% ao mês até 29/06/2009 e, a partir de então, segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, calculados sem capitalização. 8. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas. (TRF4, AC 5000391-20.2017.4.04.7114, QUINTA TURMA, Relator RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, juntado aos autos em 14/02/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5000391-20.2017.4.04.7114/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELANTE: MANOEL RODRIGUES DE FREITAS (Espólio) (RÉU)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: LEDY GOMES DE FREITAS (Sucessor) (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS ajuizou ação de procedimento comum contra o ESPÓLIO DE MANOEL RODRIGUES DE FREITAS, representado por LEDY GOMES DE FREITAS, objetivando seja declarado o dever do réu em ressarcir o erário de quantia indevidamente percebida a título de benefício previdenciário nos períodos de 04/1994 a 06/1997 e de 1998 a 08/2013.

Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (evento 14, SENT1)​​​​​:

"Ante o exposto, considero prescritas as parcelas anteriores a 18/03/2003 e, no mérito, julgo parcialmente procedente o pedido deduzido pelo INSS, extinguindo o processo com resolução do mérito, forte no art. 487, I do CPC e, de conseguinte, CONDENO o Espólio de Manoel Rodrigues de Freitas, representado por Ledy Gomes de Freitas, ao ressarcimento dos valores pagos a título do benefício de aposentadoria por idade rural - NB 41/056.368.903-0, no período de 18/03/2003 a 04/09/2013, no montante total a ser apurado em liquidação de sentença, conforme discriminado às páginas 37-41 do anexo PROCADM4 do evento 01 e atualizado na forma da fundamentação, observado os limites da herança deixada pelo segurado falecido.

Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC). A execução da sucumbência, entretanto, fica suspensa, em virtude da gratuidade da justiça que ora defiro.

Sem custas processuais, porque inexigíveis em relação ao INSS.

Havendo interposição de recurso, intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, nos termos do art. 1010, § 1º, do CPC/2015. Juntada(s) as respectivas contrarrazões e não havendo sido suscitadas as questões referidas no §1º, do artigo 1009, do CPC/2015, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se."

Opostos embargos de declaração, restaram desacolhidos ( evento 21, SENT1).

Apelam as partes.

O espólio de Manoel Rodrigues de Freitas aduz que, transcorrido mais de 10 anos entre as datas da revogação da liminar e do trânsito em julgado da ação nº 42.617 e o início do procedimento de regularização do benefício e cobrança de parcelas indevidas, resta evidente a configuração da decadência. Refere que não se caracteriza a má-fé na conduta do autor, mas que a existência ou não de má-fé é indiferente para a solução a contagem da prescrição, que resta perfectibilizada. Alega que a manutenção da aposentadoria por mais de uma década após a revogação da liminar decorreu exclusivamente da desídia do INSS.

O INSS, por sua vez, defende que não há decadência ou prescrição a ser reconhecida, tendo em vista o caráter ilícito do fato. Argumenta que o autor agiu de má-fé, uma vez que já era aposentado pelo Regime Próprio do Estado do RS quando ingressou com pedido de aposentadoria rural. Postula, assim, a reforma da sentença no que tange ao reconhecimento da prescrição dos créditos anteriores a 18/03/2003.

Nesta instância, foi determinado o sobrestamento do processo até o julgamento do Tema 979 do STJ (evento 2, DEC1).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo o apelo da parte ré, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo, em razão da gratuidade de justiça concedida.

Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo recursal.

Síntese fática

Conforme se vislumbra pelos documentos acostados aos autos, Manoel Rodrigues de Freitas requereu e teve concedido o benefício de aposentadoria por idade rural em 20/04/1994 ( evento 1, PROCADM2- fl. 2).

Posteriormente, a autarquia federal constatou erro administrativo na documentação que embasou a concessão do benefício, uma vez que o beneficiário não seria segurado especial, mas obrigatório, restando Manoel intimado para a apresentação de defesa em 16/01/1998 ( evento 1, PROCADM2- fl. 27)

Não apresentados argumentos que modificassem a conclusão do INSS, o benefício foi suspenso, em março de 1998, conforme ofício datado de 16/03/1998 (evento 1, PROCADM2 - fl. 37)

Intimado, Manoel ajuizou ação judicial buscando o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade, inclusive em sede liminar, desde 01/03/19998 ( evento 1, PROCADM3 fl. 4)

A liminar restou deferida em 03/06/1998 (evento 1, PROCADM3- fls. 6 a 8).

Considerando o ajuizamento da ação, foi determinada a suspensão e arquivamento do processo administrativo até decisão judicial definitiva, em 23/02/1999 (evento 1, PROCADM2 - fl. 55)

A demanda foi julgada improcedente em 06/03/2000 (evento 1, PROCADM3 - fls. 14 a 16).

Interposta apelação pelo autor, foi desprovida em 22/08/2000 (evento 1, PROCADM3 - fl. 33).

Interpostos embargos infringentes, foram deprovidos em sessão do dia 12/09/2001 (evento 1, PROCADM4 - fl. 11)

Na sequência, interposto recurso especial à Corte Superior, foi desprovido em 26/11/2002. O trânsito em julgado da ação, por sua vez, foi certificado em 17/03/2003 ( evento 1, PROCADM4 - fl. 23).

Embora julgada improcedente a ação, o benefício restou ativo, indevidamente, até 04/09/2013, quando do óbito de Manoel Rodrigues de Freitas ( evento 1, PROCADM4).

Em 11/10/2013, após requerimento de pensão por morte formulado pela viúva do beneficiário, o INSS formulou ofício de cobrança dos valores indevidamente recebidos de 20/04/1994 a 31/08/2013, no montante de R$ 117.707,38. Tentativa de notificação por AR, resultou infrutífera. Foi expedido novo ofício de cobrança em 10/12/2013, o qual restou recebido por Ledy Gomes de FreitaS, ex-cônjuge do de cujus, em 10/12/2013 (evento 1, PROCADM4)..

Infrutífera a cobrança por meio de processo administrativo, em 25/01/2017 foi ajuizada a presente ação de cobrança pela autarquia federal.

No caso concreto, portanto, os valores em cobrança advém de situações distintas, quais sejam:

- de 20/04/1994 a 03/1998 - restituição de benefício de aposentadoria por idade rural recebido indevidamente porque o beneficiário não se enquadrava como segurado especial. Conforme documentos constantes dos autos, Manoel Rodrigues Freitas trabalhou, desde 1954, na Secretaria de Transportes do Estado do Rio Grande do Sul, onde se aposentou, em 1989, recebendo benefício pelo IPE

- de 03/1998 a 17/03/2003 - restituição dos valores recebidos em razão de tutela antecipada, posteriormente revogada, e auferidos durante o trâmite da ação nº 2003.71.14.0000911-0, na qual se discutia o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade

- de 18/03/2003 a 31/08/2013 - restituição dos valores recebidos após o trânsito em julgado da ação nº 2003.71.14.0000911-0, em razão de erro da administração e má-fé do segurado, que, mesmo ciente da improcedência da ação e revogação da liminar não interrompeu o saque de valores.

Decadência

Decadência para anular ato de concessão.

Nos termos da súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

Quanto ao prazo, dispõe o art. 103-A da Lei n.º 8.213/1991, instituído pela MPV n.º 183, de 19/11/2003, posteriormente convertida na Lei n.º 10.839/2004:

Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)

Antes de tal momento, não havia previsão específica na legislação previdenciária, aplicando-se o disposto no art. 54 da Lei n.º 9.784/99.

Quanto à aplicação intertemporal dos diferentes prazos, a questão foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça na forma do antigo art. 543-C do CPC/1973, no julgamento do REsp 1.114.938/AL, em 14/10/2010, sendo relator o Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Na ocasião ficou assentado o entendimento de que o prazo decadencial para o INSS revisar o ato de deferimento dos benefícios concedidos antes da vigência da Lei n.º 9.784/1999 é de dez anos a contar da data de entrada em vigor da referida legislação, em 01/02/1999.

O julgado foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.

1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.

2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus benefíciários.

3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.

4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.

(STJ, Terceira Seção, REsp 1114938/AL, rel. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14/10/2010, DJe de 02/08/2010)

Assim, restou assentado que o prazo decadencial para a autarquia revisar o ato de deferimento dos benefícios é sempre de 10 anos, variando o termo inicial do prazo de decadência conforme a data do ato:

a) atos praticados antes da vigência da Lei n.º 9.784/1999, em 01/02/1999: o prazo decadencial inicia em 01/02/1999;

b) atos praticados a partir de 01/02/1999: o prazo decadencial inicia na data do ato administrativo.

Caso o ato administrativo gere efeitos patrimoniais contínuos, o termo inicial do prazo decadencial será a data da percepção do primeiro pagamento, segundo disposto expressamente no § 1º do art. 103-A da Lei n.º 8.213/91, estendendo-se até a notificação do segurado sobre o procedimento revisional.

Isso porque a mera instauração do procedimento administrativo não tem o condão de interromper ou suspender o prazo decadencial, por se tratar de ato unilateral da autarquia.

Todavia, a lei ressalva os atos praticados com má-fé, que não se convalidam com o tempo. Significa que não há prazo decadencial para revisar atos administrativos dos quais decorra prejuízo ao erário e que tenham sido praticados com má-fé pelo beneficiário.

No caso concreto, de fato, não há que falar em decadência.

Conforme já relatado em item anterior, o benefício de aposentadoria por idade rural foi concedido em 20/04/1994 e o segurado restou intimado acerca dos indícios de irregularidade em 16/01/1998, ou seja, menos de 4 anos após marco inicial de contagem.

Ainda que apresentados argumentos de defesa, o benefício foi suspenso administrativamente em março de 1998.

Quanto aos montantes posteriores à data da suspensão administrativa do benefício, como bem atenta a magistrada a quo, não é caso de aplicação do instituto da decadência, na medida em que não mais se discute a possibilidade de anulação de ato administrativo que gerou efeito favorável para o beneficiário.

Prescrição.

Tem-se que imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário tem seu suporte no art. 37, §5º, da Constituição Federal:

Art. 37(...)

§5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas aços de ressarcimento.

Ao analisar o art. 37, §2º, da CF/88, em sede de repercussão geral (RE 669.069, julgado em 03.02.2016), a Suprema Corte manifestou-se no sentido de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". Na conclusão da tese firmada, o ministro Teori Zavascki assentou que a imprescritibilidade restringe-se "apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais".

Do voto do Ministro Relator, extrai-se:

" (...)

Em suma, não há dúvidas de que o fragmento final do § 5º do art. 37 da Constituição veicula, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio público. Esse sentido deve ser preservado.

Todavia, não é adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado, ou limitado apenas pelo (a) conteúdo material da pretensão a ser exercida - o ressarcimento - ou (b) pela causa remota que deu origem ao desfalque no erário - um ato ilícito em sentido amplo. O que se mostra mais consentâneo com o sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, afirmando como tese de repercussão geral a de que a imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais.

(...)

A pretensão de ressarcimento, bem se vê, está fundamentada em suposto ilícito civil que, embora tenha causado prejuízo material ao patrimônio público, não revela conduta revestida de grau de reprovabilidade mais pronunciado, nem se mostra especialmente atentatória aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública. Por essa razão, não cabe submeter a demanda à regra excepcional de imprescritibilidade, pelas razões antes asseveradas. Deve ser aplicado, aqui, o prazo prescricional comum para as ações de indenização por responsabilidade civil em que a Fazenda figure como autora."

Na esteira do precedente do STF, tenho que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista na disposição em comento, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese do art. 37, § 5º, que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário decorrente de qualquer ato ilícito. Em outras palavras, somente diante de ilícitos especialmente graves é possível concluir pela condição imprescritível da respectiva ação de ressarcimento.

A referida orientação já era sustentada em sede doutrinária:

O instituto da prescrição, importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, está consagrado como regra em nosso sistema de direito. São raríssimas as hipóteses de imprescritibilidade. Nas palavras de Pontes de Miranda, 'a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional'. (...) Se a prescritibilidade das ações é a regra - pode-se até dizer, o princípio -, a imprescritibilidade é a exceção e, por isso mesmo, a norma que a contempla deve ser interpretada restritivamente.

Nessa linha de entendimento, merece interpretação restritiva a excepcional hipótese de imprescritibilidade prevista no citado § 5º do art. 37 da Constituição Federal. O alcance desse dispositivo deve ser buscado mediante sua associação com o do parágrafo anterior, que trata das sanções por ato de improbidade administrativa. Ambos estão se referindo a um mesmo conjunto de bens e valores jurídicos, que são os da preservação da idoneidade da gestão pública e da penalização dos agentes administrativos ímprobos. Assim, ao ressalvar da prescritibilidade "as respectivas ações de ressarcimento", o dispositivo constitucional certamente está se referindo não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos decorrentes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37 (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, 6ª ed. p. 71).

No mesmo sentido, é o entendimento jurisprudencial desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO PÚBLICO. ILÍCITO CIVIL. RECEBIMENTO IRREGULAR DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO OU ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO À PARTE RÉ. 1. A imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, refere-se aos prejuízos causados por atos de improbidade administrativa, disciplinados por legislação especial (Lei nº 8.429). 2. Conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 669.069, o Tema 666 não é aplicável a atos que configuram infrações ao direito público, como os de natureza penal e os de improbidade administrativa. 3. O recebimento irregular de benefício previdenciário ou assistencial não é tipificado na Lei nº 8.429 como ato de improbidade administrativa. 4. O pagamento de benefício a terceiro somente é admitido mediante apresentação de instrumento específico de mandato e de termo de responsabilidade, conforme dispõem os artigos 156 a 158 do Decreto nº 3.048/1999, razão pela qual a ausência de juntada aos autos desses documentos impede a comprovação de quem era efetivamente procurador do beneficiário da pensão por morte. (TRF4, AC 5000947-04.2017.4.04.7120, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/08/2022) - grifei

PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ILÍCITO CIVIL. RESSARCIMENTO. PRESCRIÇÃO. A sentença que decide sobre valor certo não superior a 1000 salários mínimos não está sujeita ao reexame necessário, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. Conforme o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 666: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil." Hipótese que não se confunde com a decadência para anulação ou revisão de ato administrativo. (TRF4 5014335-05.2015.4.04.7003, TRS/PR, Relator Des. Federal Márcio Antônio Rocha, 29.07.2020) - grifei

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. ILÍCITO CIVIL. PRESCRITIBILIDADE. ART. 37, §5º DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, firmou a tese de que é "prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil" (tema n. 666). O entendimento é de que o art. 37, §5º da Constituição Federal, que dispõe sobre a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário, deve ser interpretado de forma restritiva. 2. Enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento ostenta natureza civil comum, sujeitando-se normalmente aos prazos prescricionais. 3. In casu, não há notícia nos autos de qualquer procedimento criminal em andamento, de forma que é aplicável o prazo prescricional previsto no Decreto 20.910/32. Precedentes desta Corte. 4. Diferimento, para a fase de execução, da fixação dos índice de correção monetária aplicáveis a partir de 30/06/2009. 5. Majorados os honorários advocatícios em 50% ante o desprovimento do recurso. (TRF4, Quinta Turma, AC 5002097-29.2017.4.04.7117, rel. Gisele Lemke, 30.04.2019) - grifei

​​​​​Assim, tenho que a imprescritibilidade inscrita no art. 37, § 5º, da Constituição Federal deve abarcar somente as ações por danos decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa.

Não sendo reconhecida nesta a natureza criminal do ato causador de dano ao erário, já que não há notícia do curso de nenhuma ação penal, a pretensão de ressarcimento, em relação a todos os períodos, ostenta natureza civil comum, sujeitando-se normalmente aos prazos prescricionais.

No que tange à prescrição, jurisprudência assentou entendimento de que, por simetria, deve ser aplicado o prazo quinquenal previsto no Decreto n.º 20.910/1932 e, também, no art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/1991 (REsp. 1251993/PR, 1ª Seção, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 19/12/2012).

No caso concreto, quantos aos valores de 20/04/1994 a 03/1998, resta, há muito, configurada a prescrição.

Ainda que se considere suspensa a contagem durante o trâmite do processo administrativo e do processo judicial de nº 2003.71.14.0000911-0 o trânsito em julgado de tal ação deu-se em 17/03/2003, e o INSS somente expediu ofício de cobrança em 11/10/2013, mais de 10 anos depois.

No mesmo sentido, tenho que resta prescrita a cobrança dos valores dos períodos em discussão na ação judicial - de 03/1998 a 17/03/2003 - uma vez que transcorridos mais de 10 anos entre o trânsito em julgado e a primeira inciativa administrativa de cobrança de valores (11/10/2013).

Por fim, no que tange as parcelas do benefícios de aposentadoria recebidos indevidamente após o trânsito em julgado da ação nº 2003.71.14.0000911-0, de 18/03/2003 a 31/08/2013, tenho que restam atingidos, em parte, pela prescrição.

No caso, não há sentido em entender pela suspensão de prazo durante o trâmite de qualquer processo ou ato administrativo.

A justificativa utilizada em casos julgado por esta Corte seria de que, antes do procedimento administrativo, o INSS não deteria conhecimento dos fatos em apuração, de modo que somente possuiria plenas condições de cobrar o débito depois da conclusão administrativa.

No caso concreto, contudo, o INSS tem ciência de que descabido o pagamento de aposentadoria desde o trânsito em julgado da ação nº 2003.71.14.0000911-0. O pagamento do benefício por mais de uma década advém, primordialmente, de desídia da própria autarquia, não podendo se cogitar, portanto, de contagem do prazo prescricional somente " a partir da data em que a parte ré teve ciência do término do procedimento administrativo de constituição da dívida que lhe é imputada", como determinado pela sentença.

Tendo sido a presente ação judicial ajuizada em 25/01/2017, tenho portanto, que restam prescritas as parcelas de 18/03/2003 a 24/01/2012.

Sobeja assim, a discussão somente em relação ao período de 25/01/2012 a 25/01/2017.

Mérito

Ressarcimento ao erário. Valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário

O processo foi suspenso em virtude do Tema 979 do STJ, relativo à possibilidade de devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, com julgamento em 10/03/2021, acórdão publicado em 23/04/2021, com trânsito em julgado em 17/06/2021, cuja tese firmada foi no seguinte sentido:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

De acordo com a Modulação dos efeitos:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).

Embora o presente processo tenha sido distribuído após a publicação do Tema 979, tenho que os valores foram indevidamente recebidos no período de 25/01/2012 a 25/01/2017, em razão de erro procedimental da autarquia, mas também, em virtude da má-fé do de cujus, que seguiu fazendo retirada e valores quando ciente que indevidas.

A propósito, transcrevo trechos da sentença que analisou devidamente a questão, e cujos fundamentos adoto como razões de decidir (evento 14, SENT1):

" Consolidou-se na jurisprudência, contudo, entendimento no sentido de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé (nesse sentido: EREsp nº 612.101, Terceira Seção, rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.03.2007).

A aposição da boa-fé como limite às pretensões restituitórias da Administração, outrossim, se legitima na concepção de legalidade administrativa como parâmetro de juridicidade, que exige o cotejo da legalidade com os demais princípios norteadores do Estado de Direito, notadamente a segurança jurídica.

Dito de outro modo, a legalidade, que orienta o dever de restituição à luz da vedação ao enriquecimento sem causa, deve ser compatibilizada com a proteção substancial da confiança do administrado que não contribui para o vício do ato (por todos: MAFFINI, Rafael. Principio da proteção substancial da confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 185).

No caso dos autos, não há dúvida acerca do recebimento indevido do benefício, sendo incabível qualquer nova discussão nesse sentido.

Assim, faz-se necessário apreciar a boa-fé do segurado quando do levantamento dos valores do benefício, após decisão definitiva pelo seu cancelamento. Nesse passo, a viabilidade da repetição é a definição exata do que seja boa-fé e má-fé.

Como se sabe, existem duas boas-fés no âmbito do Direito: uma objetiva, identificada em um padrão de conduta a ser tomado pelas partes, e outra subjetiva, pertinente a aspectos anímicos do agente.

Os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado "A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos", inserido na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 11/122, verbis:

"(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não." (grifos nossos)

Como se colhe de tal entendimento, ajustado às peculiaridades do direito previdenciário, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável extrai-se a ilação de que agira em boa-fé; inviabilizada estará, assim, a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável - v.g., quando o beneficiário passa a perceber benefício em valor dobrado, ou após a extinção do direito à prestação -, à primeira vista, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, entendo restar clara a má-fé do segurado. Não há dúvida de que segurado falecido continuou a perceber benefício que não lhe era devido.

Por certo, houve falha administrativa ao não cessar o benefício irregularmente concedido. Contudo, o lapso administrativo não torna legítima a conduta do segurado falecido de sacar valores, que sabidamente não lhe eram devidos.

A má-fé do segurado é evidente, tinha plena consciência de que não fazia jus ao benefício, pois a ação havia sido julgada improcedente. Era seu dever, sabendo da origem indevida do benefício que recebia, de fazer com que cessasse o seu recebimento. Optou pelo meio mais fácil e proveitoso, continuou sacando os valores do benefício previdenciário.

É legítima, portanto, a restituição pleiteada pelo INSS, impondo-se o julgamento de procedência da ação.

Saliento, ainda, que, embora o benefício previdenciário tenha caráter alimentar, nos casos em que demonstrada a má-fé do segurado - hipótese dos autos -, impõe-se a devolução dos valores indevidamente recebidos.

Nessa direção, colaciono o seguinte aresto:

PREVIDENCIÁRIOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. FRAUDE NO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO. ATO ILÍCITO. RESSARCIMENTO DEVIDO.1. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, não há que se falar em imprescritibilidade da ação quando o ato ilícito não configurar improbidade administrativa. Dessa forma, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal).2. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, consubstanciada em fraude na concessão dos benefícios, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. Precedentes da Terceira Seção desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos apenas quando configurada a boa fé do segurado. (TRF4, AC 5003160-96.2015.404.7202, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 15/06/2016)

Isso posto, com base nas razões de fato e de direito acima alinhavadas, entendo que deve ser acolhida a pretensão ressarcitória do INSS para evitar o enriquecimento ilícito da parte ré e o dano ao erário, impondo-se a procedência da ação nos termos em que requeridos na inicial."

É cediço que a seguridade social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.

Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.

A autorização legal para tal desiderato está estampada nos artigos 115 da Lei 8.213/91 e 154 do Decreto 3.048/99, in verbis:

Lei nº 8.213/91

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido; (...)

§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)

§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)

Decreto nº 3.048/99

Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:

I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;

II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;

§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.

§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:

Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.

De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.

No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo ou má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.

Nessa direção, cabe mencionar os seguintes arestos:

PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ COMPROVADA. IMPRESCRITIBILIDADE. Evidenciada a má-fé do segurado, é devida a restituição dos valores pagos indevidamente a título de auxílio-doença, hipótese em que não há falar em prescrição, nos termos da decisão proferida pelo STF (RE 669069, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016). (TRF4, AC 5028074-02.2016.404.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, de minha relatoria, juntado aos autos em 23/10/2017).

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. TEMA 979. PAGAMENTOS INDEVIDOS AOS SEGURADOS DECORRENTES DE ERRO ADMINISTRATIVO (MATERIAL OU OPERACIONAL), NÃO EMBASADO EM INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA OU EQUIVOCADA DA LEI PELA ADMINISTRAÇÃO. 1. A interrupção do prazo decadencial para a Administração revisar os atos de concessão de benefícios dá-se por meio de regular notificação do interessado, nos termos dos artigo 26 da Lei n. 9.78499, o que ocorreu, nestes autos. 2. Entre a data de início dos pagamentos indevidos (29/06/2011) até a data de ajuizamento da demanda (17/08/2016) decorreram 5 anos, 1 mês e 19 dias. Descontando o período em que o prazo restou suspenso, temos que não decorreu prazo superior a cinco anos, razão pela qual não há parcelas atingidas pela prescrição. 3. Havendo prova de má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, assumindo o risco de causar danos ao erário ao valer-se de fatos que não se amoldavam à realidade fática, perfeitamente caracterizada a má-fé da autora em beneficiar-se de renda que deve ser oportunizada à população que dela realmente necessite, não havendo como afastar a cobrança de quem deu causa indevida ao recebimento destas parcelas. 4. Diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios, fixados na sentença. (TRF4, AC 5039472-61.2016.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 21/04/2022)

Dessa forma, deve ser mantida a sentença no que tange à condenação do espólio de Manoel Rodrigues de Freitas ao ressarcimento do valores pagos a título de benefício de aposentadoria por idade no período de 25/01/2012 a 25/01/2017.

Consectários legais. Correção monetária e juros de mora.

Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp n.º 1.495.146), interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947), as condenações judiciais previdenciárias sujeitam-se à atualização monetária pelo INPC:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.

Dessa forma, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme os seguintes índices e respectivos períodos:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).

Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.

Os juros de mora incidem a contar da citação, conforme Súmula 204 do STJ, da seguinte forma:

- 1% ao mês até 29/06/2009;

- a partir de então, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Registre-se que, quanto aos juros de mora, não houve declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 870.947 pelo STF. Ainda, cabe referir que devem ser calculados sem capitalização.

Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.

Conclusão

Apelo do INSS desprovido.

Apelo do réu provido, em parte, para excluir sua condenação ao ressarcimento dos valores pagos no período de 18/03/2003 a 24/01/2012.

Consectários legais alterados nos termos da fundamentação.

Honorários advocatícios

Alterada a distribuição de sucumbência, tenho que deverá arcar o INSS com 3/4 dos honorários advocatícios, restando a parte ré condenada ao pagamento do restante, qual seja 1/4 da verba honorária, que fixo nos percentuais mínimos de cada faixa do art. 85, § 3º, do CPC sobre o proveito econômico da ação.

Resta mantida a gratuidade de justiça concedida na origem.

Honorários recursais

Havendo redistribuição da sucumbência nesta instância, não se cogita da majoração de honorários prevista no art. 85, § 11 do CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, dar provimento, em parte, à apelação da parte ré e alterar, de ofício, os consectários legais.



Documento eletrônico assinado por RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003620647v74 e do código CRC 78c83baa.


5000391-20.2017.4.04.7114
40003620647.V74


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5000391-20.2017.4.04.7114/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELANTE: MANOEL RODRIGUES DE FREITAS (Espólio) (RÉU)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: LEDY GOMES DE FREITAS (Sucessor) (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. DECADÊNCIA PARA ANULAR ATO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. inexistência. PRESCRIÇÃO. deVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. comprovada má-fé.

1. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, ou, no caso caso de atos que gerem efeitos patrimoniais contínuos, contados da data da percepção do primeiro pagamento, salvo comprovada má-fé (art. 103-A, Lei n.º 8.213/91).

2. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito.

3. Assim, independente da presença ou não da boa-fé na conduta da ré, não reconhecida a natureza criminal do ato causador de dano, incide o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto n.º 20.910/1932.

4. Hipótese em que as parcelar foram atingidas, em parte, pela prescrição.

5. Comprovada a má-fé, uma vez que, apesar de ciente de decisão judicial trânsita em julgado em sentido contário, o segurado continuou efetuando retirada do benefício de aposentadoria, impõe-se a condenação da parte requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente.

6. Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do uso da TR como índice de correção monetária (Tema 810 do STF), aplicam-se, nas condenações previdenciárias, o IGP-DI de 05/96 a 03/2006 e o INPC a partir de 04/2006. Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.

7. Os juros de mora incidem a contar da citação, no percentual de 1% ao mês até 29/06/2009 e, a partir de então, segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, calculados sem capitalização.

8. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, dar provimento, em parte, à apelação da parte ré e alterar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2023.



Documento eletrônico assinado por RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003620648v5 e do código CRC ff355dad.


5000391-20.2017.4.04.7114
40003620648 .V5


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2023 A 14/02/2023

Apelação Cível Nº 5000391-20.2017.4.04.7114/RS

RELATOR: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELANTE: MANOEL RODRIGUES DE FREITAS (Espólio) (RÉU)

ADVOGADO(A): BERNADETE LERMEN JAEGER (OAB RS034712)

ADVOGADO(A): DEBORA SIMONE HICKMANN (OAB RS112034)

ADVOGADO(A): DANIEL LERMEN JAEGER (OAB RS072861)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: LEDY GOMES DE FREITAS (Sucessor) (RÉU)

ADVOGADO(A): BERNADETE LERMEN JAEGER (OAB RS034712)

ADVOGADO(A): DEBORA SIMONE HICKMANN (OAB RS112034)

ADVOGADO(A): DANIEL LERMEN JAEGER (OAB RS072861)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2023, às 00:00, a 14/02/2023, às 16:00, na sequência 216, disponibilizada no DE de 26/01/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DAR PROVIMENTO, EM PARTE, À APELAÇÃO DA PARTE RÉ E ALTERAR, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO

Votante: Juiz Federal RODRIGO KOEHLER RIBEIRO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 22/02/2023 04:00:59.

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