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PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. TRF4. 5015890-31.2018.4.04.7107...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:19:42

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. 1. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei ou má análise das provas apresentadas na via administrativa quando não comprovada a má-fé do segurado. 2. Apelação do INSS desprovida. (TRF4, AC 5015890-31.2018.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 09/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5015890-31.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: CERILO SALVADOR (AUTOR)

RELATÓRIO

CERILO SALVADOR ajuizou ação de procedimento comum em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL – INSS, objetivando seja declarada a inexigibilidade da restituição dos valores recebidos a título de pensão pela morte da esposa.

Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (evento 19, SENT1):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, extinguindo o processo com base no art. 487, I, do CPC, a fim de declarar a inexigibilidade, pelo INSS, dos valores recebidos pelo autor em decorrência da pensão por morte nº 21/147.680.148-4 (cfe. Ofício nº 030/2018/MOB/APS, doc. OFIC7, evento 01).

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do(s) procurador(es) da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, devidamente atualizados pelo IPCA-E a contar do ajuizamento da presente demanda, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC.

O INSS é isento do pagamento das custas processuais em razão do disposto no art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.

Espécie não sujeita a reexame necessário, diante da regra do art. 496, § 3º, CPC e do fato de que o proveito econômico da causa não supera1.000 salários-mínimos.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazoar, querendo, no prazo legal.

Cumpridos os procedimentos de estilo, remetam-se os autos ao egrégio TRF da 4ª Região."

Apela o INSS.

Alega que a redação atual do art. 115 da Lei nº 8.213/91 determina expressamente a possibilidade de devolução de valores, mediante desconto direto em benefício. Aduz que as alegações de boa-fé e de que os valores recebidos possuem caráter alimentar não são suficientes para eximir os segurados da restituição de valores indevidamente recebidos. Pugna pela reforma da sentença.

Com contrarrazões (evento 28, CONTRAZAP1), vieram os autos a esta Corte.

Nesta instância, foi determinado sobrestamento do processo até o julgamento do Tema 979 do STJ (evento 2, DESPADEC1).

Postulada a concessão da tutela de urgência pelo autor, restou deferida para "determinar ao INSS que se abstenha de qualquer cobrança enquanto o processo estiver sobrestado e devolva os valores eventualmente descontados do autor" (evento 20, DESPADEC1).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.

Mérito.

Ressarcimento ao erário.

A sentença, em fundamentação clara e coerente, concluiu que é indevida a repetição de valores ao erário, pois inexistente má-fé do autor, mas equívoco do INSS na análise dos requisitos legais.

Dessa forma, adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir (evento 19, SENT1):

"(...)

Inicialmente vale registrar que não se perquire o restabelecimento do NB 21/147.680.148-4 ou, então, o ato concessivo da aposentadoria por idade rural nº 41/056.375.203-3, mas tão somente a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos pelo postulante, sobretudo em razão das alegações de que tal verba possui natureza alimentar, tendo sido recebida de boa-fé.

Pois bem. Quanto à natureza alimentar, não há dúvida a ser equacionada, mormente porque a finalidade precípua de qualquer benefício previdenciário é garantir o sustento do segurado.

Assim, remanescem à apreciação apenas as demais questões controvertidas nos autos, notadamente a possibilidade de devolução de valores auferidos de boa-fé. Antes, contudo, impende destacar que o Código Civil garante o direito à restituição do que foi indevidamente auferido por aquele que se enriqueceu à custa de outrem, nos seguintes termos:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Já o art. 115 da Lei nº 8.213/91 possibilita seja descontado do benefício previdenciário o pagamento de benefício efetuado além do devido. Tal disposição, ao tratar de uma das formas com que benefícios recebidos em montantes superiores aos devidos serão devolvidos à autarquia, se coaduna com a pretensão de ressarcimento administrativamente levada a cabo pela Autarquia.

Por seu turno, o postulante afirma que o benefício instituidor da pensão que percebia foi regularmente deferido, não tendo sua falecida esposa omitido a profissão por ela exercida (professora) junto ao Município de Flores da Cunha/RS. Menciona que o silêncio do INSS por mais de duas décadas fez presumir a regularidade da concessão, pontuando que tanto ele como a instituidora não agiram de má-fé, o que juntamente como caráter alimentar das prestações previdenciárias infirma o dever de devolução.

Assiste razão à parte autora.

Com efeito, no que tange à boa-fé, embora não se tenha um conceito claro sobre o que efetivamente a compõe, é inegável que suas vertentes orbitam sobre a ética e a moralidade. Afigura-se, em verdade, na premissa de se crer naquilo que se diz e se faz, transparecendo um viés de lealdade e probidade. Uma sociedade fraterna exige relações norteadas pela boa-fé, sob pena de se colocar em risco os ideais mais salutares almejados por aqueles que a integram. Exatamente por isso que a boa-fé vem ganhando ares de princípio, muito embora dogmaticamente seja intrincado alocá-la em campo específico de estudo.

Doutrinariamente, a boa-fé pode ser tida como objetiva e subjetiva. Aquela se identifica pelo padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão. Já esta emerge do aspecto anímico do agente, suas convicções internas, conhecimentos e desconhecimentos (FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo. 12. Ed- Belo Horizonte: Del Rey, 2008, fl. 410). O caso dos autos envolve a boa-fé subjetiva, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe valores que supostamente não faz jus.

Os pontos imperativos que permeiam os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, situação que, a meu ver, ocorreu na hipótese em testilha, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, nº 78, p. 111/115.

Chama ele atenção, inicialmente, para circunstância essencial neste tipo de ação, qual seja, a relativa a quem cabe o ônus da prova da boa-fé e da má-fé. Sobre o tema, bem pontua que não se cabe cogitar presunções, uma vez que "a boa-fé e a má-fé se incluem no âmbito das questões de fato e provam-se por indícios e circunstâncias, incumbindo a quem as alegar o ônus da prova". Aduz, neste sentido, que "se o beneficiário alegar que recebeu os valores indevidos de boa-fé, não estando por isso obrigado a restituí-los, caber-lhe-á prová-lo". Em contrapartida, "se o INSS alegar que o beneficiário recebeu os valores indevidos de má-fé, devendo por isso restituir os valores de uma só vez, caber-lhe-á então a prova do que alega". Após, trata o artigo de questão crucial para a configuração do caso concreto, conforme excerto que segue:

(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.

Portanto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável, extrai-se a ilação de que agira com boa-fé, inviabilizando a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição. Tal distinção fixa-se na premissa que o negligente não pode lograr posição jurídica igual ou melhor que aquele que age com prudência e temperamento.

Embora haja casos nebulosos, há outras situações que não demandam maiores digressões. Por um lado, o caso do segurado que, mediante erro de cálculo promovido pela autarquia em seu benefício, passa a receber valores ligeiramente maiores que os devidos reflete inequívoca ignorância de erro desculpável. Todavia, casos de percepção, por exemplo, do dobro dos valores que seriam devidos, assim como hipóteses de manutenção de gozo de benefício de auxílio-reclusão após conhecimento da soltura do instituidor da benesse, induzem à nítida cognição contrária.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, concluo que não há prova de que o autor não tenha recebido os valores de boa-fé (em seu sentido ético).

Com efeito, a cobrança perpetrada pelo réu tem origem no deferimento do benefício de aposentadoria por idade rural nº 41/056.375.203-3 à falecida esposa do autor, em 18/02/1993 (p. 62, doc. PROCADM8).

Consoante se depreende dos elementos colacionados aos autos, em 13/08/1997 foi instaurado procedimento administrativo para apuração da suposta irregularidade do ato concessivo, tendo a segurada apresentado defesa na data de 20/01/1999, guarnecida de vasta prova documental (págs. 12, 33-60 e 74, doc. PROCADM9, evento 01).

A instituidora faleceu na data de 09/06/2008 (p. 78, doc. PROCADM9, evento 01), o que ensejou o deferimento do benefício de pensão por morte ao demandante a contar do óbito (p. 65, doc. PROCADM9, evento 01).

Referida benesse vinha sendo regularmente paga ao titular, até que seu filho Jucimar Luiz Salvador solicitou, no ano de 2016, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante a averbação de período no qual teria laborado na agricultura em regime de economia familiar juntamente com seus genitores.

Em 27/10/2016 o processo de revisão (instaurado em 1997) foi novamente remetido ao setor de Monitoramento Operacional de Benefícios (MOB) para verificação da irregularidade, calcada na suposta omissão, pela instituidora, de sua “condição de funcionária pública aposentada e dos rendimentos correspondentes” (p. 74, doc. PROCADM9, evento 01).

Notificado - já que a referida pensão decorre da aposentadoria por idade titulada por sua falecida consorte - o autor apresentou recurso administrativo em 08/02/2017 (págs. 02-04, doc. OFIC7, evento 01), ao qual foi negado provimento. Em 08/06/2018 o postulante foi novamente notificado, desta vez para pagamento do montante (R$ 60.055,20) supostamente recebido de maneira indevida nos últimos cinco anos, isto é, entre 01/10/2012 e 31/10/2017 (p. 05 do OFIC7).

Diante do exposto, não se pode afirmar que o autor, em algum momento, tencionou auferir vantagem de forma indevida, tampouco concorreu para a prática do equívoco, não tendo ele como saber que a prestação previdenciária deferida à sua esposa em 1993, ou seja, quase 24 anos antes de ter sido notificado, padecia de alguma irregularidade. É dizer, não há nenhum indício de que ele tinha ciência das informações prestadas pela consorte, muito menos de que elas eram falsas ou, então, dos requisitos indispensáveis ao deferimento da aposentadoria por idade ao trabalhador rural.

Como se isso não bastasse, a demora da Autarquia em apreciar a defesa administrativa fez nascer não só no postulante, como, também, na instituidora, a ideia de que tudo tinha transcorrido dentro da normalidade, já que entre o deferimento da prestação (18/02/1993) e o óbito (09/06/2008) transcorreram mais de quinze anos.

Outrossim, não passa despercebido que nem mesmo os sistemas de informática da própria Autarquia detectaram o vínculo urbano e o recebimento de outra benesse pela instituidora, o que poderia ter obstado o deferimento da aposentadoria por idade em 1993, caso ela fosse, de fato, indevida.

Outro ponto relevante, que provavelmente fez presumir a legitimidade e a legalidade da concessão, envolve o transcurso de mais de 18 anos entre a apresentação da defesa pela falecida (20/01/1999) e a análise da insurgência administrativa protocolada por seu pensionista (08/02/2017). Por certo que a celeuma teria sido facilmente solvida já no final dos anos 90 se o demandado tivesse atentado, ainda que minimamente, para as normas que norteiam sua atuação. Não o fazendo, o INSS não só gerou a presunção de legitimidade como, também, feriu postulados que alicerçam a atividade administrativa, esculpidos inclusive em nossa Carta Magna (art. 37, caput, CRFB), v.g., legalidade e eficiência.

Colho dos autos, portanto, que o benefício titulado pelo autor foi originariamente deferido pela Autarquia com lastro nos elementos existentes na sua base de dados e diante de todos os documentos acostados ao processo administrativo que embasou a concessão da aposentadoria por idade nº 41/056.375.203-3 (DIB 18/02/1993). Demais disso, o próprio requerido, após apontar eventual irregularidade e posteriormente à apresentação da defesa pela falecida, limitou-se a “engavetar” o processo administrativo, trazendo à tona um fato ocorrido quase duas décadas e meia a após o deferimento da prestação originária, sem apontar uma justificativa minimamente plausível para tanto, o que também fere postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito, como o princípio da confiança que rege as relações jurídicas.

É dizer, não se pode afirmar que o autor influenciou ou teve qualquer ingerência no deferimento do benefício instituidor ou da pensão daí decorrente, inexistindo sinais de que ele sabia que sua consorte não poderia ter recebido de forma concomitante os benefícios de aposentadoria por idade rural e urbana. Seria deveras pretensioso exigir que o segurado atentasse para um detalhe técnico atrelado a uma benesse deferida a pessoa diversa mais quinze anos antes do passamento e que nem mesmo os servidores do INSS constataram.

Em suma, não há sequer indícios de que o autor agiu com má-fé ao requerer a concessão do benefício de pensão por morte decorrente da aposentadoria por idade rural acima mencionada, muito menos de que ele forneceu documentos que não refletissem a realidade fática da qual o INSS tinha conhecimento desde 1993. Por outras palavras, os elementos probatórios indicam que o autor não tinha ciência da incorreção sustentada pelo INSS, muito menos de que ele contribuiu de forma desidiosa para a concessão da aposentadoria por idade ou da pensão por morte. Tais fatos, por si sós, afastam a propalada má-fé, não sendo possível inferir que o postulante, consoante já destacado, tenha conhecimento dos meandros do sistema previdenciário, a ponto de saber qual documento poderia levar a concessão indevida da prestação postulada por sua esposa, quiçá de que ele tenha agido ardilosamente, homiziando informações ou apresentando documentos que sabidamente não poderiam ter guiado o deferimento da aposentadoria que percebe.

Em linhas gerais, portanto, todos os elementos pesam em favor da parte autora, não havendo absolutamente nenhum indício que sugira uma ignorância indesculpável a implicar a necessidade de devolução dos valores. Nesta linha, portanto, é indevida a repetição do montante cobrado pelo INSS, já que decorrente de erro atribuível unicamente a própria Autarquia, devendo ser resguardado, na hipótese, a proteção da confiança inserida no bojo da segurança jurídica.

Anoto que o entendimento declinado por este Juízo encontra assento na jurisprudência do e. TRF da 4ª Região, como se colhe dos precedentes a seguir transcritos (destaques acrescidos):

(...)

Sendo assim, é procedente o pedido formulado pelo demandante, no sentido de serem inexigíveis os valores decorrentes da pensão por morte nº 21/147.680.148-4, deferida em 09/06/2008 (R$ 60.055,20 – cfe. Ofício nº 030/2018/MOB/APS, doc. OFIC7, evento 01).

Desta forma, pelas razões expostas, é procedente o pedido ora examinado."

Ao julgar o Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

O julgado (REsp n.º 1.381.734/RN) restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n.
8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Entendo que a sentença deve ser mantida, porque o pagamento indevido não decorre de erro material ou operacional, mas sim de equívoco do INSS na análise do preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural à falecida esposa do requerente, o qual originou a pensão por morte recebida.

Não há como se imputar má-fé ao réu na concessão de benefício não requerido por ele (aposentadoria por idade rural da instituidora da pensão). Não houve declaração falsa, simulação ou qualquer outra conduta do segurado que pudesse caracterizar má-fé.

Cabe ao INSS, e não aos segurados, analisar o preenchimento dos requisitos legais, não tendo o autor, como referido, qualquer motivo razoável para questionar a regularidade da aposentadoria que era titulada por sua esposa, diante do silêncio do INSS por mais de duas décadas.

O apelo do INSS deve ser desprovido.

Honorários recursais

Diante do desprovimento do recurso, majoro os honorários fixados pela sentença em 20%, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



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Apelação Cível Nº 5015890-31.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: CERILO SALVADOR (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979.

1. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei ou má análise das provas apresentadas na via administrativa quando não comprovada a má-fé do segurado.

2. Apelação do INSS desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003263851v3 e do código CRC 9b95582f.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/08/2022 A 09/08/2022

Apelação Cível Nº 5015890-31.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: CERILO SALVADOR (AUTOR)

ADVOGADO: LUIZ HENRIQUE GELAIN (OAB RS095074)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/08/2022, às 00:00, a 09/08/2022, às 16:00, na sequência 168, disponibilizada no DE de 22/07/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:19:42.

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