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PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. TRF4. 5009985-79.2017.4.04.7107...

Data da publicação: 13/10/2022, 16:47:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979. 1. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei ou má análise das provas apresentadas na via administrativa quando não comprovada a má-fé do segurado. 2. Apelação do INSS desprovida. (TRF4, AC 5009985-79.2017.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/09/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5009985-79.2017.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ILDA MATOS DE OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

ILDA MATOS DE OLIVEIRA ajuizou ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS objetivando o cancelamento dos valores recebidos de boa-fé, bem como o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez desde a data do indevido cancelamento, em 01/09/2015.

Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (evento 91, SENT1):

"Ante o exposto, mantenho a decisão que antecipou os efeitos do provimento final (evento 21), rejeito a prejudicial de prescrição quinquenal e, no mérito propriamente dito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos inicialmente formulados, na forma do art. 487, I, do CPC, a fim de declarar a inexigibilidade, pelo INSS, dos valores pagos à demandante na constância dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez nºs 31/514.176.748-1 e 32/518.526.904-5 (cfe. OFICIO/C4, evento 06).

Tendo em vista a sucumbência recíproca das partes, arcará a autora com o pagamento de metade dos honorários de sucumbência (já que não logrou êxito no restabelecimento do benefício por incapacidade laborativa, mas tão somente na declaração de inexigibilidade supracitada), e o INSS da metade remanescente, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, atualizada pelo IPCA-E a contar do ajuizamento da ação, tudo à luz do art. 85, §§ 2º e 3º, e art. 86, ambos do CPC, vedada a compensação de tais rubricas. Outrossim, condeno a autora ao pagamento das custas processuais na mesma proporção, bem como da totalidade dos honorários adiantados ao perito judicial, já que sucumbente em relação ao ponto. Todavia, suspendo a exigibilidade dos valores por ela devidos, tendo em vista o benefício da gratuidade da justiça inicialmente deferido.

O INSS é isento do pagamento das custas processuais em razão do disposto no art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.

Espécie não sujeita a reexame necessário, diante da regra do art. 496, § 3º, CPC e do fato de que o proveito econômico da causa não supera 1.000 salários-mínimos.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazoar, querendo, no prazo legal.

Cumpridos os procedimentos de estilo, remetam-se os autos ao egrégio TRF da 4ª Região."

Apela o INSS.

Aduz que a alegação de que os valores não podem ser restituídos pois recebidos de boa-fé e por possuírem natureza alimentar não encontra guarida na legislação vigente. O art. 115 da LBPS estabelece a obrigação de devolução de valores recebidos além do devido, inclusive se de boa-fé. Requer a reforma da sentença, julgando-se improcedente a ação.

Com contrarrazões (evento 96, CONTRAZAP1), vieram os autos a esta Corte.

Nesta instância, foi determinado o sobrestamento do processo até o julgamento do Tema 979 do STJ (evento 2, DESPADEC1).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.

Mérito

Ressarcimento ao erário

Quanto ao ponto, a sentença, em fundamentação clara e coerente, concluiu que é indevida a restituição de valores ao erário, pois inexistente má-fé do segurado, mas equívoco do INSS.

Dessa forma, adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir (evento 91, SENT1):

" 2.2. Dever de devolução dos valores

Inicialmente, cabe referir que o REsp nº 1.381.734-RN, leading case do Tema 979 dos recursos repetitivos – Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social – foi incluído em pauta para julgamento no dia 22/08/2018.

Em consulta ao sítio do STJ, na movimentação processual do aludido recurso, verifico que houve proclamação parcial de julgamento nos seguintes termos:

Proclamação Parcial de Julgamento: "Prosseguindo no julgamento, após o voto vista regimental do Sr. Ministro Relator conhecendo parcialmente do recurso especial do INSS para, nessa extensão, dar-lhe provimento, pediu vista a Sra. Ministra Assusete Magalhães. Aguardam os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Og Fernandes. (3001)

Todavia, não há notícia naqueles autos acerca de nova suspensão dos processos vinculados, o que viabiliza a análise da pretensão em testilha.

Com efeito, a parte autora sustenta sua pretensão de não-devolução dos valores no fato de ter agido de boa-fé, bem como por se tratar de verbas alimentares.

Inicialmente, vale registrar que já foi analisado e rechaçado o pedido de restabelecimento do NB 32/518.526.904-5, cabendo sopesar a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos pela postulante, sobretudo em razão das alegações de que tal verba possui natureza alimentar, tendo sido recebida de boa-fé.

Pois bem. Quanto à natureza alimentar, não há dúvida a ser equacionada, mormente porque a finalidade precípua de qualquer benefício previdenciário é garantir o sustento do segurado.

Assim, remanescem à apreciação apenas as demais questões controvertidas nos autos, notadamente a possibilidade de devolução de valores auferidos de boa-fé. Antes, contudo, impende destacar que o Código Civil garante o direito à restituição do que foi indevidamente auferido por aquele que se enriqueceu à custa de outrem, nos seguintes termos:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Já o art. 115 da Lei nº 8.213/91 possibilita seja descontado do benefício previdenciário o pagamento de benefício efetuado além do devido. Tal disposição, ao tratar de uma das formas com que benefícios recebidos em montantes superiores aos devidos serão devolvidos à autarquia, se coaduna com a pretensão de ressarcimento administrativamente levada a cabo pela Autarquia.

Por seu turno, a postulante sustenta que a restituição dos valores é indevida em virtude de seu caráter alimentar, além de terem sido recebidos de boa-fé.

Assiste razão à autora.

Com efeito, no que tange à boa-fé, embora não se tenha um conceito claro sobre o que efetivamente a compõe, é inegável que suas vertentes orbitam sobre a ética e a moralidade. Afigura-se, em verdade, na premissa de se crer naquilo que se diz e se faz, transparecendo um viés de lealdade e probidade. Uma sociedade fraterna exige relações norteadas pela boa-fé, sob pena de se colocar em risco os ideais mais salutares almejados por aqueles que a integram. Exatamente por isso que a boa-fé vem ganhando ares de princípio, muito embora dogmaticamente seja intrincado alocá-la em campo específico de estudo.

Doutrinariamente, a boa-fé pode ser tida como objetiva e subjetiva. Aquela se identifica pelo padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão. Já esta emerge do aspecto anímico do agente, suas convicções internas, conhecimentos e desconhecimentos (FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo. 12. Ed- Belo Horizonte: Del Rey, 2008, fl. 410). O caso dos autos envolve a boa-fé subjetiva, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe valores que supostamente não faz jus.

Os pontos imperativos que permeiam os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, situação que, a meu ver, ocorreu na hipótese em testilha, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, nº 78, p. 111/115.

Chama ele atenção, inicialmente, para circunstância essencial neste tipo de ação, qual seja, a relativa a quem cabe o ônus da prova da boa-fé e da má-fé. Sobre o tema, bem pontua que não se cabe cogitar presunções, uma vez que "a boa-fé e a má-fé se incluem no âmbito das questões de fato e provam-se por indícios e circunstâncias, incumbindo a quem as alegar o ônus da prova". Aduz, neste sentido, que "se o beneficiário alegar que recebeu os valores indevidos de boa-fé, não estando por isso obrigado a restituí-los, caber-lhe-á prová-lo". Em contrapartida, "se o INSS alegar que o beneficiário recebeu os valores indevidos de má-fé, devendo por isso restituir os valores de uma só vez, caber-lhe-á então a prova do que alega". Após, trata o artigo de questão crucial para a configuração do caso concreto, conforme excerto que segue:

(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.

Portanto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável, extrai-se a ilação de que agira com boa-fé, inviabilizando a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição. Tal distinção fixa-se na premissa que o negligente não pode lograr posição jurídica igual ou melhor que aquele que age com prudência e temperamento.

Embora haja casos nebulosos, há outras situações que não demandam maiores digressões. Por um lado, o caso do segurado que, mediante erro de cálculo promovido pela autarquia em seu benefício, passa a receber valores ligeiramente maiores que os devidos reflete inequívoca ignorância de erro desculpável. Todavia, casos de percepção, por exemplo, do dobro dos valores que seriam devidos, assim como hipóteses de manutenção de gozo de benefício de auxílio-reclusão após conhecimento da soltura do instituidor da benesse, induzem à nítida cognição contrária.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, concluo que não há prova de que a autora não tenha recebido os valores de boa-fé (em seu sentido ético), consoante assentado na decisão vinculada ao evento 03, a qual me reporto inclusive para evitar redundâncias desnecessárias (destaques acrescidos):

(...).

No presente caso, a autora sustenta não ter concorrido para o suposto erro administrativo que resultou na concessão de seus benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez (31/514.176.748-1 e 32/518.526.904-5) – especialmente no tocante à controversa fixação das datas de início de sua doença e de sua incapacidade a partir de exame médico pericial –, de modo que eventual deferimento indevido dos citados benefícios teria ocorrido por culpa exclusiva da autarquia previdenciária ora demandada. Desta forma, acredita que, tendo percebido os valores de boa-fé, não deveria ser intimada a efetivar a restituição da cifra total de R$ 78.959,69 ao erário, nos termos em que pretendido pelo INSS.

Em que pese o fato de que as decisões administrativas ora atacadas remontam às datas de 04/09/2015 (doc. OFÍCIO/C4, evento 06) e 02/05/2016 (doc. OUT2, evento 19) – o que, preliminarmente, desafia a urgência da medida requerida –, cumpre salientar que a questão envolvendo a suposta existência de indícios de irregularidade na concessão dos benefícios ora em tela, em verdade, vem se arrastando, em âmbito administrativo, já desde a data de 09/04/2007 (vide fl. 22 do doc. PROCADM5, evento 06), ocasião em que a autora foi pela primeira vez intimada a apresentar a sua defesa. É de se destacar ainda que, na análise da defesa apresentada, efetuada somente após decorridos mais de oito anos após a manifestação da autora, em 04/09/2015 (vide fl. 31 do doc. PROCADM5, evento 01), o próprio INSS reconheceu a ocorrência de lapso temporal demasiado longo entre as diligências administrativas envolvendo os indigitados benefícios, tendo justificado o transcurso de tal prazo a partir da alegada ausência de ‘quadro de profissional efetivo para atender a todas as demandas’.

Nessa linha, portanto, diante da decisão terminativa proferida pelo Conselho de Recursos da Previdência Social em maio/2016, no sentido de negar provimento ao recurso apresentado pela demandante em âmbito administrativo (vide doc. OUT2, evento 19), tem-se que a urgência do pedido, a despeito de quesitos temporais, encontra-se consubstanciada, precipuamente, no fato de que tal decisão consigna expressamente que cabe à requerente ‘a devolução dos valores recebidos indevidamente’ (fl. 02 do citado doc.), tornando iminente a possibilidade de concretização de tal cobrança a ser efetivada pelo instituto-réu.

Diante de tal cenário, tenho que deve ser deferido o pedido da autora, para que o INSS se abstenha de promover quaisquer medidas tendentes à cobrança do débito descrito na petição inicial, mais precisamente do valor de R$ 78.959,69 constante no documento OFÍCIO/C4 (evento 06), ao menos até a solução do presente litígio. Isso porque não verifico, em sede de cognição sumária, eventual má-fé da postulante, que recebeu os valores do benefício de acordo com a concessão originária, realizada pelo INSS com lastro em avaliação pericial a qual fixou as datas de início tanto da doença quanto da incapacidade da autora, datas essas as quais somente foram revistas e questionadas pela autarquia em março/2007, tendo sido proferida decisão quanto à defesa apresentada pela demandante apenas em setembro/2015. Desta forma, com base unicamente nos documentos até então carreados ao feito, não se pode afirmar, ao menos neste juízo perfunctório, próprio dos provimentos liminares, que a parte autora tenha efetivamente concorrido para o suposto erro administrativo no tocante à fixação dos marcos temporais atinentes tanto ao início de sua doença quanto ao início de sua incapacidade. Outrossim, para o ulterior deslinde do feito e verificação quanto à existência ou não dos requisitos necessários à concessão dos benefícios à época de seu deferimento administrativo, cumpre destacar a necessidade de que seja instaurado o contraditório na lide, com a produção das provas cabíveis por parte dos litigantes.

Assim, nos termos da fundamentação supra, merece trânsito o pedido da parte autora para que o INSS se abstenha de efetuar qualquer cobrança do débito indicado no documento OFÍCIO/C4 (evento 06) até o trâmite final da presente demanda. Sinale-se ainda que esta posição visa a proteger eventual resultado útil do processo, bem como que tal medida não traz nenhum tipo de prejuízo à parte ré, uma vez que apenas adia, se for o caso, eventual futura cobrança efetiva quanto aos valores ora discutidos, supostamente percebidos de forma indevida pela parte autora a partir da concessão originária dos benefícios em tela.

Isso posto, DEFIRO o pedido de antecipação provisória dos efeitos da tutela definitiva, para determinar ao INSS que se abstenha de realizar a cobrança do montante originado pelo recebimento dos valores oriundos da concessão dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez nºs 31/514.176.748-1 e 32/518.526.904-5 (R$ 78.959,69).

(...)

De fato, ainda que a demandante tenha reingressado no sistema quando já estava incapacitada para o trabalho, nada há, nos autos, indicando que ela interferiu na decisão administrativa que levou ao deferimento das benesses acima arroladas. Em verdade, foi a errônea avaliação do quadro clínico da postulante realizada pela própria Autarquia e a excessiva demora na análise da defesa administrativa que ensejou o recebimento do montante cobrado. Nesse contexto, vale reiterar que o demandado enfrentou a tese defensiva da postulante depois de transcorridos mais de oito anos, inexistindo justificativa para tal demora. Por outras palavras, dois são os fatores que conduziram ao recebimento equivocado do benefício, ambos atribuídos unicamente ao demandado, quais sejam, a análise errônea da DID e sobretudo da DII, o que levou ao deferimento das benesses, e o transcurso de quase nove anos entre o protocolo da defesa e a efetiva apreciação do mérito administrativo, o que ensejou o recebimento da prestação durante todo esse período.

Agregue-se a isso o fato de que antes de deferido o benefício em 2005 o INSS já havia indeferido-o em 04/11/2004, conforme se infere do INFBEN1 do ev. 02.

Em suma, não se pode afirmar que a autora agiu com má-fé ao requerer a concessão das benesses acima citadas, tampouco de que forneceu documentos e exames que não refletissem seu quadro clínico e a realidade fática por ela vivenciada, quiçá de que tenha influenciado na elaboração do laudo médico administrativo ou na incorreta fixação da DII pelo INSS. O próprio teor das perícias realizadas (INF3 do ev. 80) ma esfera administrativa revela a prestação de informações verídicas pela autora, de modo algum voltadas a ludibriar. Tais fatos, por si sós, afastam a propalada má-fé, não sendo possível inferir que a postulante, consoante já destacado, tenha conhecimento dos meandros do sistema previdenciário, a ponto de saber que os exames clínicos por ela apresentados ensejariam a definição indevida da data de início da incapacidade. Por fim, não se pode afirmar que ela tenha agido ardilosamente, homiziando informações ou apresentando documentos que sabidamente não poderiam ter guiado o deferimento dos benefícios autuados sob os nºs 31/514.176.748-1 e 32/518.526.904-5.

Em linhas gerais, portanto, todos os elementos pesam em favor da requerente, não havendo absolutamente nenhum indício que sugira uma ignorância indesculpável a implicar a necessidade de devolução dos valores. Nesta linha, portanto, é indevida a repetição do montante cobrado pelo INSS, já que decorrente de erro atribuível unicamente a própria Autarquia, devendo ser resguardado, na hipótese, a proteção da confiança inserida no bojo da segurança jurídica.

Anoto que o entendimento declinado por este Juízo encontra assento na jurisprudência do e. TRF da 4ª Região, como se colhe dos precedentes a seguir transcritos (destaques acrescidos):

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. ERRO ADMINISTRATIVO. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. VERBAS INDENIZATÓRIAS. INDENIZAÇÃO DE HONORÁRIOS. AFASTADA. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. 5. Os honorários constituem direito do advogado, sendo que a relação contratual entre cliente e procurador, de âmbito estritamente privado, não pode ser examinada judicialmente sem ter sido veiculada pela parte interessada, especialmente porque não se encontra expressamente elencada entre as despesas previstas no art. 84 do CPC. 6. O artigo 82, § 2º, do CPC abarca somente os gastos decorrentes do processo, tais como remuneração de peritos, pagamentos de diligências de oficiais de justiça, custeio de locomoção de testemunhas, dentre outras, não se entendendo como "despesa processual" os honorários advocatícios, uma vez que tratados em dispositivos distintos. 7. O parcial provimento do apelo não autoriza a aplicação do § 11 do artigo 85 do CPC. (TRF4, AC 5002803-97.2016.4.04.7003, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 24/09/2018)

MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RESSARCIMENTO DE VALORES AO INSS. IMPOSSIBILIDADE. VERBAS ALIMENTARES RECEBIDAS DE BOA-FÉ. ERRO MATERIAL. POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO, INCLUSIVE DE OFÍCIO. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A revisão administrativa não consubstancia mera faculdade, mas um poder-dever da autoridade pública competente no zelo pelo erário e pela lisura dos procedimentos administrativos, como, aliás, já está pacificado na doutrina e na jurisprudência. 2. Conforme remansosa jurisprudência pátria, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. 3. Por outro lado, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via cabível para obter a restituição da verba indevidamente paga. 4. In casu, não se mostra cabível a pretensão do INSS no sentido de que o segurado restitua os valores indevidamente recebidos a título de auxílio-doença visto que a cumulação indevida decorreu de erro administrativo e/ou judicial, para o qual o Impetrante não concorreu. 5. Eventual erro material apurado na contagem do tempo de serviço e no cálculo da RMI homologados por decisão judicial anterior não faz coisa julgada e pode ser corrigido a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento da parte. Precedentes do STF e da 3ª Seção desta Corte. (TRF4, AC 5018731-16.2015.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 27/09/2018)

Sendo assim, é procedente o pedido em apreço, no sentido de serem inexigíveis os valores recebidos em razão dos valores oriundos dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez nºs 31/514.176.748-1 e 32/518.526.904-5 (R$ 78.959,69 - cfe. Ofício de Recurso n. 1156/MOB/APS, doc. OFICIO/C49, evento 06)."

Ao julgar o Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

O julgado (REsp n.º 1.381.734/RN) restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n.
8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Entendo que a sentença deve ser mantida, porque o pagamento indevido não decorre de erro material ou operacional, mas sim de equívoco do INSS na verificação do preenchimento dos requisitos legais para a concessão de aposentadoria por invalidez.

Não há que se falar em caraterização de má-fé no caso concreto. Não houve declaração falsa, simulação ou qualquer outra conduta da segurada que pudesse caracterizar má-fé.

O apelo do INSS deve ser desprovido.

Honorários recursais

Diante do desprovimento do recurso, majoro os honorários a cargo do INSS em 20%, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



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Apelação Cível Nº 5009985-79.2017.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ILDA MATOS DE OLIVEIRA (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979.

1. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei ou má análise das provas apresentadas na via administrativa quando não comprovada a má-fé do segurado.

2. Apelação do INSS desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de setembro de 2022.



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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/09/2022 A 14/09/2022

Apelação Cível Nº 5009985-79.2017.4.04.7107/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ILDA MATOS DE OLIVEIRA (AUTOR)

ADVOGADO: MARCELO FABIANO CORREA (OAB RS091430)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/09/2022, às 00:00, a 14/09/2022, às 16:00, na sequência 393, disponibilizada no DE de 26/08/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



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