APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004282-69.2014.4.04.7012/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ALZIRA DOMINGAS DORNELLES |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. DECADÊNCIA PARA ADMINISTRAÇÃO REVISAR. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA.
Tendo se operado o prazo decadencial para a Administração revisar o ato de concessão do benefício da parte autora e não comprovada a ocorrência de má-fé, é devido o restabelecimento da aposentadoria por idade rural, a contar da data do indevido cancelamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e manter o restabelecimento do benefício efetivado no primeiro grau de jurisdição, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 31 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8972735v11 e, se solicitado, do código CRC 1CE4E658. | |
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| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 01/06/2017 18:02 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004282-69.2014.4.04.7012/PR
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ALZIRA DOMINGAS DORNELLES |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS contra sentença (19/06/2015) que julgou procedente ação visando ao restabelecimento de aposentadoria por idade rural, concedida em 1980 e cancelada em 2014, condenando-o ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da decisão. Antecipou os efeitos da tutela e submeteu o feito a reexame necessário.
Alega que o benefício foi cancelado porque a autarquia descobriu, em 2014, que houve equívoco na concessão do benefício pois, em 1980, a autora contava apenas 49 anos de idade e incorreu em má-fé, tendo em vista que os documentos que acostou ao procedimento administrativo indicavam como data de nascimento 01/07/1915, quando a correta é 16/07/1931. Em razão de a responsabilidade pelo erro ser da autora não há falar em decadência para a revisão do ato de concessão, a teor do art. 103-A da Lei 8.213/91, ao contrário do que decidiu o julgador singular, bem como é prfeitamente cabível exigir o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos ao erário público, por força do art. 115, II do mesmo estatuto legal.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento, também por força de reexame necessário.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa oficial
À luz do que preconiza o art. 475 do CPC/73 e atual art. 496 do CPC/2015 é cabível a remessa necessária contra as pessoas jurídicas de direito público. Excepciona-se a aplicação do instituto, quando por meros cálculos aritméticos é possível aferir-se que o montante da condenação imposta à Fazenda Pública é inferior àquele inscrito na norma legal (v.g. o art. 475, § 2º, do CPC/73 e art. 496, § 3º, do CPC).
No caso dos autos, considerando que o julgador singular restabeleceu benefício considerando a renda mensal como equivalente à do salário mínimo, devido desde 01/04/2014, e considerando a data da sentença (19/06/2015), fica evidente que de forma alguma o montante, mesmo atualizado e com incidência de juros, superará o limite de 60 salários mínimos.
Assim, não conheço da remessa oficial.
Decadência
A autora teve concedida, em 01/09/1980, aposentadoria por idade rural, cancelada em 01/04/2014 sob alegação de fraude, afirmando o INSS que a segurada incorreu em evidente má-fé ao apresentar documentação constando como data de nascimento 01/07/1915, quando a correta é 16/07/1931. Em razão disso a autarquia concedeu o benefício quando a autora contava somente 49 anos de idade, em época na qual o requisito etário era de 65 anos.
O julgador monocrático acolheu a alegação de decadência do direito de o INSS revisar o ato de concessão.
A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais.
Neste sentido a posição jurisprudencial do STF, expressa nas Súmulas 346 e 473, com o seguinte teor:
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
No entanto, o poder-dever da Administração de anular seus próprios atos não é ilimitado no tempo, ficando sujeito, como se verá, à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica.
No âmbito do Direito Previdenciário, foi estipulado, pela primeira vez, pela Lei n.º 6.309, de 15-12-1975, prazo decadencial de cinco anos para a revisão, por parte da Administração, dos processos de interesse dos beneficiários. Eis o teor do seu artigo 7.º:
Art. 7º - Os processos de interesse de beneficiários e demais contribuintes não poderão ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Tal lei vigorou de 01-02-1976 (primeiro dia do segundo mês seguinte ao da publicação) a 12-04-1992, quando foi revogada pela Medida Provisória n. 302, de 10-04-1992, em vigor a partir de 13-04-1992, posteriormente convertida na Lei n.º 8.422/92. O referido art. 7.º foi reproduzido no art. 214 da CLPS de 1976 e, com brevíssimas modificações, no art. 207 da CLPS de 1984.
Com o advento da Lei n.º 8.213/91, não houve previsão de prazo decadencial para a revisão do ato concessório do benefício previdenciário por parte da Administração, o que somente veio a se modificar com a entrada em vigor da Lei n.º 9.784/99 (em 01-02-1999), que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e que, em seu art. 54, estabeleceu o prazo decadencial de cinco anos. Eis a íntegra do art. 54:
Art. 54 - O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º - No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º - Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Posteriormente, a MP 138 (publicada no D.O.U. de 20-11-2003), convertida na Lei n.º 10.839/04, acrescentou o art. 103-A à Lei n.º 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para o INSS anular atos administrativos, salvo comprovada má-fé:
Art. 103-A - O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º - No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º - Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Vista a evolução legislativa quanto ao tema, impende dizer que é pacífico o entendimento do egrégio STJ no sentido de que o prazo decadencial de cinco anos estabelecido pela Lei 9.784/99 só pode ser contado a partir do início da sua vigência, ante a impossibilidade de sua retroação. Eis algumas ementas, que traduzem tal posição, há muito sedimentada:
ADMINISTRATIVO - ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO- DECADÊNCIA - LEI 9.784/99 - VANTAGEM FUNCIONAL - DIREITO ADQUIRIDO - DEVOLUÇÃO DE VALORES.
1. Até o advento da Lei 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF.
2. A Lei 9.784/99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54).
3. A vigência do dispositivo, dentro da lógica interpretativa, tem início a partir da publicação da lei, não sendo possível retroagir a norma para limitar a Administração em relação ao passado.
4. Ilegalidade do ato administrativo que contemplou a impetrante com vantagem funcional derivada de transformação do cargo efetivo em comissão, após a aposentadoria da servidora.
5. Dispensada a restituição dos valores em razão da boa-fé da servidora no recebimento das parcelas.
6. Segurança concedida em parte.
(MS n. 9.112-DF, STJ, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 16-02-2005)
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
DECADÊNCIA. LEI 9.784/99. PRAZO. 5 ANOS. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE.
Conforme o art. 54 da Lei 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Entretanto, não há como atribuir-lhe incidência retroativa, de modo a impor, para os atos praticados antes da sua entrada em vigor, o prazo qüinqüenal com termo inicial na data do ato.
Recurso provido.
(REsp n. 624697-RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, in DJ 01-08-2005)
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARGO PÚBLICO. HABILITAÇÃO LEGAL. FALTA. EXONERAÇÃO EX OFFICIO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. MÁ-FÉ. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99.
I - O prazo decadencial para a Administração anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados decai em cinco anos, contados de 1º/2/1999, data da entrada em vigor da Lei nº 9.784/99. Contudo, o decurso do tempo não é o único elemento a ser analisado para verificação da decadência administrativa. Embora esta se imponha como óbice à autotutela tanto nos atos nulos quanto nos anuláveis, a má-fé do beneficiário afasta sua incidência.
II - Na hipótese dos autos, a impetrante foi contratada em 15/6/1985 E retornou ao serviço público por meio de portaria concessiva de anistia de 24/11/1994. Muito posteriormente, em 20/8/2007, teve contra si instaurado processo administrativo disciplinar, que culminou na sua exoneração ex officio em 24/1/2008.
III - Incumbiria à Administração Pública expor, no ato decisório, as razões de fato e de direito que fundamentariam a não-aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99, analisando especificamente a existência de má-fé da impetrante. A falta de motivação, neste ponto, acarreta a nulidade do ato de exoneração.
Sentença concedida para reconhecer a nulidade da Portaria 8/2008 por vício de motivação, determinando-se a reintegração da impetrante no cargo em que retornou por anistia.
(MS n. 13.407 - DF, Rel. Min. Félix Fischer, Terceira Seção, j. em 05-12-2008)
De outra banda, a inexistência, entre a revogação da Lei n.º 6.309/75 pela Medida Provisória n. 302 (em 13-04-1992) e a entrada em vigor da Lei n.º 9.784/99 (em 01-02-1999), de prazo decadencial para a anulação dos atos administrativos referentes à concessão de benefícios previdenciários não significa, entretanto, que a Administração pudesse anular tais atos a qualquer tempo.
Em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, subprincípios do Estado de Direito, e da consequente necessidade de estabilidade das situações jurídicas criadas pela própria Administração, quando delas decorram efeitos favoráveis aos particulares, o poder-dever de anular seus atos deve ser limitado no tempo, sempre quando, associada ao transcurso de um certo período, encontrar-se situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé. Nesse sentido, a jurisprudência contemporânea do STF, conforme se constata das seguintes decisões:
Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido.
(MS n. 22357-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, in DJ 05-11-2004)
Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processos administrativo. 8. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV).
(MS n. 24.268-0, Tribunal Pleno, Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, in DJU 17-09-2004)
Em suma, no período compreendido entre 13-04-1992 (data da revogação da Lei n.º 6.309/75) e 01-02-1999 (início da vigência da lei n. 9.784), embora inexistisse prazo decadencial para a revisão dos atos administrativos, há de se examinar a possibilidade de revisão à luz do princípio da segurança jurídica. Nesta ordem de idéias, para considerar-se indevida a anulação, operada pela própria autarquia, de atos administrativos concessivos de benefícios previdenciários, não basta o transcurso, por si só, de um dado tempo, mas este associado a um conjunto de circunstâncias que, dadas as suas peculiaridades, inflijam ao beneficiário um gravame desmedido à sua confiança nas instituições e à necessária estabilidade das situações e relações jurídicas.
Por fim, com a edição da MP 138/03 que, como visto, modificou o prazo decadencial, na esfera previdenciária, de cinco para dez anos, há de se perquirir qual o prazo a incidir no caso em que o benefício previdenciário tenha sido concedido na vigência da Lei 9.784/99 (quando o prazo era de cinco anos). Em havendo sucessão de leis, a mais nova estabelecendo prazo decadencial maior que a antiga, a doutrina é uníssona no sentido de que se aplica o novo prazo, contando, porém, para integrá-lo, o tempo transcorrido na vigência da lei antiga (CÂMARA LEAL, Antonio Luís da. Da prescrição e Decadência, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 91; BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. I. 12. ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda., 1959, p. 369; MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. São Paulo: Freitas Bastos, 1946, p. 247).
Neste diapasão, e considerando que a MP 138/03 foi editada antes do transcurso de cinco anos desde a vigência da Lei 9.784/99, verifica-se, na prática, que:
1 - para os benefícios concedidos desde o início de vigência desta (desde 01-02-1999, portanto), o prazo decadencial a incidir é o de dez anos, contados da data em que foi praticado o ato administrativo (ou da percepção do primeiro pagamento, conforme o caso), salvo comprovada má-fé;
2 - o prazo decadencial de dez anos também deve ser aplicado quando o ato administrativo foi praticado anteriormente à vigência da Lei 9.784/99 (e depois da revogação da Lei 6.309/75), desde que não se perfaça violação ao princípio da segurança jurídica, como antes comentado. Nessa hipótese, conta-se o prazo a partir da entrada em vigor da Lei 9.784/99, ante a impossibilidade de sua retroação, conforme entendimento do STJ, também já explicitado.
De fato, este foi o entendimento firmado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no recurso especial repetitivo n. 1114938-AL, da Relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14-04-2010, o qual foi representativo de controvérsia:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial e 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.
Ao referir, no item 2 acima, a possibilidade de violação ao princípio da segurança jurídica relativamente ao benefício concedido antes da edição da Lei 9.784/99 (e depois da revogação da Lei 6.309/75), devo esclarecer que a vislumbro em duas situações: a primeira quando, já antes da edição da indigitada Lei 9.784/99, houve o transcurso de um tempo considerável (geralmente mais de cinco anos), aliado a um conjunto de circunstâncias acima mencionadas (idade do beneficiário, estado de saúde e situação econômica, por exemplo) que, dadas as suas peculiaridades, inflijam ao beneficiário um gravame desmedido à sua confiança nas instituições e à necessária estabilidade das situações e relações jurídicas; a segunda quando, não obstante o transcurso de um tempo curto (menos de cinco anos) entre o ato concessório do benefício e a edição da lei que regula o processo administrativo federal, houve a fluência de um prazo relativamente longo durante a vigência desta lei, até a revisão do benefício, de sorte que os dois lapsos temporais somados representem um prazo total excessivamente largo, o qual, aliado às circunstâncias e consequências acima explicitadas, também demande a aplicação do princípio da segurança jurídica, ainda que, tecnicamente, não tenha ocorrido a decadência (pela não fluência de dez anos após a Lei 9.784/99).
Frise-se que, nessa última hipótese, não se está a aplicar simplesmente um princípio jurídico (segurança jurídica) onde deveria incidir apenas uma regra (decadência); o caso diz respeito a um dado tempo que, embora tenha transcorrido, em parte, em época de vigência de lei disciplinadora de prazo decadencial, fluiu, em sua parte inicial, em época em que inexistia regra de decadência, de sorte que se trata de situação transitória e excepcional que abarca períodos em que regentes duas disciplinas jurídicas distintas, razão pela qual entendo adequada, se presentes os requisitos acima, a aplicação do referido princípio constitucional.
Na mesma linha de raciocínio, para os processos administrativos anteriores à vigência da Lei 6.309/75, o prazo decadencial de cinco anos é contado a partir de 01-02-1976, data em que entrou em vigor, até 12-04-1992, quando foi revogada pela Medida Provisória 302/92, sem prejuízo da aplicação do princípio da segurança jurídica, consoante acima exposto.
No caso concreto, não há controvérsia entre as partes sobre a data de nascimento da autora, em 16/07/1931. Desta forma, em 1980 a autora não fazia jus ao benefício, pois, contando somente 49 anos, não implementava o requisito etário (65 anos).
Também é inequívoco que o procedimento administrativo de revisão, que levou ao cancelamento do benefício, iniciou-se em 11/02/2014, quando já decorridos mais de dez anos contados da Lei 9.784/99, conforme dito pela própria autarquia, após ser notificada pelo Cartório de Registro Civil de Sananduva/RS da correta data de nascimento (evento 18, PROCADM3, fls. 5 a 7).
Resta averiguar, portanto, se a autora deu causa ao erro administrativo que resultou na indevida concessão e se agiu com má-fé, caracterizando assim fraude na concessão.
Examinando o procedimento administrativo (PAD) juntado pelo INSS no evento 18 verifico que a autora, ao requerer o benefício, apresentou certidão de nascimento, embora não conste do PAD cópia do documento. Chego a essa conclusão porque, na entrevista administrativa realizada por ocasião da concessão, embora não seja mencionada a data de nascimento, consta ali que foi apresentada certidão de nascimento, com emissão em 01/07/1980 (PROCADM1, fl. 5). Pela data de emissão, concluo que se tratava de segunda via. No extrato de documentos do MPAS - FUNRURAL, órgão à época responsável pela concessão do benefício, consta como tipo de documento apresentado a referida certidão de nascimento e que esta foi emitida em 01/07/1980 pelo Cartório de Registro Civil de Capinzal/SC, livro A-5 nº 130, estando registrado no referido extrato a data de 16/07/1915 como de nascimento (PROCADM1, fl. 6). No atestado da Agência do INPS de Pato Branco/PR, datado de 06/08/1980, consta que a autora, nascida em 16/07/1915, não percebe benefício de qualquer espécie naquela agência (PROCADM1, fl. 7). Por fim, no requerimento administrativo, datado de 16/09/1980, totalmente datilografado e com timbre do MPAS - FUNRURAL, assinado pela autora, consta como data de nascimento 16/07/1915.
Entendo que não há prova de que a autora fraudou a autarquia previdenciária. A existência do equívoco é manifesta, pois consta dos documentos internos data de nascimento em 16/07/1915. Todavia, consta também que a autora apresentou certidão de nascimento, inclusive com anotação do Cartório emissor e identificação do livro e número do registro (evento 18, PROCADM1, fls. 5 e 6), mas o INSS não trouxe aos autos cópia do documento, que, aparentemente, não se encontra no processo administrativo, impossibilitando sua conferência. Assim, é possível tenha havido erro na transcrição dos dados da certidão de nascimento da autora para os registros da autarquia, a partir do qual toda a análise dos requisitos restou viciada, culminando na indevida concessão.
De qualquer forma, a má-fé deve ser demonstrada, não bastando a mera suspeição. Havendo possibilidade de que o equívoco tenha sido originado pela própria autarquia e sem uma evidência mais forte de que a autora tenha deliberadamente fraudado a previdência, não é possível chancelar o cancelamento do benefício, sobretudo após decorridos mais de trinta anos da concessão. Releva ponderar, ainda, o fato de que a autora contava 83 anos por ocasião da revisão.
Ademais, a menos que tenha havido conluio entre autora e servidores do MPAS - FUNRURAL, do que não se tem qualquer indício, não é crível supor que a estes, com o dever funcional de conferir os documentos e requisitos necessários à concessão do benefício, tenha passado despercebido dado tão relevante como a data de nascimento, sem a qual não é possível saber se o requisito etário restou preenchido.
Aliás, o fato de constar a data de 16/07/1915 como de nascimento no requerimento do benefício, assinado pela autora, a sugerir que estivesse ciente do equívoco, não impressiona. Pelas características do documento, o fato de estar totalmente preenchido a máquina, bem como constar dele dados como número de banco, código municipal, número de ordem de GRC, data de nascimento e de requerimento, entre outros, demonstra que seu preenchimento se deu por servidor do MPAS - FUNRURAL à vista e após conferência da documentação apresentada pela parte autora, que à toda evidência não foi a responsável pelo lançamento dos dados no documento. Importante ressaltar ainda ser a autora pessoa de poucas luzes, não sendo improvável que, ao assinar o documento, sequer tivesse noção do seu conteúdo.
Assim, à falta de mais elementos que permitam concluir com segurança que tenha havido má-fé da autora com a finalidade de fraudar os dados para a concessão do benefício, tenho que operou-se a decadência para o INSS revisar o ato de concessão da aposentadoria por idade rural, que deve ser restabelecida a contar da data do indevido cancelamento.
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497 do Código de Processo Civil de 2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 9 de agosto de 2007), a parte autora faz jus ao cumprimento imediato do acórdão no tocante ao restabelecimento do benefício.
Todavia, desnecessário determinar seu restabelecimento, tendo em vista já ter sido feito por força da antecipação de tutela deferida em sentença (evento 58).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS e manter o restabelecimento do benefício efetivado no primeiro grau de jurisdição.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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| Data e Hora: | 01/06/2017 18:02 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004282-69.2014.4.04.7012/PR
ORIGEM: PR 50042826920144047012
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ALZIRA DOMINGAS DORNELLES |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 967, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E MANTER O RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO EFETIVADO NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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