Apelação Cível Nº 5058599-72.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: FATIMA MARCON DELARMELIN
ADVOGADO: LINDOMAR ORIO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença, proferida na vigência do CPC/2015, que julgou improcedente a ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 937,00, restando suspensa a exigibilidade em razão do benefício da AJG concedido.
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, que está incapacitada para o exercício de suas atividades habituais, fazendo jus à concessão do auxílio-doença desde o indeferimento administrativo, em 13/06/2015.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Não havendo discussão quanto à qualidade de segurada especial da parte autora no período equivalente à carência, passa-se à análise da incapacidade laborativa.
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. Tal assertiva, todavia, não é absoluta, uma vez que o julgador não está adstrito ao laudo pericial (art. 479, CPC).
A perícia médica judicial (Evento 3, LAUDPERI19), realizada em 23/09/2016, por especialista em ortopedia e traumatologia, apurou que a demandante, agricultora, nascida em 25/11/1968, é portadora de Síndrome do manguito rotador ombro D/E (CID-10: M75.1), apresentando limitação de abdução e rotação de ombros em grau leve, e concluiu que ela está apta ao trabalho. Referiu, porém, que "levando em consideração sua idade não está indicado que a autora realize trabalhos que são exclusivos do sexo masculino como arar, raramente visto nos dias de hoje, fazer buracos, carregar pesos elevados, roçar, etc. Poderá tratar a criação, fazer as atividades leves e moderadas e realizar tarefas do lar". Relatou, ainda, o perito que a doença está consolidada e que a autora queixa-se de dor e impotência funcional desde, aproximadamente, o ano de 2010.
Em resposta aos quesitos formulados, o expert referiu tratar-se de doença degenerativa acelerada pelos trabalhos braçais, bem como que o tratamento recomendado compreende "medidas para dor quando necessário e laborar o mais ergonomicamente correto possível". Com relação ao início da incapacidade, respondeu que a autora "referiu piora em 2011" e que "a dor é um fenômeno subjetivo e que deve ser avaliada na época da queixa", entendendo não ser possível inferir se havia ou não incapacidade entre a data da cessação do benefício e a data da realização da perícia (quesitos "f" do Juízo e "8" da parte autora - Evento 3, LAUDPERI19, p. 26 e 33).
Primeiramente, considerando que o expert não referiu o nexo causal objetivo e direto com a atividade profissional da autora, bem assim que as lesões são degenerativas, não há falar em acidente do trabalho, razão pela qual remanesce a competência da Justiça Federal para examinar o pedido de concessão de auxílio-doença deduzido na apelação.
Em que pese o perito judicial tenha concluído pela aptidão da parte autora para o exercício de suas atividades habituais, a fundamentação apresentada e as respostas aos quesitos formulados demonstram estar a autora incapacitada para o trabalho. Entendo que, com relação à incapacidade, sua análise deverá ser feita de acordo com critérios de razoabilidade e observando-se aspectos circunstanciais, tais como a idade, a qualificação pessoal e profissional do segurado, tipo de trabalho exercido (burocrático/braçal), entre outros, os quais permitam aferir o grau prático (e não meramente teórico) da incapacidade.
Na hipótese, as condições pessoais da segurada, como a sua idade (50 anos) e as moléstias apresentadas (síndrome do manguito rotador em ambos os ombros) impossibilitam o exercício da atividade laboral habitual (agricultura), a qual exige o emprego de esforço físico com os membros superiores insuscetível de ser realizado de forma ergonômica, consoante sugerido pelo expert, sendo devida a concessão do benefício por incapacidade até a sua efetiva recuperação ou reabilitação.
Cumpre destacar, ainda, que o INSS reconheceu a incapacidade laboral da parte autora nos períodos de 20/03/2010 a 20/06/2010, de 12/11/2012 a 12/02/2013, de 23/08/2013 a 17/07/2014 e de 06/12/2014 a 13/06/2015, em razão de "Lesões do ombro" (CID-10: M75) e "Síndrome do manguito rotador" (CID-10: M75.1), conforme consulta ao Plenus, bem como que a perícia administrativa examinou a autora em 14/12/2015, e, embora não tenha reconhecido a incapacidade laboral, constatou a existência da moléstia "Lesões do ombro" (CID-10: M75), a mesma doença diagnosticada na perícia judicial como causa incapacitante, o que indica - considerando-se, ainda, o fato de o perito não ter noticiado eventual melhora da paciente -, que o quadro de inaptidão laboral manteve-se desde então (Evento 3, CONTES/IMPUG10, p. 14/19).
Desse modo, tenho que deve ser reformada a sentença, para determinar o restabelecimento do auxílio-doença, a contar da cessação indevida (13/06/2015).
Por conseguinte, inexiste prescrição quinquenal, porquanto a presente ação foi ajuizada em 03/02/2016.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 1495146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Em data de 24 de setembro de 2018, o Ministro Luiz Fux, relator do RE 870947 (tema 810), deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pela Fazenda Pública, por considerar que a imediata aplicação da decisão daquela Corte, frente à pendência de pedido de modulação de efeitos, poderia causar prejuízo "às já combalidas finanças públicas".
Em face do efeito suspensivo deferido pelo STF sobre o próprio acórdão, e considerando que a correção monetária é questão acessória no presente feito, bem como que o debate remanescente naquela Corte Suprema restringe-se à modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, impõe-se desde logo, inclusive em respeito à decisão também vinculante do STJ, no tema 905, o estabelecimento do índice aplicável – INPC para os benefícios previdenciários e IPCA-E para os assistenciais -, cabendo, porém, ao juízo de origem observar, na fase de cumprimento do presente julgado, o que vier a ser deliberado nos referidos embargos declaratórios.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29/06/2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual nº 14.634/2014 (artigo 5º). Deverá o INSS, portanto, reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
- Apelo da parte autora provido para determinar o restabelecimento do auxílio-doença, a contar da cessação indevida (13/06/2015);
- determinado o imediato cumprimento do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000933526v19 e do código CRC 317f4452.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5058599-72.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: FATIMA MARCON DELARMELIN
ADVOGADO: LINDOMAR ORIO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CONTINUIDADE DA INCAPACIDADE LABORAL após a cessação do benefício. CORREÇÃO MONETÁRIA e JUROS. TEMA 810 DO STF. CUSTAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO.
1. Nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova.
2. É de ser reconhecido o direito ao restabelecimento do auxílio-doença quando os elementos de prova indicam a continuidade da moléstia incapacitante após a cessação do benefício.
3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR.
4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
5. Estando pendentes embargos de declaração no STF para decisão sobre eventual modulação dos efeitos da inconstitucionalidade do uso da TR, impõe-se fixar desde logo os índices substitutivos, resguardando-se, porém, a possibilidade de terem seu termo inicial definido na origem, em fase decumprimento de sentença.
6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29/06/2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
7. O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de março de 2019.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000933527v5 e do código CRC 65872257.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/03/2019
Apelação Cível Nº 5058599-72.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: FATIMA MARCON DELARMELIN
ADVOGADO: LINDOMAR ORIO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/03/2019, na sequência 359, disponibilizada no DE de 12/03/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 11:34:58.