Apelação Cível Nº 5006843-18.2013.4.04.7104/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | ALTAIR ZIMMERMANN |
ADVOGADO | : | ALDO BATISTA SOARES NOGUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURADO LABORANDO EM GOZO DE BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. POSSIBILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DA BOA-FÉ.
1. A fruição de benefício por incapacidade é incompatível com o desempenho de atividade laborativa.
2. Comprovado que o autor enquanto estava percebendo benefício por incapacidade laborava dirigindo táxi, correto o procedimento da autarquia que cessou o pagamento do auxílio-doença.
3. Não comprovada a boa-fé do autor, é devida a devolução dos valores percebidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8870259v4 e, se solicitado, do código CRC 3388845B. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 20/04/2017 13:43 |
Apelação Cível Nº 5006843-18.2013.4.04.7104/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | ALTAIR ZIMMERMANN |
ADVOGADO | : | ALDO BATISTA SOARES NOGUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença (23/12/2015) que julgou improcedente ação visando a anulação do ato administrativo que imputa débito ao autor, declarando a inexigibilidade da devolução dos valores recebidos; o restabelecimento do benefício de auxílio-doença (NB 525.493.905-9) desde a cessação (12/04/2011); convertendo-se o mesmo em aposentadoria por invalidez com acréscimo de 25%.
Apela a parte autora postulando a reforma da sentença. Sustenta que é indevida a devolução dos valores percebidos, que o foram em boa-fé. Aduz, ainda, que os atestados médicos juntados comprovam que o autor encontra-se incapacitado.
Com contrarrazões subiram os autos.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
No caso em apreço, as provas produzidas foram suficientes para formar o convencimento acerca do ponto controvertido.
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
No caso dos autos o laudo pericial, realizado por médico psiquiatra, Evento 65 - LAUDPERI1, informa que a parte autora (motorista - 54 anos) não se encontra incapaz para o exercício de atividades laborais.
Em resposta aos quesitos apresentados asseverou o perito:
Quesitos do juízo:
1. Qual a atividade laborativa habitual da parte autora?
Motorista.
2. Apresenta - ou apresentou -, o autor, doença ou moléstia que o incapacite para sua atividade laborativa habitual?
Sim, estava incapaz entre junho de 2006 à junho de 2007,nesta época apresentava intoxicações frequentes e instabilidade do humor.
3. Com base no exame clínico, bem como na documentação apresentada, é possível aferir se o autor tinha condições de retornar ao exercício de sua atividade laboral em agosto de 2008, quando foi averiguado pelo servidor do INSS que a parte autora estaria trabalhando (evento 20 - PROCADM1 - fl. 24)?
Tinha condições de retorno laboral, pois não estava na vigência de intoxicação, pelo menos não comprova que estava com doença em atividade nesta época
4. Apresenta o autor atualmente doença ou moléstia que o incapacite para o exercício de atividade laborativa?
Não, apresenta quadro em remissão e controlado, não apresenta nenhuma alteração no exame do estado mental.
5. Ainda em caso de incapacidade, é possível reabilitar o autor para exercer outra atividade profissional ou a incapacidade é para toda e qualquer atividade laborativa, sem perspectivas de melhora?
Atualmente, apresenta capacidade laboral preservada.
6. Outras considerações que o Sr. Perito julgar pertinentes.
Vide item 6-Conclusões médico-legais.
Quesitos do INSS:
1. Está o(a) autor(a) devidamente identificado e reconhecido como tal?
Sim.RG 5033517268.
2. Qual a última atividade laborativa exercida pelo autor (a)?
Motorista.
3. Informe o Sr. Perito, de forma minuciosa e especificada, a natureza das atividades laborativas realizadas pela parte autora, inclusive os movimentos necessários à sua realização.
Dirigir veículos automotores.
4. Qual a data de afastamento do trabalho exercido?
Comprovadamente, entre junho de 2006 à junho de 2007.
Fundamente, especificando se a resposta foi dada com base em documentos ou nas informações prestadas pelo próprio periciando. Baseada em atestados e perícias prévias realizadas.
5. Qual a causa de afastamento do trabalho? (acidente de trabalho, acidente de qualquer natureza, outra doença, outra causa).
Falta de discernimento e intoxicação por substância de abuso.
6. Existem sinais sugestivos (ex: trofismo e tônus muscular, hiperpigmentação cutânea em áreas de exposição solar, calosidades em mãos etc) de que o periciando continua trabalhando até o presente momento?
Sim. Trofismo muscular preservado. Justifique, inclusive especificando qual(s) a atividade(s) desenvolvida(s).
Motorista de taxi.
7. Apresenta o autor alguma doença ativa ou seqüela da doença?
Sim, contudo está controlada.
Caso afirmativo:
7.1 Qual a data do início da doença?
Ano de 2006. Com base em que documentos tal informação é prestada?Atestados médicos.
7.2. Existem exames complementares que comprovam tal enfermidade?
Não. Favor descrevê-los, inclusive com data de realização.
7.3. Informe o Sr. Perito se os exames em que se embasou para a realização da perícia são suficientes e atuais para uma correta análise do estado de saúde da parte.
Sim, são suficientes.
autora.
7.4. A doença (ou seqüela) produz apenas limitações para o trabalho que a parte autora habitualmente exercia ou produz incapacidade total para esse trabalho?
Atualmente, não produz incapacidade laboral
7.5. Se positiva a resposta dada ao quesito anterior, desde que data existe a limitação ou a incapacidade total?
Atualmente, não produz incapacidade laboral.
7.6 Caso os dados objetivos constatados no exame clínico comprovem incapacidade para o trabalho que o periciando habitualmente exercia, esta incapacidade é temporária ou definitiva?
Não há incapacidade.
7.7 Caso os dados objetivos constatados no exame clínico comprovem incapacidade para o trabalho que o periciando habitualmente exercia, esta incapacidade é uniprofissional, multiprofissional ou oniprofissional?
Não há incapacidade.
7.8. Descreva os dados objetivos e grau de limitação encontradas no exame do autor;
Não há nenhuma alteração no exame do estado mental.
8. Estando incapaz atualmente o(a) autor(a), terá condições de retorno futuro à mesma atividade?Não está incapaz. Caso negativo, poderá ser reabilitado(a) para atividade diversa da original? Fundamente.
Não há nenhuma alteração no exame do estado mental.
9. Está o(a) autor(a) inválido(a)?Não. Justifique.
Não há nenhuma alteração no exame do estado mental.
10. Caso o(a) autor(a) esteja inválido(a), se encontra enquadrado(a) em alguma das situações previstas no Anexo I ao Regulamento da Previdência Social (Decreto n.3.048/99)1?
Não está inválido. Justifique, fundamentadamente, especialmente no caso do reconhecimento do inciso "9".
11. Caso seja comprovada a incapacidade temporária da parte autora, em que data provavelmente estará capacitada para retornar às suas atividades laborais (data previsível de cessação da incapacidade)?
Não há incapacidade. Justifique.
12. O Sr. Perito é ou foi médico particular do autor?Não. É ou foi assistente técnico de algum advogado ou escritório de advocacia?
Não, que tenha vinculação com o caso.
13. A parte autora encontra-se capaz para as atividades de dona de casa?
Não.
Houve algum momento em que esteve incapaz para essas atividades?
Não.
14.Dê outras informações que julgar necessárias no momento da realização da perícia.
Vide item 6-Conclusões médico-legais.
Quesitos da parte autora:
Informe a idade, escolaridade e histórico profissional da parte Autora.
Tem 54 anos de idade, 1º grau completo e trabalha de motorista.
b) Qual o problema de saúde que está acometendo à parte Autora bem como a sua respectiva CID?
Transtorno mental e comportamental devido o uso de substâncias-dependência de álcool (atualmente em remissão)
CID-10:F10.2
c) O problema de saúde incapacita a parte Autora para suas atividades laborais habituais?
Não.
d) Em caso positivo, tal limitação abrange outras atividades laborais que exijam como exemplo (esforço físico, trabalho repetitivo ou ficar parado por muito tempo)?
Não.
e) A incapacidade da parte Autora pode ser considerada permanente?
Não há incapacidade.
Em caso negativo, a mesma necessita realizar algum tipo de procedimento como cirurgia para a possível melhora?
Não.
f) Desde que data à parte Autora se encontra incapacitada tendo por base atestados médicos e exames ora colacionados?
Esteve incapaz, comprovadamente,entre junho de 2006 à junho de 2007
g) À parte Autora pode ser reabilitada para atividade profissional diversa das que habitualmente exerceu levando em conta a sua aptidão profissional e as limitações decorrentes do problema de saúde?
Sim.
h) À parte Autora necessita do auxílio de uma terceira pessoal para as suas atividades habituais?
Não.
i) Demais esclarecimentos que entender necessários o Sr. Perito.
Vide item 6-Conclusões médico-legais.
Conclui o expert que:
O autor apresenta transtorno depressivo leve e dependência química de álcool, que atualmente está controlado e em remissão. Do ponto de vista psiquiátrico, apresenta algumas limitações em seu gesto laboral, contudo não são incapacitantes. Não Apresenta incapacidade laboral, pois não apresenta nenhuma alteração no exame do estado mental. Apresenta carteira de habilitação categoria "D",com permissão de exercer atividade remunerada,válida até 05/09/2017.Refere estar trabalhando de motorista de taxi desde 2013,continuamente.
DID (Data do início da doença): Ano de 2006.
DII (Data de período de Incapacidade):Não apresenta incapacidade do ponto de vista psiquiátrico.
Não merece reparos a sentença prolatada.
A perícia médica atestou que o autor esteve incapacitado entre 2006 e 2007, e que não existe incapacidade atual. Portanto, no período controvertido, entre 2008 e 2011, estava o autor em condições de laborar.
Improcede o pleito recursal de restabelecimento do auxílio-doença e, por corolário lógico, o pleito de concessão de aposentadoria por invalidez.
No que diz com as circunstâncias de fato que cercam a atividade laboral do autor como motorista de táxi, transcrevo o trecho da sentença que bem analisou a questão posta:
Conforme antes relatado, o autor percebeu benefícios de auxílio-doença nos períodos de 2006 a 2007 (benefício nº517.119.553-2) e de 2008 a 2011 (benefício nº525.493.905-9). Em razão de denúncia anônima no sentido de que o autor estaria desempenhando atividade laboral de forma concomitante com o recebimento do benefício nº525.493.905-9, foi instaurado procedimento administrativo e a conclusão da autarquia foi no sentido de que o autor, de fato, estaria trabalhando, como taxista, no mesmo período de gozo do benefício por incapacidade. Consequentemente, foi suspenso o benefício e instaurado procedimento administrativo de cobrança para ressarcimento dos valores reputados pelo INSS como recebidos de forma indevida.
Não houve, pelo que consta dos autos, vício formal no procedimento administrativo, tendo o autor inclusive apresentado defesa/recurso na esfera administrativa. No mérito, a conclusão do INSS baseou-se, fundamentalmente, na conclusão da servidora designada para realizar pesquisa externa, no sentido de que o autor estaria trabalhando como motorista de táxi em um ponto localizado em frente ao fórum da Justiça Estadual de Passo Fundo. Tal conclusão foi baseada em informações de um vizinho do autor e de um taxista que trabalharia no mesmo local do autor. Para melhor compreensão, transcrevo a conclusão da pesquisa externa realizada por servidor do INSS, em 29.08.2008 (evento 55/PROCADM3, p. 26-27):
Em cumprimento a SP 10856372401/001, no dia 29 de agosto de 2008 por volta das 15h foi realizada pesquisa in loco na rua Almirante Barroso, 539, Bairro Petrópolis (endereço indicado para a pesquisa). Neste houve a informação de que o segurado havia se mudado para a rua Julio de Almeida, nº101, no mesmo bairro. A nova residência foi confirmada e nas proximidades desta, o informante que mora no local há mais de 10 anos, disse que conhece o Sr. Altair e que o mesmo reside há aproximadamente um ano neste local com a esposa e dois filhos; que a sua atividade diária é taxista com o Ponto na Rua Gal. Netto, em frente ao Fórum. em prosseguimento, houve o deslocamento até o Ponto de táxi, e o segurado encontrava-se neste, exercendo as atividades anteriormente mencionadas. CONCLUSÃO: Conforme informações obtidas na pesquisa, confirma-se que Altair Zimmermann está exercendo atividades que geram remuneração; loo concomitantes com o benefício de Auxílio-Doença.
No caso, deve ser valorizada a conclusão de tal pesquisa, realizada por servidor da autarquia, especialmente considerando que a prova produzida no curso do feito não foi suficiente para afastar a conclusão de que o autor, de fato, exerceu atividade remunerada de forma concomitante com a percepção de benefício por incapacidade.
[...]
Além disso, não é verossímil a versão dos fatos apresentada pelo autor, no sentido de que frequentava o ponto de táxi indicado como seu suposto local de trabalho apenas em razão da amizade com os taxistas que trabalhavam no local. Em primeiro lugar, não é razoável pressupor ter havido uma denúncia de que o autor estaria trabalhando desprovida de qualquer fundamento, motivada apenas pelo intuito de prejudicar o autor. Em segundo lugar, conforme consta na conclusão da pesquisa externa realizada por servidor da autarquia, duas pessoas confirmaram o fato de que o autor estaria exercendo atividade de taxista. Em terceiro lugar, o autor residia em bairro muito afastado do local do suposto desempenho da atividade como taxista, sendo duvidosa a conclusão de que se deslocava, várias vezes por semana, de sua residência até o centro da cidade para permanecer no local conversando com os taxistas em razão de relação de amizade, especialmente considerando que, pelo que se depreende dos depoimentos colhidos em juízo, não havia prévia relação de amizade entre eles.
O próprio autor, por sua vez, apesar de alegar que não desempenhou atividade laboral de 2007 a 2011, declarou, em seu depoimento pessoal, que por algum tempo trabalhou como taxista "cobrindo folgas" de outros taxistas (evento 133/ÁUDIO2). O autor comprovou, porém, que adquiriu o direito de explorar o ponto de táxi em questão em 10 de abril de 2011 (data do documento anexado ao evento 134/CONTR2). Nesse sentido, o próprio autor declarou que por algum tempo exerceu atividade de taxista apenas substituindo outros motoristas em períodos de folga e, ao mesmo tempo, comprovou que adquiriu o direito de explorar o ponto de táxi em abril de 2011, mesma época do cancelamento do benefício. Assim, do próprio depoimento do autor conclui-se que, de fato, trabalhou como taxista no período em que recebia benefício por incapacidade, já que a partir do cancelamento do benefício adquiriu o direito de explorar o ponto de táxi, passando a trabalhar em seu próprio veículo. Quanto a esta questão, importante referir que a ausência de inscrição do autor como taxista junto à Prefeitura Municipal de Passo Fundo, no período controvertido, não é suficiente para comprovar que o autor não desempenhava tal função, especialmente, no caso, em que o próprio autor declarou que por algum período trabalhou "cobrindo folgas" de outros taxistas.
Conforme antes exposto, os atos administrativos gozam da presunção de legitimidade. No caso, o autor não comprovou ter havido irregularidade no ato de cancelamento de seu benefício. O fato de não haver indicação, na pesquisa externa realizada por servidora da autarquia, do nome dos informantes não prejudica, por si só, a conclusão de tal pesquisa. É compreensível que as pessoas entrevistadas prefiram não se identificar. Importante salientar, ainda, que o julgamento de improcedência não se baseia apenas em tal pesquisa. Conforme já exposto, a prova produzida no curso do feito não foi suficiente para comprovar a regularidade na concessão do benefício, restando este Juízo, ao contrário, convencido de que o autor desempenhou, de fato, atividade remunerada de forma concomitante com a percepção do auxílio-doença.
Resta examinar a questão da dispensa de devolução dos valores percebidos.
Cobrança de valores previdenciários pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para desconto e cobrança de valores indevidamente pagos a título de benefício está prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4 5014634-88.2015.404.7000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21/10/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. No caso em tela, a autora, beneficiária de pensão por morte desde 1969, contraiu novo matrimônio em 1971, ato que levaria à perda da qualidade de dependente pela legislação da época (Decreto 60.501/67, art. 15, VI). Quando requereu a pensão por morte em decorrência do falecimento do novo cônjuge, em 2011, foi informada de que houve pagamento indevido da pensão por morte no período de 40 anos, havendo lançamento do débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. (TRF4, APELREEX 0014099-11.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 08/11/2016)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê das ementas a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com o fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei).
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Assim, ainda que se trate de parcela com nítido caráter alimentar, acaso caracterizada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016).
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Sexta Turma, D.E. 22/04/2010).
Do caso concreto
Nessa quadra, entendo que a instrução processual expôs, se não a má-fé deliberada, com intuito fraudulento, uma atuação do autor reveladora de ausência de boa-fé. Para a versão dos fatos apresentada pelo autor, motorista de ônibus escolar da Prefeitura de Fontoura Xavier, detentor de habilitação categoria "D", desde 2002, que se pode categorizar como motorista profissional, não se pode emprestar verossimilhança. Não é crível esperar que o apelante estivesse com habitualidade ensejadora de denúncia ao INSS, no ponto de táxi somente para conversar com os amigos e, eventualmente, cobrir folgas de taxistas.
Assim, por entender que não restou cabalmente comprovada a boa-fé do requerente, é de ser mantida a sentença que julgou improcedente o pleito declaratório de inexigibilidade de devolução dos valores percebidos em auxílio-doença entre 09/01/2008 a 12/04/2011.
Conclusão
Improvida a apelação.
Decisão.
Assim sendo, voto por negar provimento ao apelo.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Desembargadora Federal
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
Apelação Cível Nº 5006843-18.2013.4.04.7104/RS
ORIGEM: RS 50068431820134047104
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | ALTAIR ZIMMERMANN |
ADVOGADO | : | ALDO BATISTA SOARES NOGUEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 900, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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