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PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE DE CÔNJUGE. SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL NÃO COMPROVADA. INEXISTÊNCIA DE COABITAÇÃO. IRREPETIBILIDADE DO...

Data da publicação: 26/12/2020, 11:01:00

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE DE CÔNJUGE. SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL NÃO COMPROVADA. INEXISTÊNCIA DE COABITAÇÃO. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujuse da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. A inexistência de coabitação, por si só, não tem o condão de desconstituir o vínculo conjugal ou de afastar a convivência marital e o intuitu familiae da relação. Precedentes da Corte. 3. In casu, apesar de não residirem sob o mesmo teto, restou comprovado que o vínculo matrimonial entre a autora e o de cujus não sofreu ruptura até a data do óbito deste, razão pela qual a autora faz jus ao restabelecimento do benefício de pensão por morte do cônjuge desde a data da indevida cessação, não sendo cabível, outrossim, a cobrança, pelo INSS, dos valores já recebidos a tal título. (TRF4, AC 5000040-83.2018.4.04.7220, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 18/12/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000040-83.2018.4.04.7220/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: LISETE MARIA DA SILVA SCHNEIDER (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença, publicada em 20/09/2018 (e.31.1), que julgou improcedente ação objetivando o restabelecimento do benefício de pensão por morte n. 155.633.004-6 a contar da data da cessação administrativa (01/09/2017), bem como fosse declarada indevida a restituição dos valores pagos a tal título.

Sustenta, em suma, que foi casada com o de cujus desde 17/12/1981 até a data do falecimento deste (12/01/2012), período durante o qual a convivência matrimonial foi mantida, o que teria restado plenamente comprovada nos autos, assim como sua dependência econômica em relação ao falecido. Em virtude disso, alega ter sido indevida a cessação do benefício de pensão por morte e incongruente a cobrança dos valores já recebidos a tal título de boa-fé. Pede, pois, o provimento do apelo, para que seja reformada a sentença de improcedência (e.40.1).

Com as contrarrazões do INSS (e.43.1), vieram os autos a esta Corte.

Nesta instância, foi determinada a conversão do julgamento em diligência, a fim de que fosse realizada prova oral (e.3.1).

Os autos retornaram à origem, tendo a autora arrolado testemunhas.

Diante da impossibilidade de realização de atos presenciais nos prédios da Justiça Federal até 31/07/2020, em virtude da pandemia da Covid-19, a julgadora a quo determinou a realização da prova oral por meio de videoconferência, pela plataforma do site www.zoom.us (e.49.1).

A prova oral foi realizada, nos moldes determinados pela juíza a quo, em 13/07/2020 (e.76.1/3) e em 23/09/2020 (e.104.1/2), tendo sido ouvidas a autora e três testemunhas (Maria Eli Bueno Bairros, Joyce Correia de Melo Camatini e Jussara Luz Bobato).

O INSS foi intimado dos atos realizados, tendo renunciado ao prazo para se manifestar (e.81.1 e e.109.1).

É o relatório.

VOTO

Na presente ação, ajuizada em 26/01/2018, a autora postula o restabelecimento do benefício de pensão por morte do cônjuge n. 155.633.004-6, que recebeu no período de 12/01/2012 a 01/09/2017, e a declaração de irrepetibilidade dos valores já recebidos a tal título no período de 11/07/2012 a 31/07/2017.

Extrai-se dos autos que, após denúncia anônima de que a autora estaria separada de fato de seu cônjuge e residiria há muitos anos no Estado de Santa Catarina, o INSS, por meio da Agência da Previdência Social de Giruá/RS, determinou, em 22/03/2012, a realização de pesquisa, a qual consistiu em conversa "com a moradora da frente da casa onde morou o Sr. Luiz Carlos Schneider, no número 54, disse que conheceu o Sr. Luiz Schneider, que o mesmo estava separado da esposa há muitos anos, não soube precisar exatamente o período em que morou sozinho, a esposa morava em Santa Catarina. Disse ainda que após o Sr. Luiz ter falecido, os filhos venderam o imóvel". A referida pesquisa foi homologada no sentido de que teria restado comprovada a separação do casal (e.1.6, fls. 62/64).

Na sequência, através do Ofício n. 306, de 18/11/2013, o INSS comunicou à demandante que havia sido identificado indício de irregularidade na concessão do seu benefício de pensão por morte, tendo sido facultado prazo para apresentação de defesa ou provas. A irregularidade consistiria "na constatação de que estaria separada de fato de Luiz Carlos Schneider" (e.1.6, fl. 74).

O processo administrativo seguiu seu trâmite e, em 08/12/2016, foi determinada, por meio da Agência da Previdência Social de Tijucas/SC, a realização de nova pesquisa, a qual consistiu em conversas com a vizinha do lado da casa da autora (Srª Joice, agente comunitária, residente há 7 anos no local), com a Srª Roseli e com a Srª Alfreda (agente comunitária de saúde), as quais informaram "ter certeza que a Srª Lizete era separada do esposo antes do óbito do mesmo, inclusive que ele residia no Rio Grande do Sul. Que ela já estava separada de fato quando veio residir em Tijucas há cerca de 8 a 9 anos. que atualmente reside sozinha e que a filha mora em outra casa na mesma rua". A referida pesquisa foi homologada no sentido de que teria sido confirmada a separação de fato em período imediatamente anterior ao óbito do segurado (e.1.6, fls. 113/115).

Após, o INSS, por meio do Ofício/MOB n. 181, de 31/08/2017, o INSS comunicou à demandante que a defesa apresentada foi julgada insuficiente e, em virtude disso, o benefício foi suspenso por constatação de fraude, tendo sido facultado à autora prazo para apresentação de recurso à Junta de Recursos da Previdência Social. Além disso, foi comunicado que seriam cobrados os valores recebidos indevidamente no período de 11/07/2012 a 31/07/2017, os quais perfaziam, na ocasião, o montante de R$ 65.384,92 (e.1.5).

Na sentença, o julgador a quo julgou improcedente a ação, pelos seguintes fundamentos:

"A causa da cessação administrativa do benefício de pensão por morte (NB 21/155.633.004-6) foi a constatação de irregularidade na sua concessão, tendo em vista a constatação de que a requerente já estaria separada de fato há vários anos do segurado instituidor.

A irregularidade foi descoberta por meio de pesquisa externa junto aos vizinhos do segurado falecido, realizada em 30/08/2017. A partir dela, o INSS obteve informações de três vizinhas, as quais informaram ter certeza de que a requerente era separada do esposo antes do óbito; que ela já estava separada de fato quando foi residir em Tijucas/SC há cerca de 8 anos; que ela reside sozinha e a filha mora em outra casa na mesma rua (Ev. 18 - RESPOSTA2 - fls. 18/9).

Diante desses fatos, instaurou-se procedimento de apuração de irregularidade, no qual, após oportunizado o contraditório e a ampla defesa, restou apurado que a parte ré não possuía direito ao benefício de pensão por morte, tendo em vista que, na época do falecimento do instituidor, o casal estava separado de fato há aproximadamente 3 (três) anos antes do óbito, considerando o tempo de residência da requerente no município de Tijucas/SC (fls. 29).

No processo administrativo, a parte ré foi intimada para apresentar defesa e recurso administrativo, tendo apresentado documentos em forma de defesa, que foram considerados insuficientes para demonstrar a dependência (fls. 27).

Nestes autos, da mesma forma, a própria parte autora admite ter se mudado com a filha para o estado de Santa Catarina para acompanhá-la em seus estudos, permanecendo o instituidor no Rio Grande do Sul até seu óbito.

De fato, a análise dos documentos apresentados não permite concluir efetivo convívio marital da parte autora com o segurado instituidor até a data do óbito, nem mesmo recebimento de pensão de alimentos. É que a maior parte dos documentos foram emitidos após o óbito, enquanto outros nem data possuem.

Ademais, dada a ausência de documentação confirmatória da dependência econômica da parte autora, ganha ainda mais relevância o depoimento de 3 (três) testemunhas vizinhas do segurado falecido, assegurando que o mesmo estava separado de fato há aproximadamente 8 anos.

Por fim, ressalta-se com grande importância que a parte autora sequer propôs a constituição de prova oral que pudesse subsidiar os já limitados elementos de prova material anexado nos autos.

Assim, pois, tenho que a parte autora não conseguiu demonstrar ter efetivamente direito ao benefício de pensão por morte, não tendo apresentado indícios consistentes de prova no sentido de que, nada obstante ser casada com o falecido, mantinha a união conjugal quando do falecimento.

Com efeito, a parte autora percebeu indevidamente o benefício de pensão por morte, já que estava separada de fato do instituidor e dele não recebia pensão alimentícia.

Dispõe o art. 103-A da Lei 8.213/91:

Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Assim, a administração previdenciária pode revisar os benefícios da forma desfavorável ao segurado, desde que observe o prazo decadencial.

Da mesma forma, os valores pagos a maior podem ser descontados do próprio benefício previdenciário, na forma do art. 115, inciso II, da Lei 8.213/91:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

II - pagamento de benefício além do devido;

No entanto, a cobertura previdenciária é direito social - art. 6º da Constituição da República - e os benefícios previdenciários têm caráter alimentar.

Nesse contexto, caso o pagamento ocorra por erro da administração, para o qual o segurado ou beneficiário não contribuiu, a segurança jurídica torna inexigível a devolução dos valores pagos indevidamente. O próprio Tribunal de Contas da União sumulou entendimento nesse sentido:

Súmula 249. É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

Diante disso, tem-se que a parte autora pode ser compelida a repetir os valores recebidos indevidamente, uma vez que é incabível a devolução dos valores pagos indevidamente somente quando o equívoco resulta de erro administrativo e a quantia é recebida de boa-fé pelo beneficiário, o que não se verificou nesse caso, de acordo com a interpretação das provas feita no processo administrativo e nestes autos.

A respeito do tema, a Turma Nacional de Uniformização orienta que "não se deve exigir a restituição dos valores que foram recebidos de boa-fé pelo beneficiário da Seguridade Social em decorrência de erro administrativo" (TNU, PU 2004.81.10.026206-6, Re. José Antonio Savaris, DJ 25.11.2011).

Outro não é o entendimento do TRF da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. DESCONTO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. O pagamento a maior, decorrente de erro da autarquia previdenciária, não tendo sido comprovado qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte da segurado, impede a repetição dos valores pagos, tendo em vista seu caráter alimentar.

(TRF4, AG 5014059-02.2013.404.0000, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, D.E. 09/08/2013) - destaquei.

Entretanto, o caso vertente não se enquadra na situação posta na jurisprudência supracitada. Isto porque, a irrepetibilidade dos valores tem lugar quando presente a boa-fé da parte beneficiada pelo recebimento indevido, o que não é o caso, em que a requerida, voluntariamente, omitiu ao postular o benefício no INSS que estava separada de fato do instituidor e com isso passou a receber o benefício.

Nessa esteira:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CANCELADO. FRAUDE CONSTATADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DO BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ COMPROVADA.RESTITUIÇÃO DEVIDA. 1. Os valores pagos a título de benefício cancelado, diante da constatação de fraude na sua concessão, devem ser restituídos pelo segurado. 2. Embora o benefício previdenciário tenha caráter alimentar, nos casos em que demonstrada a má-fé do segurado para sua concessão fraudulenta é permitida a sua devolução. 3. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado, pois comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável. (TRF4, AC 5000504-90.2011.404.7208, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Ezio Teixeira, D.E. 09/05/2013) - destaquei.

EMBARGOS INFRINGENTES.. BENEFÍCIO OBTIDO MEDIANTE FRAUDE. PAGAMENTOS INDEVIDOS. OBRIGAÇÃO DE DEVOLVER. 1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003. 2. Constatada a fraude na obtenção do benefício, é devida a devolução dos correspondentes valores. (TRF4, EINF 5000227-74.2011.404.7208, Segunda Seção, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 16/04/2013) - destaquei.

Ainda que se alegue eventual hipossuficiência e desconhecimento da legislação concernente ao benefício, é intuitivo que a parte autora tivesse ciência de que o benefício não seria devido a partir do momento em que declarasse não mais manter sua união conjugal com o segurado falecido.

Por todo o exposto, analisando a respeito das irregularidades na concessão do benefício, conclui-se efetivamente pela sua existência.

Assim, inexistindo a boa-fé da parte requerida, resulta afastado o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, devendo prevalecer o princípio da vedação do enriquecimento ilícito, com a obrigação de devolver os valores que foram pagos indevidamente a título de aposentadoria por tempo de contribuição."

Entendo que a sentença merece ser revista.

A tese defendida pela apelante é a de que viveu maritalmente com o esposo, Luiz Carlos Schneider, desde a data do casamento, em 1981, até a data do falecimento deste, em 2012. Disse que o casal e seus três filhos (Luiz Carlos, Maicon e Maiara) residiam no Estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Giruá, mas, à medida em que os filhos iam crescendo, saíam de casa para estudar fora do Estado. Isso aconteceu, primeiramente, com o filho Luiz Carlos, que foi estudar em Curitiba; depois, com o filho Maicon e, por último, com a filha Maiara, que, em 2009, foi cursar Administração na Universidade do Vale de Itajaí/SC (UNIVALI), o que motivou a sua mudança para a cidade de Tijucas/SC, no que foi acompanhada pela demandante. De outro lado, ressaltou que o falecido era agricultor e motorista de caminhão e passava muitos dias fora de casa, o que sempre ensejou muitos boatos e fofocas, por se tratar de cidade pequena. No entanto, sempre que podia, Luiz Carlos ia visitar a família em Tijucas, nunca tendo deixado de prover o sustento de toda a família.

Pois bem.

A autora trouxe aos autos diversos documentos, com o fito de comprovar que permaneceu casada e convivendo maritalmente com seu esposo até a data do falecimento deste, dentre os quais destaco (e.1.6):

a) certidão de casamento da autora e do de cujus, realizado em 17/12/1981, na qual não constam averbações de separação ou de divórcio do casal (fl. 14);

b) certidão de óbito de Luiz Carlos Schneider, na qual consta que era casado com a autora - a qual foi a declarante do documento -, residia em Giruá/RS, faleceu em 12/01/2012 na Associação Hospitalar Caridade Santa Rosa, na cidade de Santa Rosa/RS, devido a parada cardiorrespiratória, insuficiência renal aguda, cirrose hepática e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, tendo deixado a esposa e três filhos havidos no matrimônio (Luiz Carlos, Maicon e Maiara) - fl. 15;

c) declaração, com data de 22/11/2013, do proprietário do imóvel residencial localizado na Rua Coronel Buchelle, nº 10, apto. 04, em Tijucas /SC, de que o aluguel do referido imóvel, locado no período de 02/2005 a 11/2009, era pago por Luiz Carlos Schneider (fl. 95);

d) declaração da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Campus Tijucas, com data de 22/11/2013, de que Maiara Luana Schneider é aluna do curso de Administração-Tijucas, com ingresso no 1º semestre de 2009, nunca tendo sido reprovada em qualquer disciplina (fl. 96);

e) mensagem impressa de agradecimento da família pelas presenças no funeral de Luiz Carlos Schneider, assinada por Luiz Carlos, Maicon, Maiara, neto Gabriel e Lizete (fl. 97);

f) recibo em nome da autora, com data de 13/01/2012, relativo ao pagamento dos serviços do funeral de Luiz Carlos Schneider (fl. 98);

g) contrato de promessa de compra e venda de uma fração de terras com área de 50,7 hectares, localizada no município de Giruá/RS, com data de 13/09/2007, no qual constam, como vendedores, o falecido Luiz Carlos e sua mulher, Lisete Maria da Silva Schneider, residentes em Giruá/SC (fls. 99/102);

h) escrituras públicas declaratórias, lavradas em 25/11/2013, nas quais os declarantes Bento Ferreira da Luz, Maria Eli de Bairros Londero e Maria Irene Zimmermann declararam, em suma, que conviveram por muitos anos com a famíla da autora e do de cujus; que nunca houve separação do casal; que a autora somente foi morar em Santa Catarina para acompanhar a filha Maiara, que estava estudando na UNIVALI; que Luiz era caminhoneiro e visitava a família em Santa Catarina sempre que tinha condições; que Luiz era o responsável pelas despesas da família, inclusive pelo aluguel em Santa Catarina; a declarante Maria Eli, que reside há mais de 30 anos em frente à casa na qual a família morava, disse, ainda, que nunca recebeu qualquer pesquisa de funcionários do INSS e jamais deu qualquer declaração sobre a rotina do casal; a declarante Maria Irene Zimmerman (irmã do falecido) disse, ainda, que Lizete acompanhou seu irmão durante todo o período em que ele esteve internado antes de falecer (fls. 90, 91 e 93).

De outro lado, na prova oral, realizada nos dias 13/07/2020 (e.76.1/3) e 23/09/2020 (e.104.1/2), por meio de videoconferência, foram ouvidas a autora e três testemunhas (Maria Eli Bueno Bairros, Joyce Correa de Melo Camatini e Jussara Luz Bobato), sendo que a testemunha Maria Irene Zimmermann "havia conseguido conexão na reunião mas, na hora do depoimento caiu a conexão da testemunha, e não voltou mais, não temos conseguido nem mesmo contato por telefone".

A autora, em seu depoimento pessoal, afirmou que se casou com Luiz Carlos em 1981, após sete anos de namoro, e que permaneceram casados e convivendo maritalmente até a data do falecimento deste, em 2012. Disse que moravam em Giruá, mas mudou-se para Tijucas/SC para acompanhar, primeiramente, o filho Luiz Carlos, que foi fazer faculdade em Curitiba/PR; após, a filha Maiara foi fazer faculdade em Tijucas; que o marido não se mudou para Tijucas, porque tinha terras em Giruá, microempresa e caminhão, mas sempre vinha para Tijucas quando podia; que Luiz Carlos vinha aproximadamente uma vez por mês e sempre foi muito presente na vida de todos; que a autora e o marido se falavam todos os dias; que nunca se separaram; que, quando Luiz Carlos precisou ser internado, o que ocorreu duas vezes, a autora foi acompanhá-lo; que o filho mais velho também acompanhava o pai; que Luiz Carlos sempre sustentou a família; que, antes de falecer, Luiz Carlos havia decidido mudar-se em definitivo para Tijucas.

A testemunha Maria Eli Bueno Bairros disse que mora em frente à casa na qual a família da autora morou em Giruá; afirmou que a autora e o falecido permaneceram casados até a data do óbito; que, quando os filhos foram estudar em outro Estado, a autora achou melhor acompanhá-los; que, como falecido era agricultor, ficou em Giruá; que o falecido sempre ia para Tijucas e ela vinha para Giruá; que nunca soube de nenhum outro relacionamento do falecido.

A testemunha Joyce Correia de Melo Camatini afirmou ser vizinha da autora, em Tijucas, há aproximadamente 10 anos e, nesse período, testemunhou que a autora morava com a filha Maiara; que não sabe onde o esposo da autora morava nem o que fazia; que a família era bem unida, fazia festas.

A testemunha Jussara Luz Bobato disse que conhece a autora há aproximadamente 30 anos de Giruá e que tambpem conheceu seu marido; que, em 1997, veio morar em Santa Catarina; que Lizete veio bem depois, com os filhos, para eles estudarem; que Luiz Carlos vinha para Santa Catarina, ficava um tempo e depois voltava, pois tinha coisas para resolver em Giruá antes de vir em definitivo; que o casal nunca esteve separado; que ele chegou a trazer a mudança; que ele ajudava a autora "como marido", normal; que o casal vivia muito bem; que o falecido sustentava a casa; que ele vinha de 15 em 15 dias, mas, em épocas de colheita, apenas uma vez ao mês; que Luiz era agricultor no Rio Grande do Sul; que, para a família, nunca houve separação do casal; que nunca ouviu comentário nesse sentido.

Analisando o conjunto da prova produzida nos presentes autos, entendo ter restado comprovado que o vínculo matrimonial entre a autora e seu esposo não sofreu ruptura até a data do falecimento deste.

Com efeito, o fato de residirem em Estados diferentes nos últimos anos que antecederam o óbito não significa que estivessem separados de fato, pois todas as testemunhas ouvidas em juízo declararam que o casal nunca se separou, e que a mudança da autora para o Estado de Santa Catarina deu-se, única e exclusivamente, porque o casal entendeu que seria melhor que a autora acompanhasse os filhos que lá foram estudar, em especial a filha Maiara. As testemunhas disseram, outrossim, que o de cujus tinha a intenção de mudar-se definitivamente para Tijucas/SC, mas que, antes, precisava organizar e/ou encerrar suas atividades em Giruá/RS, o que é perfeitamente compreensível, e que, durante o período em que residiram em cidades diferentes, Luiz Carlos visitava, com frequência, a esposa e os filhos, suprindo-lhes todas as necessidades.

Vale ressaltar que, segundo as testemunhas, foi a autora quem acompanhou Luiz Carlos em sua última internação, quando este ficou muito mal, tendo sido, inclusive, a declarante em sua certidão de óbito.

Portanto, não há qualquer evidência de que, na época do óbito, a autora e o falecido Luiz Carlos estivessem separados de fato ou tivessem qualquer intenção de separar-se, sendo que a circunstância de não residirem sob o mesmo teto - perfeitamente explicada na hipótese dos autos -, por si só, não tem o condão de desconstituir o vínculo conjugal ou de afastar a convivência marital e o intuitu familiae da relação, como, aliás, é reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.

Registro, por oportuno, que, paralelamente à presente ação previdenciária, tramita, na 1ª Vara Federal de Itajaí/SC, ação criminal ajuizada pelo MPF em face da autora (n. 5009882-26.2018.4.04.7208/SC), tendo sido solicitado, no e.82.1, autorização para acesso e utilização, como prova emprestada, do conteúdo integral do presente processo naqueles autos, o que foi deferido (e.97.1).

Ora, no referido processo criminal, foi realizada audiência em 17/07/2020 (e.86.1/6), com o interrogatório da autora e a oitiva de quatro testemunhas (Jussara Luz Bobato, Maria Eli Bueno Bairros, Joyce Correia de Melo Camatini e Maria Irene Zimmermann) - as mesma arroladas nos presentes autos.

De todo o exposto, merece acolhida a apelação da parte autora, para que o benefício de pensão por morte seja restabelecido desde a data da indevida cessação (01/09/2017), com a consequente declaração de inexigibilidade da cobrança dos valores recebidos a tal título no período de de 11/07/2012 a 31/07/2017.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).

Implantação do benefício

Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.

Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.

Conclusão

Reforma-se a sentença, para condenar o INSS ao restabelecimento do benefício de PENSÃO POR MORTE desde a DCB (01/09/2017) e declarar a inexigibilidade da cobrança dos valores recebidos a tal título no período de 11/07/2012 a 31/07/2017.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar o imediato restabelecimento do benefício.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001508756v65 e do código CRC 6cf7d132.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
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5000040-83.2018.4.04.7220
40001508756.V65


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000040-83.2018.4.04.7220/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: LISETE MARIA DA SILVA SCHNEIDER (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. restabelecimento de PENSÃO POR MORTE DE Cônjuge. separação de fato do casal não comprovada. inexistência de coabitação. irrepetibilidade dos valores recebidos a título de pensão por morte.

1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujuse da condição de dependente de quem objetiva a pensão.

2. A inexistência de coabitação, por si só, não tem o condão de desconstituir o vínculo conjugal ou de afastar a convivência marital e o intuitu familiae da relação. Precedentes da Corte.

3. In casu, apesar de não residirem sob o mesmo teto, restou comprovado que o vínculo matrimonial entre a autora e o de cujus não sofreu ruptura até a data do óbito deste, razão pela qual a autora faz jus ao restabelecimento do benefício de pensão por morte do cônjuge desde a data da indevida cessação, não sendo cabível, outrossim, a cobrança, pelo INSS, dos valores já recebidos a tal título.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar o imediato restabelecimento do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001508757v4 e do código CRC d33003b8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 18/12/2020, às 14:31:34


5000040-83.2018.4.04.7220
40001508757 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020

Apelação Cível Nº 5000040-83.2018.4.04.7220/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: LISETE MARIA DA SILVA SCHNEIDER (AUTOR)

ADVOGADO: SAMARA TESTONI DESTRO (OAB sc036027)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 590, disponibilizada no DE de 30/11/2020.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR O IMEDIATO RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:00:59.

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