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PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AUXÍLIO-DOENÇA. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. TRF4. 5002838-39.2016.4.04.7009...

Data da publicação: 24/12/2021, 07:01:21

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AUXÍLIO-DOENÇA. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. 1. A restituição de valores pagos indevidamente está sujeita a prazo prescricional e não a decadencial. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A imprescritibilidade não abrange os ilícitos civis em geral, apenas ilícitos penais ou de improbidade administrativa. 4. À restituição dos valores indevidamente recebidos aplica-se o prazo prescricional de cinco anos. Na hipótese, as parcelas em referência estão fulminadas pelo prazo prescricional, porquanto, sob qualquer ângulo que se examine, transcorrido o prazo quinquenal. (TRF4, AC 5002838-39.2016.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 16/12/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002838-39.2016.4.04.7009/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: JOAO ALVES DE ALBUQUERQUE (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo INSS em face de JOÃO ALVES DE ALBUQUERQUE objetivando o ressarcimento de valores indevidamente pagos a título de auxílio-doença.

Sobreveio sentença julgando a lide nos seguintes termos:

Ante o exposto, pronuncio a prescrição da pretensão da parte autora, julgando extinto o processo com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso II, do Novo Código de Processo Civil.

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, conforme previsão do art. 85 do NCPC, que deverá ser corrigido monetariamente desde a data do ajuizamento da ação, até a data do efetivo pagamento.

Sem custas, em face da isenção legal prevista ao INSS pelo artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.

Defiro à parte ré os benefícios da assistência judiciária gratuita, conforme requerido em contestação (evento 8), nos termos do art. 98 do NCPC. Anote-se.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, por ser o direito controvertido de valor certo inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, nos termos do artigo 496, parágrafo 3º, inciso I, do NCPC.

Acolhidos os embargos de declaração do INSS apenas para sanar a omissão apontada, mantendo o resultado do julgamento.

O INSS apela. Em suas razões, sustenta que há distinção entre os institutos da decadência e da prescrição, os quais não devem ser confundidos. Aduz que o prazo decadencial é de dez anos e o prazo prescricional é quinquenal. Refere que a cobrança ocorreu dentro do prazo prescricional, sendo legítima. Pontua que comprovado o recebimento de proventos pelo réu e que a natureza alimentar do benefício não impede sua cobrança, estando demonstrada a má-fé. Assevera que é devido o ressarcimento ao erário, sob pena de enriquecimento sem causa.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

O processo estava sobrestado em razão do REsp 1381734/RN, Tema 979, o qual foi julgado em 23/04/2021.

É o relatório. Peço dia.

VOTO

Conforme exposto na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de João Alves de Albuquerque, objetivando a condenação deste a restituição de valores supostamente recebidos indevidamente, a título de benefício previdenciário de auxílio-doença NB 136.491.585-2, entre novembro/2004 a novembro/2008, quando o réu supostamente teria exercido concomitante trabalho remunerado.

PRELIMINAR

DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO

A sentença, proferida pela MM. Juíza Federal Tani Maria Wurster (ev. 42), assim versou sobre a questão:

2.1. da Prescrição

Primeiramente, é necessário analisar a viabilidade da cobrança dos valores recebidos sob o enfoque da prescrição.

Cumpre esclarecer que a ocorrência da fraude ou má-fé tem o condão de afastar a decadência, mas não a prescrição. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. FRAUDE. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

1. Caracterizada fraude e má-fé, não se cogita de decadência do direito ao desfazimento do ato por parte da Administração Pública. Isso, a propósito, está consagrado nos arts. 54 da Lei 9.784/99 e 103-A da Lei de Benefícios.

2. Não há se confundir, todavia, decadência do direito à revisão do ato com prescrição para cobrança de valores recebidos indevidamente.

3. A Fazenda Pública sempre teve prazo prescricional de cinco anos em seu favor no que toca às dívidas passivas (Dec. 20.910/32 - no caso do INSS especificamente, CLPS, art. 98, e Lei 8.213/98, art. 103). Assim, a despeito de não ocorrer a decadência para desfazimento do ato concessório nos casos de fraude/má-fé, isso não afasta a ocorrência de prescrição, até porque a existência de créditos imprescritíveis atenta contra o princípio da segurança jurídica.

5. Como há e sempre houve prazo prescricional em favor da Fazenda Pública, só se pode concluir que também há e sempre houve prazo prescricional em favor do particular. E certamente não se deve aplicar à hipótese o prazo prescricional genérico atinente às ações pessoais, o qual, segundo o artigo 177 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, era de 20 anos (no Código Civil atual o prazo geral de prescrição é de dez anos - art. 205 -, sendo de três anos o prazo aplicável às pretensões de ressarcimento de enriquecimento sem causa - art. 206, § 3º, IV). Assim, em se tratando de débitos de particulares para com a Fazenda Pública, deve ser aplicado, por uma questão de simetria e isonomia, o mesmo prazo prescricional previsto para as dívidas passivas desta última.

(TRF4, AC, Processo 2005.04.01.020213-2, TRF 4ª Região, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 11/10/2007)

De outro lado, o § 5º do artigo 37 da Constituição Federal, é claro ao estabelecer como imprescritíveis as ações de ressarcimento de prejuízos ao erário causados por ilícitos praticados por agente, servidor ou não. Ensina o professor Uadi Lammêgo Bulos, na obra Constituição Federal anotada (8ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 681 e 692), que:

A Constituição passada falava em 'funcionário público'. O Texto atual foi mais técnico, referindo-se a 'agente público'. Seja como for, num caso ou noutro, a manifestação constituinte originária pretendeu englobar todos quantos exerçam a função pública, seja em caráter permanente ou não (STF, RDA, 33:84; RT, 234:410).

'Agente público', pois, é termo amplo. Abrange todos que colaboram, de um modo ou de outro, para o funcionamento dos Serviços Públicos, v. g., presidente da República, ministros de Estado, membros do Parquet, dos Tribunais de Contas, dos Tribunais Superiores de Segundo Grau e do Legislativo. A razão é simples: todos são investidos em funções públicas. (...)

Agente Público é toda pessoa física investida numa função estatal encarregada de prestar serviços ao Poder Público.

Como no caso concreto não houve demonstração de que o beneficiário exercesse funções públicas (extrai-se dos autos que não é definitivamente o caso), inaplicável a imprescritibilidade do art. 37, § 5º, da Constituição Federal.

Nada obstante não exista previsão legal de prazos prescricionais da Administração contra o administrado, tem-se entendido aplicável, por analogia, o prazo das ações deste em face daquela. Assim, considerado o regramento conferido pela Lei n. 8.213/91 à prescrição da pretensão dos segurados ao recebimento de prestações devidas pela Previdência Social, e que se tratam de verbas da mesma natureza, nada mais equânime do que a incidência da mesma norma a condicionar a certo lapso prescricional o exercício da pretensão da Administração Previdenciária em reaver valores pagos indevidamente a estes mesmos segurados.

Tal dispositivo está inscrito no parágrafo único, do artigo 103 da mencionada lei, que consigna: "Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil."

Destarte, sujeita-se a Autarquia Previdenciária, em respeito ao princípio da isonomia, ao prazo de cinco anos para postular a repetição dos valores pagos aos segurados e seus dependentes, em caso de pagamento indevido.

A mesma razão que justifica a aplicação da referida norma ao caso em análise impõe a consideração do entendimento assentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça em sua súmula n. 85, no sentido de que "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação'.

Mister ainda salientar que o processo administrativo interrompe a prescrição e também impossibilita seu curso durante a tramitação do processo, conforme dispõe o art. 4º do Decreto 20.910/1932, que prescreve:

Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.

Ainda, nos termos do parágrafo único do art. 202 do Código Civil, "a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper".

Por fim, dispõe o Decreto 20.910/1932, em seu art. 9º, que a prescrição contra a Fazenda Pública, uma vez interrompida, volta a correr pela metade do prazo, ou seja, por dois anos e meio.

A fim de evitar um prejuízo maior à parte diligente, que ficaria com prazo menor que o inicial caso a regra fosse aplicada sem filtro, o STF editou a Súmula 383, que dispõe:

A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo.

Deve, portanto, para cada parcela, ser feita a seguinte análise:

a) se a interrupção ocorreu a partir da metade do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, contam-se mais dois anos e meio, tal como determina o art. 9º do Decreto 20.910/1932;

b) caso a interrupção da prescrição tenha ocorrido antes da metade do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, conta-se a diferença que faltava para atingi-lo.

No caso em análise, o marco inicial da prescrição ocorreu no pagamento do benefício que in thesis não era devido (datas dos respectivos pagamentos: evento 1 - PROCADM2, p. 90/91).

Por outro lado, a interrupção da prescrição deu-se com a instauração do processo administrativo para apurar a suposta irregularidade no recebimento do benefício. É possível verificar que o início da investigação administrativa ocorreu no ano de 2009, quando o INSS, ao constatar que o réu não apresentava condições de saúde para exercer atividades laborativas no período que antecedeu a concessão do benefício (período este que lhe garantiu o preenchimento do requisito da qualidade de segurado), promoveu pesquisa de campo para apurar se realmente houve desenvolvimento de trabalho pelo segurado (evento 1 - PROCADM2, p. 2 e p. 22/26), com posterior emissão de ofício de defesa em 02/10/2009 (evento 1 - PROCADM2, p. 36/37).

Desde então até o término do procedimento administrativo de investigação de irregularidades e apuração do débito, não deve correr o prazo prescricional, nos termos do já exposto acerca do art. 4º do Decreto 20.910/1932.

Segundo consta dos autos, o término do processo administrativo ocorreu no ano de 2010, com a emissão de relatório conclusivo individual pela APS, em 17/09/2010, pelo qual se concluiu, diante da apuração realizada, que o benefício de auxílio-doença NB 136.491.585-2 foi concedido irregularmente, propondo-se o encaminhamento do procedimento à Procuradoria Federal Especializada para análise da possibilidade de inscrição do débito em dívida ativa (evento 1 - PROCADM2, p. 69/70). Observo, ainda, que após parecer da Procuradoria Federal nesse sentido, datado de 11/11/2010, (evento 1 - PROCADM2, p. 71/73), foi determinado o encaminhamento ao MOB para as providências cabíveis em relação à cobrança do débito (evento 1 - PROCADM2, p. 73).

Observo, outrossim, que a posterior inscrição dos valores em dívida ativa, ocorrida em 01/06/2011 (evento 1 - PROCADM2, p. 92/104) não sinaliza o termo final do processo administrativo, uma vez que, no caso, além de não constituir uma via adequada de cobrança, no momento da inscrição a investigação da suposta irregularidade já se encontrava devidamente finalizada.

Pois bem. Conforme consta dos autos, o réu esteve em benefício de auxílio-doença (NB 136.491.585-2) entre as competências 11/2004 e 11/2008, que lhe foi pago mensalmente no intervalo de 14/12/2004 a 05/12/2008 (evento 1 - PROCADM2, p. 90/91).

Assim sendo, considerando que a última parcela recebida pelo réu refere-se ao ano de 2008 e que o processo administrativo de apuração da suposta irregularidade, o qual fez interromper o prazo prescricional, finalizou em 2010, verifica-se que todas as parcelas reclamadas foram fulminadas pela prescrição, uma vez que entre o término do processo administrativo (2010) e a data do ajuizamento desta ação (29/04/2016) transcorreu prazo superior a 5 anos.

Ainda que se considere o termo final da apuração administrativa de irregularidade a data do segundo relatório conclusivo individual, emitido em 07/04/2011 (evento 1 - PROCADM2, p. 85/88), as parcelas igualmente estariam prescritas, uma vez que dessa data até o ajuizamento da ação (29/04/2016) também houve o decurso de prazo superior a 5 anos.

Não obstante o ajuizamento de Execução Fiscal sob nº 5002666-73.2011.4.04-7009 , em 29/06/2011 (evento 1 - PROCADM2, p. 105), verifica-se nos termos do artigo 202 do Código Civil que a interrupção da prescrição somente ocorre uma vez ("a interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez ...").

Deste modo, a interrupção da prescrição, no caso dos autos, deu-se tão somente no período do trâmite do procedimento administrativo de investigação de irregularidade e apuração do débito.

Destarte, impõe-se reconhecer a ocorrência de prescrição da pretensão aduzida.

Anoto, por fim, que não há que se falar em decadência, uma vez que a revisão administrativa do benefício foi processada dentro do prazo decadencial previsto no art. 103-A da Lei 8.213/1991.

Pois bem. O direito da Autarquia em anular seus atos sujeita-se ao prazo decadencial, salvo quando verificada a má-fé do segurado, o que, consoante se verificará, não ocorreu na espécie.

A restituição de valores pagos indevidamente, contudo, está sujeita a prazo prescricional e não decadencial. Com efeito, decadência existe para a desconstituição de ato administrativo dos quais decorram efeitos favoráveis aos seus destinatários, como bem pontuado na sentença. Quanto aos valores pagos em decorrência deste ato, o que pode atingir a pretensão do credor é a prescrição.

Aliás, veja-se:

PREVIDENCIÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. MÁ-FÉ DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO. 1. A possibilidade de o INSS rever e anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais (buscando ou não a devolução de valores percebidos indevidamente) é consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (artigo 53 da Lei nº 9.784/99 e art. 103-A, da Lei nº 8.213/91, introduzido pela Lei nº 10.839/04). 2. No caso, restou comprovada a má-fé na concessão do benefício, com a contribuição direta do beneficiário para o equívoco administrativo. 3. Sujeita-se a Autarquia Previdenciária, em respeito ao princípio da isonomia, ao prazo de cinco anos, contados da data em que efetivamente pagas as prestações, para postular a repetição dos respectivos valores, em caso de pagamento indevido. (TRF4, AC 5004044-03.2016.4.04.7005, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 17/09/2021)

A pretensão do INSS de ressarcimento em razão de valores pagos indevidamente não é imprescritível. A imprescritibilidade a que alude o art. 37, § 5º da CF/88, não abrange os ilícitos civis em geral apenas ilícitos penais ou de improbidade administrativa, a matéria foi decidida através do Tema STF nº 666:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 669069, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03-02-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016)

Do voto do Ministro Relator destaco:

3. Em suma, não há dúvidas de que o fragmento final do § 5º do art. 37 da Constituição veicula, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio público. Esse sentido deve ser preservado.

Todavia, não é adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado, ou limitado apenas pelo (a) conteúdo material da pretensão a ser exercida - o ressarcimento - ou (b) pela causa remota que deu origem ao desfalque no erário - um ato ilícito em sentido amplo. O que se mostra mais consentâneo com o sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, afirmando como tese de repercussão geral a de que a imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais.

(...)

A pretensão de ressarcimento, bem se vê, está fundamentada em suposto ilícito civil que, embora tenha causado prejuízo material ao patrimônio público, não revela conduta revestida de grau de reprovabilidade mais pronunciado, nem se mostra especialmente atentatória aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública. Por essa razão, não cabe submeter a demanda à regra excepcional de imprescritibilidade, pelas razões antes asseveradas. Deve ser aplicado, aqui, o prazo prescricional comum para as ações de indenização por responsabilidade civil em que a Fazenda figure como autora.

Ou seja, na discussão do Tema STF nº 666 reconheceu-se a incidência da prescrição quinquenal para o ilícito civil, ou seja, quando não identificado caso de improbidade administrativa ou ilícito penal.

Desse modo, ainda que fosse possível a incidência da prescrição quinquenal, nos moldes do Tema STF nº 666, somente a partir do termo final do processo administrativo iniciaria eventual prazo prescricional quinquenal.

Tratando-se de ressarcimento de valores pagos pelo INSS em razão de benefício previdenciário, a prescrição é quinquenal, conforme disposto no art. 1º do Decreto 20.910/32. Assim, iniciado o processo administrativo, fica suspenso o prazo prescricional voltando a fluir somente no seu término, quando constituído o débito previdenciário, ou seja, a data da decisão administrativa definitiva.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR COMPROVADA MÁ-FÉ. PRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RE 669.069/MG, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 28.4.2016. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Cinge-se a controvérsia à fixação do prazo prescricional da ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do benefíciário. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 669.069/MG, em sede de repercussão geral, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 28.4.2016, consolidou ao orientação de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 3. De fato, a prescrição é a regra no ordenamento jurídico, assim, ainda que configurada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos, nos termos do art. 1o. do Decreto 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria. 4. Enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente aos prazos prescricionais. 5. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1825103/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DECORRENTE DE REVISÃO. PRESCRIÇÃO. 1. As ações de ressarcimento ajuizadas pelo INSS são prescritíveis, conforme o entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal (STF, RE 669069, rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 28/04/2016). 2. As Turmas Previdenciárias deste TRF4 já firmaram o entendimento de que, para as ações de ressarcimento pela Fazenda Pública, deve ser considerado o prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32. 3. In casu, estão prescritas as parcelas referentes ao pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 134550649-7 recebidas pelo réu até 13/04/2010. (TRF4, AG 5007978-61.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 04/04/2019)

AÇÃO DE RESSARCIMENTO. RECEBIMENTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ATO ILÍCITO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. O STF firmou a seguinte tese proferida em recurso dotado de repercussão geral (Tema 666): É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Logo, não havendo reconhecimento, em ação própria, de prática de ato de improbidade ou de infração penal, bem como inexistindo notícia de que tenha havido qualquer ato tendente à sua persecução penal, há incidência da prescrição. 2. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, pagos em virtude de ato fraudulento que não configure improbidade administrativa, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). 3. Ainda que se considere a suspensão do prazo prescricional no período de apuração administrativa, certo é que entre a expedição do ofício de 01.06.2005 até 10.06.2015 não houve qualquer movimentação processual, do que clara a prescrição intercorrente. 4. Logo, a pretensão de ressarcimento de todas as parcelas objeto desta ação está obstada pela ocorrência da prescrição. (TRF4 5017600-35.2017.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 07/02/2019)

Com efeito, a comprovação da má-fé é apta a afastar o prazo decadencial para anulação do ato administrativo de que decorra efeitos favoráveis para o beneficiário, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999 e art. 103-A da Lei 8.213/1991, contudo, não tem o condão de impedir a fluência do prazo prescricional.

O início do procedimento administrativo tem sido considerado causa de suspensão do prazo prescricional, sendo a suspensão mantida até o seu término, quando o prazo volta a correr pelo tempo restante.

Tal entendimento decorre do fato de que antes de iniciado o procedimento administrativo o INSS não tinha conhecimento dos fatos em apuração, de modo que somente terá plenas condições de cobrar o débito depois de sua constituição com a conclusão definitiva do procedimento administrativo (teoria da actio nata).

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. 1. Considerando-se o princípio da isonomia em relação à possibilidade de cobrança de créditos contra e em favor da Administração Pública, aplica-se ao caso a norma do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que estabelece prazo prescricional de 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou do fato do qual se originaram, para a cobrança de créditos contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal. 2. A contagem do prazo prescricional deve ter como marco inicial a constituição do débito previdenciário, ou seja, a data da decisão administrativa definitiva. 3. No caso, como o marco inicial foi em 19/02/2010, está prescrito o crédito, sendo indevidos os descontos efetuados em 2016. (TRF4, AC 5037363-65.2016.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21-9-2018)

Segundo consta dos autos originários, o término do processo administrativo ocorreu no ano de 2010, com a emissão de relatório conclusivo individual pela APS, em 17/09/2010, pelo qual se concluiu, diante da apuração realizada, que o benefício de auxílio-doença NB 136.491.585-2 foi concedido irregularmente, propondo-se o encaminhamento do procedimento à Procuradoria Federal Especializada para análise da possibilidade de inscrição do débito em dívida ativa (evento 1 - PROCADM2, p. 69/70). Observo, ainda, que após parecer da Procuradoria Federal nesse sentido, datado de 11/11/2010, (evento 1 - PROCADM2, p. 71/73), foi determinado o encaminhamento ao MOB para as providências cabíveis em relação à cobrança do débito (evento 1 - PROCADM2, p. 73).

Como bem pontuado pelo Julgador sentneciante, a posterior inscrição dos valores em dívida ativa, ocorrida em 01/06/2011 (evento 1 - PROCADM2, p. 92/104) não sinaliza o termo final do processo administrativo, uma vez que, no caso, além de não constituir uma via adequada de cobrança, no momento da inscrição a investigação da suposta irregularidade já se encontrava devidamente finalizada.

Conforme consta dos autos, o réu esteve em benefício de auxílio-doença (NB 136.491.585-2) entre as competências 11/2004 e 11/2008, que lhe foi pago mensalmente no intervalo de 14/12/2004 a 05/12/2008 (evento 1 - PROCADM2, p. 90/91).

Desse modo, considerando que a última parcela recebida pelo réu refere-se ao ano de 2008 e que o processo administrativo de apuração da suposta irregularidade, o qual fez interromper o prazo prescricional, finalizou em 2010, verifica-se que todas as parcelas reclamadas foram fulminadas pela prescrição, uma vez que entre o término do processo administrativo (2010) e a data do ajuizamento desta ação (29/04/2016) transcorreu prazo superior a 5 anos.

Ainda que se considere o termo final da apuração administrativa de irregularidade a data do segundo relatório conclusivo individual, emitido em 07/04/2011 (evento 1 - PROCADM2, p. 85/88), as parcelas igualmente estariam prescritas, uma vez que dessa data até o ajuizamento da ação (29/04/2016 - ev. 01 do proc. originário) também houve o decurso de prazo superior a 5 anos.

Nesse contexto, as parcelas em referência estão fulminadas pelo prazo prescricional, porquanto, sob qualquer ângulo que se examine, transcorrido o prazo quinquenal.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios, fixados na sentença nos percentuais mínimos previstos nos incisos do §3º do artigo 85 do CPC sobre o valor atualizado da causa, em 50% sobre o valor apurado em cada faixa, de modo que, sobre a primeira faixa, são majorados de 10% para 15%, e assim proporcionalmente se a liquidação apurar valores sobre as faixas mais elevadas, considerando o artigo 85, § 2º, incisos I a IV, e §11, do CPC.

PREQUESTIONAMENTO

Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

CONCLUSÃO

Apelo do INSS: desprovimento do apelo.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002903553v3 e do código CRC 1faa1a24.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 8/12/2021, às 15:38:40


5002838-39.2016.4.04.7009
40002903553.V3


Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:21.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002838-39.2016.4.04.7009/PR

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002838-39.2016.4.04.7009/PR

RELATOR: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: JOAO ALVES DE ALBUQUERQUE (RÉU)

ADVOGADO: Renata Ehlert (OAB PR059630)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. auxílio-doença. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO.

1. A restituição de valores pagos indevidamente está sujeita a prazo prescricional e não a decadencial.

2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa.

3. A imprescritibilidade não abrange os ilícitos civis em geral, apenas ilícitos penais ou de improbidade administrativa.

4. À restituição dos valores indevidamente recebidos aplica-se o prazo prescricional de cinco anos. Na hipótese, as parcelas em referência estão fulminadas pelo prazo prescricional, porquanto, sob qualquer ângulo que se examine, transcorrido o prazo quinquenal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 07 de dezembro de 2021.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002303601v3 e do código CRC 323de7a5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 16/12/2021, às 15:24:43


5002838-39.2016.4.04.7009
40002303601 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:21.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/11/2021 A 07/12/2021

Apelação Cível Nº 5002838-39.2016.4.04.7009/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: JOAO ALVES DE ALBUQUERQUE (RÉU)

ADVOGADO: Renata Ehlert (OAB PR059630)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/11/2021, às 00:00, a 07/12/2021, às 16:00, na sequência 431, disponibilizada no DE de 19/11/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:21.

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