Apelação Cível Nº 5003219-25.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: NELSON LUIZ HUPPES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
NELSON LUIZ HUPPES propôs ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em 15/01/2014, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (27/09/2000), mediante o reconhecimento do desempenho de atividades em condições especiais nos períodos de 10/07/1978 a 19/09/1980, 11/03/1982 a 05/07/1982, 02/08/1982 a 11/12/1991, 10/02/1992 a 31/07/2003, e de 01/08/2003 a 05/05/2005 (pp.1-39
).Sobreveio sentença que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos (
):Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por NELSON LUIZ HUPPES contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), forte no que dispõe o artigo 85, §§2º e 8º, do CPC, considerando a natureza da causa. Fica suspensa a exigibilidade, em razão da AJG.
Inconformada, a parte autora interpôs embargos de declaração, alegando omissão no que tange ao pedido de revisão da aposentadoria do trabalhador (
)Sobreveio sentença que julgou o embargos de declaração formulado pela parte autora nos seguintes termos (
):Assim, conheço dos embargos de declaração, sanando a omissão havida no julgado, em relação aos tópicos questionados pelo embargante, nos termos da presente fundamentação.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação.
Em suas razões, defende, preliminarmente, seu interesse recursal, nos termos do art.5, inciso XXXV, da Carta Magna. No mérito, argumenta ser devido o reconhecimento do tempo de serviço especial nos intervalos de 11/03/1982 a 05/07/1982, e de 06/03/1997 a 05/05/2005, com a conversão do tempo de serviço especial em comum em especial nas empresas Farol S.A. Indústria Gaúcha de Farelos e óleos, bem como a inclusão dos salários de contribuição da aposentadoria do trabalhador os valores relativos ao INSS referentes à Reclamatória Trabalhista de n° 00654-2005-781-04-00-6 em face da empresa Andres e Cia Ltda, com a majoração da Renda Mensal Inicial, relativa às competências de junho de 2000 a maio de 2005. Ademais, requer devolução das devidas diferenças resultantes da nova RMI, vencidas e vincendas devidamente atualizadas com o pagamento de honorários advocatícios (
).Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
1. Decadência - Temas 313/STF e 544 e 975/STJ (ajuizamento de ação trabalhista e a discussão sobre o prazo decadencial)
A decadência em matéria previdenciária está regulada pelo art. 103 da Lei de Benefícios (Lei nº 8.213/91).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 626.489, (Tema 313), sob a sistemática da repercussão geral, fixou as diretrizes para o reconhecimento da decadência em casos de revisão de benefícios previdenciários, cujo acórdão restou assim ementado:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 626.489, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe 22/09/2014)
Diante disso, em relação aos benefícios concedidos até 27/06/1997, ou seja, anteriormente à introdução do instituto da decadência, o prazo respectivo tem início no dia 01/08/1997, levando em conta que a primeira prestação superveniente à instituição da decadência foi paga em 07/1997, em decorrência da interpretação da aplicação do dispositivo - a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação (art. 103 da Lei de Benefícios).
No mesmo sentido, ademais, o Superior Tribunal de Justiça decidiu anteriormente o Tema 544 (julgado em 28/11/2012), in verbis:
O suporte de incidência do prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/1991 é o direito de revisão dos benefícios, e não o direito ao benefício previdenciário. Incide o prazo de decadência do art. 103 da Lei 8.213/1991, instituído pela Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, no direito de revisão dos benefícios concedidos ou indeferidos anteriormente a esse preceito normativo, com termo a quo a contar da sua vigência (28.6.1997).
Mais recentemente, em 08/2020, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a matéria relativa ao Tema 975, firmou tese no sentido de que "Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário."
A ementa do julgado tem o seguinte teor, in verbis (grifada originalmente):
PREVIDENCIÁRIO. CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO REGIME DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA 975/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. QUESTÕES NÃO DECIDIDAS. DECADÊNCIA ESTABELECIDA NO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS INSTITUTOS DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ACTIO NATA.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF/1988) em que se alega que incide a decadência mencionada no art. 103 da Lei 8.213/1991, mesmo quando a matéria específica controvertida não foi objeto de apreciação no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.
2. A tese representativa da controvérsia, admitida no presente feito e no REsp 1.644.191/RS, foi assim fixada (Tema 975/STJ): "questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão."
FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA
3. É primordial, para uma ampla discussão sobre a aplicabilidade do art. 103 da Lei 8.213/1991, partir da básica diferenciação entre prescrição e decadência.
4. Embora a questão seja por vezes tormentosa na doutrina e na jurisprudência, há características inerentes aos institutos, das quais não se pode afastar, entre elas a base de incidência de cada um deles, fundamental para o estudo da decadência do direito de revisão dos benefícios previdenciários.
5. A prescrição tem como alvo um direito violado, ou seja, para que ela incida deve haver controvérsia sobre o objeto de direito consubstanciada na resistência manifestada pelo sujeito passivo, sendo essa a essência do princípio da actio nata (o direito de ação nasce com a violação ao direito). Essa disciplina está disposta no art. 189 do CC: "art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
6. Por subtender a violação do direito, o regime prescricional admite causas que impedem, suspendem ou interrompem o prazo prescricional, e, assim como já frisado, a ação só nasce ao titular do direito violado.
7. Já a decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito, os quais são conhecidos na doutrina como potestativos. Dessarte, para o exercício do direito potestativo e a consequente incidência da decadência, desnecessário haver afronta a esse direito ou expressa manifestação do sujeito passivo para configurar resistência, pois o titular pode exercer o direito independentemente da manifestação de vontade de terceiros.
8. Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (art. 207 do CC).
9. Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as bases jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é necessário que tenha ocorrido a afronta ao direito (explícito negativa da autarquia previdenciária) para ter início o prazo decadencial.
10. Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de benefício previdenciário prescinde de violação específica do fundo de direito (manifestação expressa da autarquia sobre determinado ponto), tanto assim que a revisão ampla do ato de concessão pode se dar haja ou não ostensiva análise do INSS. Caso contrário, dever-se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado pelo INSS.
11. Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido ("a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação") ou indeferido ("do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo").
12. Fosse a intenção do legislador exigir expressa negativa do direito vindicado, teria ele adotado o regime prescricional para fulminar o direito malferido. Nesse caso, o prazo iniciar-se-ia com a clara violação do direito e aplicar-se-ia o princípio da actio nata.
13. Não é essa compreensão que deve prevalecer, já que, como frisado, o direito que se sujeita a prazo decadencial independe de violação para ter início.
14. Tais apontamentos corroboram a tese de que a aplicação do prazo decadencial independe de formal resistência da autarquia e representa o livre exercício do direito de revisão do benefício pelo segurado, já que ele não se subordina à manifestação de vontade do INSS.
15. Considerando-se, por fim, a elasticidade do lapso temporal para os segurados revisarem os benefícios previdenciários, a natureza decadencial do prazo (não aplicação do princípio da actio nata) e o princípio jurídico básico de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3º da LINDB), conclui-se que o prazo decadencial deve ser aplicado mesmo às questões não tratadas no ato de administrativo de análise do benefício previdenciário.
FIXAÇÃO DA TESE SUBMETIDA AO RITO DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015
16. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015, a controvérsia fica assim resolvida (Tema 975/STJ): "Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
17. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu de forma diversa do que aqui assentado, de modo que deve ser provido o Recurso Especial para se declarar a decadência do direito de revisão, com inversão dos ônus sucumbenciais (fl. 148/e-STJ), observando-se a concessão do benefício da justiça gratuita.
CONCLUSÃO
18. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(STJ, REsp repetitivos nºs 1.648.336/RS e 1.644.191/RS, 1ª Seção, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, maioria, acórdão publicado em 04/08/2020)
Portanto, a conclusão inicial a que se chega é que deve ser reconhecida a decadência - quando decorrido o prazo de 10 anos previsto no disposto no art. 103 da Lei de Benefícios - nas situações em que a questão controvertida não tenha sido apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício.
Por outro lado, entende-se que nos casos em que há verbas discutidas em ação trabalhista - o que acaba repercutindo nos salários de contribuição do segurado - o prazo decadencial para revisão do benefício concedido só tem início a partir do trânsito em julgado da decisão na reclamatória trabalhista, momento em que as obrigações reconhecidas se tornam líquidas.
Note-se que no próprio julgamento do Tema 975/STJ (transitado em julgado em 08/2021), o eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, relator, assim fundamentou, acenando para a possibilidade de, no futuro, ser apreciada a controvérsia sobre a repercussão da ação judicial trabalhista na contagem do prazo decadencial mencionado no art. 103 da Lei nº 8.213/91, in verbis (grifado, no original):
5. Questões controvertidas anteriores ou posteriores ao ato de concessão e o ajuizamento de ação trabalhista
Nos debates ocorridos nas sessões de julgamento, os Ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria mostraram preocupação com o que chamaram de questões que se aperfeiçoaram ou consolidaram em momento posterior à concessão do benefício. O principal caso representativo da hipótese seria o reconhecimento judicial de tempo de serviço em ação trabalhista.
Em primeiro lugar, essa questão, salvo melhor interpretação, não faz parte diretamente da tese representativa da controvérsia e não espelha os fatos dos autos. Ela poderia nos levar a extrapolar o objeto da afetação do rito dos recursos repetitivos.
Por derradeiro, sem me comprometer com uma futura análise da tese, o motivo para afastar a decadência em caso de ações judiciais pendentes que repercutam no benefício pode decorrer da interpretação de que se trata de exercício do direito de revisão.
Essa avaliação decorre da aplicação, por isonomia, dos regimes de decadência do direito de revisão ao segurado e de decadência do direito de revisão pelo INSS, já que, consoante o § 2º do art. 103-A da Lei 8.213/1991, "considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato". Adaptando-se o comando normativo ao direito de revisão do segurado, ficaria: "considera-se exercício do direito de revisão qualquer medida do segurado que resulte na alteração do ato de concessão."
Dessarte, o ajuizamento de ação trabalhista que repercuta no benefício previdenciário poderia ser interpretado como exercício do direito de revisão, em tese.
De qualquer sorte, o presente julgamento não impede o STJ de enfrentar futuramente a controvérsia sobre a repercussão da ação judicial trabalhista na contagem do prazo decadencial mencionado no art. 103 da Lei 8.213/1991, em razão do que se propõe essa ressalva.
Observe-se que o STJ já vinha decidindo no sentido de - na hipótese de existir reclamatória trabalhista em que se identificam parcelas remuneratórias -, reconhecer que o prazo de decadência do direito à revisão do ato de concessão do benefício flui a partir do trânsito da sentença trabalhista, in verbis (grifei):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE DE O STJ APRECIAR VIOLAÇÃO À INSTRUÇÃO NORMATIVA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. VALORES RECONHECIDOS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. TERMO INICIAL PARA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA TRABALHISTA. 1. É firme no STJ a orientação de que não é possível, pela via do Recurso Especial, a análise de eventual ofensa a súmula, decreto regulamentar, resoluções, portarias ou instruções normativas, por não estarem tais atos administrativos compreendidos no conceito de lei federal, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. 2. O STJ entende que, a despeito de decorridos mais de dez anos entre a data em que entrou em vigor a Medida Provisória 1.523-9 e o ajuizamento da ação, o recorrido teve suas verbas salariais majoradas em decorrência de ação trabalhista, o que ensejou acréscimos no seu salário de contribuição, momento no qual se iniciou novo prazo decadencial para pleitear a revisão da renda mensal do seu benefício. 3. Assim, na hipótese de existir reclamação trabalhista em que se identificam parcelas remuneratórias, como a do presente caso, o STJ reconhece que o prazo de decadência do direito à revisão do ato de concessão do benefício flui a partir do trânsito da sentença trabalhista. 4. Informam os autos, que a sentença trabalhista transitou em julgado em 3.7.2001, sendo a ação revisional ajuizada em 2012 (fl. 5, e-STJ), verificando-se assim a decadência prevista no art. 103 da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Medida Provisória 1.523-9/1997. 5. O Tribunal de origem decidiu a controvérsia em consonância com a jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma. 6. Recurso Especial não conhecido. (REsp 1759178/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 12/03/2019)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DECADÊNCIA PARA O SEGURADO REVISAR BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. FALTA DE INTERESSE EM RECORRER. PARCELAS REMUNERATÓRIAS RECONHECIDAS PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO. TERMO INICIAL PARA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART. 103 CAPUT DA LEI 8.213/1991. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA TRABALHISTA. ENTENDIMENTO QUE VEM SE FIRMANDO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL DO INSS CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE NÃO PROVIDO. 1. Acerca da aplicação do prazo decadencial para o segurado revisar seu benefício, a tese foi analisada pela Primeira Seção do Superior Tribunal Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais 1.309.529/PR, DJe de 4/6/2013 e 1.326.114/SC, DJe de 13/5/2013, ambos submetidos ao rito do recurso especial repetitivo, de Relatoria do Ministro Herman Benjamin. 2. No julgamento dos representativos da controvérsia, o STJ assentou que incide o prazo decadencial do art. 103 caput da Lei 8.213/1991, instituído pela Medida Provisória 1.523-9/1997, convertida na Lei 9.528/1997, também aos benefícios concedidos anteriormente a esse preceito normativo. 3. Há dois termos iniciais para contagem do prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei 8.213/1991: o primeiro a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, o segundo, quando for o caso de requerimento administrativo, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. 4. Na hipótese de existir reclamação trabalhista em que se reconhece parcelas remuneratórias, como a do presente caso, o STJ vem sedimentando entendimento no sentido de que o prazo de decadência do direito à revisão do ato de concessão do benefício flui a partir do trânsito da sentença trabalhista. 5. Recurso especial do INSS conhecido em parte e nessa parte não provido. (REsp 1440868/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 02/05/2014)
No mesmo sentido é a jurisprudência deste Tribunal, in verbis (grifei):
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DIFERENÇAS SALARIAIS RECONHECIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. LIQUIDAÇÃO. DECADÊNCIA. AFASTADA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. 1. Quando embasada em aplicação de efeitos decorrentes de decisão em reclamatória trabalhista, o prazo decadencial para a revisão de benefício previdenciário inicia-se no momento em que se tem a certeza dos direitos reconhecidos na ação trabalhista. Em se tratando de valores dos salários-de-contribuição integrantes do PBC, há necessidade do trânsito em julgado da decisão a ser proferida na fase de liquidação da demanda trabalhista. 2. Não havendo trânsito da sentença trabalhista que torne líquida a obrigação, afasta-se a aplicabilidade da decadência. 3. Determinada a suspensão do processo na instância de origem (a teor do artigo 313, inciso V, do Código de Processo Civil), aguardando a juntada de elementos oriundos do Juízo Trabalhista, necessários para a instrução do pedido revisional. (TRF4, AC 5005233-25.2016.4.04.7002, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 19/10/2020)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. VERBAS SALARIAIS RECONHECIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. TERMO INICIAL. ALTERAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. EFEITOS FINANCEIROS DA REVISÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. O direito de postular a revisão do benefício, mediante a inclusão de verbas remuneratórias reconhecidas em ação trabalhista no salário de benefício, somente pode ser exercido perante a administração previdenciária depois da liquidação de sentença, quando são apuradas as contribuições previdenciárias incidentes sobre os créditos trabalhistas. 2. O prazo decadencial, no caso em que o pedido de revisão visa à alteração dos salários de contribuição com base em sentença trabalhista, inicia, de regra, após o trânsito em julgado da decisão homologatória dos cálculos de liquidação. 3. Se a decisão de mérito proferida na reclamatória trabalhista transitou em julgado após a homologação dos cálculos de liquidação de sentença, considera-se a data em que a sentença tornou-se definitiva como termo inicial do prazo de decadência. 4. As verbas salariais reconhecidas em ação trabalhista compõem o salário de benefício, desde que integrem o salário de contribuição. 5. A coisa julgada que se forma no julgamento de ação trabalhista produz reflexos na esfera previdenciária, decorrentes da exigência de contribuições sobre os créditos devidos pelo empregador. 6. Os efeitos financeiros da revisão do benefício retroagem à data do requerimento administrativo de concessão, uma vez que a comprovação dos requisitos não se confunde com a aquisição do direito. 7. Alteram-se de ofício os critérios de atualização monetária e juros de mora. (TRF4, AC 5020341-56.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 02/07/2020)
Caso concreto - Tempo especial
No caso dos autos, diante da sentença que não reconheceu o direito da parte autora a desaposentação pretendida, resta a análise do pedido subsequente, qual seja, de revisão de sua aposentadoria por tempo de contribuição (DIB 27/09/2000) mediante (a) o reconhecimento de tempo especial nos períodos de 11/03/1982 a 05/07/1982 (Farol S/A Ind. Gaúcha de Farelos e óleos), 06/03/1997 a 05/05/2005 (Andres e Cia Ltda), e (b) inclusão de salários de contribuição reconhecidos em reclamatória trabalhista nº 00654-2005-781-04-00-6 nas competências junho de 2000 a maio de 2005. Esses são os pontos controvertidos nas razões recursais da parte autora (
).Pois bem.
Percebe-se que quanto ao pedido de reconhecimento de tempo especial não há relação alguma com a ação trabalhista, que visava tão somente diferenças salariais decorrentes de horas extras, adicional de insalubridade e periculosidade e outras verbas trabalhistas no período de vigência do contrato de trabalho junto a empresa Andres e Cia Ltda de 10/02/1992 a 05/05/2005 (
, pp. 35/54 e , pp. 01/04), de sorte que a respectiva ação na Justiça do Trabalho não tem o condão de impedir o transcurso da decadência, ou mesmo constituir a fluência de novo prazo decenal.Portanto, não é possível, aqui, qualquer impedimento do transcurso do prazo decadencial em face do pedido de reconhecimento da especialidade e quanto ao período de tempo de contribuição do período de 11/03/1982 a 05/07/1982 e de 06/03/1997 a 05/05/2005, considerando, no caso, que a aposentadoria por tempo de contribuição deferida a parte autora foi implantada por determinação judicial em 05/2003 (ação judicial nº 200204010166187), com DIB em 27/09/2000, e o primeiro pagamento foi realizado em 24/06/2003 (
). A presente ação judicial ajuizada apenas em 15/01/2014, ou seja, após passados dez anos do primeiro pagamento do benefício.Destarte, no ponto, o voto é no sentido de negar provimento à apelação da parte autora, julgando improcedente o pedido nessa parte (art. 487, II, do CPC).
2. Inclusão de verbas trabalhistas
Quanto ao pedido de inclusão das verbas trabalhistas reconhecidas na RT nº 00654-2005-781-04-00-6, não houve o decurso do prazo prazo decadencial, uma vez que tal ação foi autuada em 2005 e homologada a transação entabuladas entre as partes quanto aos cálculos de liquidação em 05/2008 (
, pp. 39/41).Contudo, no ponto, o magistrado sentenciante reconheceu a falta de interesse de agir, sob a alegação que o autor não submeteu os pedidos à análise administrativa do INSS, não havendo pretensão resistida (despacho em embargos de declaração,
).Pois bem.
No caso dos autos, o autor busca a revisão de sua aposentadoria mediante a inclusão de novos salários de contribuição reconhecidos nos autos da reclamatória trabalhista nº 00654-2005-781-04-00-6, relativos as competências junho/2000 a maio/2005.
Em que pese haver nos autos contestação de mérito quanto ao ponto (
, pp. 24/26) e, por conta disso, presente o interesse de agir do autor, nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no RE n.º 631.240/MG (Tema 350), o autor é carecedor de ação por motivo diverso.O benefício revisando foi deferido judicialmente, com decisão já transitada em julgado, deferindo ao autor a aposentadoria por tempo de contribuição com proventos proporcionais, levando em conta tempo de contribuição até 16/12/1998 (EC nº 20/98). Benefício deferido a contar do pedido administrativo (27/09/2000) -
, pp. 17/50.De fato, ausente o interesse processual do autor em revisar seu benefício mediante a inclusão de salários de contribuição que sequer fizeram parte do PBC do benefício revisando.
É caso de extinção sem análise de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
Por tudo isso, o voto é pelo improvimento do apelo da parte autora.
Honorários
Sendo desacolhida a pretensão, a parte autora deverá arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do CPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, §11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, §3º, inciso I, do CPC), tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Julgar improcedente o pedido de revisão da aposentadoria por tempo de contribuição mediante a inclusão/reconhecimento de tempo especial, em face da decadência (art. 487, II, CPC).
Quanto aos demais pontos objetos do recurso, negar provimento ao recurso da parte autora.
Honorários advocatícios majorados, nos termos da fundamentação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004497649v28 e do código CRC 6bb7ec7b.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003219-25.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: NELSON LUIZ HUPPES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. revisão. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. tempo de serviço especial. prazo decadencial. inclusão de verbas trabalhistas. salário de contribuição. falta de interesse processual.
1. O termo inicial do prazo decenal da decadência do direito à revisão de benefício previdenciário, tratando-se de ação autônoma, conta-se do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação (artigo 103, primeira parte, Lei 8.213/1991).
2. Transcorrido o prazo decenal entre a data do primeiro pagamento e o ajuizamento da presente ação, opera-se a decadência do direito de revisão quanto ao pedido de revisão do benefício mediante a inclusão/reconhecimento de tempo especial. Pedido de revisão julgado improcedente.
3. Ausência de interesse processual no ponto que busca a revisão judicial de benefício previdenciário, decorrente da inclusão de salários de contribuição de competências que não fizeram parte do PBC do benefício revisando.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004514664v4 e do código CRC c68d4686.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024
Apelação Cível Nº 5003219-25.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: NELSON LUIZ HUPPES
ADVOGADO(A): DOUGLAS HAUSCHILD
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 205, disponibilizada no DE de 12/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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