| D.E. Publicado em 27/04/2018 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0016571-82.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Juiz Federal Luiz Antônio Bonat |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | ANTONIO ALVES DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Jose Antonio Andre e outro |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA COMARCA DE CENTENARIO DO SUL/PR |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. AMPLIAÇÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA ORAL FIRME E COERENTE. DATA DE INÍCIO DA REVISÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. NULIDADE DE PARTE DO DISPOSITIVO DA SENTENÇA.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. O início de prova material não precisa demonstrar a atividade rural ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, desde que não exista período urbano intercalado com rural, em razão da notória informalidade que predomina no meio rural.
7. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto ao desempenho da atividade rural.
8. Admite-se a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, visto que as testemunhas declararam, de modo firme e coerente, que o demandante exerceu a atividade rural desde tenra idade.
9. Sem razão o INSS, ao apontar incoerência no depoimento pessoal do autor.
10. O termo inicial da revisão do benefício corresponde ao momento em que o segurado cumpriu todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício. Entender que o termo inicial do benefício deve corresponder à data do ajuizamento da ação ou da citação, quando as provas trazidas aos autos não foram apresentadas por ocasião do requerimento administrativo, implica conceber o surgimento do direito como decorrência da comprovação cabal da sua existência.
11. A interrupção da prescrição quinquenal retroage à data da propositura da demanda, consoante o § 1º do art. 219 do antigo CPC e o § 1º do art. 240 do CPC em vigor.
12. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
13. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
14. Incide a variação do IPCA-E, para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
15. Deve ser declarada a nulidade da parte do dispositivo da sentença que determinou a inclusão dos salários de contribuição para fins de recálculo da renda mensal inicial, porque, além de inexistir pedido na inicial, não houve recolhimento de contribuições no período de atividade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 17 de abril de 2018.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9350167v12 e, se solicitado, do código CRC FDEEB158. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para condenar o INSS a: a) averbar o período em que o autor exerceu a atividade rural, entre 01/05/1963 a 31/12/1968, como tempo de serviço; b) revisar a renda mensal inicial da aposentadoria proporcional por tempo de serviço já obtida pelo autor (DIB em 25/11/1998), mediante a inclusão dos salários de contribuição; c) pagar as diferenças apuradas com correção monetária pelo IGP-DI (ou índice legal que venha a substituí-lo) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, aplicando-se, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009, os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança para fins de atualização monetária e juros.
O INSS sustenta a ausência de início de prova material. Afirma que, no processo judicial nº 2000.70.01.010138-1/PR, foi reconhecido o trabalho rural do autor desde 1969, realizado na Fazenda Santa Fé, em Centenário do Sul, havendo documentos indicativos de labor rural somente a partir desse ano. Diz que, nesta ação, o autor não apresentou início de prova material do labor rural relativo ao período de 1963 a 1968. Aponta que, nesta demanda, o autor relatou o trabalho como boia-fria na Fazenda Santa Adélia, em Florestópolis, desde a infância até 1966; contudo, na Ação nº 2000.70.01.010138-1, referiu que iniciou a atividade rural em 1966, nada dizendo sobre o trabalho anterior em Florestópolis. Entende que a data de início da revisão deve ser fixada a partir da citação ou, pelo menos, do ajuizamento da demanda, pois no processo administrativo e na ação judicial o autor requereu a averbação do período rural desde 1969. Argui a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação, caso seja fixado o início da revisão na data de início da aposentadoria. Por fim, alega que a sentença é extra petita, visto que o autor não postulou a inclusão dos salários de contribuição para fins de recálculo da RMI, mas sim o acréscimo do tempo de serviço.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Sentença publicada em 31/10/2013.
É o relatório. Peço dia.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
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VOTO
Sentença extra petita
Assiste razão ao INSS, ao sustentar que o provimento judicial incorreu em julgamento extra petita.
Na inicial, o autor postulou a inclusão do período de atividade rural entre 01/05/1963 a 31/12/1968 na contagem do tempo de serviço e a alteração do coeficiente do salário de benefício para 100%, com o consequente recálculo da renda mensal inicial da aposentadoria.
Além de não haver pedido para que fossem incluídos os salários de contribuição no recálculo da renda mensal inicial do benefício, o dispositivo da sentença é inócuo, pois, no período de atividade rural, não houve recolhimento de contribuições previdenciárias.
Logo, deve ser reconhecida a nulidade da sentença, na parte em que determinou a inclusão dos salários de contribuição para fins de recálculo da renda mensal inicial.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo em que exerceu atividade agrícola, entre 01/05/1963 (quando completou doze anos) a 31/12/1968.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) credencial de cabo eleitoral relativa ao ano de 1969, em nome do autor, constando a sua qualificação profissional de lavrador;
b) certidão de casamento do autor, em 24/10/1970, na qual é qualificado como lavrador;
c) certidão de nascimento dos filhos do autor, em 29/05/1971, 08/10/1972 e 25/01/1974, em que ele é qualificado como lavrador;
d) certificado de dispensa de incorporação do autor, emitido em 30/01/1975, constando a profissão de lavrador.
Em juízo, foram ouvidas três testemunhas e colhido o depoimento pessoal do autor.
Merenciana Catarino da Cruz, Geraldo Batista da Cruz e Adão Ribeiro Costa relataram, em síntese, que conheceram o autor na Fazenda Santa Adélia, em Florestópolis; o autor era "molecote", com uns 10/11 anos e já trabalhava na lavoura de café; o serviço que ele fazia era limpar tronco de café, rastelar, abanar café; o autor trabalhava com a mãe, sem registro na carteira de trabalho. As testemunhas Merenciana e Geraldo moravam e trabalhavam na Fazenda Santa Adélia e a testemunha Adão em uma fazenda vizinha. Disseram que em 1963 o autor já trabalhava na Fazenda Santa Adélia, ficando até 1965/1966; depois o autor foi trabalhar na Fazenda Santa Fé, também na lavoura de café.
O autor, no depoimento pessoal, contou que seu pai faleceu quando tinha 05 anos; começou a trabalhar com 10/12 anos, mas antes já acompanhava a mãe no trabalho da lavoura, na Fazenda Santa Adélia, em Florestópolis; entrou nessa fazenda em 1962 e ficou até 1966; a lavoura era de café; depois foi para a Fazenda Santa Fé.
As razões expendidas na apelação não merecem acolhimento.
O início de prova material não precisa demonstrar a atividade rural ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, desde que não exista período urbano intercalado com rural, em razão da notória informalidade que predomina no meio rural. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto a datas, propriedades em que houve o trabalho, descrição das tarefas desempenhadas, etc.
Conquanto as provas documentais juntadas ao processo não se refiram a todo o período requerido, conformam o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. Mesmo que o documento mais antigo seja de 1969, admite-se a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, visto que as testemunhas declararam, de modo firme e coerente, que o demandante exerceu a atividade rural na Fazenda Santa Adélia desde tenra idade. Ademais, resta evidenciada a continuidade do trabalho rurícola, pois foi reconhecido, por decisão transitada em julgado, o tempo de serviço rural entre 01/01/1969 a 14/07/1975.
Sem razão o INSS, ao apontar incoerência entre o depoimento pessoal do autor prestado nesta demanda e na Ação nº 2000.70.01.010138-1. Com efeito, na audiência realizada na Ação nº 2000.70.01.010138-1 (fl. 155), o autor relatou que veio para o Paraná com a mãe, um irmão mais velho e duas irmãs mais novas, quando tinha aproximadamente 8 anos de idade; primeiro foi para a cidade de Primeiro de Maio e após para Florestópolis. Disse que trabalhou em várias propriedades rurais, na região de Florestópolis, Miraselva e Centenário do Sul, até o ano de 1977, mudando-se nos anos de 1966/1967 para a Fazenda Santa Fé, em Centenário do Sul, onde laborou como volante. O teor do depoimento não ampara a ilação defendida pelo INSS, no sentido de que o autor teria afirmado que iniciou a atividade rural somente em 1966. É possível depreender que o autor começou a trabalhar nas lides rurícolas exatamente em Florestópolis. A ausência de menção à Fazenda Santa Adélia não torna o depoimento contraditório, já que a controvérsia naquela demanda tratava de período posterior.
Data de início da revisão do benefício
A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991.
Entender que o termo inicial da revisão do benefício deve corresponder à data do ajuizamento da ação ou da citação, quando as provas trazidas aos autos não foram apresentadas por ocasião do requerimento administrativo, implica conceber o surgimento do direito como decorrência da comprovação cabal da sua existência. Tal exegese não se sustenta diante do disposto no art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, que fixa a data de início do pagamento da primeira prestação em até quarenta e cinco dias após a apresentação da documentação necessária para a concessão do benefício, pois a data de início do benefício não se confunde com a data do primeiro pagamento. Ora, se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo. Ademais, a prova do direito ao benefício não consiste em condição para o seu exercício, tanto que a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício, consoante o art. 105 da Lei nº 8.213/1991.
A propósito, cito julgado desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. REGRAS PERMANENTES. TUTELA ESPECÍFICA.
(...)
4. A data de início dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é a da entrada do requerimento administrativo do benefício (art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n° 8.213/91). O direito ao cômputo do tempo rural trabalhado representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico da segurado, cabendo ressaltar que tal entendimento subsiste ainda que ele não houvesse apresentado toda a documentação necessária à comprovação de seu direito naquela oportunidade. Assim, se ao postular o beneficio na via administrativa, o requerente já havia cumprido os requisitos necessários à sua inativação, estava exercendo um direito do qual já era titular, sendo que a comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido, nem lhe confere qualquer vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico.
(...)
(TRF4, AC 0023853-11.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 03/10/2014)
Rejeitado o pedido de fixação da data de início da revisão da aposentadoria a partir da citação ou do ajuizamento da demanda, passo a apreciar a alegação de prescrição quinquenal.
Prescrição
Conforme o parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991, prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social.
Por sua vez, a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da demanda, consoante o § 1º do art. 219 do antigo CPC e o § 1º do art. 240 do CPC em vigor.
No caso dos autos, ajuizada a ação em 17/11/2009, restam prescritas as parcelas anteriores a 17/11/2004.
Consectários legais
A matéria atinente aos índices de atualização monetária e de juros de mora pode ser examinada de ofício, por se tratar de ordem pública.
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- IGP-DI, de 05/1996 a 03/2006, conforme a MP nº 1.415/1996 e a Lei nº 10.192/2001;
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, para reconhecer a prescrição das parcelas anteriores a 17/11/2004 e declarar a nulidade da sentença, na parte em que determinou a inclusão dos salários de contribuição para fins de recálculo da renda mensal inicial. Em conformidade com o pedido inicial, determino a alteração do coeficiente do salário de benefício para 100% e o recálculo da renda mensal inicial da aposentadoria.
Determino, de ofício, a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Juiz Federal Luiz Antônio Bonat
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/04/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0016571-82.2014.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00009350620098160066
RELATOR | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dra. Carmem Elisa Hessel |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | ANTONIO ALVES DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Jose Antonio Andre e outro |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA COMARCA DE CENTENARIO DO SUL/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/04/2018, na seqüência 855, disponibilizada no DE de 03/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A APLICAÇÃO DO IPCA-E A PARTIR DE 30/06/2009, PARA FINS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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