APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001585-04.2015.404.9999/PR
RELATOR | : | CELSO KIPPER |
APELANTE | : | ELAINE APARECIDA OLIVEIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. COISA JULGADA. ART. 267, V, DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO.
1. Havendo identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, impõe-se a extinção do feito, sem resolução de mérito, tendo em vista a existência de coisa julgada.
2. Ao ajuizar a presente ação, renovando pedido que já fora objeto de apreciação judicial, a parte autora procedeu de forma temerária, razão pela qual deve ser condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 17 e 18 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do INSS para acolher a preliminar de coisa julgada e extinguir o processo sem resolução do mérito, a teor do art. 267, inciso V, do CPC, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2015.
Des. Federal CELSO KIPPER
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal CELSO KIPPER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7313617v4 e, se solicitado, do código CRC B7EF8F6F. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001585-04.2015.404.9999/PR
RELATOR | : | CELSO KIPPER |
APELANTE | : | ELAINE APARECIDA OLIVEIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo julgou procedente o pedido para conceder o salário-maternidade à parte autora, em razão do nascimento de sua filha Lorraine Aparecida Oliveira da Silva, em 29-07-2009, e do exercício do labor rural como boia-fria.
Em suas razões de apelação, o INSS suscitou preliminar de coisa julgada, sustentando que o pedido já fora objeto de apreciação em processo que tramitou perante o Juizado Especial Federal Adjunto da Subseção Judiciária de Paranavaí - PR, no qual foi proferida sentença de improcedência. Desse modo, requereu a condenação da parte autora e seu advogado, solidariamente, às penas da litigância de má-fé.
Apresentadas as contrarrazões, nas quais a parte autora requereu a antecipação dos efeitos da tutela, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Conforme se extrai da consulta ao Portal da Justiça Federal da 4ª Região (Evento 10, OUT4, Página 1), a parte autora ajuizou, em 06-01-2011, ação previdenciária postulando concessão de salário-maternidade em razão do nascimento de sua filha Lorraine Aparecida Oliveira da Silva, em 29-07-2009, e do exercício do labor rural como boia-fria. A ação tramitou junto ao Juizado Especial Federal Adjunto da Subseção Judiciária de Paranavaí - PR (autos n. 2011.70.61.000014-7), sendo prolatada, em 05-05-2011, sentença de improcedência do pedido, dada a falta de comprovação do efetivo exercício de atividade rural (Evento 10, OUT3, Páginas 1-3), a qual foi mantida pela Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Paraná (Recurso Cível n. 5001424-73.2011.404.7011 - Evento 10, OUT2, Página 1) e transitou em julgado em 16-11-2011.
Em 17-09-2013, a demandante ajuizou a presente ação perante o Juízo de Direito da Comarca de Terra Rica - PR, também postulando a concessão de salário-maternidade em razão do nascimento da filha Lorraine Aparecida Oliveira da Silva, em 29-07-2009, e do exercício do labor rural como boia-fria.
Com efeito, vê-se que a segunda demanda foi intentada com o único propósito de tentar elidir a tríplice identidade (pedido, causa de pedir e partes) e burlar o reconhecimento do instituto da coisa julgada.
Assim, julgo extinto o presente feito, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em R$ 788,00, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da concessão de Assistência Judiciária Gratuita.
Doutra parte, entendo que se encontra configurada, no caso concreto, a litigância de má-fé.
Vê-se, pois, que a demandante, logo após decisão judicial no juízo federal, que lhe foi desfavorável, ajuizou nova demanda, desta feita perante o juízo estadual (competência delegada), onde, omitindo qualquer informação sobre a demanda anterior, fez novamente o pedido de salário-maternidade.
Não obstante o procurador da presente demanda não seja o mesmo que atuou no feito anterior, a parte autora, por seu advogado, omitiu nesta ação que tramitou outro processo em que pretendia a concessão do mesmo benefício. A omissão teve por objetivo beneficiar indevidamente a parte autora, com o recebimento de salário-maternidade que já lhe havia sido negado através de decisão judicial transitada em julgado, demonstrando-se a utilização indevida do aparato Judiciário: ao receber a decisão judicial desfavorável na Justiça Federal, resolveu a parte autora tentar melhor sorte junto à Justiça Estadual (competência delegada), omitindo qualquer informação sobre a demanda anterior.
A conduta da parte autora, por seu advogado, viola o art. 14, inciso II, do CPC ["São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: ... proceder com lealdade e boa-fé"] e ofende o princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual "a ninguém é lícito fazer valer seu direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé" (STJ, 3ª Turma, REsp. 1.192.678, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino). Tal princípio, afirma a Min. Maria Thereza de Assis Moura, "ecoa por todo o ordenamento jurídico, não se esgotando no campo do Direito Privado, no qual, originariamente, deita raízes" (STJ, HC 137.549/RS, 6ª Turma, julgado em 07-02-2013). A mesma Ministra, em outro julgado (HC 177.234/MG, 6ª T., j. 21-02-2013), confirma que "a relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva".
Os tribunais pátrios, notadamente o egrégio Superior Tribunal de Justiça, têm aplicado sistematicamente o princípio da boa-fé objetiva não só às relações contratuais, mas também às relações processuais, tanto no processo penal (de que são exemplos as duas últimas decisões acima citadas), quanto no processo cível, como se pode constatar da leitura dos seguintes acórdãos: REsp 1344678/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23-10-2012, DJe 06-11-2012; AgRg no Ag 1337996/SP, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 28-02-2012, DJe 07-03-2012; REsp 1005727/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24-04-2012, DJe 15-05-2012; AgRg no REsp 1280482/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07-02-2012, DJe 13-04-2012; REsp 1068271/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24-04-2012, DJe 15-06-2012.
Como bem afirma o Min. Paulo de Tarso Sanseverino (REsp. 901.548/RS) são consectários do princípio da boa-fé objetiva os deveres de lealdade e de informação. No presente caso, a parte autora tinha o dever de informar, por ocasião da segunda ação, que já ajuizara outra ação com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, no juízo federal.
Discorrendo sobre o dever de lealdade processual, ensina Márcio Louzada Carpena:
"A lealdade compreende postura ética, honesta, franca, de boa-fé, proba, que se exige em um estado de direito; ser leal é ser digno, proceder de forma correta, lisa, sem se valer de artimanhas, embustes ou artifícios.
Em sede de direito processual, a lealdade, na concepção teleológica, significa a fidelidade à boa-fé e ao respeito à justiça, que, entre outras formas, se traduz não só pela veracidade do que se diz no processo, mas também pela forma geral como nele se atua, incluindo-se, aí, o que não se omite"
(Da (Des)lealdade no Processo Civil, in Revista Jurídica 331, Maio/2005, pp. 27-48).
Obviamente, a afronta ao dever de informação, além de propiciar locupletamento indevido de uma parte em detrimento de outra, consistiu em vulneração da conduta leal dentro do processo, que fragilizou a segurança jurídica necessária para a entrega da prestação jurisdicional (REsp. 1.068.271/SP, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, julgado em 24-04-2012).
A conduta da parte autora, por seu advogado, em propor uma segunda ação para a obtenção de benefício previdenciário de salário-maternidade após o trânsito em julgado da decisão do primeiro processo, em juízo diverso, sem fazer qualquer menção a tal fato, atenta contra o dever processual de proceder com lealdade e boa-fé em todos os atos do processo (CPC, art. 14, inciso II) e ofende o princípio da boa-fé objetiva.
Tal conduta, meditada e reiterada, por afrontar o Direito, não pode ser chancelada por este Tribunal.
A propósito do papel do magistrado em coibir condutas incompatíveis com o padrão ético adequado no curso da relação processual, transcrevo ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:
"O quadro atual do direito processual, em todo o mundo ocidental, como retrata Morelo, vive "la nueva edad de las garantias jurisdiccionales", no qual se reforçam a autonomia e a independência do juiz, e se lhe confia um papel mais ativo, tanto para comandar a marcha do processo e a instrução probatória como para zelar pela dignidade da justiça e pelo comportamento ético de todos quantos intervenham na atividade processual"
(Boa-fé e Processo - Princípios Éticos na Repressão à Litigância de Má-fé - Papel do Juiz, in Revista Jurídica 368, Junho/2008, pp. 12-29).
Portanto, ao ajuizar a presente ação, renovando pedido que já fora objeto de apreciação judicial, a parte autora procedeu de forma temerária, sem sequer mencionar a existência da primeira ação na petição inicial.
Assim, tenho que se impõe a condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 17 e 18 do CPC. Fixo a multa em 1% sobre o valor da causa.
É importante ressaltar que, mesmo que a parte litigue sob o amparo da AJG, a condenação ao pagamento das verbas extraordinárias, como as despesas acima referidas, não estão compreendidas no benefício que assegura o acesso à Justiça. Colaciono precedente desta Corte nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SUSPENSÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. O pagamento de multa em face de condenação por litigância de má-fé (CPC, arts. 17, III e 18, caput) não está compreendida no rol de isenções enumerado pela lei que dispôs sobre a Assistência Judiciária Gratuita (AJG, Lei nº 1.060/50). Agravo improvido.
(TRF4, AG 2009.04.00.042712-6, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 27-01-2010)
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do INSS para acolher a preliminar de coisa julgada e extinguir o processo sem resolução do mérito, a teor do art. 267, inciso V, do CPC.
Des. Federal CELSO KIPPER
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/02/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001585-04.2015.404.9999/PR
ORIGEM: PR 00021592520138160167
RELATOR | : | Des. Federal CELSO KIPPER |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal CELSO KIPPER |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | ELAINE APARECIDA OLIVEIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/02/2015, na seqüência 654, disponibilizada no DE de 10/02/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS PARA ACOLHER A PRELIMINAR DE COISA JULGADA E EXTINGUIR O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, A TEOR DO ART. 267, INCISO V, DO CPC.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal CELSO KIPPER |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal CELSO KIPPER |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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