APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038785-45.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VANDERLI DE SOUZA |
ADVOGADO | : | ANDRÉ LUÍS PEREIRA BICHARA |
: | MONICA MARIA PEREIRA BICHARA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. BOIA-FRIA. QUALIDADE DE SEGURADA COMPROVADA. inexigilidade de recolhimento de contribuições. ATIVIDADE URBANA DO CÔNJUGE.
1. O rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado.
2. Quanto ao boia-fria, é irrelevante a inexistência do recolhimento de contribuições. Ainda que possa ser considerado contribuinte individual, a responsabilidade por eventual recolhimento, no seu caso específico, seria do tomador, como inclusive decorre do disposto no artigo 14-A da Lei 5.889/73 (introduzido pelo artigo 1º da Lei 11.718/08).
3. Eventual atividade urbana do cônjuge não constitui óbice quando há documentos em nome próprio e a atividade é exercida individualmente (e não em regime de economia familiar).
4. Em se tratando de salário-maternidade, onde a condenação corresponde a quatro salários mínimos, os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), consoante pacificada jurisprudência deste Regional.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento recurso do INSS na parte em que não prejudicado, julgar parcialmente prejudicado o apelo da parte autora e dar-lhe parcial provimento para fins de majorar a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de novembro de 2016.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Ana Carine Busato Daros, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8610558v7 e, se solicitado, do código CRC 69248E49. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Ana Carine Busato Daros |
| Data e Hora: | 28/11/2016 14:45 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038785-45.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VANDERLI DE SOUZA |
ADVOGADO | : | ANDRÉ LUÍS PEREIRA BICHARA |
: | MONICA MARIA PEREIRA BICHARA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
A parte autora pretende obter a concessão de salário-maternidade.
Após regular instrução, é prolatada sentença (fls. 114/116), acolhendo o pedido, nos seguintes termos:
"Diante do exposto, julgo procedente o pedido para o fim de condenar o Instituto Nacional de Seguro Social a pagar à autora VANDERLI DE SOUZA, devidamente qualificada na inicial, ao pagamento do benefício do salário-maternidade, no valor de 04 salários mínimos, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC, desde a data do requerimento, e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.
Condeno, ainda, o requerido, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem assim ao pagamento de honorários ao advogado da autora, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, atendidos o grau de zelo do profissional, o local da prestação de serviços e a pouca complexidade da demanda."
Irresignadas, ambas as partes apelam.
A parte autora apela pretendendo a majoração da verba honorária e a condenação do réu ao pagamento do abono natalino proporcional (fls. 118/121).
O réu apela sob o argumento de que não restou comprovada a qualidade de segurada da autora, pois não ficou demonstrado que se trata de segurada especial, já que não há documentos em nome próprio e o cônjuge exerce atividade urbana como enfermeiro. Postula, em caso de manutenção da condenação, a aplicação da Lei 11.960/2009 no que tange a correção monetária e juros (fls. 123/130).
Com as contrarrazões da autora (fls. 134/139) e do réu (fls. 141/143), os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da remessa necessária
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, tratando-se de salário-maternidade postulado por trabalhadora rural, cujo benefício, de acordo com a lei, corresponde ao valor de 1 (um) salário mínimo e a apenas 4 (quatro) prestações mensais, é certo que a condenação jamais excederá 60 (sessenta) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do § 2° do art. 475 do CPC.
Logo, a sentença prescinde de liquidação e não deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil, o qual é aplicável ao caso sub examine, porquanto a r. sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Portanto, não conheço da remessa oficial.
Da prescrição quinquenal
Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, não prescreve o fundo do direito, apenas as parcelas anteriores a cinco anos da data do ajuizamento da ação (Decreto 20.910/32).
Sendo assim, observar-se-á aqui o contido na Súmula n. 85 do STJ: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."
Desse modo, estão fulminadas pela prescrição as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação.
Do salário-maternidade
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de salário-maternidade, previsto no artigo 71 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 10.710/2003, que entrou em vigor em 01.09.2003:
"Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade."
Da letra da lei conclui-se que deve ser comprovada a condição de segurada, além, é claro, da própria gravidez, para que exista o direito ao benefício em questão, o qual independe de carência para as seguradas empregadas, trabalhadoras avulsas e empregadas domésticas, nos termos do art. 26, VI, da Lei 8.213/91.
Já para a segurada contribuinte individual, segurada facultativa e a segurada especial a lei prevê a carência de 10 (dez) contribuições mensais (art. 25, III, da Lei 8.213/91). A referência ao parágrafo único do art. 39 deve ser lida como comprovação do exercício de atividade rural pelo período de dez meses, principalmente após a edição do Decreto n.º 3.265/99 (§ 2º do art. 93).
Não ignoro que precedentes desta Turma apontam a carência de 12 meses para a segurada especial:
"(...) Em relação à carência, a Lei de Benefícios da Previdência Social exige, em seu artigo 25, inciso III, dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei, das seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13, ao passo que, no artigo 39, parágrafo único, para as seguradas especiais, fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.¨(...) (TRF4, AC 0005410-07.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 22/06/2016)
Contudo, ressalvo meu entendimento pessoal no ponto, no sentido de que a carência para a segurada especial é de dez meses, consoante a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha, que a seguir transcrevo:
"Com relação à carência para o benefício de salário-maternidade, considerando a sofrível redação desde inciso III, poderia subsistir certa dúvida quanto à carência necessária para a segurada especial (10 ou 12 contribuições), pois a parte final do dispositivo refere "respeitado o parágrafo único do Art. 39 desta Lei." Contudo, o Decreto nº 3.265/99, alterando o RPS, adotou a interpretação mais benéfica à segurada, igualando o prazo de carência desta espécie ao imposto para a contribuinte individual (§ 2º do art. 93)." (ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à lei de benefícios da previdência social: Lei 8.213, de 24 de julho de 1991/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Junior. - 14 ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo, Atlas, 2016, p. 162).
Outrossim, no que toca à qualidade de segurado, caso a requerente cesse o recolhimento das contribuições, devem ser observadas as regras constantes no art. 15 e parágrafos:
"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
De outro modo, no tocante ao abono natalino, cumpre salientar que inexiste necessidade de previsão expressa no julgado, nos termos do artigo 120 do Regulamento da Previdência Social (Dec. 3048/99):
Art. 120. Será devido abono anual ao segurado e ao dependente que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria, salário-maternidade, pensão por morte ou auxílio-reclusão.
Confira-se, a propósito, o seguinte o julgado deste Colegiado:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ABONO NATALINO. SALÁRIO MATERNIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROCESSO DE CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. 1. É devido o abono natalino na liquidação de julgado que condena o INSS a conceder o benefício de salário maternidade, independentemente de expressa previsão no julgado, em decorrência da norma insculpida no art. 120 do Decreto nº 3.048/99. [...] (AC nº 0020747-75.2012.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, POR UNANIMIDADE, D.E. 08/10/2013)
Do tempo de serviço rural
Quanto ao reconhecimento de trabalho rural aplicam-se as seguintes regras gerais:
1 - Exige-se início de prova material do exercício da atividade rural, nos termos do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/91, que pode ser entendido como a presença de quaisquer dos documentos relacionados no parágrafo único do art. 106 da Lei n. 8.213/91, cujo rol não é exaustivo, não se admitindo a prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação do exercício da atividade rurícola, conforme entendimento sedimentado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário");
2 - Admite-se a utilização de documentos em nome de terceiros membros do grupo familiar, conforme entendimento já consolidado através da Súmula n.° 73 do TRF da 4ª Região ("Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental");
3 - Admite-se, também, a descontinuidade da prova documental, bem como a ampliação da abrangência do início de prova material a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal. Com efeito, para caracterizar o início de prova material não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, seja porque a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. O início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática. Nesse sentido o STJ, recentemente, editou a Súmula 577, cujo teor é o seguinte: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentando, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório" (Recursos Especiais 1.321.493 e 1.348.633);
4 - O exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
5 - O tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
6 - A utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
7 - Segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença".
8 - No que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias
As Turmas previdenciárias deste Tribunal não têm exigido recolhimento de contribuições por parte de trabalhador boia-fria, o qual, de regra, é o trabalhador mais carente da área rural. Ainda que possa ser considerado contribuinte individual, a responsabilidade por eventual recolhimento, no seu caso específico, seria do tomador, como inclusive decorre do disposto no artigo 14-A da Lei 5.889/73 (introduzido pelo artigo 1º da Lei 11.718/08). Não há, assim, como condicionar a concessão do benefício ao recolhimento de contribuições.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. BÓIA-FRIA OU ASSALARIADA RURAL. REGISTRO EM CARTEIRA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
O bóia-fria é trabalhador rural do tipo assalariado, sem registro formal nem emprego permanente, pelo que não está obrigado a comprovar registro em carteira nem recolhimento de contribuições previdenciárias, mas somente o exercício do trabalho rural subordinado, mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.04.01.029412-1, 5ª Turma, Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI, por unanimidade, D.E. 10/01/2007)
PREVIDENCIÁRIO. QUALIDADE DE SEGURADO. BOIA-FRIA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MANUTENÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. No meio rural, o chamado "diarista", "boia-fria" ou "safrista", trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das contribuições Previdenciárias. 2. Comprovado pela perícia oficial, em cotejo com o conjunto probatório, que a segurada padece de enfermidades que a incapacitam de forma total e permanente para o trabalho, considerados o quadro clínico e as condições pessoais, é de ser concedido o benefício de auxílio-doença desde o requerimento administrativo e convertido em aposentadoria por invalidez, a contar da data do laudo judicial. 3. Atendidos os pressupostos legais, quais sejam a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano irreparável (art. 273 do CPC), é de ser mantida a antecipação da tutela deferida na sentença. 4. (...)
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015098-03.2010.404.9999, 6ª Turma, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, por unanimidade, D.E. 30/05/2011)
Assim, quanto ao boia-fria, é irrelevante a inexistência do recolhimento de contribuições.
Do caso concreto
A autora alega na inicial que exerce atividade rural como diarista, volante ou boia-fria.
Como prova material do labor rural apresentou certidões de nascimento dos filhos gêmeos João Miguel e João Gabriel de Souza Vicente, em 19/11/2013, em que aparece qualificada como lavradora (fls. 14/15).
A prova oral colhida em audiência é favorável (vídeos no evento 66).
A autora afirmou que trabalhou como boia-fria até os oito meses e meio de gestação, na colheita do café.
A testemunha Lídia Machado Rosa e a informante Luzia Maria de Souza confirmaram o labor rurícola da demandante, afirmando que trabalharam com a autora durante sua gestação, na colheita de café, até pouco antes do nascimento das crianças. Lídia afirmou que trabalharam juntas para Antônio Teixeira e Adalto Pedão, e que a autora chegou a trabalhar também na chácara da depoente. Já Luzia afirmou que trabalharam para Antônio Teixeira, Mário e Adalto.
O INSS alega, contudo, ausência de prova material em nome próprio e descaracterização do regime de economia familiar em virtude de atividade urbana do cônjuge como enfermeiro.
Contudo, a autora apresentou documento em nome próprio - certidões de nascimento dos filhos gêmeos em que aparece qualificada como lavradora, assim como seu esposo está qualificado como lavrador no mesmo documento.
As certidões de nascimento dos filhos em que aparece a própria autora como lavradora é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedentes da Terceira seção. (TRF4, AC 0009570-46.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 30/08/2016).
No mesmo sentido: "A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material (EIAC N. 0004819-21.2011.404.9999, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 15-06-2012)". (TRF4, AC 0021128-49.2013.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 18/11/2014).
No caso, entendo que os documentos juntados aos autos, com certa flexibilização, constituem início de prova material. Isso porque se tratam de certidões da vida civil (nascimento dos filhos), que servem como prova.
Ademais, deve ser levado em conta que o trabalhador rural boia-fria ainda está à margem da formalidade, sendo muitas vezes contratado por terceiros e colocado para trabalhar em estabelecimentos rurais cujos proprietários nem sequer são identificados no momento em que aquele é arregimentado. Assim, torna-se difícil a tarefa de obter registros documentais acerca das atividades campesinas exercidas por tal trabalhador.
Nessa hipótese, a prova testemunhal assume importante papel na busca da formação do convencimento do julgador. E quanto a esse meio probatório, as pessoas ouvidas na instrução teceram detalhes acerca da vida laboral da parte autora que, juntamente com os documentos apresentados, permitem concluir que, de fato, a autora desempenhou atividades rurais como boia-fria. A prova oral, portanto, foi clara e convincente, corroborando o documento apresentado.
Portanto, entendo que a prova material, corroborada pela prova oral, demonstra a atividade rurícola da postulante.
O fato de o companheiro da autora possuir vínculo urbano registrado no CNIS não interfere no caso porque as provas materiais apresentadas estão em nome próprio e a atividade da autora era exercida individualmente, como diarista, e não em regime de economia familiar.
Ademais, não há vínculo urbano no período de carência do benefício em questão (janeiro a novembro de 2013), haja vista que o vínculo apontado pelo INSS como óbice, constando a atividade do pai das crianças como enfermeiro, foi encerrado em 09/2012 (fl. 56), ou seja, antes do período de carência do benefício de salário-maternidade. Por outro lado, na certidão de nascimento dos filhos o pai aparece qualificado como lavrador.
Por fim, não há necessidade de recolhimento de contribuições pelo trabalhador rural boia-fria, consoante acima declinado.
Logo, a sentença, que concedeu o benefício de salário-maternidade à autora, deve ser mantida.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Contudo, em se tratando de salário-maternidade, onde a condenação corresponde a quatro salários mínimos, os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), consoante pacificada jurisprudência deste Regional.
Assim, merece provimento o apelo da parte autora no ponto.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária e Juros
Não obstante a determinação do artigo 491 do NCPC no sentido de que "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso", tal deliberação resta inviabilizada, neste momento, em razão da pendência do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 pelo STF e dos recursos representativos de controvérsia (Resp 1495146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR) pelo STJ (Tema 905).
Por conseguinte, ainda que o percentual de juros e o índice de correção monetária devam ser aqueles constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública (INSS), difere-se, excepcionalmente, para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária, no ponto, nos termos da deliberação proferida pelo STJ (EDcl no MS 14.741/DF , Rel. Ministro JORGE MUSSI, Terceira Seção, DJe 15/10/2014).
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
Confirma-se a sentença que julgou procedente o pedido da inicial, exceto no tocante aos honorários advocatícios, majorados. Não se conhece da remessa oficial. Nega-se provimento ao recurso do INSS, exceto no tocante a correção monetária e juros, parte em que fica prejudicado, e dá-se parcial provimento ao recurso da parte autora, somente no que tange à verba honorária. No tocante ao abono natalino, postulado pela parte autora, aduz-se que inexiste necessidade de previsão expressa no julgado, restando prejudicado o recurso.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento recurso do INSS na parte em que não prejudicado, julgar parcialmente prejudicado o apelo da parte autora e dar-lhe parcial provimento para fins de majorar a verba honorária.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038785-45.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00006158120148160097
RELATOR | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VANDERLI DE SOUZA |
ADVOGADO | : | ANDRÉ LUÍS PEREIRA BICHARA |
: | MONICA MARIA PEREIRA BICHARA | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/11/2016, na seqüência 750, disponibilizada no DE de 03/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO RECURSO DO INSS NA PARTE EM QUE NÃO PREJUDICADO, JULGAR PARCIALMENTE PREJUDICADO O APELO DA PARTE AUTORA E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA FINS DE MAJORAR A VERBA HONORÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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