| D.E. Publicado em 20/03/2017 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001948-76.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIANE FREESE |
ADVOGADO | : | José Antonio Schuster |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO TIGRE/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO-SUJEIÇÃO. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. QUALIFICAÇÃO DE AGRICULTOR EM CERTIDÕES DA VIDA CIVIL.
1. A sentença que dá provimento ao pedido de concessão benefício de salário-maternidade (benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, devido durante quatro meses), por prescindir de liquidação ou com condenação não excedente de sessenta salários-mínimos, não está sujeita à remessa oficial.
2. É devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural exercido no período de doze meses antecedentes ao início do benefício, ou nos dez meses precedentes ao parto (artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. A certidão de nascimento do filho em que aparece a requerente como agricultora e as notas fiscais de produtor rural em nome da demandante são documentos aptos à constituição de início de prova material.
5. Segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedentes da Terceira Seção.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao apelo da autarquia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de março de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8781529v4 e, se solicitado, do código CRC B2CE14C6. | |
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| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 08/03/2017 14:22 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001948-76.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIANE FREESE |
ADVOGADO | : | José Antonio Schuster |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO TIGRE/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelo e de remessa oficial em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado por LUCIANE FREESE em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para condenar o réu a pagar à autora as parcelas de salário-maternidade que lhe são devidas pelo período de 120 dias a contar do nascimento do filho, no valor de 01 (um) salário mínimo cada parcela. Determinou o Juízo a quo que sejam os valores devidos acrescidos de correção monetária pelos índices oficiais, quais sejam, ORTN (10/64 a 02186, Lei n° 4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei n° 2.284/86, de 03-86 a 01-89), BTN (02/89 a 02/91, Lei n° 7.777/89), INPC(03/91 a 12/92, Lei n° 8.213/91), IRSM(01/93 a 02194, Lei n° 8.542/92), URV(03 a 06/94, Lei n° 8.880/94), IPC-r (07/94 a 06/95, Lei n° 8.880/94), INPC(07/95 a 04/96, MP n° 1.053/95), IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.° 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5°e 6.°, da Lei n.° 8.880/94) e INPC(a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.O10.741/03, combinado com a Lei n.O11.430/06, precedida da MPn.o 316, de 11'08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.° 8.213/91, e REsp.n.° 1.103.122/PR), bem como de juros de mora, a contar da citação até o efetivo pagamento, sendo que, até 29/06/2009, no valor de 1% ao mês e, após, pelo índice oficial aplicado às cadernetas de poupança, por força do disposto na Lei 11.960/09. Foi o réu condenado no pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que foram fixados em um salário mínimo vigente à data da sentença.
Sustenta o INSS, em seu recurso, que, para a concessão do salário-maternidade à segurada especial, é necessária a comprovação do exercício de atividade rural pelo período de 10 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua. Afirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rural, defendendo que a documentação que serve para tal fim deve ser contemporânea à época dos fatos a serem provados. Menciona que, para a caracterização do regime de economia familiar, é essencial que haja produção agrícola para fins de comercialização, não adquirindo a qualidade de segurado aquele que planta apenas para subsistência. Requer que seja reformada a sentença e julgado improcedente o pedido.
Após as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra nas hipóteses referidas, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
Não se desconhece o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as sentenças ilíquidas estão sujeitas ao reexame necessário. No entanto, tendo em vista que se trata de salário-maternidade - benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, devido durante apenas 4 (quatro) meses -, a condenação jamais excederá sessenta salários mínimos.
Em sendo assim, a sentença prescinde de liquidação e não está sujeita ao reexame necessário, por força do disposto no § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n.º 10.352/01, diploma legal aplicável ao presente caso (sentença proferida anteriormente a 18/03/2016).
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. REEXAME NECESSÁRIO. INADMISSÍVEL. Tratando-se de salário-maternidade postulado por trabalhadora rural, cujo benefício, de acordo com a lei, corresponde ao valor de um salário mínimo e a apenas quatro prestações mensais, a condenação representa montante inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Assim, a sentença prescinde de liquidação e não deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil. (TRF4, REOAC 0006142-22.2015.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/07/2015)
Diante do acima exposto, não se conhece da remessa oficial.
Do salário-maternidade à segurada especial
A Constituição Federal, nos artigos 6º e 201, inciso II, assegura proteção "à maternidade, especialmente à gestante", mediante a inclusão do direito de "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias" (inc. XVIII do art. 6º, CF).
Posteriormente, a Lei nº 8.213/91 dispôs sobre a matéria, na seção destinada aos benefícios, nos seguintes termos:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003).
A trabalhadora rural, apesar de havida como segurada especial da previdência social, consoante previsão do art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, somente foi contemplada com o benefício em questão pela edição da Lei nº 8.861, de 23-03-1994, que acrescentou o § único ao art. 39, Lei nº 8.213/91, com a seguinte redação:
"Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício."
Com a edição da Lei nº 9.876, de 26-11-1999, regulamentada pelo Dec. nº 3.048, art. 93, § 2º, com a redação do Dec. 3.265, de 29-11-1999, foi acrescentado que a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, ainda que de forma descontínua.
Portanto, para fazer jus ao benefício, a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período de 12 meses anteriores ao início do benefício (carência exigida), ou nos dez meses precedentes ao parto, consoante interpretação mais benéfica do próprio INSS, com fundamento no artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99.
De outra monta, a comprovação da atividade rural, no caso da segurada especial, pauta-se pelo disposto nos artigos 55, § 3º, e 106 da Lei nº 8.213/91, que dispõem:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o Art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no Art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Art. 106 - Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir de 16 de abril de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art. 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo Ministério Público ou por outras autoridades constituídas definidas pelo CNPS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural.
(Redação dada pela Lei n.º 9.063/95)
Não se exige prova plena da atividade rural em relação a todo o período de carência, mas somente início de documentação, que, aliada à prova testemunhal, viabilize a formação de conjunto probatório suficiente ao convencimento do Julgador. O artigo 106 relaciona documentos hábeis a esta comprovação; porém tal rol não é exaustivo, mas exemplificativo.
Estampa a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do benefício.
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira Seção.
3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora.
(AC: 0004805-66.2013.404.9999/PR;Relator Des. Fed. Celso Kipper; 6ª T, D.E. 14/06/2013).
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL DEMONSTRADA.
1. A parte autora faz jus à concessão do salário-maternidade quando demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência.
2. O exercício de atividades rurais, para fins previdenciários, pode ser demonstrado através de início razoável de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
3. Tratando-se de pedido de concessão de salário-maternidade à trabalhadora rural, deve ser mitigada a exigência de demonstração plena do exercício de atividades rurais sob pena de tornar impossível a concretização de um dos objetivos deste benefício, qual seja, a proteção à criança.
(AC: 0004209-82.2013.404.9999/ PR, Relator Des. Fed. Rogerio Favreto,5ª T. , D.E. 18/06/2013).
Observa-se, ainda, que as certidões da vida civil são eficazes a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Da contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação "empregador II b" nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
No caso em tela, a maternidade restou comprovada a fls. 33, com a certidão de nascimento do filho da autora, GABRIEL MARTINS, ocorrido em 05/07/2013, filho também de Mauro Martins.
O requerimento administrativo formulado em 18/09/2013 foi indeferido pelo INSS em 26/09/2013 (fls. 44), ao argumento de não ter a demandante comprovado o período de dez meses de contribuição anteriores ao nascimento.
Para a comprovação do trabalho rural, foi acostada aos autos a seguinte documentação:
- cópia da certidão de nascimento da autora, em que aparecem seus pais qualificados como agricultores (fls. 21);
- cópia da certidão de nascimento do filho da autora, ocorrido em 05/07/2013, em que aparecem a demandante e o pai da criança qualificados como agricultores (fls. 33);
- cópia de matrícula de imóvel rural em nome do sogro da autora (fls. 22/24);
- recibo de entrega da declaração de ITR relativo ao exercício 2013 em nome do sogro da demandante (fls. 25);
- nota fiscal de produtor rural em nome da autora datada de abril de 2013 (fls. 28/29);
- declaração de nascido vivo em nome da autora, em que aparece ela como agricultora (fls. 32);
Assiste razão ao Juízo a quo ao referir que a prova documental produzida é suficiente para comprovar que a autora exerceu atividade rural em regime de economia familiar, na companhia do marido, em terras pertencentes ao sogro ou a terceiros, em sistema de parceria.
As notas de produtor rural em nome da própria autora, documentos expressamente elencados no rol do art. 106 da Lei 8.213/91 como meio de comprovação do exercício da atividade rural, servem como início de prova material do exercício da atividade rural pela demandante no período de carência.
De outra parte, a certidão de nascimento do filho em a demandante e o marido estão qualificados como agricultores também é documento apto à constituição de início de prova material do labor rural, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). No referido julgado, concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador, nos seguintes termos:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
No mesmo sentido, a jurisprudência desta Casa Julgadora abaixo exemplificada:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. 1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do benefício. 2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira Seção. 3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora. (TRF4, AC 0015570-04.2010.404.9999, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 16/06/2015)
De outra parte, também a certidão de nascimento da demandante, em que seus pais aparecem qualificados como agricultores, reforça a tese de que se trata, efetivamente, de família com vocação para o exercício da atividade rural.
No que tange à prova testemunhal, é de referir-se que as testemunhas ouvidas em audiência realizada em 14/07/2014 ( CD de fls. 113) corroboraram as informações prestadas na inicial, confirmando que a autora era agricultora à época do nascimento de seu filho, em regime de economia familiar. Transcrevo, no ponto, trecho da sentença recorrida que cita o conteúdo dos depoimentos das testemunhas:
Luiz Antônio Wagner, 53 anos, agricultor, reside em Linha Guavirova, Arroiodo Tigre/ RS:
Juíza: O Sr tem conhecimento de qual a atividade exercida pela dona Luciane?
Testemunha: Lavoura.
Juíza: Trabalha com quem?
Testemunha: Eles hoje acho que eles tem, tão morando numa terra que é do tio dela eu acho que é.
Juíza: Quando ela engravidou ela trabalhava na agricultura, sim ou não?
Testemunha: Sim.
Juíza: Desde que idade ela trabalhou na agricultura, o Sr sabe?
Testemunha: Olha desde que eu conheço ela.
Juíza: Trabalhava com quem, com os pais, sim?
Testemunha: Sim.
Juíza: E quando ela engravidou ela trabalhava com quem?
Testemunha: Na propriedade deles.
Juíza: Deles quem?
Testemunha: Onde eles tão morando hoje.
Juíza: Tá mas o Sr não sabe dizer o nome das pessoas com quem ela trabalha, se é com o pai, o marido, com o sogro ...
Testemunha: É que, o marido dela é o Mauro.
Juíza: E ela trabalhava na agricultura com o marido?
Testemunha: Não, eles são juntados.
Juíza: Não, sim, mas enfim, com o pai do filho dela, trabalhavam juntos?
Testemunha: Sim.
Juíza: E plantavam o que nessas terrras?
Testemunha: A maioria acho que é fumo como todo mundo tem é fumo.
Juíza: O Sr sabe se ela trabalhou nas terras de Januário?
Testemunha: Assim, a gente se visita, é que eu moro aqui e eles moram na Linha Silveira lá, de quem é as terras que eles tão trabalhando lá eu não sei.
Juíza: Passo a palavra para o Procurador da Autora.
Procurador da Autora: Desde que o Sr conhece ela, desde pequena ela sempre trabalhou somente na lavoura?
Testemunha: Aham.
Procurador da Autora: O Sr nunca viu ela trabalhando em alguma outra atividade?
Testemunha: Não, sempre na lavoura.
Procurador da Autora: Os pais dela são da onde, são do Taquaral?
Testemunha: É, eles eram do Taquaral, só que eles na época, o pai dela e a mãe dela eles não tinham terra que era deles, que eles moravam fixo.
Procurador da Autora: Sim.
Testemunha: Eles moravam um ano num ligar, moravam outro ano em outro lugar e assim eles se ... onde faltava gente eles se mudavam e trabalhavam. Mas 0$ pais dela, hoje eles já são falecidos, eles não tinham terras nunca que era deles.
Procurador da Autora: Mas eles trabalhavam na lavoura?
Testemunha: Sim, sempre.
Procurador da Autora: E ela também, ajudava também?
Testemunha: Sempre na lavoura.
Procurador da Autora: Aí depois que ela se ajuntou continuou
trabalhando na lavoura também?
Testemunha: Continuou trabalhando na lavoura.
Valdemar Mayerofer, 58 anos de idade, agricultor, reside em Linha Lambedor, Arroio do Tigrel RS:
Juíza: O Sr tem conhecimento qual é a atividade exercida pela Luciane?
Testemunha: Desde que eu conheço ela, conheci ela de aluna, ela estudava na São Roque, eu tinha um filho que estudava com lá também e sempre era agricultora, sempre na lavoura.
Juíza: E o Sr sabe me dizer se quando ela tava grávida ela tava trabalhando na agricultura?
Testemunha: Sim.
Juíza: Trabalhava nas terras de quem e plantava o que?
Testemunha: Ela plantava fumo.
Juíza: Nas terras de quem?
Testemunha: Aqui na Itaúba, onde é que ela mora.
Juíza: Mas nas terras dela? Itaúba tem um local bem extenso, era em terra próprias, em terras do pai, terras do sogro, terras de terceiros?
Testemunha: Era terra de um tio dela.
Juíza: O Sr sabe o nome?
Testemunha: Não, eu só sei que ele é Martins, o primeiro nome não sei.
Juíza: E ela trabalhava com quem ali, quem é que ajudava no trabalho na lavoura além dela?
Testemunha: Quando ela tava junto com os pais dela?
Juíza: Não, quando ela tava grávida.
Testemunha: Com o companheiro dela.
Juíza: Com o marido?
Testemunha: Sim.
Januário Miguel Schneider, 34 anos de idade, agricultor, reside em Vila Progresso, Arroio do Tigre/RS:
Juíza: O Sr tem conhecimento qual é a atividade exercida por ela?
Testemunha: Sim Sra, sempre trabalhou na lavoura.
Juíza: O Sr sabe quando ela estava grávida onde ela estava trabalhando?
Testemunha: Sim Sra, ela trabalhou comigo uns dias na colheita de milho.
Juíza: E além dela quem é que trabalhava na lavoura junto com ela?
Testemunha: Ela sempre me ajudava, trabalhava por dia.
Juíza: E o companheiro dela também trabalhava?
Testemunha: Sim Sra.
Juíza: Passo a palavra para o Procurador da Autora.
Procurador da Autora: O que é produzido lá na lavoura, o excedente, isso é vendido?
Testemunha: Sim.
Procurador da Autora: Isso foi vendido no bloco do Sr ou no bloco de quem?
Testemunha: No meu bloco.
Procurador da Autora: E antes dela trabalhar um período com o Sr, o Sr sabe onde é que ela trabalhava?
Testemunha: Ela era do Taquaral.
Procurador da Autora: Taquaral. E atualmente, sabe onde é que ela tá trabalhando na lavoura?
Testemunha: Na Itaúba.
Procurador da Autora: O Sr confirma que ela sempre trabalhou só na lavoura?
Testemunha: Sim.
Leonita Cardoso, 56 anos de idade, agricultora, reside em Linha Severo, Itaúba, Estrela Velha/RS:
Juíza: A Sra sabe se ela é agricultora?
Testemunha: Sempre foi, sempre trabalhou na lavoura.
Juíza: A Sra sabe se ela trabalhava na lavoura quando estava grávida?
Testemunha: Sempre trabalhou na lavoura.
Juíza: E a Sra sabe em terras de quem que ela trabalhava ali antes da gravidez, ali durante a gravidez, um pouco antes assim?
Testemunha: Ela trabalhava, como é que é o nome?
Juíza: A Sra não pode perguntar.
Testemunha: Sim.
Juíza: A Sra lembra?
Testemunha: Eu não sei como é que é o nome ali que trabalhava;
Juíza: A Sra sabe, não sabe o nome da pessoa, é isso, dono da terra?
Testemunha: É.
Juíza: Não sabe. E ela trabalhava com quem, a onde é que fica localizada essa terra, onde é que fica localizada as terras onde ela trabalhou quando tava grávida?
Testemunha: Pois é, eu não sei como é que é o nome onde ela trabalhava, como é que é o nome.
Juíza: Da localidade ...
Testemunha: Vassoura.
Juíza: A Sra não sabe. Passo a palavra para o Procurador da Autora.
Procurador da Autora: Atualmente a dona Luciane tá morando a onde?
Testemunha: Ela trabalha lá vizinha minha, Linha Silveira.
Procurador da Autora: Linha Silveira?
Testemunha: É.
Procurador da Autora: Antes de ter se mudado lá pra Linha Silveira a Sra sabe a onde é que ela morava, a Sra sabe?
Testemunha: Ela morava ali no (...).
Procurador da Autora: E lá, durante o período da gravidez ela trabalhou na lavoura?
Testemunha: Trabalhou na lavoura, trabalhou na lavoura.
Considerando que foram preenchidos os requisitos legais, pois além de ter sido apresentado o início razoável de prova material do exercício da atividade rural pela demandante no período de carência, a prova testemunhal foi precisa acerca do desempenho do labor rurícola pela requerente, não merece reforma a sentença que reconheceu o direito da autora à percepção do salário maternidade.
Conclusão
Remessa oficial não conhecida; improvido o apelo da autarquia.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao apelo da autarquia.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/03/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001948-76.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00026255320138210143
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUCIANE FREESE |
ADVOGADO | : | José Antonio Schuster |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO TIGRE/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/03/2017, na seqüência 188, disponibilizada no DE de 14/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTARQUIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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