Apelação Cível Nº 5014255-93.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: SCHEILA PRESTES DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada pela parte autora buscando a concessão do benefício de salário-maternidade, em face do nascimento de seu filho Enzo Gabriel da Silva, ocorrido em 03/08/2022.
Sobreveio sentença (
) que julgou improcedente o pedido lançando, por ausência de comprovação da qualidade de segurada rural.A parte autora insurgiu-se contra a sentença (
), requerendo sua reforma diante do preenchimento da qualidade de segurada especial da apelante para a concessão do benefício pleiteado na peça exordial.Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. Apelante isenta de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.
Salário-maternidade
O salário maternidade é devido à trabalhadora que comprove o exercício da atividade rural pelo período de 10 meses anteriores ao início do benefício, considerado desde o requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando o requerimento for posterior), por 120 dias, com parcelas pertinentes ao salário-mínimo da época em que devidas.
Assim está regulado na Lei de Benefícios:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de 5.8.2003)
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado." (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Incluído pela Lei nº 8.861, de 1994).
A Lei nº 9.876/99 estendeu o salário-maternidade a todas as seguradas da Previdência Social, com regras específicas em relação ao valor e ao prazo de carência. E, a partir da edição da Lei nº 10.421/02, o benefício passou a ser devido também nas hipóteses de adoção de crianças.
Nos termos do artigo 26 da Lei nº 8.213/91, independe de carência o salário-maternidade pago às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. Para as seguradas facultativa, contribuinte individual e especial (enquanto contribuinte individual), o prazo de carência é de dez contribuições mensais.
Da controvérsia dos autos
A maternidade foi comprovada pela certidão de nascimento de Enzo Gabriel da Silva, ocorrido em 03/08/2022 (
).Controvertem as partes acerca da qualidade de segurada especial da autora.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental - Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, pois o egrégio STJ pacificou entendimento no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, como bem se verifica.
Pelo nascimento de seu filho ocorrido em 03/08/2022, há necessidade de se verificar o preenchimento da carência legal, consistente na caracterização da condição de segurada especial no intervalo de 10 meses anteriores a essa data.
Da análise dos autos, para comprovar a qualidade de segurada especial da parte autora, como trabalhadora rural, no período de carência necessária para a concessão do benefício de salário-maternidade, foram juntados os seguintes documentos:
- Certidão de nascimento do filho, onde o pai foi qualificado como agricultor e a autora do lar, com endereço na Linha Araponga, interior de Itapuca/RS (
);- Notas fiscais de produtor rural em nome do genitor da autora nos anos de 2020, 2021 e 2022, na Linha Quinta, interior de Arvorezinha/RS (
);- Autodeclaração do segurado especial - rural no período de 10/01/2020 a 28/04/2023, em regime de economia familiar (
, p.08/10).Logo, a documentação apresentada nos autos constituí início de prova material; entretanto, não houve a produção de prova testemunhal em audiência, como requerido pela parte autora (
).Neste cenário, apenas a parcela do início de prova material é insuficiente para a composição da carência exigida para a concessão do benefício de salário-maternidade requerido, uma vez que autodeclaração de atividade rural na esfera administrativa seria insuficiente para o esgotamento do exame do direito afirmado.
A hipótese em exame adequa-se à orientação firmada por este Regional para o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) de nº 17, cujo teor é o seguinte:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Logo, impõe-se o retorno dos autos à instância de origem, para que se viabilize a oitiva de testemunhas.
Conclusão
O recurso comporta parcial provimento para o efeito de determinar o retorno dos autos à instância de origem para a realização de audiência judicial, para a oitiva de testemunhas, bem como os elementos eventualmente colhidos a partir da oitiva das testemunhas em juízo, seja proferida nova sentença.
Honorários
Em razão do parcial provimento do recurso, resta afastada a condenação da parte autora ao pagamento de custas e honorários de advogado.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004298789v37 e do código CRC 4fa39d4c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014255-93.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: SCHEILA PRESTES DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. TEMPO RURAL. IRDR Nº 17. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL EM AUDIÊNCIA JUDICIAL.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. Hipótese na qual não se revela razoável dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver autodeclaração de atividade rural realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário (IRDR 17 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/02/2024 A 27/02/2024
Apelação Cível Nº 5014255-93.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: SCHEILA PRESTES DA SILVA
ADVOGADO(A): CLAUS SCHULZ (OAB RS088882)
ADVOGADO(A): ANA PAULA BONET (OAB RS097179)
ADVOGADO(A): ADRIANO MARQUES DE FARIAS (OAB RS082445)
ADVOGADO(A): ANDERSON EDUARDO SCHULZ (OAB RS102721)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/02/2024, às 00:00, a 27/02/2024, às 16:00, na sequência 1073, disponibilizada no DE de 07/02/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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