APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043211-66.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | MEIRI GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL "BOIA-FRIA". QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. ABONO ANUAL. TERMO INICIAL.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, faz jus à parte autora ao benefício de salário-maternidade. 3. É devido o abono anual para os benefícios elencados no artigo 120 do Decreto n.º 3.048, de 06-05-1999, com a redação conferida pelo Decreto n.º 4.032, de 26-11-2001, da Lei n.º 8.213/91, dentre os quais se enquadra o salário-maternidade. 4. O termo inicial do benefício em questão decorre de lei, especificamente do art. 71 da Lei n.º 8.213/91, que explicita serem devidas as parcelas do salário-maternidade: "durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data da ocorrência deste". Não requerido antes do parto, a data de início deve ser fixada no dia do nascimento da criança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8778565v4 e, se solicitado, do código CRC 14C6DAFD. | |
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| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 27/01/2017 14:39 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043211-66.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | MEIRI GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta contra sentença em que o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de concessão de salário-maternidade, formulado pela parte autora em razão do nascimento de seu filho, em 04-05-2010, e do exercício do labor rural como boia-fria, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão da concessão da assistência judiciária gratuita.
Tempestivamente, a parte autora recorre, postulando a reforma da sentença. Em suas razões, sustenta, em suma, que o exercício da atividade rural no período correspondente à carência restou demonstrado pelos documentos acostados aos autos, os quais foram corroborados pela prova testemunhal, razão pela qual faz jus à concessão do benefício. Requer a condenação do INSS à conceder o salário-maternidade e o pagamento do abono anual proporcional.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos presentes autos cinge-se à possibilidade de a parte autora obter o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial (trabalhadora rural "boia-fria").
Do salário-maternidade
A respeito da concessão desse benefício à segurada especial, assim dispõe o art. 39, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 8.861/94, e o art. 25, inciso III, da mesma Lei, acrescentado pela Lei nº 9.876/99:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do Art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Parágrafo acrescentado pela Lei n.º 8.861, de 25.3.94).
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral da Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I- (...)
III- salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei.
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado.
No que tange à qualidade de segurado especial, prevê o art. 11, inciso VII, da Lei n. 8.213/91:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2° da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1° Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Quanto ao início e à duração do benefício do salário-maternidade, assim dispõe o art. 71 da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 10.710/03, que vigorou a partir de 01/09/2003:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei n.º 10.710, de 5.8.2003).
Os requisitos, portanto, para concessão do benefício em discussão são, de um lado, a demonstração do nascimento do filho e, de outro, a comprovação do labor rural da mãe como segurada especial, ainda que descontínuo, nos dez meses imediatamente anteriores ao início do benefício (estipulado este no art. 71 da LBPS), salvo em caso de parto antecipado, em que o referido período deve ser reduzido em número de meses equivalente à antecipação, tudo com fundamento na análise conjunta dos arts. 25, inc. III e parágrafo único, e 39, parágrafo único, ambos da LBPS.
A maternidade restou comprovada pela certidão de nascimento de Athila Silva de Castro, ocorrido em 04-05-2010 (Evento 1 - OUT6).
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n.° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa.
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do trabalhador rural boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
Registro, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça e esta Corte já pacificaram o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário. Nesse Sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. BOIA-FRIA. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A questão do recurso especial gira em torno do reconhecimento do direito à aposentadoria por idade, na condição de segurado especial boia-fria.
2. O Tribunal a quo ao afirmar ao afirmar que não há início razoável de prova material devidamente corroborada pela prova testemunhal, aplicou a jurisprudência do STJ consolidada no sentido de que: 1) a prova testemunhal deve ser conjugada com início de prova material; 2) não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo art. 143 da Lei 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória.
3. A revisão do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, que afirmou a inexistência de conjunto probatório harmônico acerca do efetivo exercício de atividade rural, encontra óbice na Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 390.932. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. DJE: 22-10-2013)
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. PRESCRIÇÃO. SEGURADA BOIA-FRIA. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES.
1. Não deve ser acolhida a prejudicial de prescrição se entre o nascimento e o ajuizamento da ação, uma vez que não havendo prévio requerimento administrativo, não se passaram cinco anos.
2. Demonstrada a maternidade e a qualidade de segurada especial, mediante início razoável de prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade.
3. Esta Corte já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário. (TRF4, Apelação Cível nº 0017780-28.2010.404.9999. Relatora: Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida. DJE: 21-05-2014 )
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, uma vez que o entendimento pacificado do egrégio STJ é no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, conforme se extrai dos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DOCUMENTO COM FÉ PÚBLICA. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. POSSIBILIDADE. VALORAÇÃO DE PROVA.
1. A comprovação da atividade laborativa do rurícola deve se dar com o início de prova material, ainda que constituída por dados do registro civil, assentos de óbito e outros documentos que contem com fé pública.
2. A Lei não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, se prova testemunhal for capaz de ampliar sua eficácia probatória, como ocorreu no caso dos autos.
3. O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.
4. Os documentos trazidos aos autos foram bem valorados, com o devido valor probatório atribuído a cada um deles, pelas instâncias ordinárias, sendo manifesto o exercício da atividade rural pela Autora.
5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, desprovido.
(RESP 637437 / PB, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17-08-2004, publicado em DJ 13.09.2004, p. 287)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.VALORAÇÃO.
I - A certidão de nascimento, onde o cônjuge da autora é qualificado como lavrador, constitui início de prova material apta à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários.
II - Procedeu-se à valoração, e não ao reexame, da documentação constante dos autos.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 951.518/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 29/09/2008)
No mesmo sentido posicionou-se esta Terceira Seção, por ocasião do julgamento dos EIAC N. 0004819-21.2011.404.9999, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 15-06-2012, cuja ementa apresenta o seguinte teor:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA.
1. Omissis.
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira seção.
3. Caso em que a prova testemunhal foi uníssona e consistente ao corroborar o início de prova material apresentado, confirmando o labor rural da autora, na condição de boia-fria, inclusive durante a gestação, com indicação dos proprietários das terras nas quais trabalhou e dos intermediários que a transportavam ao serviço.
Desse modo, tratando-se de pedido de concessão de salário-maternidade à trabalhadora rural, deve ser mitigada a exigência de demonstração plena do exercício de atividades rurais sob pena de tornar impossível a concretização de um dos objetivos deste benefício, qual seja, a proteção à criança.
No caso concreto, para comprovar o efetivo trabalho agrícola no período estabelecido por lei, foram trazidos aos autos diversos documentos, destacando-se: a) certidão de casamento da autora, em que o genitor está qualificado como tratorista, ocorrido em 28-05-2013; b) a certidão de nascimento do filho da autora, Athila Silva de Castro, ocorrido em 04-05-2010, em que a autora está qualificada como "do lar" e o esposo como mecânico; c) Ficha Geral de Atendimento - FGA, estando a autora identificada como trabalhadora rural, registrando atendimentos nos anos de 1992 e de 1998 a 2002. Este último documento demonstra que a parte autora pode ser qualificada como sendo agricultora de profissão, o que também vem sendo aceito pela jurisprudência como início de prova material.
Consoante se vê, embora a prova material não se revista de robustez suficiente, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado "diarista", "boia-fria" ou "safrista", trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.
A prova testemunhal produzida em juízo em 06-06-2016 demonstrou-se idônea e consistente em ratificar a condição de rurícola da parte autora, conforme se verifica das declarações das testemunhas e do depoimento pessoal da parte autora
A parte autora, em seu depoimento, afirmou que de 05-2009 a 05-2010 trabalhou na roça, carpindo, na Fazenda Paranapanema, que o dono da fazenda é o Sr. Alexandre, que um gerente da fazenda chamado Sr. Marcos a buscava para trabalhar de manhã, com a camionete da fazenda, ele era o encarregado de reunir as pessoas para trabalhar. Que trabalhava das 8h às 18h e recebia por quinzena, que o valor da diária era, na época, de R$ 25,00 a R$ 35,00, dependendo da área do serviço. Informou que trabalhou também com o Marquinhos, apelido "Jagunço", em um arrendamento de mandioca, que recebia por quinzena, que o valor da diária variava entre R$ 40,00 a R$ 45,00, que o próprio Marquinhos buscava os diaristas para trabalhar de camionete. Nesses dois lugares a autora trabalhou no ano anterior ao nascimento de seu filho. Nesse período não trabalhou na atividade urbana, que o marido, na época, trabalhava em uma barragem. Que o marido registrou na certidão de nascimento do filho a autora como "do lar" porque ela não tinha carteira assinada e porque não sabia se retornaria ao labor rural. Que trabalhou até o 5º/6º mês de gestação. Que voltou a trabalhar na roça depois de seis meses do nascimento do filho, que a criança foi para a escolinha com seis meses. Na certidão de casamento, em 2013, a autora se declarou como "do lar", porque não trabalhava todos os dias, alguns dias não tinha serviço então ficava em casa. Mas na maior parte dos dias trabalhava.
A testemunha Luciana Cristina de Souza Silva, compromissada, declarou que conhece a autora há 18 anos, da fazenda onde a autora morava com a mãe. Que nos anos de 2009 e 2010 a autora trabalhava na Fazenda Paranapanema, que o Alexandre buscava o pessoal na cidade para trabalhar, na época a autora já estava casada e morava na cidade. Que o marido da depoente, Sr. Marcos, também buscava os diaristas de camionete, as 6h30m da manhã. Que a autora carpia roça. Entre 2009 e 2010, a autora também trabalhou para o Marquinhos, em um arrendamento de mandioca. Que a autora parou a trabalhar com cinco a seis meses de gravidez, depois que o filho nasceu ela voltou a trabalhar.
A testemunha Maria do Carmo da Silva Sanches, compromissada, disse que é vizinha da autora, que conhece a autora há uns dez anos, que antes de engravidar a autora trabalhava na roça, na Fazenda Mãe de Deus, nas lavouras de mandioca e milho, que a autora trabalhou até o quinto mês de gravidez.
Com efeito, a prova oral colhida em audiência foi uníssona e consistente em corroborar o início de prova material apresentado pela autora, afirmando o labor desta na agricultura, na condição de boia-fria, inclusive durante a gravidez, tendo as testemunhas citado os nomes dos proprietários das fazendas e as culturas laboradas. Desse modo, tenho que restou comprovado, portanto, o exercício da atividade rural pela demandante, no prazo exigido em lei.
Assim, em que pese os documentos apresentados pela autora não cubram todo o período, são válidos como início de prova material, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em afirmar que a demandante laborou por período superior ao de carência exigida para a concessão do benefício.
Destarte, do conjunto probatório trazido aos autos, pode-se concluir que restou caracterizado o exercício de atividade rural pela autora na condição de boia-fria, no período exigido pela legislação previdenciária, o que constitui elemento suficiente para comprovar a sua qualidade de segurada especial.
Portanto, os requisitos constitucionais e legais exigidos para a concessão do salário-maternidade, quais sejam, a prova do nascimento do filho e do labor rural no período imediatamente anterior ao início do benefício, pelo período de 10 (dez) meses, restou devidamente provado, devendo ser reformada a sentença para determinar a concessão do benefício de salário-maternidade à parte autora.
Marco inicial
O termo inicial do benefício em questão decorre de lei, especificamente do art. 71 da Lei n.º 8.213/91, que explicita serem devidas as parcelas do salário-maternidade: "durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data da ocorrência deste". Assim, como a autora não requereu o benefício antes do parto, a data de início do mesmo deve ser fixada na data do nascimento da criança.
Abono Anual
O art. 120 do Decreto nº 3.048/1999 prevê que será devido abono anual ao segurado e ao dependente que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria, salário-maternidade, pensão por morte ou auxílio-reclusão.
A Instrução Normativa nº 45/2010 do INSS, por sua vez, em seu art. 345, dispõe:
Art. 345. O abono anual, conhecido como décimo terceiro salário ou gratificação natalina, corresponde ao valor da renda mensal do benefício no mês de dezembro ou no mês da alta ou da cessação do benefício, para o segurado que recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria, salário-maternidade, pensão por morte ou auxílio-reclusão, na forma do que dispõe o art. 120 do RPS.
§ 1º O recebimento de benefício por período inferior a doze meses, dentro do mesmo ano, determina o cálculo do abono anual de forma proporcional.
§ 2º O período igual ou superior a quinze dias, dentro do mês, será considerado como mês integral para efeito de cálculo do abono anual.
§ 3º O valor do abono anual correspondente ao período de duração do salário-maternidade será pago, em cada exercício, juntamente com a última parcela do benefício nele devido.
§ 4º O abono anual incidirá sobre a parcela de acréscimo de vinte e cinco por cento, referente ao auxílio acompanhante, observado o disposto no art. 120 do RPS.
§ 5º O pagamento do abono anual de que trata o art. 40 da Lei no 8.213, de 1991, poderá ser realizado de forma parcelada, na forma de ato específico.
Dessa forma, é devido o abono anual ao segurado que receber salário-maternidade.
Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Da Verba Honorária
Nas ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas devidas até a data da sentença, em consonância com as Súmulas 76 desta Corte e 111 do STJ. Todavia, versando a causa sobre salário maternidade, entendo que os honorários advocatícios devem corresponder a R$ 880,00. Isso porque, nesse caso, o valor da condenação restringe-se a 04 (quatro) salários mínimos, sendo que o arbitramento da verba honorária em 10% sobre esse montante implicaria o aviltamento do trabalho do patrono da autora.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043211-66.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00021111820158160128
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | MEIRI GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | CLAUDIO MARCIO DE ARAUJO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 25/01/2017, na seqüência 2573, disponibilizada no DE de 11/01/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E DIFERIR, DE OFÍCIO, PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, ADOTANDO-SE INICIALMENTE O ÍNDICE DA LEI 11.960/2009.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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