Apelação Cível Nº 5007240-81.2016.4.04.7101/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CELSON DE SA CRIZEL (AUTOR)
ADVOGADO: ELSA FERNANDA REIMBRECHT GARCIA (OAB RS057392)
ADVOGADO: Gabriele de Souza Domingues (OAB RS082369)
ADVOGADO: claudia jaqueline menezes di gesu (OAB RS082338)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença (proferida na vigência do novo CPC) cujo dispositivo tem o seguinte teor (Evento 52, SENT1):
ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido para:
a) reconhecer como tempo de serviço especial o trabalho desenvolvido pelo demandante nos períodos compreendidos entre 01.03.1988 e 17.12.1991, 18.12.1991 e 31.01.1995, 01.03.1995 e 30.06.2005 e entre 01.07.2005 e 16.09.2016;
b) condenar o INSS à implantação e ao pagamento do benefício de aposentadoria especial ao autor, desde 16.09.2016 (DER);
c) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas a contar de 16.09.2016, acrescidas de correção monetária desde o vencimento de cada parcela pela variação do IPCA-E, a partir da citação, também de juros de mora de 6% ao ano.
Em face da sucumbência recíproca, pois reconhecido o direito à aposentadoria e rechaçado o pleito indenizatório por danos morais, condeno as partes ao pagamento das despesas processuais, à razão de metade para cada, aplicando-se o disposto no art. 4º da Lei nº 9.289/96 quanto às custas em relação ao INSS e o previsto no art. 98, §3º, do Código de Processo Civil quanto ao autor.
Outrossim, condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios ao patrono do demandante, verba que, em atenção aos referenciais do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vencidas após a sentença (Súmula nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Condeno o demandante ao pagamento de honorários advocatícios ao INSS, verba que, em atenção aos referenciais do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em valor correspondente a 10% (dez por cento) do almejado a título de indenização por danos morais, corrigido desde o ajuizamento pelo IPCA-E, verba que, apesar da gratuidade de justiça concedida ao autor, dada a evidente possibilidade de pagamento, via valor a ser satisfeito nesse processo (art. 98, §§2º e 3º, do Código de Processo Civil), deve ser oportunamente destacado do montante em execução.
Defiro o pedido de concessão de tutela provisória, nos termos da fundamentação, devendo o INSS, em até 30 (trinta) dias, comprovar a implantação do benefício.
Interposto recurso, intime-se a parte apelada para, querendo, no prazo legal, apresentar contrarrazões e, após, não sendo suscitadas as questões referidas no art. 1009, §1º, do Código de Processo Civil, encaminhe-se ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 1.010, §§1º e 3º, do Código de Processo Civil).
Apesar de a sentença não trazer o valor preciso da condenação, resta dispensado o reexame necessário, porque mesmo na hipótese de a renda mensal atingir o teto dos benefícios previdenciários, a condenação, aí incluídos correção monetária e juros de mora, será inferior ao equivalente a mil salários mínimos, patamar a partir do qual, de acordo com o disposto no art. 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil, ficam as sentenças proferidas em face de autarquias federais sujeitas ao duplo grau de jurisdição.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Em suas razões de apelação (Evento 60, APELAÇÃO1), a Autarquia Previdenciária requer, preliminarmente, a revogação do benefício da assistência judiciária gratuita. No mérito, a Autarquia Previdenciária alega ser indevido o reconhecimento do tempo especial nos períodos de 1-3-1988 a 17-12-1991, 18-12-1991 a 31-1-1995, 1-3-1995 a 30-6-2005, e 1-7-2005 a 16-9-2016 apresentando os seguintes argumentos: [a] condição de contribuinte individual do segurado; [b] inadmissibilidade de laudo similar; [c] ausência de laudo ou PPP que comprovem a especialidade do período de 1-7-2005 a 16-9-2016.
Houve a apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
I
Assistência Judiciária Gratuita
O INSS pede a revogação da assistência judiciária gratuita, ao argumento de que a parte autora possui ganhos que chegam a superar R$ 11.000 (onze mil reais).
Verifico do CNIS do autor que o requerente possui remunerações variáveis, sendo em alguns meses inferiores ao salário mínimo nacional. Realizando um cálculo da média dos valores das remunerações, encontra-se um valor aproximado a R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), valor inferior ao teto do RGPS (Evento 60, APELAÇÃO1, p. 4).
Ademais, nos termos do art. 100, caput, do CPC, a impugnação à concessão do benefício deve ser feita na resposta da peça na qual foi feito o requerimento - portanto, cabia ao INSS ter impugnado o critério adotado pelo julgador para conceder o benefício da gratuidade da justiça, requerido na inicial, o que deixou de fazer, nada alegando em contestação. A modificação da decisão inicial concessória seria possível, se demonstrado que houve alteração da situação econômica da parte, o que não foi comprovado pela autarquia (TRF4 5006199-24.2017.4.04.7108, 6ª Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 28/10/2019).
Assim, sendo os elementos constantes dos autos insuficientes para se inferir que o autor tem condições de arcar com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, conforme preceitua a Lei nº 1.060/1950, rejeito a preliminar suscitada, devendo prevalecer a declaração por ele prestada acerca da sua hipossuficiência financeira.
II
Tempo Especial
No que concerne ao reconhecimento da atividade especial, adoto os fundamentos da sentença, a seguir expostos:
"Do caso concreto
a) Tempo de serviço especial
De 01.03.1988 a 17.12.1991 e de 31.05.1990 e 31.01.1995, o autor efetuou contribuições na condição de contribuinte individual e teria prestado serviços para a empresa CRIZEL ELETROMECANICA LTDA, segundo se depreende de declaração da empresa e do resumo de tempo de serviço do INSS (evento 1, OUT10 e evento 13, RESPOSTA1, páginas 24 e 32).
Para comprovar as atividades do demandante relativamente aos períodos, foi realizada audiência para produção de prova oral.
Em audiência, a testemunha Paulo Alberto Silva da Silva declarou que conhece o autor desde 1979, quando começou a trabalhar na empresa Lima, Crizel e Terra, depois passou a ter dois sócios e depois apenas um sócio, o pai do autor, passando a ser denominada Crizel Eletromecânica. O depoente informou que ainda trabalha na empresa e realiza todo o tipo de serviço de eletricidade. Recordou que o autor iniciou a trabalhar na empresa desde que saiu do quartel, não tendo ciência da natureza de seu vínculo com a empresa. Questionado se o autor realizava, além de atividades de eletricista, atividades de escritório, relatou que o autor trabalha em tudo na empresa. Afirmou que o autor estudou eletrotécnica, mas não sabia precisar se concluiu o curso. A empresa Crizel faz subestação de alta tensão de 13.800 (volts), subestação de 69 kV, montagem de transformador para empresas da Barra, instação em navio.
A testemunha Clarice da Silva Bachini trabalha desde 1990 como auxiliar financeira na empresa Crizel, de propriedade de Ubirajara Crizel, pai do autor. Afirmou que agora os filhos de Ubirajara cuidam mais da empresa do que o dono. Declarou que as atribuições do autor consistem na atividade de eletricista de baixa e alta tensão, fazendo serviços internos e externos, inclusive em firmas e subestações. Não sabe porque o autor não teve vínculo registrado na CTPS em determinado período, asseverando que sempre trabalhou na empresa. Relata que o autor utiliza capacete, coturno, fone, cintos, luvas como equipamento de proteção.
Moisés Silva da Silva corroborou os depoimentos das outras testemunhas.
Portanto, em que pese a ausência de prova documental apontando nesse sentido, a prova oral é uníssona no sentido de que o autor atua frequentemente na condição de eletricista.
Assim, tratando-se de labor desenvolvido antes de 28.04.1995, afastados os períodos de concomitâncias de vínculos, impende o reconhecimento da especialidade laboral dos períodos de 01.03.1988 a 17.12.1991 e de 18.12.1991 e 31.01.1995, pelo enquadramento por atividade, com base no código 1.1.8 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64.
Entre 01.03.1995 e 30.06.2005, segundo a prova documental, o autor verteu contribuições como contribuinte individual e teria prestado serviços para a empresa TECNOMOTOR - MANUTENÇÕES ELETROMECÂNICA LTDA, segundo se depreende do formulário e do resumo de tempo de serviço do INSS (evento 1, PPP9, OUT10 e evento 13, RESPOSTA1, páginas 24 e 32).
Em que pese o autor conste como sócio-gerente no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) de 2004, o depoimento das testemunhas e o formulário comprovam que o autor laborou como eletricista (evento 22, LAUDO2, página 5).
Segundo o formulário, o autor realizava serviços elétricos de redes de alta tensão, de até 13.800 volts. No período, esteve submetido, além do risco de choque elétrico, a ruído, mensurado em 87,5 dB, umidade, óleos e graxas, recebendo equipamento de proteção discriminado no documento e avaliado como eficaz pelo perito declarante.
No que diz respeito ao período compreendido entre 01.07.2005 e 16.09.2016, segundo a prova documental, o autor laborou como eletricista na empresa CRIZEL ELETROMECANICA LTDA, conforme cópia da CTPS (evento 1, CTPS8, página 4).
Conforme se depreende dos laudos constantes dos autos e presumindo a continuidade das atividades do autor na empresa, que apesar de haver adotado outro nome, permaneceu no mesmo local (a Crizel localiza-se na Rua Osório, 520 e a Tecnomotor localizava-se na Rua Osório, 521 da Tecnomotor), considera-se que exerceu a função de eletricista nos mesmos parâmetros já estabelecidos e naqueles referidos abaixo.
Pois bem, considerando que o autor desempenhou nos períodos a função de eletricista, exposto a altas tensões, superiores a 250 volts - o formulário apresentado indica o trabalho em tensões de 13.800 volts -, resta caracterizada a periculosidade das atividades por ele desenvolvidas, pela exposição à eletricidade, no interregno em comento (Evento 1, LAUDO14, Página 5).
[...]
Desse modo, resta comprovado o exercício de atividade especial nos períodos de 01.03.1995 a 30.06.2005 e de 01.07.2005 a 16.09.2016."
Restando impossível a realização da perícia no local onde o serviço foi prestado, porque não mais existente, admite-se a perícia indireta ou por similitude, realizada mediante o estudo técnico em outro estabelecimento, que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida. São pertinentes ao caso os seguintes precedentes da Turma: [a] são admissíveis como prova a perícia indireta, o laudo similar e a prova emprestada (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR); [b] o fato das provas não serem contemporâneas ao exercício das atividades não prejudica a validade dos documentos para fins de averiguação das reais condições de trabalho na empresa (0001893-57.2017.4.04.9999 - ARTUR CÉSAR DE SOUZA).
Acerca do reconhecimento da especialidade da atividade exercida por contribuinte individual, a fim de evitar tautologia, transcreve-se trecho do voto do Des. Federal Celso Kipper, no processo de nº 0001774-09.2011.404.9999/RS:
Alega o INSS que o tempo de serviço laborado na condição de contribuinte individual não pode ser reconhecido como especial, tendo em vista que este não contribui para o financiamento do benefício de aposentadoria especial.
Em primeiro lugar, a Lei de Benefícios da Previdência Social, ao instituir, nos artigos 57 e 58, a aposentadoria especial e a conversão de tempo especial em comum, não excepcionou o contribuinte individual, apenas exigiu que o segurado, sem qualquer limitação quanto à sua categoria (empregado, trabalhador avulso ou contribuinte individual), trabalhasse sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Veja-se, a propósito, a redação do caput e §§ 3º e 4º do referido artigo:
Art. 57 - A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhando sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos, conforme dispuser a lei.
(...)
§ 3º - A concessão de aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º - O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão de qualquer benefício.
(...)
Por outro lado, o art. 64 do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto 4.729, de 09-06-2003, assim estabelece:
Art. 64 - A aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
O Regulamento da Previdência Social, entretanto, ao não possibilitar o reconhecimento, como especial, do tempo de serviço prestado pelo segurado contribuinte individual que não seja cooperado, filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, estabeleceu diferença não consignada em lei para o exercício de direito de segurados que se encontram em situações idênticas, razão pela qual extrapola os limites da lei e deve ser considerado nulo nesse tocante. A respeito da nulidade das disposições do decreto regulamentador que extrapolarem os limites da lei a que se referem, vejam-se os seguintes precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPVA. ISENÇÃO. ARTIGO 1º, DO DECRETO ESTADUAL 9.918/2000. RESTRIÇÃO AOS VEÍCULOS ADQUIRIDOS DE REVENDEDORES LOCALIZADOS NO MATO GROSSO DO SUL. EXORBITÂNCIA DOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI ESTADUAL 1.810/97. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE ESTRITA. INOBSERVÂNCIA. AFASTAMENTO DE ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 10/STF. OBSERVÂNCIA.
1. A isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), concedida pelo Decreto Estadual 9.918/2000, revela-se ilegal i inconstitucional, porquanto introduzida, no ordenamento jurídico, por ato normativo secundário, que extrapolou os limites do texto legal regulamentado (qual seja, a Lei Estadual 1.810/97), bem como ante a inobservância do princípio constitucional da legalidade estrita, encartado no artigo 150, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(...)
4. Como de sabença, a validade dos atos normativos secundários (entre os quais figura o decreto regulamentador) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais, etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper a hierarquia normativa subjacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de inconstitucionalidade (precedentes do Supremo tribunal Federal: ADI 531 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI 365 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991).
(...)
(RO em MS n. 21.942, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 15-02-2011) Grifei
TRIBUTÁRIO. AITP. LEI 8.630/93 E DECRETO 1.035/93. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO. NULIDADE DO ACÓRDÃO. PRELIMINAR REJEITADA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. PRECEDENTES.
- Preliminar de nulidade rejeitada, por não caracterizada violação ao art. 535 do CPC.
- O decreto regulamentar não pode ir além do disposto na lei a que se refere.
(...)
(REsp n. 433.829, Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em 20-09-2005) Grifei
FINANCEIRO. MUTUÁRIOS DO S.F.H. CONVERSÃO DO DÉBITO, EM FACE DA IMPLANTAÇÃO DO PLANO CRUZADO. DECRETO-LEI Nº 2.284/86 (ARTIGO 10 - ANEXO III). ALTERAÇÃO DE CRITÉRIO (DECRETO Nº 92.591/86). ILEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O regulamento não pode extrapolar das disposições contidas na lei, sob pena de resultar eivado de nulidade.
(...)
(REsp n. 14.741-0, Primeira Turma, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, julgado em 02-06-1993) Grifei
De outra banda, é verdade que, a teor do art. 195, § 5º, da Constituição Federal, nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
No entanto, para a concessão de aposentadoria especial ou conversão de tempo exercido sob condições especiais em tempo de trabalho comum, previstas nos artigos 57 e 58 da Lei de benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio: o parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91, os quais possuem o seguinte teor:
Art. 57 - (...)
§ 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inc. II do art. 22 da Lei 8.212, de 24/07/91, cujas alíquotas serão acrescidas de 12, 9 ou 6 pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.
Art. 22 - (...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Ademais, não vejo óbice ao fato de a lei indicar como fonte do financiamento da aposentadoria especial e da conversão de tempo especial em comum as contribuições a cargo da empresa, pois o art. 195, caput e incisos, da Constituição Federal, dispõem que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, dentre outras ali elencadas, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei.
Por fim, ressalto que, a rigor, sequer haveria, no caso, necessidade de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), hipótese em que sua concessão independe de identificação da fonte de custeio (STF, RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03-03-1998; RE n. 170.574, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 31-05-1994; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20-11-2007; ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30-10-1997; RE n. 215.401-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 26-08-1997; AI n. 553.993, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 28-09-2005), regra esta dirigida à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Diante dessas considerações, o tempo de serviço sujeito a condições nocivas à saúde, prestado pela parte autora na condição de contribuinte individual, deve ser reconhecido como especial."
Nesse sentido a Turma tem decidido que "é possível o reconhecimento do caráter especial das atividades desempenhadas pelo segurado contribuinte individual, desde que o trabalhador consiga demonstrar o efetivo exercício de atividades nocivas, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, ou então, em decorrência do exercício de atividade considerada especial por enquadramento por categoria profissional, no período até a vigência da Lei 9.032/1995. A falta de previsão legal para o recolhimento de adicional sobre a contribuição do contribuinte individual para fins de custeio da aposentadoria especial não pode obstar-lhe o reconhecimento do caráter especial dos períodos laborados em exposição a agentes nocivos." (50035485620164047107 - JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA).
Destarte, tenho que são improcedentes as alegações apresentadas pela autarquia quanto ao assunto discutido.
III
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Por fim, a partir de 8-12-2021, incidirá o artigo 3º da Emenda n. 113:
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
IV
Honorários advocatícios majorados em 50% (§ 11 do artigo 85 do CPC). Em face da pendência do Tema 1.059 (STJ), o acréscimo tão somente poderá ser exigido na fase de execução (se for o caso), após a resolução da questão pelo Tribunal Superior.
V
Assim, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que pague ao segurado, a partir da competência atual, o benefício de aposentadoria especial. A ele é deferido o prazo máximo de 20 dias para cumprimento. Sobre as parcelas vencidas (obrigação de pagar quantia certa), desde a DER, serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. A Autarquia deve reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | |
Espécie | Aposentadoria Especial |
DIB | 16/09/2016 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | Não se aplica |
RMI | A apurar |
Observações |
Conclusão
Negar provimento à apelação do INSS.
Adequar os consectários.
Determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003029165v25 e do código CRC a980eecf.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5007240-81.2016.4.04.7101/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CELSON DE SA CRIZEL (AUTOR)
ADVOGADO: ELSA FERNANDA REIMBRECHT GARCIA (OAB RS057392)
ADVOGADO: Gabriele de Souza Domingues (OAB RS082369)
ADVOGADO: claudia jaqueline menezes di gesu (OAB RS082338)
EMENTA
1. SÃO ADMISSÍVEIS COMO PROVA A PERÍCIA INDIRETA, O LAUDO SIMILAR E A PROVA EMPRESTADA (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR).
2. "O TEMPO DE SERVIÇO SUJEITO A CONDIÇÕES NOCIVAS À SAÚDE, PRESTADO PELA PARTE AUTORA NA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL, DEVE SER RECONHECIDO COMO ESPECIAL" (0001774-09.2011.404.9999 - CELSO KIPPER).
3. A UTILIZAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA, PREVISTA NA LEI 11.960/2009, FOI AFASTADA PELO STF NO JULGAMENTO DO TEMA 810, ATRAVÉS DO RE 870947, COM REPERCUSSÃO GERAL, O QUE RESTOU CONFIRMADO, NO JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO POR AQUELA CORTE, SEM QUALQUER MODULAÇÃO DE EFEITOS.
4. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO RESP 1495146, EM PRECEDENTE TAMBÉM VINCULANTE, E TENDO PRESENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DA TR COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA, DISTINGUIU OS CRÉDITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA, EM RELAÇÃO AOS QUAIS, COM BASE NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR, DETERMINOU A APLICAÇÃO DO INPC, DAQUELES DE CARÁTER ADMINISTRATIVO, PARA OS QUAIS DEVERÁ SER UTILIZADO O IPCA-E.
5. OS JUROS DE MORA, A CONTAR DA CITAÇÃO, DEVEM INCIDIR À TAXA DE 1% AO MÊS, ATÉ 29-06-2009. A PARTIR DE ENTÃO, INCIDEM UMA ÚNICA VEZ, ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO DO DÉBITO, SEGUNDO O PERCENTUAL APLICADO À CADERNETA DE POUPANÇA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003029166v5 e do código CRC a8b40c2b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 25/3/2022, às 16:2:33
Conferência de autenticidade emitida em 02/04/2022 04:01:18.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/03/2022 A 23/03/2022
Apelação Cível Nº 5007240-81.2016.4.04.7101/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CELSON DE SA CRIZEL (AUTOR)
ADVOGADO: ELSA FERNANDA REIMBRECHT GARCIA (OAB RS057392)
ADVOGADO: Gabriele de Souza Domingues (OAB RS082369)
ADVOGADO: claudia jaqueline menezes di gesu (OAB RS082338)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/03/2022, às 00:00, a 23/03/2022, às 14:00, na sequência 424, disponibilizada no DE de 07/03/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 02/04/2022 04:01:18.